O impacto dos blogs policiais nas polícias,na mídia e na sociedadeSÉRIE <strong>Debates</strong> <strong>CI</strong>36A recepção ao acontecimento dos blogs por comandose chefias das polícias – e, em alguns casos,por secretarias de segurança e governos estaduais –tem sido diversa e mutável. Surpreendentemente,comandos e governos associados a partidos progressistastiveram reações reservadas ou mesmo repressoras.Outros, independentemente de inclinações políticas,foram mais receptivos ao fenômeno. Istoprovavelmente indica que as respostas ao aparecimentode manifestações de policiais por meio de blogsnão são reguladas por lógicas políticas tradicionais(esquerda ou direita; progressistas ou conservadores),mas antes derivam das tradições culturais dentro dascorporações e da formação e estilo de comandantese chefes de polícia. Aparentemente, a receptividadeou hostilidade em relação aos blogs está associada àsensibilidade de autoridades em relação a mudançasque vem ocorrendo e certamente ocorrerão no cenáriogeral da segurança pública e à disposição préviade ouvir as vozes nas bases das corporações ao longodeste processo.De um modo geral, os blogueiros acham que contamcom apoio decidido dos seus colegas (91,8%).Quando se trata de seus superiores hierárquicos,as avaliações se dividem. Apenas 24,3% acham queeles aprovam o blog. Um quinto (20%) acha que elesreprovam e uma parcela semelhante (21,4%) achaque eles são indiferentes.Avaliação sobre a opinião de colegase superiores hierárquicos sobre o blogAprovam o blogSão indiferentesReprovam o blogNão sabem da existência do blogNão têm opinião formadaOutrosNº %17 24,315 21,414 20,09 12,99 12,96 8,6Total 70 100,0Aprovam o blogNão sabem da existência do blogNão têm opinião formadaSão indiferentesOutrosReprovam o blogSuperiores hierárquicosColegas e companheirosNº %67 91,82 2,71 1,41 1,41 1,41 1,4Total 73 100,0Entre as reações repressivas mais conhecidas estãoa da Justiça paulista, que a pedido da Polícia Civil deSão Paulo, em outubro de 2008, retirou do ar o blogFlit Paralisante, mantido pelo delegado RobertoConde Guerra. O comando da Polícia Militar do Riode Janeiro também agiu contra várias páginas. Emsetembro de 2008, abriu processos na Justiça Militarpor “crítica indevida a superior hierárquico” contra omajor Wanderby. No mesmo mês, puniu o majorRoberto Vianna com pena de prisão por este ter-sesolidarizado com o major Wanderby. Em janeiro de2009, puniu com pena de prisão o coronel RonaldoMenezes, por ter publicado no blog do coronel Paúlo artigo A perversidade do bico e a privatização dasegurança pública.
Naturalmente, essas punições trouxeram grandeaudiência para os blogs, inclusive na mídia impressa,rádios e TVs e consolidaram entre os policiais e naopinião pública a existência de um tipo de blog dedicadoà denúncia das injustiças dentro das corporações.Fortaleceram, assim, uma das três razões deexistência da Blogpol, segundo a classificação do blogueiroDanillo Ferreira: “militares militando”.Curiosamente, quando perguntamos aos 73 blogueirosse já tinham sido punidos e se já tinham sidoelogiados por comentários publicados nos blogs, opercentual de profissionais que recebeu elogios émuito próximo do percentual que sofreu represáliaspor causa das suas atividades no blog.Represálias e elogios por parte de comandos e chefiasRecebeuelogiosSofreurepresálias64,363,035,737,00 25 50 75 100NãoNo entanto, essas respostas não deveriam sugerirque as censuras se equiparam, no dia a dia dos blogueirospoliciais, aos estímulos. Ou seja, apesar depercentualmente semelhantes, essas duas realidadesnão se equivalem. O cuidado e a autocensura estãopresentes todo o tempo. Um jovem policial, que nuncafoi censurado ou reprimido, acrescentou:SimNota: não há informação em três formulários paraa pergunta 27 (dos que receberam elogios)Fonte: Blogosfera Policial no Brasil. CESeC/UNESCO, 2009.Convém esclarecer que, como estou em iníciode carreira, evito deliberadamente críticas diretas,por fundado receio de retaliação. Acho queoutros, principalmente novatos, também têmeste receio. Na polícia, a forma mais rápida e ‘legal’de se punir algum subordinado desafeto éescalá-lo ou transferi-lo para horários, serviços,regiões ou equipes incompatíveis com suas condiçõese valores. (...) Posteriormente, conformeo rancor despertado, ele será preterido nas promoçõessubjetivas, impactando diretamente suaremuneração e ascensão funcional, entre outrasações de assédio. (...) Isto ocorre em todas aspolícias, não só na Militar, onde os direitos fundamentaisinexistem.O mesmo policial assinala, entretanto, que estasituação está mudando. “Na era do conhecimento,tem poder quem controla a informação e o conhecimento.Com a internet, o Orkut, o YTB e os blogs, abalança do poder pendeu para o lado até então maisfraco”.Mas o temor de retaliações ainda regula a blogosferapolicial. Entre os 73 entrevistados, 27 disseramjá ter sido censurados ou reprimidos. As ameaças deprisão e transferência vêm em primeiro lugar, comquase 26% dos casos. Procedimentos formais depunição e avisos são as outras formas mais experimentadaspelos respondentes. Diversos blogueirosmencionaram censura por meio de bloqueio da páginana rede interna das corporações. Mas em geral estetipo de bloqueio é facilmente eliminado quando, emvez de simplesmente digitar a URL da página na barrade navegação, o usuário acessa o blog através desites de busca, como o Google.O problema dos controles exercidos por superioreshierárquicos e das ameaças de punições, emtodas as corporações, foi uma questão permanentesurgida na pesquisa, que mobilizou tanto as respostasda pesquisa quantitativa como as entrevistas edos seminários. No entanto, está claro que as corporaçõesnão tinham e ainda não têm dispositivoslegais específicos para regular a atividades de seuscomponentes no mundo virtual. Pode-se dizer que ainternet, e especificamente a blogosfera, surpreendeuinstituições historicamente conservadoras e particularmentefechadas em relação a manifestaçõesindividuais de opiniões por seus membros. Embora aatitude que vai da reserva ao controle explícito nãoseja exclusividades das PMs, nas instituições militarizadasisto aparece de forma mais evidente do quenas instituições civis. Um policial militar disse:quando fui chamado para uma averiguação, aífui saber que no nosso regulamento disciplinar,tem sim, como prender qualquer blogueiro portransgressão disciplinar baseado na passagemque diz que é proibido comentar sobre questãode polícia militar ou política, sem autorização,salvo questões meramente técnicas e com autorização.Então se for se ater na letra do regula-37SÉRIE <strong>Debates</strong> <strong>CI</strong> A Blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitter