Manual de ECG - Sanar
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ECG Completo.indb 1 26/08/2019 09:26:17
ECG Completo.indb 3 26/08/2019 09:26:18
Introdução ao ECG
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
1
INTRODUÇÃO
O eletrocardiograma (ECG) é um
exame simples e barato, obrigatório
em emergências. Ele registra traçados
que, ao serem analisados, possibilitam
identificar e intervir precocemente
em patologias potencialmente
fatais como o infarto agudo do miocárdio
e arritmias.
O funcionamento do aparelho é
simples, vamos ver. O profissional responsável
posiciona eletrodos que irão
registrar as atividades elétricas (diferenças
de potencial) a partir de um
“ponto de vista” específico, portanto,
saibam desde já que é importante
posicionar corretamente os eletrodos
e iremos falar disso logo mais. O ECG
funciona como se “câmeras” fossem
posicionadas em volta do coração em
locais pré-determinados e estas registram
os impulsos elétricos que se aproximam
ou se afastam de cada eletrodo
(Figura 1).
A atividade elétrica cardíaca gera
uma diferença de potencial (voltagem)
que é registrada pelo aparelho de ECG.
O pré-requisito para que haja uma diferença
de potencial é a existência de dois
pontos com potenciais diferentes. Uma
derivação, portanto, é uma câmera que
registra a atividade em dois pontos.
Figura 1 - Várias câmeras capturando a
beleza da “Dama del paraguas”, um ponto
turístico de Barcelona.
Para a melhor visualização de todos os pontos de vista desse monumento,
várias câmeras são usadas. Desenho de Pilarín Bayés de Luna, irmã do professor
Bayés de Luna.
Se esse potencial está ocorrendo no sentido
da câmera, então a seta do vetor
apontará para ela. Simples assim.
Essas “câmeras”, de que falo, possuem
um nome especial no ECG: derivações.
Elas são compostas sempre
por dois polos (bipolares, portanto). As
derivações dos membros, que chamamos
de periféricas, registram a diferença
de potencial dos próprios polos
entre si; e as derivações do precórdio,
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ECG Completo.indb 17 26/08/2019 09:26:20
CAPÍTULO 1
chamadas de derivações horizontais,
registram a diferença de potencial do
eletrodo no tórax até um ponto central
virtual criado matematicamente pelas
quatro derivações periféricas. Como
no caso das derivações dos membros,
um vetor parte de um polo para outro,
e no caso das derivações precordiais,
o vetor parte deste polo virtual para
o eletrodo no tórax, os livros didáticos
erroneamente chamam os eletrodos
periféricos como “bipolares”, e os precordiais
como “unipolares” (1).
o bem-estar do animal, saiba que a Royal
Society of London também ficou, e
o que se sabe da época é que nenhum
maltrato foi registrado no simpático
animal (5) (Figura 2).
Figura 2 - Uma demonstração da captura de
um eletrocardiograma do bulldog Jimmie,
animal de estimação de Augustus Waller.
HISTÓRICO
No fim do século XIX, era senso
comum entre cientistas o fato de que
nervos e músculos podiam ser estimulados
artificialmente. Fisiologistas se
deram ao trabalho de procurar atividade
elétrica em animais, até que em
1856, Koelliker e Muller conseguiram
demonstrar biopotencial elétrico no
coração de um sapo. E foram além, no
mesmo experimento, ao posicionar a
pata de um sapo na mesma solução
em que estava contido o coração, perceberam
que a atividade elétrica que
contraía a pata precedia a sístole cardíaca
– a descoberta de que a atividade
elétrica precedia a sístole e poderia
ser a razão pela qual os corações batem
(2,3).
Esses avanços levaram ao primeiro
registro de um eletrocardiograma
humano, em 1887, por Waller (4), que
fez também vários experimentos em
seu cachorro de estimação, o bulldog
Jimmie. Se você está preocupado com
Essa demonstração causou certo estranhamento no público presente,
causando debate se o Ato de Crueldade aos Animais fora contravertido.
A resposta do secretário de estado foi: “Mr. Gladstone, eu entendo que o
cachorro ficou em pé por algum tempo em água com sal. Se meu honrado
amigo já tivesse remado no mar, saberia a sensação” (5).
Nos seus experimentos, Waller
usava uma cinta no tórax contendo
dois eletrodos: o primeiro na
parte frontal do tórax, conectado
a uma coluna de mercúrio de um
eletrômetro capilar; e o segundo
no dorso conectado a ácido sulfúrico
(Figura 3). A coluna de mercúrio
se movia para cima e para baixo de
acordo a atividade elétrica e o que
movia a placa onde se desenhava
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ECG Completo.indb 18 26/08/2019 09:26:20
INTRODUÇÃO AO ECG
Figura 3 - Traçado do primeiro eletrocardiograma humano realizado em Waller.
A marcação “t” é a representação de um segundo, a marcação “h” é a movimentação da parede do tórax, e a representação “e” representa o eletrocardiograma
através da movimentação da coluna de mercúrio no eletrômetro (4).
de – 25 milímetros por segundo e
um fotoquimiógrafo projetava uma
linha vertical mais grossa após 4 linhas
mais finas. O galvanômetro se
moveria 1mm caso uma diferença de
potencial de 0,1mV fosse registrada.
Também nesse artigo foram alcunhadas
as deflexões do eletrocardiograma:
PQRST (6,7). Nesse momento, o
leitor já percebe que Einthoven não
apenas criou o primeiro eletrocardiógrafo
passível de utilização na prática
clínica, como definiu seus fundamentos,
tudo em duas publicações
– isso lhe rendeu o prêmio Nobel e
40 mil dólares em prêmio em 1924
(8). As letras escolhidas (PQRST),
aliás, são fruto de discussão até hoje:
uns afirmam que Einthoven escolheu
letras no meio do alfabeto para deixar
espaço para outras deflexões que
poderiam ser (e foram) descobertas;
outros – e esta é também a opinião
do autor – afirmam que teve influênessa
atividade para que um registro
temporal fosse adquirido era um
trem de brinquedo.
É lamentável que o papel de Waller
seja negligenciado na história da eletrocardiografia,
mas o próprio parece
ter subestimado seus achados que,
sim, eram de má qualidade (mas eram
os primeiros!) e inadequados para propósitos
clínicos e chegou a afirmar que
não imaginava que a eletrocardiografia
encontraria papel extenso em hospitais.
O médico holandês Willem Einthoven,
insatisfeito com o eletrômetro
capilar usado nos experimentos
de Waller, desenvolveu em 1901 um
novo galvanômetro de corda, superior
ao capilar usado até então com
sensibilidade e metodologia aplicáveis
em Medicina. Ele desenvolveu
um método em que a placa fotográfica
onde seria registrada caía numa
frequência constante pela gravida-
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ECG Completo.indb 19 26/08/2019 09:26:20
CAPÍTULO 1
cia dos trabalhos geométricos e médicos
(de fisiologia ótica) de Descartes
(9–11).
Em 1908, em um extenso artigo,
Einthoven descreve seus aprendizados
com a observação de 5 mil eletrocardiogramas
já realizados. Definiu que a
onda P representava a ativação do átrio
e onda Q fazia parte do ventrículo (12).
esquerda (13). E a lei de Einthoven
postula que D1 + D3 = D2, de acordo
com a lei de Kirchoff (1).
Figura 4 - Triângulo de Eithoven, como
desenhado em seu trabalho original (8).
TEORIA DAS DERIVAÇÕES
Para que se uniformizasse o exame
no mundo inteiro, era necessário
saber em que ângulos essas “câmeras”
iriam olhar para o coração. Esforços
se iniciaram para criar derivações
que pudessem ter importância prática
na avaliação da atividade elétrica
cardíaca.
A teoria clássica das derivações foi
proposta por Einthoven. Essa teoria
assume que o corpo humano é parte
de um condutor homogêneo e infinito
em que as fontes elétricas cardíacas
são representadas por uma única
corrente de dipolo que varia com o
tempo, mas preso a uma localização
fixa. Resumindo: um único vetor
a cada batimento. As derivações de
Einthoven usam derivações em três
membros: braços (direito e esquerdo)
e perna esquerda.
O triângulo de Einthoven (Figura 4)
foi, então, criado a partir dessas derivações:
a derivação D1, por exemplo,
grava o potencial de ação entre o braço
direito e o braço esquerdo, D2 entre
o braço direito e a perna esquerda e
D3 entre o braço esquerdo e a perna
Burger, no entanto, levou em consideração
que o corpo humano é tridimensional,
tem formato irregular e
volumes condutores não homogêneos
e corrigiu o triângulo de Einthoven
imaginando um triângulo não equilátero
(Figura 5), mas permaneceu com
a ideia de dipolo fixo (14,15).
Figura 5 - Triângulo de Burger.
Perceba que não é equilátero. Leva em consideração diferenças de campo
elétrico de diferentes órgãos do corpo humano (15).
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ECG Completo.indb 20 26/08/2019 09:26:20
INTRODUÇÃO AO ECG
Em 1934, Wilson uniu os três
vértices do triângulo de Einthoven
a resistências de 5 mil ohms,
introduziu esse tal ponto virtual
do qual já falamos na introdução
deste capítulo: o “terminal central
de Wilson”. Esse ponto virtual foi
inicialmente criado com o intuito
de calcular a diferença de potencial
do braço direito, por exemplo,
até o centro do triângulo de
Einthoven, o que foi chamado na
época de VR (16). Por fim, em 1942,
Goldberger, introduziu um aumento
na sensibilidade dessas últimas
derivações, que agora teriam um
“a” em frente a seus nomes, surgindo,
então, aVR, aVF e aVL – o po-
tencial do braço direito, da perna
esquerda e do braço esquerdo, respetivamente
(17). Para entender a
razão de eu ter falado isso tudo,
introduzo agora o famoso “Círculo
de Cabrera”, na Figura 6. Não deixe
de ler a legenda.
O ELETROCARDIOGRAMA
HUMANO E SUAS ONDAS
Se você não entendeu muita coisa
do que foi escrito acima, não tem problema.
Esta é uma introdução teórica,
mas com pouco papel na prática. A
partir de agora, vamos focar no que interessa
na vida de um profissional que
lida com eletrocardiograma.
Figura 6
No painel A, observamos o triângulo de Einthoven e o terminal central de Wilson criado pelas três resistências de 5000ohms colocadas em cada
vértice do triângulo. No painel B, observamos o triângulo de Cabrera, em que temos as derivações clássicas D1, D2, D3, mais as criadas por Wilson e
aumentadas por Goldberg: aVR, aVL e aVF, todas dispostas de acordo com seus ângulos.
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ECG Completo.indb 21 26/08/2019 09:26:21
CAPÍTULO 1
O registro elétrico do coração é
composto pelas seguintes atividades,
em sequência:
• Despolarização dos átrios (primeiro
direito, depois esquerdo).
• Intervalo átrio-ventricular.
• Despolarização dos ventrículos.
• Repolarização dos átrios.
• Repolarização dos ventrículos.
Cada uma dessas atividades corresponde
a uma entidade do eletrocardiograma,
seja ela uma onda, um
complexo de ondas, um intervalo
ou um segmento (Figura 7). Vamos
aprender:
• Despolarização dos átrios (primeiro
direito, depois esquerdo):
onda P.
• Intervalo atrioventricular: intervalo
PR.
• Despolarização dos ventrículos:
complexo QRS (Q é a onda negativa,
R é a primeira onda positiva;
S é a onda negativa após o R. Algumas
situações podem dar uma
segunda onda positiva, sendo
chamada R’ - lê-se erre linha).
• Repolarização dos átrios: atividade
de baixa voltagem que coincide
com o QRS, portanto, não é vista
em situações normais de repouso.
• Repolarização dos ventrículos:
segmento ST e onda T.
Para entender melhor essa seção,
vamos revisar cada um desses tópicos
individualmente. E para fazer isso, vou
relembrar duas regras importantes da
eletrocardiografia.
1. Lembre-se que as diferenças de potencial
decorrentes da despolarização do
átrio, do ventrículo e também pela repo-
Figura 7 - Ondas, complexos, intervalos e segmentos do eletrocardiograma de superfície.
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ECG Completo.indb 22 26/08/2019 09:26:22
INTRODUÇÃO AO ECG
larização ventricular serão capturadas pelas
derivações que vimos anteriormente
e formarão “ondas” no traçado do eletrocardiograma.
Tenha em mente que tudo
que se afasta da câmera será gravado
como negativo, e tudo que vai de encontro
à câmera será positivo no ECG.
2. Se revisarmos o círculo de Cabrera
(Figura 6) e imaginarmos um coração
no meio desse círculo, observaremos
que D2 é uma derivação muito
próxima ao eixo elétrico cardíaco normal
– afinal, o eixo elétrico resultante
cardíaco irá apontar de cima para baixo
e da direita para esquerda (some os
vetores). Por conta disto, esta é uma
derivação de muita didática e será utilizada
nos próximos parágrafos.
Comecemos. O impulso gerado
pelo nó sinusal segue em direção ao nó
AV despolarizando os átrios, ou seja, se
aproximando da câmera de D2. Sendo
assim, esta registra uma onda positiva
(porque se aproxima de D2) e de pequena
amplitude e duração (porque o
átrio tem pouca força e massa, comparada
ao ventrículo), que é a onda P.
O nó AV atrasa o impulso e, como
não há maiores áreas sendo despolarizadas,
registra-se apenas uma linha
reta que denominamos de intervalo
PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua
despolarização. O que você vai ver nos
próximos parágrafos também pode
ser traduzido em vetores.
A despolarização inicial do septo
promove a despolarização em diversos
sentidos, entretanto a resultante
de todas as direções se afasta da filmadora
em D2 e este é o motivo da
formação de uma onda negativa, chamada
onda Q. Por definição: onda Q
é uma onda negativa que se inscreve
antes da onda R. Se a onda é negativa,
então, o vetor se afasta de D2.
As mudanças iônicas geradas pelo
potencial de ação seguem, então, em
direção ao ápice cardíaco pelos ramos
direito e esquerdo, se aproximando intensamente
da nossa “câmera” D2. O resultado
é a grande onda R, por definição
a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o
maior de todos, vai em direção a D2.
Posteriormente, a ascensão pelas
paredes livres dos ventrículos, se afastando
novamente da câmera, forma a
onda S, por definição, a onda negativa
que vem depois da onda R, afastando-se
de D2, acabando assim de despolarizar
os ventrículos. A soma dos
vetores de Q + R + S é o vetor elétrico
cardíaco, e deverá ser posicionado no
Círculo de Cabrera para análise. Veremos
isso no próximo capítulo. Por fim,
após a despolarização, as células retornam
ao seu estado original, ou seja,
se repolarizam. O resultado, de modo
simplista, é o registro da onda T.
É importante lembrar que essas ondas
possuem essa conformação que
descrevemos em D2 e também em
algumas outras derivações, mas não
em todas. Por exemplo, em aVR, que é
praticamente oposta a D2 (vide Círculo
de Cabrera), o normal é termos uma P
negativa, uma onda Q apenas (não sucedida
de R ou S) e uma T negativa.
Outras ondas ou eventos podem
aparecer no eletrocardiograma. São de
interesse por enquanto: (a) o ponto J é
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ECG Completo.indb 23 26/08/2019 09:26:22
CAPÍTULO 1
o ponto em que o complexo QRS termina
e o galvanômetro ganha novamente
a linha de base do eletrocardiograma;
(b) o ponto Y é de interesse na
eletrocardiografia de estresse, como
discutiremos no capítulo 26; (c) a onda
U é motivo de controvérsia até hoje
(discutiremos com detalhes no capítulo
4) e pode corresponder à repolarização
das fibras de Purkinje ou das células
M (células médio-miocárdicas com
características ambíguas de músculo e
condutora de estímulo elétrico).
Sobre o complexo QRS, devemos
ter em mente que ele só existe no eletrocardiograma
caso a despolarização
ventricular apresente três vetores – um
negativo, outro positivo, e o terceiro
negativo. Caso apresente apenas dois
complexos, o leitor deve observar naquela
derivação qual deflexão inicia
a atividade ventricular: se negativa,
Figura 8 - Padrões de complexos QRS.
Perceba que devemos obedecer a três regras para a correta nomenclatura deste complexo. A primeira é: sempre seguir a ordem alfabética. A segunda
é: a onda “q” é sempre negativa, a onda “r” é sempre positiva, e a onda “s” é sempre negativa. A terceira regra é: se uma onda é pouco ampla, ela será
marcada por letra minúscula “e” e uma letra é muito ampla, ela será marcada por uma letra maiúscula. Sabendo das regras, fica fácil perceber que um
complexo com uma pequena deflexão positiva seguida de uma grande deflexão negativa será chamada “qR”.
24
ECG Completo.indb 24 26/08/2019 09:26:22
INTRODUÇÃO AO ECG
sabemos que teremos um complexo
“q” seguido de alguma coisa que pode
ser “r” ou “s”; se positiva, teremos um
complexo “r” seguido de alguma coisa
que só pode ser “s”. Temos que seguir
a ordem alfabética! Por exemplo:
um complexo cuja primeira deflexão
é negativa, seguida de uma positiva
é chamado de complexo “qr”. O leitor
também precisa se acostumar ao fato
de que a amplitude da deflexão também
dita se usaremos letras minúsculas
ou maiúsculas. Mais um exemplo:
se um complexo começa com uma
onda positiva de pequena amplitude e
é sucedida de uma negativa de grande
amplitude, sua descrição no texto estará
como complexo rS – atenção, não
podemos chamar de rQ, pois isso não
segue a ordem alfabética.
Caso tenhamos um complexo com
apenas uma deflexão negativa, chamamos
esse complexo de QS. Caso a
deflexão seja exclusivamente positiva,
chamamos “R puro”.
Em último caso (mas não infrequentemente),
se tivermos um complexo
com uma onda positiva, seguida
de uma deflexão negativa e mais
uma positiva, teremos que começar
o complexo pela letra “r”. A deflexão
negativa será chamada de “s”. A terceira
deflexão positiva, seguindo o
alfabeto, não pode chamar-se “T”,
pois essa significa a repolarização
ventricular. Então, a saída foi chamar
de R’ (lê-se erre linha): complexo rsR’,
típico do bloqueio de ramo direito
em V1. Veja o resumo dessas denominações
na Figura 8.
CONFIGURAÇÃO DO
ELETROCARDIÓGRAFO
Já vimos que o eletrocardiógrafo tem
a capacidade de representar estímulos
elétricos através da inscrição gráfica de
uma voltagem (diferença de potencial
elétrico) em um papel milimetrado –
quem convencionou isso foi Einthoven.
Quando configurado no modo padronizado
(N de “ganho” e 25 mm/s de
velocidade), cada milímetro do papel
para cima ou para baixo corresponde a
0,1 mV de amplitude (é o “tamanho” da
onda), e para esquerda ou para direita a
40 ms ou 0,04 segundos de duração (é a
“largura” da onda) (Figura 9).
Figura 9
Papel milimetrado: cada milímetro ou quadradinho corresponde a
0,1mV e 40ms (0,04 segundos). Cada quadradão, portanto, corresponde
então a 0,5mV e 200ms.
Já vimos o que significam as derivações:
são uma espécie de olho ou
câmera que enxergam aquilo que está
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ECG Completo.indb 25 26/08/2019 09:26:22
CAPÍTULO 1
na sua frente. Mas elas têm um filtro:
não enxergam movimento, não enxergam
infravermelho; elas enxergam
uma diferença de potencial (ou voltagem).
Se uma diferença de potencial é
criada com um vetor que vai de encontro
àquela derivação, a caneta do eletrocardiógrafo
irá desenhar algo para
cima no papel (positivo). Se o vetor
fugir da derivação, a caneta desenhará
algo negativo (para baixo) no papel.
Também obedecerá à voltagem e ao
tempo de ativação. Se fugiu 0,5mV,
teremos uma deflexão negativa com
amplitude de 5 quadradinhos (ou 1
quadradão). Se essa atividade durou
80ms, então teremos uma deflexão
que durará 2 quadradinhos.
O ECG padrão conta com 12 derivações,
sendo seis periféricas (D1, D2, D3,
aVR, aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2,
V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração
através de um ponto de vista diferente:
as derivações periféricas, por exemplo,
enxergam se o estímulo elétrico vai para
cima ou para baixo e para a esquerda ou
para direita, mas não se anterior ou posteriormente;
já as derivações precordiais
enxergam se o estímulo vai para frente e
para trás, para a esquerda e para a direita,
mas não se superior ou inferiormente. Por
isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
profissional experiente avalia as 12 derivações
em conjunto. E em algumas situações
clínicas, usamos até 18 derivações,
ou até inventamos uma (18).
Tabela 1 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.
Eletrodo
Eletrodo amarelo
Eletrodo verde
Eletrodo vermelho
Eletrodo preto
Braço esquerdo
Perna esquerda
Braço direito
Perna direita
Posição
V1
V2
V3
V4
V5
V6
V7
V8
V9
V3R
V4R
4º EIC. Para-esternal à direita
4º EIC. Para-esternal à esquerda
Entre V2 e V4
5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda
Entre V4 e V6
5º EIC, Linha axilar média
Entre V6 e V8
Inferior à ponta da escápula
Medial a V8
Entre V1 e V4R
5º EIC. Linha médio-clavicular direita
26
ECG Completo.indb 26 26/08/2019 09:26:22
INTRODUÇÃO AO ECG
Elas são dispostas pelo corpo do
paciente de maneira a obter êxito em
um objetivo: o de registrar no papel a
atividade elétrica do coração, na tentativa
de capturar a maior área possível
– lembre-se da “Dama del paráguas”.
A localização exata dos eletrodos
onde vamos plugar essas derivações,
portanto, é de fundamental importância
para um eletrocardiograma de
qualidade. Reveja na Figura 10 e Tabela
1. Você viu que podemos ter quantas
derivações quisermos. É clássico
em prontos-socorros de Cardiologia a
solicitação de um “eletrocardiograma
de 17 derivações”. Nele estão inclusas
as derivações V7, V8 e V9, V3R e V4R
(Figuras 10, 11 e 12). O motivo da solicitação
destas derivações é aumentar
a área vista por esses olhos ou câmeras
que são as derivações.
No capítulo 5, revisaremos o que
acontece quando há troca de eletrodos
ou quando qualquer outro artefato
influencia na correta realização do
exame.
Figura 10 - Posicionamento correto das derivações em plano horizontal: V1 e V2 no quarto
espaço intercostal, sendo V1 vizinho ao esterno à direita e V2 vizinho ao esterno à esquerda.
V3 fica no meio do caminho entre V2 e V4. V4, V5 e V6 ficam no quinto espaço intercostal.
Elas devem ser dispostas de tal maneira que V6 deve estar na linha médio-axilar.
Um erro bastante comum na preparação para a obtenção de um eletrocardiograma de 12 derivações é o posicionamento de V1 e V2 no segundo espaço
intercostal. Como você reparou no texto, essas derivações do plano horizontal não são capazes de perceber se um estímulo está vindo de cima ou de
baixo, portanto, a localização deles em um espaço intercostal diferente do preconizado pode levar a uma interpretação errada.
27
ECG Completo.indb 27 26/08/2019 09:26:23
CAPÍTULO 1
Figura 11 - Na mesma altura de V6, coloca-se V7, V8 e V9, sendo que
V8 fica no plano da ponta da escápula.
Figura 12 - Para o posicionamento de V3R e V4R, deve-se imaginar
que foi colocado um espelho no esterno do paciente. No mesmo
local onde deve ficar V3 à esquerda, fica V3R à direita, idem com V4
28
ECG Completo.indb 28 26/08/2019 09:26:24
INTRODUÇÃO AO ECG
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variations of a single electrode. Am Heart J [Internet]. 1934;9(4):447–58. Available from:
<http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002870334900934>.
29
ECG Completo.indb 29 26/08/2019 09:26:24
CAPÍTULO 1
17. Goldberger E. A simple, indifferent, electrocardiographic electrode of zero potential and a technique
of obtaining augmented, unipolar, extremity leads. Am Heart J [Internet]. Elsevier; 2018
Jan 11;23(4):483–92. Available from: <http://dx.doi.org/10.1016/S0002-8703(42)90293-X>.
18. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de
Ideias; 2016.
30
ECG Completo.indb 30 26/08/2019 09:26:24
Anatomia e
eletrofisiologia cardíacas
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
2
INTRODUÇÃO
Não me leve a mal, mas para o uso
prático básico de eletrocardiograma,
isto é, detectar sobrecargas, bloqueios,
isquemia e arritmias, o conhecimento
da anatomia e da eletrofisiologia cardíaca
pode ficar em segundo plano.
Com “segundo plano”, no entanto, não
quer dizer que esse conhecimento é
desnecessário. Não. Tanto para um
interno de Medicina que irá prestar
prova de Residência, como para um
médico que quer se aprofundar no conhecimento
dessa arte, esses conceitos
precisam ser conhecidos.
Neste capítulo traremos informações
básicas sobre tudo o que é importante
para a ciência do eletrocardiograma.
Nos capítulos que sucedem
faremos considerações breves sobre
anatomia e fisiologia, mas, quando for
necessário, daremos a sugestão que o
autor retorne aqui.
Em resumo, este capítulo pode ser
“pulado”, caso você esteja procurando
por um conteúdo mais prático, mas o
autor não aconselha.
NOÇÕES DE ANATOMIA DO
SISTEMA ELÉTRICO CARDÍACO
O sistema elétrico é composto de
células musculares cardíacas especializadas
que formam nós (ou nodos) e
feixes que possuem a capacidade de
gerar o impulso (potencial de ação) e
de conduzir o mesmo com uma maior
velocidade (Figura 1).
Figura 1 - Sistema de condução cardíaco.
31
ECG Completo.indb 31 26/08/2019 09:26:24
CAPÍTULO 2
Todo o sistema elétrico cardíaco
possui a capacidade de geração do
impulso, porém cada estrutura imprime
velocidades diferentes para
executar o processo de geração de
despolarização de membrana que
detalharemos mais à frente. Desse
modo, a estrutura que mais rápido
conseguir executar todo o passo a
passo necessário para que sua membrana
tenha um salto em voltagem
interrompe o mesmo processo que
vinha ocorrendo nas demais células
elétricas que estavam ainda tentando
despolarizar-se, e estas passarão
apenas a conduzir o impulso gerado.
Por esse motivo, em condições fisiológicas,
o nó sinusal, que é localizado
no teto do átrio direito, em sua
parede posterolateral, é considerado
o maestro do coração. Este impulso
não é capturado pelos eletrocardiógrafos,
portanto, nessa fase ainda
existe um silêncio elétrico no ECG.
Dura pouco tempo, porque em questão
de 50 ms o impulso sai do nó sinusal
e começa a despolarizar a musculatura
dos átrios.
Esse potencial de ação gerado é
transmitido pelo átrio direito por células
miocárdicas atriais dispostas paralelamente
e erroneamente chamadas
de feixes internodais (espere um
pouco para compreender a razão do
erro) e também para o átrio esquerdo
através de células miocárdicas atriais
não especializadas e não insuladas,
portanto, erroneamente chamadas de
feixe de Bachmann - o melhor seria
chamar esse local de “região” de Bachmann,
por exemplo (1,2). Sua ativação
é incapaz de ser capturada pelos
eletrocardiógrafos.
Nessa fase do ciclo cardíaco, a despolarização
ocorre apenas nas células
atriais. Até aqui, falando em termos
elétricos, o que temos é a geração da
onda P (pois os átrios foram despolarizados).
Concomitante a isso, o estímulo
que desceu pelos feixes internodais
em direção a outro nó na fronteira
entre os átrios e os ventrículos que é
o nó atrioventricular, nó de Aschoff-
-Tawara (carinhosamente chamado de
nó AV). O nó AV foi caracterizado por
Sunao Tawara em 1906 (3). É uma estrutura
ovaloide com 1 x 3 x 5 mm de
área localizada dentro do triângulo
de Koch, uma região endocárdica de
interesse para arritmologia delimitada
anteriormente pelo folheto septal da
valva tricúspide, posteriormente pelo
tendão de Todaro, tendo no ápice o
corpo fibroso central e na base o óstio
do seio coronariano (4) (Figura 2).
Em situações normais, só há uma
forma de o estímulo elétrico passar
do átrio para o ventrículo: é através do
nó AV. O esqueleto fibroso cardíaco é
um complexo de tecido fibroso que
sustenta as valvas cardíacas à base do
coração e é o responsável por isolar
eletricamente as câmaras atriais das
ventriculares (5) (Figura 3). Dessa forma,
a propagação do impulso atinge
as células transicionais do nó AV (células
que não possuem características
histológicas de condução nem de contração),
onde há reduzidas junções comunicantes,
propiciando de maneira
32
ECG Completo.indb 32 26/08/2019 09:26:24
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
Figura 2 - Região do triângulo de Koch
delimitada por triângulo vermelho.
Na sua porção anterior está o folheto septal da valva tricúspide, na
porção posterior o tendão de Todaro, no ápice está o corpo fibroso central
onde se localiza o feixe de His e a base do triângulo é o óstio do seio
coronariano (4).
Figura 3 - Esqueleto fibroso cardíaco que dá
sustentação às suas valvas.
Também serve como isolante elétrico, não permitindo a passagem
do estímulo elétrico dos átrios para os ventrículos, a não ser pelo nó
atrioventricular ou algum feixe acessório que por ventura o paciente
tenha (5).
fisiológica um atraso na condução do
impulso nervoso. Esse atraso que o nó
AV imprime à condução do estímulo
elétrico é o responsável pelo silêncio
elétrico que existe entre a onda P (despolarização
dos átrios) e o complexo
QRS (despolarização dos ventrículos).
O intervalo PR (ou mais corretamente
“PQ”) é a expressão eletrocardiográfica
da baixa velocidade da
condução do impulso pelo nó AV –
atenção, existe atividade elétrica, mas
esta é imperceptível aos eletrocardiógrafos.
Aliás, se pararmos para pensar,
ainda bem que isso ocorre. Se não fosse
por essa pausa, os átrios e os ventrículos
iriam despolarizar praticamente
juntos, com todas as válvulas abertas.
Para onde o sangue iria?
O nó AV compacto mergulha no
esqueleto fibroso do coração e, na região
do corpo fibroso central, as fibras
do feixe de His nascem (esse sim um
“feixe” de fato com 5-10 mm de comprimento).
Esse feixe é importante na
prática clínica porque, marca o início
do território elétrico ventricular, mas
em eletrocardiografia é irrelevante,
porque sua atividade não consegue
ser capturada pelos galvanômetros
dos eletrocardiógrafos. Portanto, não
vemos a atividade de His no ECG.
Em eletrofisiologia invasiva, no
entanto, podemos posicionar um cateter
próximo ao feixe para capturar
sua atividade e assim definir o nível de
bloqueio atrioventricular de um paciente.
Em um bloqueio de condução
atrioventricular que não chegou a despolarizar
o feixe de His, por exemplo,
33
ECG Completo.indb 33 26/08/2019 09:26:25
CAPÍTULO 2
sabemos que o defeito está no tecido
atrial ou no nó atrioventricular. Quando
o bloqueio ocorreu depois do feixe
de His, denominado “bloqueio infra-
-hissiano”, o problema não é mais o nó
AV, e sim o tecido de condução ventricular,
denotando maior gravidade. Isto
será importante no capítulo 23.
Ao adentrar no esqueleto fibroso
rumo ao septo interventricular, o feixe
de His se divide na sua porção bifurcante
em ramo direito, mais fino e
frágil, e ramo esquerdo, que chega a
possuir 5-7 mm de diâmetro.
O ramo direito passa pela musculatura
septal na base do músculo papilar
medial do ventrículo direito e penetra
nas trabeculações ou na banda moderadora
(6). O ramo esquerdo parte
inferior e anteriormente e se divide
em fascículo anterossuperior e fascículo
póstero-inferior (7). O fascículo
anterossuperior cruzará a via de saída
do ventrículo esquerdo e terminará
na base do músculo papilar anterior.
O fascículo póstero-inferior, mais calibroso,
se curvará posteriormente para
atingir o músculo papilar posterior (8)
(Figura 4).
Tem-se questionado a natureza trifascicular
do sistema de condução. De
porções distais do fascículo póstero-
-inferior ou do anterossuperior emerge
uma intrincada rede de tecidos de
condução septal, o que resultaria na
existência de quatro fascículos – um
da direita e três da esquerda (9). Há
também quem defenda que o ramo
direito também se bifurca ou trifurca,
podendo, em teoria, um ser humano
apresentar seis fascículos no total (teoria
hexafascicular). Detalhes serão vistos
no capítulo 10.
Por fim, o impulso irá prosseguir
pelas fibras de Purkinje, continuações
desse sistema elétrico, até atingir as
células que irão contrair os ventrículos,
gerando o complexo QRS. O
trajeto nos ventrículos aumenta a
eficiência da sístole ventricular. Isso
porque o estímulo contrátil chega
primeiro às células do ápice cardíaco
e, posteriormente, ascende pelas paredes.
Dessa forma, o ápice se contrai
em direção à base do coração, onde
se encontram as artérias, que são os
destinos do sangue acumulado nas
câmaras inferiores.
Figura 4 - Anatomia esquemática do feixe
de His e de seus ramos direito e esquerdo,
além dos fascículos anterossuperior e
póstero-inferior do ramo esquerdo (8).
BM = banda moderadora; Hb = feixe de His (His bundle); MPA =
músculo papilar anterior; MPP = músculo papilar posterior; RD = ramo
direito; RE = ramo esquerdo.
34
ECG Completo.indb 34 26/08/2019 09:26:25
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
SITUAÇÕES ESPECIAIS
São de importância para eletrofisiologia
alguns detalhes sobre a condução
do estímulo elétrico: (a) na maioria
das pessoas, o nó AV possui capacidade
de condução anterógrada e retrógrada,
seguindo do átrio para o ventrículo
ou, se por desventura o ventrículo
despolarizar-se primeiro, do ventrículo
para o átrio – é o que chamamos de
condução retrógrada. Em até 35% das
pessoas, existe ainda o que chamamos
de “dupla fisiologia nodal”, em que
ocorre uma espécie de bifurcação do
tecido nodal a nível de nó AV compacto
(10); (b) outra situação digna de nota
é a presença de “atalhos” através do esqueleto
fibroso, contendo feixes acessórios
usualmente chamados feixes de
Kent (nomenclatura julgada errada por
alguns especialistas, já que Kent afirma
ter encontrado, mas não descreve
com detalhes, em seu artigo original
conexões átrio-ventriculares múltiplas
que seriam responsáveis pela condução
elétrica de conduções normais)
(11-13), capazes de condução elétrica,
que "trapaceiam" o atraso de condução
fisiológico imposto pelo nó AV. Se
o impulso elétrico chega aos ventrículos
antes do habitual atraso no nó AV,
irá haver o que chamamos de pré-excitação
ventricular, e o que três cardiologistas,
Wolff, Parkinson e White descreveram
em 1930 como a síndrome
que leva seus nomes (14): a síndrome
arritmogênica de Wolff-Parkinson-
-White, ou WPW, essas estruturas serão
descritas com detalhes no capítulo 19;
Figura 5 - Resumo das fibras que conseguem “by-passar” o esqueleto fibroso cardíaco.
Feixe de típicos: vias acessórias rápidas que produzem PR curto e onda delta e a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Feixe de Mahaim: vias acessórias
lentas histologicamente semelhantes ao nó AV que produzem mínima ou nenhuma pré-excitação. Feixe de James: Não “by-passa” o esqueleto, mas
falamos aqui por ser similar às anteriores. São fibras histologicamente semelhantes ao nó AV que conectam o átrio ao feixe de His, atuando como um
nó AV acessório. Pode ser uma das causas do achado de um intervalo PR curto sem onda delta no eletrocardiograma.
35
ECG Completo.indb 35 26/08/2019 09:26:26
CAPÍTULO 2
(c) outro tipo de atalho conhecido que
o estímulo pode tomar para ganhar os
ventrículos é uma estrutura histologicamente
semelhante ao nó AV, mas
conecta estruturas distintas. São as fibras
de Mahaim e foram originalmente
descritas por Mahaim e Benatt como
estruturas que conectavam o nó AV ao
ramo direito ou ao ventrículo (15), mas
hoje em dia sabe-se que há sete tipos
de “vias acessórias atípicas”, que serão
descritas com detalhes no capítulo 19;
(d) por fim, vamos citar uma estrutura
que não “bypassa” o esqueleto cardíaco,
mas pela sua semelhança com as
anteriores, será citada aqui. O feixe
de James, ou via acessória atípica
átrio-hissiana é uma estrutura histologicamente
semelhante ao nó AV pode
conectar o átrio com o feixe de His, funcionando
como um nó AV acessório.
Esse feixe foi responsabilizado pela Síndrome
de Lown-Ganong-Levine (intervalo
PR curto sem onda delta), mas este
termo está em desuso devido à falta de
correlação clínica e anatômica (16–18).
Também estará descrito no capítulo 19.
O resumo dessas fibras que produzem
bypass através do esqueleto cardíaco
está contido na figura 5.
NOÇÕES DO SUPRIMENTO
SANGUÍNEO DO SISTEMA
ELÉTRICO
O nó sinusal é irrigado pela artéria
do nó sinusal, um ramo da artéria coronária
direita (CD) em 53% dos casos
Figura 6 - Sequência da atividade elétrica cardíaca e sua expressão no eletrocardiograma.
1: O nó sinusal se despolariza e inicia a ativação atrial direita e esquerda: onda P. 2: O estímulo elétrico corre lentamente pelo nó AV: intervalo PR.
3: O ventrículo começa a despolarizar: complexo QRS. 4: A repolarização ventricular se completa.
36
ECG Completo.indb 36 26/08/2019 09:26:26
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
e da circunflexa nos outros 42% e de
ambas artérias em 3%. A região de Bachmann
recebe sangue de um ramo
da artéria do nó sinusal (19). O nó AV
e o feixe de His são supridos pela artéria
no nó AV, um ramo da CD em 72%
dos humanos e da Cx em 28% (20). O
ramo direito e o fascículo anterior do
ramo esquerdo são supridos pelos ramos
septais proximais da artéria descendente
anterior (DA). O fascículo
posterior do ramo esquerdo é a porção
menos vulnerável do sistema, recebendo
suprimento duplo: DA e artéria
descendente posterior (DP) (21). O
átrio é irrigado pelos ramos atriais das
artérias coronárias (22) e os ventrículos
possuem irrigação complexa que será
descrita com detalhes no capítulo 12.
Um resumo de tudo o que foi falado
até aqui pode ser encontrado na
Figura 6 e na Tabela 1.
Tabela 1 - Estruturas anatômicas de interesse em eletrofisiologia, sua irrigação sanguínea
e expressão eletrocardiográfica.
Estrutura Irrigação ECG
Nó sinusal
Artéria do nó sinusal (ramo da CD em
53%, Cx em 42% e dupla em 3%).
Despolarização é incapaz de ser
sentida pelo eletrocardiórafo -
Silêncio elétrico.
Átrio direito Ramos atriais da coronária direita. Porção inicial da onda P.
Região de Bachmann
Ramo da artéria do nó sinusal.
Silêncio elétrico não interferindo
na onda P.
Átrio esquerdo Ramos atriais da coronária esquerda. Porção final da onda P.
Nó AV
Feixe de His
Artéria do nó AV (ramo da CD em 72% e
da Cx em 28%).
Mesma irrigação do nó AV.
Despolarização é incapaz de ser sentida
pelo eletrocardiógrafo, gerando
silêncio elétrico - Intervalo PR.
Despolarização é incapaz de ser sentida
pelo eletrocardiógrafo, gerando
silêncio elétrico - Intervalo PR.
Ramo direito Ramo septal da DA. Intervalo PR.
Ramo esquerdo DA e descendente posterior. Intervalo PR.
Fibras de Purkinje Depende da parede. Complexo QRS.
Ventrículos Depende da parede. Complexo QRS.
Siglas: AV: atrioventricular; CD: coronária direita; Cx: circunflexa; DA: descendente anterior
37
ECG Completo.indb 37 26/08/2019 09:26:26
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO À
ELETROFISIOLOGIA – POR QUE
O CORAÇÃO BATE? COMO
O ESTÍMULO ELÉTRICO É
CONDUZIDO?
Calma, este tópico não morde.
Vamos apenas entender como o estímulo
elétrico é formado e conduzido
célula a célula, fibra a fibra. O processo
de geração do impulso elétrico é
realizado, na maior parte das vezes,
pelo nó sinusal, mas pode ocorrer
em outras células com capacidade
automática, a saber: nó AV, feixe de
His, fibras de Purkinje. A nível celular,
ocorrem mudanças nas concentrações
iônicas que resultam na despolarização
da membrana celular das
suas células que estavam polarizadas
e essa perturbação iônica é propagada
para as células adjacentes musculares,
provocando a contração destas,
e para o restante do sistema elétrico
que irá transmitir esse estímulo para
as demais regiões cardíacas.
O potencial de ação das células automáticas
é diferente do potencial de
ação das células musculares. Vamos
observar em detalhes estas diferenças.
POTENCIAL DE AÇÃO DAS
CÉLULAS AUTOMÁTICAS
A membrana de uma célula do nó
sinusal possui canais de sódio, potássio
e cálcio. Inicialmente, essas células
se encontram com uma carga negativa
em relação a concentração extracelular,
ou seja, polarizada (- 60 mV), com
uma maior concentração de potássio
no seu interior e uma maior concentração
de sódio e cálcio externamente.
A situação polarizada do nó sinusal se
mantém devido à presença de um canal
de potássio com corrente praticamente
constante (I K
).
A automaticidade das células do
nó sinusal se deve a dois canais: (1)
os canais lentos de sódio que permitem
uma entrada constante de sódio
independente do potencial de ação.
A corrente gerada por esse canal é
denominada I F
, porque os nerds que a
descobriram acharam “funny” que um
canal de sódio pudesse ser lento (23);
(2) os canais tipo T de cálcio (I CaT
) que
fazem entrar cálcio, também carga
positiva para dentro da célula. Esses
dois canais vão aos poucos deixando
menos negativo o potencial da membrana.
Até que a carga de – 40 mV é
atingida. Quando o potencial alcança
esse valor, os canais de cálcio dependentes
de voltagem (I CaL
) se abrem,
permitindo assim um grande influxo
de cálcio que eleva o potencial para
valores positivos em torno de + 10
mV, ou seja, leva à despolarização da
membrana (10,24) (o leitor atento perceberá
que o potencial de ação passou
de polarizado negativo para polarizado
positivo, mas, por convenção, chamamos
essa transformação em carga
positiva de “despolarização”). Despolarização
em eletrofisiologia significa:
positivei o potencial, fiz nascer o
estímulo. Pronto. Agora você já sabe
por que o coração tem o potencial de
“bater” sozinho (25).
38
ECG Completo.indb 38 26/08/2019 09:26:26
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
Mas a vida continua e ao se obter
um potencial positivo, abrem-se os canais
de potássio (I K
), que promovem a
repolarização da membrana. Repolarização
em eletrofisiologia significa: voltei
o potencial para negativo, repolarizei
a célula para iniciar de novo
o processo.
Você encontrará esses passos que
revisamos como “fases” em livros texto.
A fase 4 é a fase de repouso, em que
a célula está polarizada e as correntes
I F
e I CaT
estão pronunciadas. A fase 0 é
a fase de despolarização lenta comandada
pela abertura dos canais de cálcio
da corrente I CaL
. A fase 3 é a fase em
que há abertura dos canais de potássio
que repolarizam a célula. Veja o resumo
desses passos na Figura 7.
POTENCIAL DE AÇÃO DAS
CÉLULAS CONTRÁTEIS
O potencial de membrana de repouso
das células musculares cardíacas
é aproximadamente – 90 mV (ou
seja, a célula muscular tem um potencial
mais negativo que as células automáticas).
Ao ocorrer influxo de íons
provenientes das células que já se despolarizaram
antes através das junções
comunicantes, este potencial irá ser levemente
positivado, o suficiente para
abrir os canais rápidos de sódio (I Na
)
e desencadear um grande influxo de
sódio positivando o potencial de ação
para + 47 mV. Consequentemente, os
canais rápidos de sódio despolarizam
a membrana.
Figura 7 - Potencial de ação da célula automática, particularmente a do nó sinusal.
A fase 4 é a fase de repouso, em que a célula está polarizada e as correntes IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é a fase de despolarização lenta
comandada pela abertura dos canais de cálcio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em que há abertura dos canais de potássio que repolarizam a célula.
39
ECG Completo.indb 39 26/08/2019 09:26:27
CAPÍTULO 2
Essa despolarização irá resultar
na abertura dos canais antagônicos
responsáveis pela fase de repolarização:
potássio que repolariza a célula
e cálcio que segue deixando-a
despolarizada. Entenda: as correntes
potássio (I to
, I Kr
e I Ks
) servem para
que saiam cargas positivas e a célula
seja repolarizada. Já a corrente lenta
de cálcio (I CaL
), por onde entram
cargas positivas, seguem positivando
o potencial da célula. Devido à
abertura mais gradual dos canais de
cálcio, sua ação é atrasada em relação
aos canais de potássio. Logo, a
saída de potássio inicia a repolarização
da célula (fase 1), contudo, devido
a entrada lenta de cálcio, irá se
formar um breve equilíbrio na movimentação
das cargas. Esse antagonismo
representa a fase de platô do
potencial de ação.
Vou repetir pra que fique bem entendido:
a fase de platô é a fase 2 do
potencial de ação. Nela acontece algo
curioso: duas correntes brigam entre
si. Canais de potássio tentam repolarizar
a célula e canais de cálcio tentam
deixa-la polarizada.
Essa entrada de cálcio também dispara
a liberação do cálcio armazenado
no retículo sarcoplasmático. Dessa forma,
uma grande quantidade de cálcio
se concentra no meio intracelular e irá
participar do processo de contração
muscular.
Entretanto, não demora para os canais
de cálcio se fecharem novamente,
pois, com a leve queda do potencial
durante o platô, a voltagem deixa de
ser suficiente para mantê-los abertos.
Consequentemente, a repolarização
ocorre, afinal apenas o potássio (carga
positiva) está saindo da célula. E assim
permanece por toda a fase de repouso
com a célula polarizada devido à ação
do canal retificador I K1
. O resumo destes
passos você encontrará na Figura 8.
Figura 8 - Potencial de ação e correntes
iônicas por canais.
Na fase 4, a célula se mantém polarizada pela ação do canal retificador
IK1. Quando há uma perturbação iônica na membrana devido à entrada
de íons provenientes de células vizinhas já despolarizadas através de
junções comunicantes, o canal rápido de sódio se abre (INa) e despolariza
a membrana, levando seu potencial de -90 mV para + 20 mV, sendo
responsável pela fase 0. Na fase 1, a ação da corrente Ito faz com que
potássio seja expulso da célula, que perde um pouco da sua positividade.
A fase 2 é a de platô. A ação dos canais de potássio (IKr e IKs) em tirar
carga positiva da célula se opõe à ação dos canais lentos de cálcio (ICaL)
que tentam colocar carga positiva. Na fase 3, com o fechamento do canal
de cálcio, o potássio reina absoluto, repolarizando a célula (27).
E aí, com todo esse cálcio no interior
da célula, o que acontece? Ele se
liga à troponina C, que por sua vez
40
ECG Completo.indb 40 26/08/2019 09:26:27
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
irá se ligar à tropomiosina e facilitar o
acoplamento das moléculas de actina
e miosina, levando à contração da célula.
Concomitantemente a isso, uma
parte dos íons sódio e cálcio já foram
para as células adjacentes através
das conexinas e estarão se contraindo
logo em seguida. Desse modo, as
milhões de células miocárdicas ventriculares
despolarizam-se quase que
instantaneamente (25). Nomeie um
órgão mais bonito que esse e falhe miseravelmente.
Na tabela 2, você encontrará um
resumo dos potenciais de ação da célula
automática. Na tabela 3, você encontrará
um resumo dos potenciais de
ação da célula contrátil.
Tabela 2 - Resumo do potencial de ação de células automáticas.
Fase Correntes Efeito
4 - Repouso IF e ICaT
0 - Despolarização ICaL
3 - Repolarização IK
Fazem entrar cargas positivas e
elevam lentamente o potencial
de membrana de – 60 mV até
próximo de – 40 mV.
Fazem entrar cargas positivas e
elevam pouco rapidamente o
potencial de ação de – 40 mV até
+ 5 mV.
Fazem sair cargas positivas e
trazem o potencial de membrana
para negatividade de repouso
(-60 mV).
41
ECG Completo.indb 41 26/08/2019 09:26:27
CAPÍTULO 2
Tabela 3 - Resumo do potencial de ação das células contráteis.
Fase Correntes Efeito
4 - Repouso IK1
0 - Despolarização INa
Transporta potássio para dentro
da célula Célula permanece nesse
potencial até que perturbações
externas a fazem passar para
próxima fase.
Entra carga positiva na célula e
seu potencial passa muito rapidamente
de – 90 mV para + 20 mV.
1 – Repolarização inicial Ito
Canal de potássio age praticamente
sozinho por um curto
período tirando carga positiva e
repolarizando parte da célula.
2 - Platô ICaL x IKr e IKs
3 - Repolarização IKr e IKs
A corrente de cálcio faz entrar
carga positiva e a corrente de
potássio faz sair carga positiva,
permanecendo constante por um
breve período.
Agora que o canal de cálcio fechou,
a célula retorna à sua carga
de repouso.
42
ECG Completo.indb 42 26/08/2019 09:26:27
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
RESUMO SOBRE AS CORRENTES
IÔNICAS
Falamos do potencial de ação, mas
não falamos das características elétricas
de cada corrente.
I Na
Despolarizante. Miócitos atriais e
ventriculares e células de Purkinje são
densamente populadas por esses canais.
Eles abrem muito rapidamente
(< 1 ms), por isso chamamos de “canais
rápidos de sódio” acima. Pouco
presentes nas células dos nós sinusal e
atrioventricular.
A função inadequada desses canais
pode levar à Síndrome de Brugada, ao
QT longo congênito tipo 3, e à síndrome
de Lev-Lenegre.
I F
Despolarizante. A corrente funny
é ativada por hiperpolarização da
membrana. É amplamente responsiva
à ação do sistema nervoso autônomo
e está presente no nó sinusal, nó AV e
células de Purkinje.
I to
Repolarizante. É a chamada corrente
transiente “outward” de potássio.
Sua importância clínica se deve ao fato
de que essa corrente é expressa em
magnitudes diferentes pelo miocárdio
ventricular: é robusta no epicárdio e
modesta no endocárdio, levando a um
gradiente transmural de potencial de
membrana que pode gerar a onda J de
Osborn ou a repolarização precoce no
eletrocardiograma.
I CaL
Despolarizante. É a corrente lenta
de cálcio. Estão presentes em todas as
células do coração. É desativado por
despolarização da membrana, mas
desativa bem mais lentamente que
a corrente rápida de sódio. Tem ação
crucial no potencial de ação de células
automáticas.
I CaT
Despolarizante. A corrente tipo T
de cálcio é expressa no miócito atrial
e nas células nodais e condutoras. Tem
ação importante na saída da fase de
repouso da célula automática.
I Kur
Repolarizante. É uma corrente ultrarrápida.
Presente nas células atriais,
por isso elas possuem um potencial de
ação mais curto que o ventricular.
I Ks
e I Kr
Repolarizantes. Importantes na
fase 3 do potencial de ação de células
automáticas e contráteis. O I Ks
(“s” de
“slow”), por sofrer uma desativação
mais lenta, permanece aberto de um
batimento cardíaco para outro em frequências
muito rápidas. Isso faz com
que a próxima repolarização seja mais
43
ECG Completo.indb 43 26/08/2019 09:26:27
CAPÍTULO 2
rápida, afinal já tem canal aberto. Esta
é a razão pela qual nosso intervalo QT
(ou seja, nossa repolarização) encurta
a frequências elevadas.
Defeitos genéticos na transcrição
do I Ks
com perda de função levam à
Síndrome do QT longo congênito tipo
1 e defeitos na transcrição do I Kr
com
perda de função levam ao QT longo
congênito tipo 2 (26).
O ganho de função do I Kr
e I Ks
e também
do I K1
leva ao QT curto congênito.
I K1
Corrente retificadora voltagem dependente
que serve para deixar o potencial
de membrana próximo de – 90 mV.
A potenciais mais negativos que isso, ela
deixa potássio entrar na célula para manter
o potencial próximo de – 90 mV.
I Kach
Corrente ligada à proteína G inibidora
e expressa nas células automáticas
e Purkinje. A proteína G inibidora
é ativada tanto pela ação dos
canais muscarínicos pela ação do sistema
nervoso autônomo parassimpático
como pela ação do receptor
de adenosina (A1). Sua ativação ativa
a saída de potássio e hiperpolariza a
célula, deixando-a mais difícil se ativar
(27).
A adenosina age nas arritmias por
reentrada nodal justamente desta
maneira: a ação no canal A1 ativa a
proteína G inibitória que ativa a corrente
I Kach
, o que leva a uma hiperpolarização
da célula, deixando-a mais
difícil de despolarizar, quebrando a
arritmia (28).
44
ECG Completo.indb 44 26/08/2019 09:26:27
ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS
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ECG Completo.indb 45 26/08/2019 09:26:27
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46
ECG Completo.indb 46 26/08/2019 09:26:27
O eletrocardiógrafo e os
sistemas de derivações
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
3
INTRODUÇÃO
O eletrocardiograma é uma ferramenta
indispensável na Medicina.
Sua análise é complexa e muitos detalhes
podem passar despercebidos
por olhos menos treinados. Como
qualquer exame da prática clínica, o
profissional que irá fazer a sua análise
precisa estar ciente do funcionamento
correto do aparelho para detectar possíveis
artefatos.
Neste capítulo, revisaremos o correto
funcionamento do eletrocardiógrafo,
desde sua configuração até o posicionamento
adequado dos eletrodos.
Se você não dormir até o fim do capítulo,
ainda vamos apresentar maneiras
diferentes de posicionar os eletrodos
pra tentar enxergar coisas diferentes
no ECG. Foco, força e fé.
CONFIGURAÇÃO DO
ELETROCARDIÓGRAFO –
VELOCIDADE E GANHO
O eletrocardiógrafo é um aparelho
designado para gravar a atividade
elétrica cardíaca através de cabos
para placas de metal em cada derivação.
Consiste em um amplificador
que magnifica sinais elétricos e em um
galvanômetro que move uma agulha
de acordo com a magnitude do potencial
elétrico do paciente e também de
acordo com a direção dessa corrente:
positiva se o eletrodo está face a
face com o vetor e negativa se o vetor
está indo em direção contrária
ao eletrodo. Esse é um dos conceitos
mais fundamentais da eletrocardiografia.
De acordo com as convenções feitas
pelo inventor do galvanômetro de
corda, Einthoven, a inscrição do traçado
eletrocardiográfico deverá ser calibrada
no exame padrão da seguinte
maneira: a cada 0,1 mV de diferença
de potencial registrada pelo galvanômetro,
1 quadradinho (ou 1 milímetro)
será inscrito (Figura 1) – quando essa
configuração está selecionada, o aparelho
trará a letra “N” maiúscula ou a
inscrição da Figura 2. Com relação ao
tempo, o papel corre pelo aparelho a
uma velocidade de 25 mm/s. Essa é
a configuração padrão de um ECG.
Precisa ser aprendida, tá ok?
Às vezes, por razão de melhor leitura
do traçado, ou pesquisa de algo
específico, podemos solicitar para que
se aumente ou diminua o “ganho” do
47
ECG Completo.indb 47 26/08/2019 09:26:27
CAPÍTULO 3
traçado. Por exemplo: se você está em
dúvida sobre uma linha reta no monitor,
você pode configurar o aparelho
para dobrar o ganho para você, isto é,
se antes cada 0,1 mV significava 1 mm,
agora significa 2 mm e talvez isso desmascare
uma fibrilação ventricular –
quem trabalha em emergência ou unidade
de terapia intensiva sabe do que
estou falando. Resumindo, uma onda
pequena pode ser vista com mais nitidez.
Da mesma forma, se um traçado
de um paciente hipertrófico, por
exemplo, está muito confuso porque
Figura 1 - Diagrama no papel de ECG demonstrando configuração.
Falando sobre voltagem ou amplitude, na configuração N, cada 10 mm corresponderá a 1 mV/mm, ou seja, 0,01 mV/mm. Falando sobre o tempo,
na velocidade habitual de 25 mm/s, cada 5 quadradinhos (ou 1 quadradão) corresponderão a 200 ms, e 1 quadradinho a 40 ms.
Figura 2 - No painel A, temos uma coluna com 10 mm, o que significa que cada 1 mV será
inscrito em 10 mm, esta é a configuração “N” padronizada por Einthoven. No painel B,
temos uma coluna com 5 mm, ou seja, a cada 1 mV serão inscritos apenas 5 mm, portanto,
N/2. No painel C, a cada 1 mV serão inscritos 20 mm, ou seja, 2N.
48
ECG Completo.indb 48 26/08/2019 09:26:27
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
tem ondas muito amplas e elas se encontram
com as outras derivações de
modo que você não consegue ver seus
limites, o examinador pode solicitar
para reduzir o ganho pela metade ou a
um quarto. Assim, cada 0,1 mV vai desenhar
apenas 0,5 mm ou 0,25 mm – o
eletrocardiograma vai ficar mais limpo.
Aumentar o ganho de um ECG é
transformá-lo de “N” para “2N”. E reduzir
é deixá-lo em “N/2” ou “N/4” (Figura 2).
Atenção: muitas avaliações dependem
da amplitude de ondas ou segmentos.
Um exemplo clássico é a medição do
supradesnivelamento do segmento ST
para infarto agudo do miocárdio, como
veremos no capítulo 12. Considere que
determinado paciente tenha em D2
e D3 um supradesnivelamento de 1,5
mm quando o aparelho está configurado
em “N” – o que lhe dá o diagnóstico
de infarto. Mas imagine que no plantão
anterior, alguém apertou “sem querer”
o botão do ganho e o reduziu para N/2.
Esse paciente terá um supradesnivelamento
de 0,75 mm (metade) e o médico
do dia errará em dizer que o paciente
não tem infarto agudo. Erros em ECG
podem custar vidas. Uma dica prática é
multiplicar as amplitudes por 2 em um
ECG N/2, por 4 em um N/4, dividir por 2
em um 2N, e assim por diante.
Outra modificação passível de ser
realizada é aumentar a velocidade do
traçado e isso pode ser a chave para
encontrar ondas escondidas em ritmos
muito acelerados. Como assim?
Se uma determinada atividade elétrica,
por exemplo, uma onda P, possui
80 ms de duração, significa que a 25
mm/s ela ocuparia 2 quadradinhos ou
2 mm no papel do ECG. Agora, como
estou gravando a 50 mm/s, os mesmos
80 ms serão gravados em 4 quadradinhos,
pois o papel vai passar com o dobro
da velocidade por algo que manteve
a sua duração constante (1).
CONFIGURAÇÃO DO
ELETROCARDIÓGRAFO –
FILTROS
A configuração de filtros é uma ferramenta
frequentemente negligenciada
até mesmo por especialistas. Muitos
artefatos podem interferir na gravação
de um exame, a saber: contração muscular,
respiração, linha elétrica, campos
magnéticos, marca-passos, pulsos
arteriais, movimento, má adesão do
eletrodo com a pele.
Por essa razão, os aparelhos modernos
de eletrocardiograma passaram
a filtrar sinais que não interessam
ao exame. Para isso, estudaram qual a
frequência (em Hz) das ondas estudadas
de interesse em eletrocardiografia.
Veja na tabela 1. Agora resta configurar
o aparelho para excluir do traçado
as frequências dos artefatos, deixando
visíveis apenas a faixa que contém
componentes normais do ECG. O leitor
atento à tabela 1 perceberá que isso
nem sempre é possível. Um exemplo é
o artefato muscular que possui a mesma
frequência de oscilações dos componentes
do ECG. Sorte que resolver
isso é fácil: é só pedir para o paciente
não se mexer durante a aquisição do
exame.
49
ECG Completo.indb 49 26/08/2019 09:26:27
CAPÍTULO 3
Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos.
Componentes do ECG
Batimentos cardíacos
Onda P
QRS
Onda T
Potenciais de alta frequência
Artefatos
Contração muscular
Respiração
Rede elétrica
Campos magnéticos
Frequência
0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)
0,67 Hz – 5Hz
10 – 50 Hz
1 – 7 Hz
100 – 500 Hz
Frequência
5 – 50 Hz
0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)
Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)
> 10 Hz
Como sabemos da sua dificuldade em física, trouxemos a fórmula de transformação de Hz em oscilações por minuto: é só multiplicar por 60. Pode usar
uma calculadora se quiser.
Para excluir sinais com oscilações
lentas, ou seja, de baixa frequência,
como a oscilação de baseline, que é
quando o traçado fica subindo e descendo
pelo papel, introduzimos o
“high-pass filter”, ou “filtro de passa-alta”.
O problema relacionado a esse filtro
é que se excluirmos oscilações menores
que 0,67 Hz, podemos não ver
frequências cardíacas menores que 40
bpm, então foi decidido por excluir oscilações
menores que 0,5 Hz e o resultado
não foi animador: com essa frequência
existe considerável distorção
no ECG, principalmente em áreas em
que a amplitude de frequência muda
abruptamente, como no segmento ST
(figura 3). A primeira recomendação
da American Heart Association (AHA)
em 1975 a respeito do tema sugeriu
configurar os aparelhos para excluir
frequências menores que 0,05 Hz, frequência
que não distorcia o ECG, mas
não protegia contra oscilação de baseline.
Por sorte, os novos filtros digitais
conseguem corrigir essa distorção e
hoje podemos usar o limite de até 0,67
Hz sem prejuízos (2). Acorda aí. Vou resumir
o parágrafo pra você: em aparelhos
modernos, podemos configurar o
filtro de passas-altas em 0,05-0,67 Hz.
Para excluir sinais de alta frequência,
como rede elétrica, o mais sensato
seria estabelecer um filtro que excluísse
sinais com frequência maior que 50
Hz (frequência máxima do complexo
QRS) e para esse fim foi criado o “filtro
de passa-baixa”. O problema, no en-
50
ECG Completo.indb 50 26/08/2019 09:26:27
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
Figura 3 - Mudança de configuração do segmento ST de um batimento cardíaco em V1 sem filtro
(azul) e filtrado em passas-altas (vermelho) – perceba a importante distorção do segmento
ST em vermelho e os potenciais erros diagnósticos que podem acontecer secundários a isso.
tanto, é que isso reduz sobremaneira
a capacidade diagnóstica do exame,
pois ondas de alta frequência (100 –
500 Hz) podem aparecer em algumas
patologias, como a onda épsilon em
displasia arritmogênica do ventrículo
direito (3). Por isso, a recomendação é
que se configure um filtro de 150 Hz para
adultos (2) e 250 Hz para crianças (4).
O leitor atento deve perceber que
se um filtro que exclua frequências
maiores que 150 Hz for configurado, a
linha de rede elétrica, que possui 60 Hz
na maior parte do Brasil, não será excluída
da gravação. Para rejeitar esses
sinais, um filtro específico é configurado:
o line frequency filter (LFF), também
chamado “notch filter”, basicamente
um filtro que exclui frequências de 59
– 61 Hz. O problema desse filtro é a geração
de “artefatos de anel” que ocorrem
após complexos QRS e ocorre devido
à mudança abrupta no espectro
do domínio da frequência (Figura 4).
Figura 4 - “Artefato de anel” ausente em A e
presente em B devido à configuração de um
“notch filter” (29).
51
ECG Completo.indb 51 26/08/2019 09:26:28
CAPÍTULO 3
O último filtro digno de nota é o do
eletrodo da perna direita ou common
mode rejection que serve para
cancelar os artefatos de rede elétrica
que vêm do próprio paciente, que nesse
caso está servindo como antena. O
aparelho faz isso automaticamente coletando
sinais na faixa de frequência
de rede elétrica provenientes dos demais
membros e enviando ao aparelho
um sinal exatamente oposto a este
(5). É para isso que serve o eletrodo da
perna direita. Por essa razão, chamaremos
o eletrodo da perna direita de
“eletrodo terra” quando for oportuno.
CONFIGURAÇÃO DO
ELETROCARDIÓGRAFO –
POSICIONAMENTO DOS
ELETRODOS NO PACIENTE
O correto posicionamento dos eletrodos
no corpo do paciente em um
ECG padrão já foi visto no capítulo 1.
Revisamos de forma prática suas localizações
na tabela 2. Falando especifi-
Tabela 2 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.
Eletrodo
Eletrodo amarelo
Eletrodo verde
Eletrodo vermelho
Eletrodo preto
V1
V2
V3
V4
V5
V6
V7
V8
V9
V3R
V4R
Local
Punho esquerdo
Tornozelo esquerdo
Punho direito
Tornozelo direito
4º EIC. Para-esternal à direita
4º EIC. Para-esternal à esquerda
Entre V2 e V4
5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda
Entre V4 e V6
5º EIC, Linha axilar média
Entre V6 e V8
Inferior à ponta da escápula
Medial a V8
Entre V1 e V4R
5º EIC. Linha médio-clavicular direita
52
ECG Completo.indb 52 26/08/2019 09:26:28
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
camente sobre o posicionamento dos
eletrodos de membros, eles precisam
estar distais aos ombros e ao quadril,
não necessariamente nos pulsos e
tornozelos. Existe, no entanto, descrição
de modificações em amplitudes e
durações de ondas de ECG quando o
eletrodo do braço esquerdo tem sua
posição modificada (6). Devido a isso,
a recomendação do autor é posicioná-
-las a nível de pulsos e tornozelos, evitando
colocá-las diretamente sobre as
artérias radial e tibial anterior, pelo risco
do artefato de pulsação arterial que
será visto com detalhes no capítulo 5.
A preparação da pele também é
crucial para a realização de um exame
sem artefatos e deve ser perseguida
em todas as situações da prática clínica.
A pele é um pobre condutor de
eletricidade e pode criar artefatos importantes,
pois não podem ser filtradas
pelo aparelho e sua amplitude é,
muitas vezes, muito maior que a do
traçado do paciente. A preparação da
pele deve ser feita da seguinte maneira:
(1) tricotomia da região onde os eletrodos
serão fixados; (2) limpe a região
com água e sabão ou álcool; (3) seque
a área vigorosamente com papel toalha
ou gaze, realizando abrasão do local
até que a pele fique cor de rosa. Esses
passos são suficientes para reduzir
a impedância desse sistema pele-eletrodo
(7,8).
Existem, na prática, outros tipos de
posicionamento de eletrocardiograma
de acordo com a indicação clínica. Nos
próximos parágrafos, você vai encontrar
detalhes sobre os mais importantes:
Sistema Mason-Likar
Em 1966, Mason e Likar sugeriram
transferir os eletrodos dos membros
para o tórax em testes ergométricos,
assunto que será discutido no capítulo
26. A mudança foi proposta para
reduzir os artefatos causados pelos
movimentos dos membros dos pacientes
enquanto eram submetidos ao
exame. No artigo original, não houve
diferenças importantes em amplitudes
quando se movia o eletrodo do braço
direito (RA) para a fossa infraclavicular
direita medial à borda do músculo
deltoide, dois centímetros abaixo da
borda inferior da clavícula, o eletrodo
do braço esquerdo (LA) em posição similar
à esquerda, e o eletrodo da perna
esquerda (LL) na linha axilar anterior,
no ponto médio entre o rebordo costal
e a crista ilíaca. O eletrodo da perna
direita foi ilustrado como posicionado
no membro no trabalho original de
Mason e Likar, mas por conveniência, o
posicionamento em região análoga à
da perna esquerda foi adotado (9) (Figura
5). A adaptação, no entanto, não
é isenta de falhas e críticas. O sistema
Mason-Likar de eletrodos causa um
desvio de eixo do vetor cardíaco para
a direita, reduz a amplitude das ondas
R em D1 e aVL e aumenta a amplitude
da onda R em D2, D3 e aVF. Ainda mais
importante: é possível que esse desvio
de eletrodos faça com que os eletrodos
“inferiores” vejam a parede anterior do
coração, uma possível explicação para
velhos dogmas da eletrocardiografia
de esforço: (a) o infradesnivelamento
53
ECG Completo.indb 53 26/08/2019 09:26:28
CAPÍTULO 3
no teste não determina parede com
isquemia; (b) a parede inferior sofre de
altos índices de falso-negativo (10).
Figura 5 - Posicionamento de eletrodos pelo
sistema Mason-Likar a ser usado em testes
ergométricos.
ST, por isso sua importância em testes
ergométricos. Existem outras posições
em que esse eletrodo pode ser fixado,
por exemplo, na fronte do paciente
(Figura 6).
Figura 6 - Posições de eletrodos para aquisição
de derivações bipolares extras.
O braço direito (RA) é posicionado na fossa infraclavicular, 2 cm abaixo da
borda inferior da clavícula, medial à borda do músculo deltoide. O braço
esquerdo (LA) é posicionado em região análoga à esquerda. A perna esquerda
(LL) é posicionada na linha axilar anterior, ponto médio entre o rebordo costal
e a crista ilíaca (9).
No eletrocardiograma de exercício,
acrescenta-se outro eletrodo no manúbrio
esternal do paciente que será
usado como polo negativo para o eletrodo
V5. Perceba: V5 seguirá sendo
usado como dipolo do terminal central
de Wilson, mas também servirá
de polo para o eletrodo do manúbrio
esternal. Desse modo, tem-se a derivação
CM5, que é uma das mais sensíveis
para detectar alterações de segmento
H: fronte do paciente. Usada da Suécia em eletrocardiogramas durante
exercício em bicicleta ergométrica. S: fossa infraclavicular. M: manúbrio
esternal, de longe a mais utilizada. Tem uma sensibilidade importante em
detectar alterações de segmento ST, por isso seu uso em larga escala em
testes ergométricos. B: inferior à escápula. R: braço direito. C: em posição
análoga ao V5, mas do lado direito. Importante conhecer: manúbrio esternal.
Hospitalar
Para fins de monitoramento
hospitalar, o uso do sistema Mason-
Likar já discutido no tópico anterior
é também amplamente utilizado,
apenas com os eletrodos dos
membros. O acréscimo de um eletrodo
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ECG Completo.indb 54 26/08/2019 09:26:28
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
simulando V2 para-esternal à esquerda
pode ajudar em situações de análise
de ritmo.
Outro sistema bastante usado é
chamado de “Modified Chest Lead” ou
“Mariott’s Chest Lead”, onde o posicionamento
de três eletrodos originalmente
descrito obedecia à seguinte
ordem: eletrodo do braço esquerdo no
local de V1, eletrodo do braço direito
locado infraclavicular à esquerda e eletrodo
terra em qualquer local (11).
Figura 7 - Planos vetorcardiográficos frontal,
horizontal e sagital e eixos x, y e z.
Derivações ortogonais e o vetorcardiograma
x: latero-lateral; y: supero-inferior; z: póstero-anterior. PF: plano frontal, PH:
plano horizontal, PS: plano sagital.
O leitor até aqui já deve ter percebido
que a atividade elétrica cardíaca
pode ser traduzida pela soma das diferenças
de potencial das células cardíacas.
Uma diferença de potencial
resultante pode ser traduzida matematicamente
como um vetor resultante.
Cientistas perceberam que o vetor
cardíaco resultante poderia ser avaliado
através da construção de sistemas
ortogonais, que são nada mais do que
sistemas que representam três derivações:
x, y e z. Por convenção, x detecta
as forças laterais (similar à derivação
D1 do ECG convencional); y detecta
forças superiores ou inferiores e, assim
como aVF, tem deflexão positiva caso
um vetor aponte para o pé do paciente;
e z, um eletrodo que detecta correntes
anteroposteriores, similar ao V2
do ECG (Figura 7).
Nas décadas de 40 e 50, investigadores
projetaram sistemas de medição
do vetor resultante cardíaco nestas
três derivações/eixos. No entanto,
entre 1945-1955, um conhecimento
maior sobre a geometria cardíaca e
a relação do vetor resultante com os
diferentes posicionamentos de eletrodos
demonstrou que essas os sistemas
criados até então, Duchosal, tetaedro
de Wilson e cubo de Grishman, não
eram tão ortogonais assim. Não vamos
nos ater a esses sistemas, pois estão
em desuso na prática clínica.
A importância do parágrafo anterior
é que foi a partir disso que surgiram
as “derivações ortogonais corrigidas”.
Frank, em 1956, publicou o
primeiro sistema realmente ortogonal
(12), pelo menos nos modelos de torso
em tanques (13) (Figura 8).
O sistema de Frank, ortogonal corrigido,
possui cinco eletrodos (A, C, E, I
e M). A e I são posicionados nas linhas
55
ECG Completo.indb 55 26/08/2019 09:26:28
CAPÍTULO 3
Figura 8 - Modelos de torsos estudados por
Frank e que foram a base para a correção dos
sistemas ortogonais (13).
axilares médias esquerda e direita, respectivamente.
E e M no esterno e coluna.
C deve ficar 45º distante de A e E, em
uma posição similar ao ápice cardíaco.
Todas essas derivações estarão dispostas
no 4º ou 5º espaço intercostal. Existe
mais um eletrodo: o H, que geralmente
é posicionado na porção posterior do
pescoço, mas sua localização não é particularmente
importante (Figura 9).
SISTEMAS DE ECG
“TRANSFORMADOS”
Na década de 70, a fim de reduzir
o tempo de realização de um exame
e os custos com eletrodos, Dower introduziram
o sistema de “derivações
transformadas” (14) – soa estranho em
português, mas significa que com o registro
de apenas três derivações (X, Y e
Z), serão calculadas matematicamente
as derivações clássicas do eletrocardiograma.
O progresso da técnica foi
reportado pelo autor 11 anos mais tarde
trazendo um resultado no mínimo
conflitante: o ECG derivado seria melhor
correlacionado com os achados
clínicos que o ECG de 12 derivações
(15), resultado que foi duramente criticado.
Anos mais tarde, diferenças
em coeficientes de transferências foram
percebidas e apresentadas no 14º
Congresso Internacional de Eletrocardiografia
(16).
Figura 9 - Posicionamento de eletrodos do sistema de Frank.
56
ECG Completo.indb 56 26/08/2019 09:26:29
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
O contrário também é possível.
Com todos os eletrodos posicionados
no tórax de um paciente, uma transformação
inversa de Dower (6) (IDT,
sua sigla em inglês) ou transformação
de Kors (17), um aparelho de eletrocardiograma
pode capturar um eletrocardiograma
de 12 derivações e um vectorcardiograma
ao mesmo tempo.
O uso dessas transformações pode
ser muito importante clinicamente
caso seja estudado em cenários clínicos
e validado em pacientes de diferentes
formatos físicos. Por enquanto,
os seus idealizadores defendem os
métodos de transformação por trazer
mais informações sem o gasto de eletrodos
adicionais, e pela possibilidade
de retorno do estudo vetorcardiográfico
ao arsenal de exames complementares
do cardiologista (11).
Outro sistema de ECG “transformado”
é o EASI, também proposto por Dower,
que consiste no uso de 4 eletrodos.
São posicionados nas posições A, E e I
de Frank, adicionando um eletrodo S
no topo do esterno (18) (Figura 10).
HOLTER E OUTRAS FORMAS DE
ECG AMBULATORIAL
Desenvolvido por Norman Jeff Holter
com sua primeira publicação em
1949, o eletrocardiograma ambulatorial,
hoje conhecido pelo nome do seu
inventor, pesava 38 kg (Figura 11). Os
aparelhos atuais são leves e discretos
e realizam monitorização contínua de
ECG, com características distintas a
depender do modelo escolhido pelo
clínico: detecção automática de arritmias,
análise do ST e do QT, variabilidade
de onda T, etc.
Figura 11 - Eletrocardiograma ambulatorial
elaborado por Norman Jeff Holter em 1947,
com trabalho publicado em 1949.
Figura 10 - Posicionamento de eletrodos no
sistema EASI.
O Holter (escreve-se com letra
inicial maiúscula) mais conhecido da
comunidade médica é o gravador
de ECG ambulatorial de 24-48 h, mas
pode chegar a capacidades de grava-
57
ECG Completo.indb 57 26/08/2019 09:26:30
CAPÍTULO 3
Tabela 3 - Rendimento diagnóstico dos diferentes tipos de ECG ambulatorial.
Duração da
gravação
Tipo de gravador
Palpitações (%) Síncope (%)
AVC
criptogênico
24 – 48 horas Holter 10-15 1-5 1-5
3-7 dias Holter patch 50-70 5-10 5-10(?)
1-4 semanas Loop externo 70-80 15-25 10-15
Até 36 meses Loop implantável 80-90 30-50 15-20
AVC: acidente vascular cerebral (20).
ção de 30 dias. Ele pesa entre 200-300
g e pode possuir cabos e eletrodos
ou apenas um patch adesivo na pele
(19). Os sistemas de eletrodos variam
de acordo com as diferentes marcas,
mas geralmente se limitam a dois ou
três canais bipolares independentes,
10 eletrodos para a gravação de 12 derivações
ou o sistema EASI. Com o posicionamento
de eletrodos bipolares
nos locais corretos, um clínico pode
inferir, a partir da gravação do Holter,
que o paciente tem um bloqueio de
ramo direito ou esquerdo. Isso é possível
caso haja a montagem de uma
derivação “tipo V1” que consiste no posicionamento
de um eletrodo positivo
no quarto espaço intercostal direito a
2,5 cm do esterno e um eletrodo negativo
no terço lateral da fossa infraclavicular.
Se isso não for respeitado,
é impossível inferir se há bloqueio de
ramo direito ou esquerdo ou apenas
bloqueio intraventricular (11).
Loop recorders são uma das variações
do método. Nesse caso, deriva-
Figura 12 - Diferentes tipos de ECG ambulatorial.
58
ECG Completo.indb 58 26/08/2019 09:26:31
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
ções bipolares são posicionadas por
semanas a meses na pele (Loop externo)
ou implantadas (Loop implantável) no
subcutâneo do paciente. Essa modalidade
reconhece automaticamente a arritmia
e podem gravar até 1 hora do evento.
Muito útil para arritmias infrequentes.
Monitor de eventos é o terceiro
tipo de gravação de ECG ambulatorial.
Neste caso, o paciente ativa o gravador
com um botão. Bom para arritmias sintomáticas.
Tipicamente seu uso pode
durar até 30 dias.
A tabela 3 resume o rendimento
diagnóstico e a figura 12 ilustra cada
um desses aparatos (20).
Nos últimos anos, temos visto ainda
a introdução de gravadores de ECG em
smartphones e smartwatches. O Kardia
Mobile (AliveCor, Inc., Estados Unidos)
é um device portátil em que se posicionam
os dois dedos para obter um
registro da gravação D1 (21). O Apple
Watch mede o fluxo sanguíneo através
de reflexos que o sangue causa em
luzes de LED emitidas na parte posterior
do relógio ou através de infravermelho.
Quando há irregularidade do
ritmo cardíaco, o aparelho notifica o
usuário a tocar com o dedo da mão
contralateral ao relógio para obter um
registro de D1 (Figura 13).
Figura 13 - Funcionamento do registro eletrocardiográfico do Apple Watch.
Pulsos de luz verde são enviados em alta frequência e os sensores de luz observam quantas vezes há reflexo dessa luz (o vermelho do sangue reflete luz verde).
O LED infravermelho também pode fazer contagem de ritmo cardíaco. Quando o aparelho detecta anormalidade, ele solicita ao usuário que posicione seu dedo
contralateral à mão onde está o relógio na “Digital Crown”, criando assim uma derivação braço esquerdo – braço direito, ou seja, D1.
59
ECG Completo.indb 59 26/08/2019 09:26:31
CAPÍTULO 3
DERIVAÇÕES ESPECIAIS
Na tentativa de melhorar a detecção
de uma onda específica no ECG,
algumas derivações “especiais” foram
propostas ao longo dos anos (22).
A derivação de Lewis é usada para
melhorar a detecção de atividade atrial
no ECG. Bom para situações em que a
onda P tem baixa amplitude ou existe a
suspeita de que ela está escondida em
outra onda ou complexo do ECG (23). Os
eletrodos dos braços são movidos para o
tórax do paciente da seguinte maneira:
braço direito fica posicionado no segundo
espaço intercostal direito próximo
ao esterno e braço esquerdo no quarto
espaço intercostal direito próximo ao
esterno. Nessa configuração, o eletrocardiógrafo
deve ser configurado para
gravar obrigatoriamente um D1 longo
– lembre-se que D1 é a derivação que
mede a diferença de potencial entre os
dois braços - a diferentes velocidades (25
mm/s, 50 mm/s) (Figura 14).
As derivações de Fontaine foram
descritas a fim de aumentar a capacidade
de identificação de ondas épsilon,
as ondas presentes em diversas situações,
mas classicamente descrita na
displasia arritmogênica do ventrículo
direito. Os eletrodos são posicionados
no manúbrio esternal (braço direito),
no apêndice xifoide (braço esquerdo)
e no lugar de V4 (perna esquerda) com
o eletrodo de perna direita posicionado
em qualquer lugar. As derivações
D1, D2 e D3 devem ser gravadas e
substituídas pela nomenclatura FI, FII
e FIII (24) (Figura 15).
Figura 14 - Derivação de Lewis.
Eletrodo do braço direito posicionado no 2º EIC direito e eletrodo do braço esquerdo
posicionado no 4º EIC direito. Demais eletrodos dos membros podem
ser posicionados em qualquer lugar. O eletrocardiógrafo deve gravar um D1
longo (obrigatoriamente) a diferentes velocidades.
Figura 15 - Derivações de Fontaine para
detecção de ondas épsilon da Displasia
Arritmogênica do Ventrículo Direito. Para posicionamento
dos eletrodos e detalhes sobre
a gravação, vide texto.
60
ECG Completo.indb 60 26/08/2019 09:26:32
O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES
Derivações esofágicas podem ser
usadas para detectar atividade atrial
devido à proximidade do esôfago com
o átrio esquerdo (25). Com um eletrodo
de braço direito adaptado posicionado
no esôfago a nível de silhueta
cardíaca e um eletrodo de braço esquerdo
conectando a um amplificador,
a uma derivação no tórax ou a um polo
proximal no próprio eletrodo esofágico
utilizado. A utilização desse método
pode ser diagnóstico em até 86% dos
casos em que o ritmo não estava bem
definido (26) (Figura 16).
Derivações intracardíacas também
podem ser tentadas. Num paciente
com acesso venoso central
em veia jugular interna ou subclávia,
cuja ponta do cateter esteja mergulhada
no do átrio direito, pode-se
seguir o seguinte passo-a-passo: 1)
aspirar o conteúdo do acesso com
uma seringa para assegurar que não
há bolhas de ar, 2) um sistema agulha-seringa
contendo solução salina
deve ser inserido na ponta distal do
acesso central (ou um fio-guia), 3)
um eletrodo de V1 deve ser conectado
a essa agulha (ou fio-guia). 4)
com os demais eletrodos conectados
às suas posições habituais, gravar 12
derivações ou V1 longo (27,28). Atenção:
garanta a esterilidade de todo o
procedimento.
Figura 16 - Posicionamento de eletrodo esofágico conectado a um eletrocardiógrafo.
61
ECG Completo.indb 61 26/08/2019 09:26:32
CAPÍTULO 3
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ECG Completo.indb 62 26/08/2019 09:26:32
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63
ECG Completo.indb 63 26/08/2019 09:26:32
O ECG Normal
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
4
INTRODUÇÃO
A interpretação de um ECG por um
examinador experiente é feita comparando
aquele exame com a memória
fotográfica e com o conhecimento que
possui de outros ECGs normais e anormais
que já foram vistos. No início da
caminhada, é comum que se faça necessário
o uso de guias, livros curtos,
resumos, manuais de plantão, aplicativos
e outros materiais que nos traga
a recordação dos padrões normais e
anormais.
Justamente na fase em que ganhamos
experiência, é comum ficar fascinado
ou assustado com um determinado
achado (por exemplo, a primeira
vez que um leitor pouco experiente
diagnostica um bloqueio divisional
anterossuperior ou como quando um
examinador com experiência média
acha que viu uma onda épsilon) e isso
pode levar ao erro diagnóstico por
subestimar outros achados. A melhor
maneira de evitar isso é sistematizando
a análise do ECG. Isso deve ser feito
por todos, independentemente do nível
de conhecimento sobre o assunto.
Este capítulo fará a análise sistemática
por você. Cada tópico a seguir será um
passo a ser realizado para que o ECG seja
avaliado por completo. Vamos começar.
IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
E CONFIGURAÇÕES DO
ELETROCARDIÓGRAFO
Tudo começa pelo básico. Identifique
o paciente, seu sexo e idade.
Veremos nos próximos capítulos que
isso pode ser crucial para uma correta
análise do exame, pois os valores de
referência de alguns achados podem
mudar.
Sobre o eletrocardiógrafo, o leitor
deve relembrar tudo que leu no capítulo
anterior. Está configurado em
N e 25 mm/s? Seus filtros estão adequados?
E mais: fique atento à possível
presença de artefatos que serão
vistos com detalhes no capítulo 5.
Houve troca de eletrodos ou outro
artefato que impossibilita a correta
análise do ECG?
RITMO E FREQUÊNCIA
CARDÍACA
O próximo passo é olhar para o
ECG e identificar o ritmo do paciente.
Isso pode ser realizado através da
seguinte análise: as ondas e complexos
sempre vêm em intervalos
iguais? Pode ser necessário um compasso
ou que você desenhe numa folha
à parte dois traços denotando a
65
ECG Completo.indb 65 26/08/2019 09:26:32
CAPÍTULO 4
distância entre duas ondas P ou dois
complexos QRS e a partir daí observar
se essas distâncias se mantêm
constantes.
O ritmo cardíaco pode ser sinusal,
ectópico ou arrítmico. O ritmo sinusal
será visto neste capítulo. O ectópico e
o arrítmico serão discutidos na seção
2 deste livro. Antes de começarmos
essa avaliação, devemos lembrar um
pouco da eletrofisiologia cardíaca,
vista no capítulo 2. O estímulo elétrico
cardíaco, em condições normais, é
gerado no nó sinoatrial ou nó sinusal,
uma estrutura anatômica localizada
no teto do átrio direito. O caminho
percorrido por ele será despolarizar
as células atriais circunvizinhas, depois
ganhar os feixes internodais (que
não são exatamente feixes, como discutimos
naquele capítulo) até chegar
ao nó atrioventricular, uma estrutura
mais inferior e mais à esquerda, e
sofrer uma “pausa” em seu processo.
Nesse momento, o estímulo está tentando
vencer a baixa velocidade de
condução dessa região (Figura 1).
O importante do parágrafo anterior
foi demonstrar para você o
vetor da onda P no plano frontal (a
onda desenhada pela ativação atrial
nas derivações dos membros): ela
vai do teto para uma região mais
inferior e mais à esquerda. O vetor
da onda P, portanto, apontará para
derivações mais à esquerda (D1) e
inferiores (D2 e aVF), sendo positivo
nessas derivações.
Além dos feixes internodais, existem
também as células de Bachmann,
Figura 1 - Ativação atrial iniciando pelas
forças atriais direitas (AD) e terminando
pela esquerda (AE).
O vetor resultante está descrito em VR, apontando para inferior e
para esquerda. Como o vetor muda de direção a cada momento da
despolarização atrial, é possível também imaginar o a alça que a
despolarização desenha no plano frontal, com os sucessivos múltiplos
vetores instantâneos.
equivocadamente descritas como um
feixe, que são responsáveis por transmitir
o estímulo através do septo interatrial
para o átrio esquerdo. Quando
Bachmann está lesado, o estímulo será
conduzido através da fossa oval ou
do seio coronário (veremos isso com
mais detalhes no capítulo 6). Mas o interessante
é perceber que a segunda
porção da onda P é determinada justamente
pela ativação do átrio esquerdo.
Como o átrio esquerdo é ativado de
cima para baixo e de frente para trás
(é uma estrutura mais posterior que o
átrio direito, em contato direto com o
esôfago), o vetor de ativação do átrio
esquerdo apontará de cima para baixo
e de frente para trás. Portanto, outra
66
ECG Completo.indb 66 26/08/2019 09:26:33
O ECG NORMAL
Figura 2
Entenda a figura antes de passar adiante. À esquerda, temos os vetores do átrio direito (AD) e do átrio esquerdo (AE). A soma dos dois vetores (VR) aponta
para inferior e para a esquerda no plano frontal, mais especificamente em direção a D2. D2, portanto, terá a maior amplitude, D1 e aVF também serão
positivas. D3 geralmente é positiva. aVR está quase diametralmente oposta ao vetor, portanto negativa. À direita, temos o vetor no plano horizontal,
portanto, nas derivações precordiais. Perceba que a ativação final (VR) realizada pelo AE traz o vetor para negativo na sua segunda porção, em V1. Adaptado
de Gertsch.
derivação a que o leitor precisa ficar
atento é V1, que visualiza justamente o
diâmetro anteroposterior do paciente:
em V1 a onda P tem um formato “plus-
-minus” (ou seja, primeiro positiva, depois
negativa) ou apenas “minus” (caso
o nós sinusal seja uma estrutura muito
anterior naquele coração).
Resumindo, a onda P precisa ser positiva
em D1, D2 e aVF, plus-minus ou minus
em V1. D3 pode ser plus ou plus-minus
e aVL pode ser plus, minus ou minus-plus.
Se tudo isso for respeitado, teremos um
ritmo sinusal na imensa maioria dos casos
(Figura 2). Um diagnóstico diferencial raro,
mas importante, mesmo quando tudo é
respeitado é o ritmo atrial para-sinusal do
átrio direito ou atrial de veia pulmonar superior
direita, no átrio esquerdo, estruturas
muito próximas e que, portanto, podem
produzir vetor muito semelhante.
A ausência de onda P no ECG pode
significar o diagnóstico de fibrilação
atrial, ondas P de formatos distintos ou
em dentes de serra podem significar
taquicardias atriais multifocais e flutters
atriais, arritmias que serão pormenorizadas
nos capítulos 16 e 17.
A frequência sinusal normal tem
seus limites entre 50-100 batimentos
por minuto. O cálculo dessa frequência
deve ser feito em todos os ECGs
avaliados e são diversas as maneiras
com que isso pode ser alcançado. A
mais fidedigna é dividir 1500 pelo
número de quadradinhos entre uma
onda P ou um complexo QRS e outro.
A razão do número “1500” é bastante
fácil: em um ECG com velocidade de
25 mm/s, um segundo será gravado
em 1500 quadradinhos. Então 1500/X
= frequência cardíaca.
67
ECG Completo.indb 67 26/08/2019 09:26:33
CAPÍTULO 4
Outra maneira é a “regra dos quadradões”.
Cada quadradão possui 5
quadradinhos, então, 1500/5 = 300.
1500/10 = 150. 1500/15 = 100. Por aí
vai. Sabendo dessa regra, você pode
inferir de maneira menos fidedigna a
frequência (Figura 3).
Se o ritmo for irregular, esses cálculos
não poderão ser realizados. A maneira
de estimar a frequência é calcular
a média de batimentos em 6 segundos
e multiplicar por 10. Para isso, conte 30
quadradões (30 x 200 ms = 6 segundos)
e multiplique a quantidade de batimentos
encontrados por 10 (Figura 4).
Figura 3 - Pela regra dos “quadradões”, a frequência cardíaca desse paciente estará entre
100 e 75. Para saber com exatidão, dividir 1500/19 = 79.
Figura 4 - Cálculo da frequência cardíaca quando ritmo for irregular. Contar 30 quadradões (6
segundos) e multiplicar o número de batimentos por 10.
A ONDA P
O ritmo da onda P denota a atividade
sinusal ou ectópica do coração.
Já a morfologia e duração da
onda P denotam a morfologia dos
átrios. Como vimos nos parágrafos
anteriores, o início da onda P, mais
especificamente sua primeira metade,
é determinada pela ativação do
átrio direito; e a sua segunda metade
é determinada pela ativação do
átrio esquerdo. Na porção média da
onda P, existe uma sobreposição de
atividades – o átrio direito está tendo
suas últimas fases da despolarização
enquanto o átrio esquerdo está apenas
começando (Figura 5).
68
ECG Completo.indb 68 26/08/2019 09:26:33
O ECG NORMAL
Figura 5 - A onda P é gerada pela ativação dos dois átrios. Na figura, está representada a
atuação de cada átrio na geração dessa onda. Perceba que a primeira metade é comandada
pelo átrio direito, enquanto o átrio esquerdo ganha importância na segunda metade. Na
porção central da onda, temos as últimas células do átrio direito e as primeiras células do
átrio esquerdo despolarizando-se.
A onda P precisa ser avaliada em sua
amplitude, pois aumentos podem denotar
sobrecargas atriais. Em D2 a onda P
não pode ultrapassar 2,5 mm de amplitude
(dois quadradinhos e meio), pois
mais que isso seria sinal de sobrecarga
atrial direita. Em V1 a onda P não pode
ultrapassar 1,5 mm de amplitude em
sua porção positiva e 1 mm de amplitude
em sua porção negativa (Figura
6), o que denotaria sobrecarga atrial direita
e esquerda respectivamente.
A onda P também precisa ser avaliada
em sua duração, pois alargamentos
dessa onda podem denotar atrasos de
condução. Adianto aqui uma importante
divergência entre este livro e as ideias
desse autor que vos fala para a literatura
já escrita. Repito: o alargamento da onda
P denota atraso da condução intra ou
inter-atrial, que pode ou não ser secundário
a uma sobrecarga atrial direita ou
esquerda. Esse assunto será discutido no
capítulo 6. A onda P não pode exceder
100 ms de duração (dois quadradinhos
e meio)
Leia o resumo sobre a onda P na Tabela
1.
Figura 6 - Onda p normal em D2: positiva, com > 2,5 mm de amplitude e 2,5 quadradinhos de
duração.
69
ECG Completo.indb 69 26/08/2019 09:26:34
CAPÍTULO 4
Tabela 1 - Características normais da onda P.
Significado
Vetor
Formato
Despolarização atrial primeiro direita,
depois esquerda
De cima para baixo, da direita para esquerda,
porção inicial de trás para frene e porção final
de frente para trás.
Positiva em D1, D2 e aVF. Plus-minus ou minus em
V1.
Duração
Até 100 ms (dois quadradinhos e meio).
INTERVALO PQ
O intervalo PQ (ou PR) normal
vai de 121 a 200 ms, ou seja, > 3 e
≤ 5 “quadradinhos” (ou um “quadradão”).
É medido do começo da onda
P até com o começo do complexo
QRS, tomando como base a derivação
em que este parecer maior. Às
vezes, é necessário medir o começo
da P em uma derivação, pois naquela
se inicia alguns milissegundos antes,
e o começo do QRS em outra, exatamente
aquela em que também se
inicia sutilmente antes.
O intervalo PQ é o silêncio elétrico
produzido pela passagem do
estímulo elétrico pelas células transicionais
e pelas poucas junções comunicantes
do nó atrioventricular
(AV). Como, em situações normais,
todos temos um esqueleto fibroso
que separa completamente as células
atriais das miocárdicas, o estímulo
elétrico obrigatoriamente precisa
passar por essa pausa para chegar
aos ventrículos e dar início ao complexo
QRS. Portanto, é esperado que
todos possuam um intervalo PQ nos
limites já citados.
A redução do intervalo PQ pode,
então, significar que há um defeito
no esqueleto fibroso que está permitindo
a passagem do estímulo elétrico
do átrio para o ventrículo, uma via
acessória, causador da Síndrome de
Wolff-Parkinson-White, um feixe de
James, causador da extinta Síndrome
de Lown-Ganong-Levine (ambas
descritas no capítulo 19) ou uma variante
do normal.
O alargamento do intervalo PQ
para além de 200 ms pode significar
bloqueio atrioventricular de 1º grau
(capítulo 6), encontrado em doenças
do nó AV e também em indivíduos
normais: 8% dos homens e 12% das
mulheres (1,2).
70
ECG Completo.indb 70 26/08/2019 09:26:34
O ECG NORMAL
O COMPLEXO QRS
Representa a despolarização dos
ventrículos. Na sua abordagem sistemática
do ECG, é necessário que se verifique
seu formato, sua duração, sua
amplitude e seu eixo.
Na análise do formato, o leitor precisa
avaliar qual o formato do complexo QRS:
se qRs, rS, etc. Uma forma muito simples,
porém, bastante útil para aqueles que
trabalham muito raramente com o ECG
e não têm acesso a consultas rápidas é a
dica a seguir: existem dois padrões eletrocardiográficos
básicos mais comuns
em um ECG e podem ser usados para diferenciar
um exame normal de um anormal.
A figura 7 exemplifica esses padrões
e dá a dica preciosa.
Figura 7 - Dica preciosa. Dois complexos QRS
que exemplificam as principais morfologias
encontradas em um ECG.
O complexo da esquerda é tipicamente encontrado em D1, aVF, V4 e V5,
enquanto o complexo da direita é tipicamente encontrado em V1 e V2. Se
os passos dessa dica forem desrespeitados em um determinado exame,
você provavelmente tem um ECG anormal. Claro, essa é uma simplificação
extrema do método, mas pode servir aos mais inexperientes e a quem tem
pouco contato com o ECG.
Com relação à sua duração, o complexo
dura normalmente menos que
100 ms, e não deve ultrapassar 120
ms (três quadradinhos), indicando um
atraso na condução dos ventrículos,
seja por uma doença miocárdica ou,
mais frequentemente, por bloqueio de
ramo.
Com relação à sua amplitude, o
complexo deve ter pelo menos 5 mm
em pelo menos uma derivação do
plano frontal e 8 mm em pelo menos
uma derivação do plano horizontal.
Valores abaixo disso são definidos
como "baixa voltagem". A amplitude
máxima depende de critérios que serão
descritos e discutidos no capítulo 7.
O cálculo do seu eixo é motivo de
terror para os alunos da graduação
desde os primeiros semestres da Universidade.
E, como muitos assuntos
abordados naquela época, tem seu
valor. Para falar sobre o eixo cardíaco,
demonstraremos como o ventrículo se
despolariza e como são formados os
clássicos três vetores cardíacos – 1, 2 e
3, ou mais basicamente chamados de
Q, R e S.
Foi um elegantíssimo estudo de
Durrer publicado em 1970 que revolucionou
o conhecimento da comunidade
médica. Utilizando agulhas com
microeletrodos em corações humanos
post-mortem, Durrer definiu a despolarização
ventricular esquerda e direita
conforme será descrito adiante:
Nos primeiros 5 ms do início da
despolarização ventricular, três áreas
são ativadas: uma área para-septal
anterior próxima ao músculo papilar
71
ECG Completo.indb 71 26/08/2019 09:26:34
CAPÍTULO 4
anterior (região da divisão anterossuperior),
uma área no centro da face
esquerda do septo, uma área póstero-septal
a um terço da distância do
ápice para a base. Essas áreas crescem
e se tornam confluentes nos primeiros
20 ms. A esse ponto, grande parte do
septo e da parede livre já despolarizaram.
Até 40 ms todo o endocárdio ventricular
esquerdo já estará despolarizado.
O ventrículo direito começa a sua
despolarização em torno de 5 a 10 ms
após o ventrículo esquerdo, iniciando
a sua ativação no músculo papilar
anterior e indo em direção ao septo e
parede livre, chegando às últimas porções
(área sub-pulmonar e posterobasal)
(3) (Figura 8).
Perceba que a ativação mais inicial
(primeiros 20 ms) denota septo interventricular
em suas faces esquerda
(com maior massa e amplitude de vetor)
e direita e início da parede livre do
VE. Após cerca de 10-20 do início até
40-50 ms, a segunda fase da despolarização
leva em consideração a parede
livre do VE e do VD e a transmissão da
onda de despolarização para o epicárdio.
E a última fase (após 50 ms do
início, durando até os 70 ms) denota a
despolarização das porções basais de
ambos os ventrículos. Essas três fases
formam três vetores.
O primeiro vetor (0 – 20 ms) que
representa basicamente o septo endocárdico
e o início da parede livre aponta
da esquerda para a direita e para a
frente. Esse vetor é basicamente chamado
de onda Q, mas essa facilitação
acaba se tornando um equívoco, pois
em V1 na verdade temos uma onda r.
Veja, como o vetor aponta de trás para
Figura 8 - Representação original do artigo de Durrer sobre a ativação ventricular
esquerda e direita.
A ativação vai seguindo a sequência rosa-vermelho claro, escuro, laranja, amarelo, verde e azul. Perceba que o estímulo nasce no septo endocárdico em
direção às paredes livres de ambos ventrículos e ao epicárdio (3).
72
ECG Completo.indb 72 26/08/2019 09:26:34
O ECG NORMAL
frente, e V1 é uma derivação que enxerga
o eixo antero-posterior, nada
mais fácil de compreender que aqui
teremos um vetor positivo. Em V6, por
outro lado, sim temos uma onda Q, visto
que é uma derivação quase oposta a V1.
O vetor 2 (21 – 50 ms) representa o
restante das paredes livres do VE (com
maior força e magnitude) e do VD, assim
como a transição do estímulo para
as regiões epicárdicas. Esse vetor se
direciona da direita para a esquerda,
e de cima para baixo. Representa a
maior parte do complexo QRS e é basicamente
chamada de R, mas sofre do
mesmo problema já citado no parágrafo
anterior – em aVR, por exemplo,
esse vetor determina uma onda S.
O vetor 3 (51 – 70 ms) representa as
porções basais, e se direciona de inferior
para superior, um pouco para direita
e posterior. É, de maneira generalizada,
chamada de “S”, mas representa
o pequeno r final em aVR.
Como o vetor 2 representa a maior
magnitude de área cardíaca despolarizada,
sua representação eletrocardiográfica
será mais ampla e importante
na análise do exame. Como dissemos,
esse vetor, em situações normais,
aponta da direita para esquerda
e de superior para inferior. O eixo
cardíaco é representado basicamente
pelo vetor 2. Posicionado o vetor 2 no
ciclo de Cabrera (plano Frontal), obtemos
a Figura 9.
O vetor resultante da atividade ventricular
deve se situar entre – 30º e +
90º no círculo de Cabrera. Ou seja, entre
aVL e aVF.
Figura 9 - Vetor cardíaco no plano frontal
apontando para inferior e esquerda
O ciclo de Cabrera é dividido em
quatro quadrantes. O quadrante número
1 é aquele que está entre D1 (0º)
e aVF (+ 90º), ou seja, normal. O segundo
quadrante está entre D1 (0º) e - aVF
(- 90º) e pode ser normal até – 30º, mas
a partir daí chamamos esse desvio de
“desvio de eixo para esquerda”. O terceiro
quadrante é a chamada “terra
de ninguém” ou "extrema direita", pois
poucas e graves enfermidades desviam
o eixo cardíaco para estas posições entre
- aVF (- 90º) e - D1 (+ 180º). O quarto
quadrante está entre aVF (+ 90º) e -D1
(+ 180º) e quando o eixo cardíaco está
situado naquele local, chamamos a situação
de “desvio de eixo para a direita).
Veja a figura 10 para entender.
O leitor atento percebeu que D1
e aVF são os limites dos quadrantes.
Então, para um cálculo básico, o do
quadrante em que o eixo se encontra,
basta olhar para D1 e aVF. D1 positivo,
73
ECG Completo.indb 73 26/08/2019 09:26:34
CAPÍTULO 4
Figura 10 - Quadrantes do ciclo de Cabrera.
aVF positivo: quadrante normal; D1
positivo e aVF negativo: possível desvio
para esquerda (normal até – 30º);
D1 negativo e aVF positivo: desvio do
eixo para direita; D1 negativo e aVF negativo:
quarto quadrante (Tabela 2).
Para o cálculo exato do vetor resultante
e do eixo cardíaco, o examinador
deverá observar os complexos
QRS do plano frontal (ou seja, D1, D2,
D3, aVR, aVL, aVF) e seguir um passo a
passo simples (4):
1. Qual(is) derivação(ões) possui(em)
um complexo isodifásico? (ou
seja, a onda R é de mesmo tamanho da
onda S) – essa pergunta se faz importante
porque complexos isodifásicos
determinam que o vetor está perpendicular
(ou seja, a 90º graus, caso você
tenha faltado a aula de geometria)
àquela derivação.
2. Qual(is) derivação(ões) possui(em)
complexos QRS de maior amplitude (seja
positivo ou negativo, mas não isodifásico)?
– essa pergunta se faz importante
Tabela 2 - Cálculo do quadrante elétrico do vetor resultante cardíaco.
D1 aVF Quadrante Eixo
Positivo Positivo Normal (0 a + 90º)
Positivo
Negativo
Possível desvio para
esquerda (0 a - 90º)
Negativo
Positivo
Desvio para direita (+
90º a + 180º)
Negativo
Negativo
“Terra de ninguém” (-
90º a + 180º)
74
ECG Completo.indb 74 26/08/2019 09:26:35
O ECG NORMAL
porque, como já vimos nos capítulos anteriores,
o vetor cardíaco estará indo de
encontro àquela derivação caso seja muito
ampla positiva, e fugindo daquela derivação
caso seja muito ampla negativa.
3. Caso haja duas derivações igualmente
amplas, o vetor estará entre elas.
Existe também uma maneira prática
de inferir se o eixo está normal, mas
não calcular seu ângulo. Segue:
4. D1 e D2 são mais positivos que
negativos.
Veja exemplos nas Figuras 11 e 12.
Algumas enfermidades alteram o eixo
cardíaco. A Figura 13 resume essas possibilidades.
A Tabela 3 resume as principais
características do complexo QRS normal.
Figura 12 - Exemplo de ECG para cálculo de
eixo cardíaco.
Figura 11 - Exemplo de ECG para cálculo de
eixo cardíaco.
Qual derivação está isodifásica? aVR. O ângulo estará então em + 120
ou – 60º (os dois são perpendiculares a aVR). Qual derivação tem maior
amplitude? D3. O eixo, portanto, está em D3 (+ 120º).
Figura 13 - Diagnósticos diferenciais possíveis
pelo cálculo do quadrante em que está
presente o eixo cardíaco.
Qual derivação está isodifásica? D2. O ângulo cardíaco estará, então, em
+ 150º ou -30º (perpendiculares a + 60º). Qual derivação tem maior
amplitude? aVL (- 30º), então o ângulo está a -30 graus. Perceba que as
amplitudes de D1 (positiva) e D3 (negativa) são similares, apontando para
algo que está entre D1 e – D3, mais uma vez aVL é a derivação escolhida.
Eixo -30º.
BDAS: bloqueio divisional anterossuperior. BDPI: bloqueio divisional
póstero-inferior. HVD: hipertrofia ventricular direito; HVE = hipertrofia
ventricular esquerda.
75
ECG Completo.indb 75 26/08/2019 09:26:36
CAPÍTULO 4
Tabela 3 - Características normais do complexo QRS.
Significado
Despolarização ventricular
Vetor principal
De cima para baixo, da direita para esquerda
Eixo
Formato
Duração
Entre – 30º e + 90º (D1 e D2 positivos).
Depende da derivação. Não pode ser menor que 5
mm no plano frontal e 8 mm no plano horizontal.
Geralmente tem uma onda R que cresce de V1 a V5.
Até 120 ms (três quadradinhos).
O SEGMENTO ST
O fim do complexo QRS é chamado
“ponto J”. É no ponto J que se inicia o
segmento ST, indo até o início da onda
T. Representa o início da repolarização
das células ventriculares e está relacionada
à fase 2 do potencial de ação
cardíaco visto no capítulo 2, a fase de
platô (Figura 14).
O segmento ST é, portanto, uma
fase de silêncio elétrico, já que todas
as células miocárdicas estão em platô.
Quando as primeiras células começam
a se repolarizar, a onda T se inicia de
maneira gradual.
Figura 14 - Comparação temporal entre o ECG de superfície (acima) e o potencial de ação da
célula miocárdica (abaixo). Perceba que o segmento ST (do fim do QRS até o início da T) é
relacionado à fase 2 (platô) do potencial de ação e está ligada ao influxo de cálcio.
76
ECG Completo.indb 76 26/08/2019 09:26:36
O ECG NORMAL
Figura 15 - Medição do ponto J (ao fim do complexo QRS) demonstrando um ponto J elevado
em relação à linha de base (linha isoelétrica do intervalo PR). Se esse desnivelamento for
maior que 1 mm, é considerado anormal.
O normal é que o ponto J esteja ao
mesmo nível da linha de base do ECG
ou até 1 mm desnivelado para cima ou
para baixo. A linha de base é a linha
isoelétrica do intervalo PR (Figura 15).
A exceção à regra se faz nas derivações
V2 e V3, onde até 70% dos ECGs
podem conter um supradesnivelamento
do segmento ST de até 1,5 mm,
chegando até 4 mm e se prolongando
até V6 em algumas situações. Isso se
dá por estimulação vagal e é mais pronunciado
em homens jovens e atletas
(5). Este padrão era antigamente
chamado de “repolarização precoce”,
termo que deve ser substituído por
“supradesnivelamento inespecífico do
segmento ST” devido à síndrome de
repolarização precoce que tem achados
diferentes e será discutida com
mais detalhes no capítulo 24.
A ONDA T
A onda T se inicia quando as primeiras
células começam a se repolarizar.
A sua gênese é complexa e será
resumida nas próximas linhas. Ela é
uma representação eletrocardiográfica
dos potenciais de ação miocárdicos
que acontecem em fases diferentes
pelas células endocárdicas, células
M e células epicárdicas. Na verdade, o
que acontece é que as primeiras células
a serem repolarizadas são as células
do epicárdio – e você lembra dos
parágrafos anteriores que estas foram
as últimas células a despolarizarem.
Depois do epicárdio, o endocárdio
repolariza e, por fim, as células M (6)
(Figura 16).
Veja bem: a onda T é nada menos
que a subtração (ou “cancelamento”)
do potencial de ação do endocárdio,
do epicárdio e das células M.
Para ser ainda mais exato, todo o
ECG parece ser uma ciência de cancelamento
(subtração) de potenciais de
ação do coração. Primeiro o endocárdio
despolariza fugindo do eletrodo
intracardíaco e gerando um eletrograma
negativo (q), dando origem àquelas
q ou r iniciais em algumas derivações,
dependendo se o eletrodo está
visualizando de frente ou por trás esse
vetor. Depois vem a passagem transmural
e o passeio para a parede livre
musculosa indo de encontro ao eletrodo
extracardíaco, dando origem à
onda R no ECG.
77
ECG Completo.indb 77 26/08/2019 09:26:36
CAPÍTULO 4
Figura 16 - Tempo em milissegundos, após uma estimulação atrial, em que ocorre a despolarização
e a repolarização do endocárdio e do epicárdio ventricular (6).
O que acontece agora é similar
ao que ocorre no exemplo que vou
descrever: um carro vai andando em
direção a um homem parado no fim
de uma rua. Do ponto de vista desse
homem, o que pode ser visto são os
faróis brancos da parte dianteira do
carro (encare isso como o vetor positivo).
Esse carro chega perto do homem
e breca. Depois começa a dar ré. O que
o homem parado vê ainda são seus faróis
brancos, mas se afastando (o vetor
permanece positivo, mas se afasta do
homem). É assim que ocorre a repolarização
pelo fato de que as últimas células
despolarizadas são as primeiras a
repolarizarem (Figura 17).
Quando o epicárdio inicia sua repolarização,
ele reduz as forças positivas
que “olhavam” para o eletrodo extracardíaco
(homem no final da rua), mas
ainda deixa células endocárdicas despolarizadas,
portanto, fazendo a onda
T “subir” no ECG – afinal o cancelamento
de forças positivas só ocorreu em
Figura 17 - Exemplo anedótico que ajuda a
entender o vetor da repolarização.
Na parte superior, um homem observa um carro se aproximando dele com
os faróis brancos dianteiros apontando em sua direção e ficando cada vez
mais próximos dos seus olhos. A ponta do vetor é representada por esses
faróis, pois sugere a positividade. Na parte inferior, o carro se afasta de ré,
mas segue apontando seus faróis brancos dianteiros para o homem, dessa
vez deixando-os cada vez mais longe, ficando o vetor positivo cada vez menor,
mas ainda positivo. É isso que ocorre com o potencial de ação da célula
miocárdica e é o fato de que o epicárdio repolariza primeiro que faz com
que esse exemplo seja adequado.
78
ECG Completo.indb 78 26/08/2019 09:26:37
O ECG NORMAL
um dos locais. Essa subida da onda T
persiste até o momento em que o endocárdio
começa a também se repolarizar,
quando as forças positivas que
estavam “sobrando” no endocárdio
acabam desaparecendo, começando a
porção descendente da T e trazendo-a
para a linha de base. Depois disso, ainda
as células M persistem repolarizando,
mas sem uma importante interferência
eletrocardiográfica (Figura 18).
Figura 18 - A repolarização ventricular é um
cancelamento dos potenciais de ação do
endocárdio, epicárdio e células M.
Agora imagine o que ocorre quando
o endocárdio, por um motivo de
isquemia, repolariza primeiro. O vetor
positivo vai ser direcionado agora
para o eletrodo intracardíaco, sentido
oposto ao eletrodo extracardíaco. No
nosso exemplo do homem no fim de
uma rua, ele vai enxergar as luzes vermelhas
da traseira do carro (ou seja, a
cauda do vetor) se aproximando dele.
Por isso, em isquemia, o segmento ST
e/ou a onda T são negativas.
Dessa anedota, podemos obter algumas
conclusões importantes, preste
atenção:
1. Uma despolarização que vai de
encontro a um eletrodo gera uma
onda positiva.
2. Uma repolarização indo em sentido
oposto a um eletrodo gera uma
onda positiva.
3. As ondas T são usualmente positivas
na maioria das derivações porque
as últimas células a despolarizarem são
as primeiras a repolarizarem (Figura 19).
As alterações secundárias à isquemia
serão vistas com detalhes no capítulo 12.
A onda T normal é concordante
com o QRS e assimétrica.
a: epicárdio já iniciou sua repolarização ficando menos positivo, enquanto a
positividade do endocárdio permanece mais importante, isso faz com que
a onda T comece a crescer. b: o epicárdio inteiro já repolarizou. A T agora
começa a perder a positividade à medida que as últimas células do endocárdio
também repolarizam, até chegar à linha de base. c: o endocárdio
inteiro repolarizou, trazendo a onda T para a linha de base. d: as células M
são as últimas a se repolarizarem.
INTERVALO QT
É a representação gráfica da duração
dos potenciais de ação de todas as
células cardíacas durante um batimento
cardíaco, visto que se vai do início
do complexo QRS até o fim da onda T,
englobando também o segmento ST.
79
ECG Completo.indb 79 26/08/2019 09:26:37
CAPÍTULO 4
Seus valores de normalidade variam
de acordo com o sexo e idade. E a sua
medição é motivo de muitas dúvidas,
que vamos solucionar agora.
Dúvida número 1: em qual derivação
medir? Historicamente o intervalo
QT se mede em D2, visto que desde
o trabalho seminal de Bazett, foi usado
D2. Nossa recomendação é que se
meça também em V3-V5, considerando
o maior resultado (7).
Dúvida número 2: e a onda U?
Ela será detalhada no próximo tópico,
mas já adianto que faz parte da repolarização
do miocárdio, então, deveria
sim ser medida. Porém, existem dificuldades
como filtros que escondem
a onda U e frequências cardíacas mais
elevadas, que sobrepõem a onda P à
onda U. Desse modo, convencionou-se
medir apenas o intervalo QT, mesmo
que você veja a onda U. Isso não impede,
porém, que você avalie a morfologia
e duração da U, visto que há síndromes,
como a de Andersen-Tawil, que atuam ali.
Dúvida número 3: se eu não meço
a U, como saber onde terminou a onda
T e começou a onda U? A forma mais
aceita é considerar o intervalo PR
como linha de base, depois visualizar a
porção final da onda T e desenhar uma
linha tangente. Onde essas duas linhas
se cruzarem, temos o final da onda T.
Veja um exemplo na Figura 20.
Figura 19 - Demonstração mais exata do que ocorre na repolarização cardíaca. Na parte
superior, a seta cheia demonstra a despolarização indo de encontro a um eletrodo extracardíaco
e dando origem à onda R do ECG. As setas tracejadas demonstram o coração repolarizando
em sentido oposto. Como vimos na regra número 2 do texto e como explicado nos
parágrafos anteriores, uma repolarização indo em sentido oposto a um eletrodo gera uma
onda positiva, por isso a onda T é positiva na maior parte das derivações do ECG. Na parte
inferior da figura, verificamos a relação temporal dos potenciais de ação epicárdicos e endocárdicos.
É quando o epicárdio começa a repolarizar e o endocárdio permanece despolarizado
que a onda T cresce sua positividade. Quando também o endocárdio repolariza, a onda T
tem sua porção negativa, voltando à linha de base.
80
ECG Completo.indb 80 26/08/2019 09:26:37
O ECG NORMAL
Figura 20 - Medição correta do intervalo QT quando uma onda U está presente.
Apesar da onda U também significar repolarização miocárdica, foi convencionado que ela não será medida. O correto é desenhar uma linha na tangente da
porção final da onda T e outra linha na linha de base do ECG (correspondente ao intervalo PR). O ponto de encontro entre essas duas linhas será o fim da onda T.
Dúvida número 4: já ouvi falar
que o intervalo deve ser corrigido pela
frequência cardíaca. Sim. Você ouviu
correto. O intervalo deve ser corrigido
pela frequência cardíaca porque os canais
responsáveis pela repolarização
do potencial de ação (vide capítulo 2)
têm sua abertura modificada pela frequência
cardíaca, alterando assim sua
duração. Mas como corrigir? A primeira
fórmula foi proposta por Bazett, e é
até hoje a mais utilizada (8) e envolve
uma raiz quadrada para seu cálculo
– o autor recomenda o uso de calculadoras
em smartphones. A fórmula
de Bazett, no entanto, demonstrou-se
falha nas frequências cardíacas fora
da faixa de 60-100 batimentos por minuto.
A fórmula de Fridericia, também
proposta em 1920, e que envolve uma
raiz cúbica em seu cálculo revelou-se
mais acurada a frequências cardíacas
mais elevadas que 100 por minuto,
mas também falha nas bradicardias
(9). Framingham (10) e Hodges (11)
são métodos mais recentes que usam
fórmulas lineares de correção, ao invés
de raízes quadradas ou cúbicas. As fórmulas,
que você usará um smartphone
para calcular, estão descritas na Figura
21. As fórmulas lineares, Hodges e
Framingham, são mais reprodutíveis
a frequências cardíacas mais variadas
(12) e são aconselhadas pelo autor.
Para pacientes com bloqueio de ramo
esquerdo, a recomendação é que se
subtraia 50% do valor do QRS da conta
total do intervalo QT (13). Em casos
de ritmos cardíacos irregulares, como
no caso da fibrilação atrial, a fórmula
de Fridericia parece ser a que possui
melhor correlação em comparação a
Bazett e Framingham (Hodges não foi
comparado) (14).
81
ECG Completo.indb 81 26/08/2019 09:26:37
CAPÍTULO 4
Figura 21 - Fórmulas para correção do intervalo
QT de acordo com a frequência cardíaca.
HR = heart rate (frequência cardíaca em batimentos por minuto); RR =
intervalo de uma onda R para outra em milissegundos.
Dúvida número 5: qual o valor
normal do intervalo QT? O leitor deve
ter em mente que não há um valor estabelecido
na literatura. Há uma intersecção
de intervalos QTs de indivíduos
doentes e sadios (15). Os valores acima
e abaixo do percentil 2,5 para normalidade
do intervalo QT são considerados
pontos de corte: acima de 450 ms
para homens e 460 ms para mulheres
(16). Valores abaixo de 350 ms para
homens e 360 ms para mulheres são
considerados anormais. Veremos mais
detalhes sobre as Síndromes do QT
longo e curto no capítulo 24.
ONDA U
je, (2) repolarização tardia de músculos
papilares, (3) forças eletromecânicas e
(4) repolarização de células M (17).
O intervalo entre o fim da onda T
e o ápice da onda U é usualmente de
100 ms, sem relação com a frequência
cardíaca. Sua distinção da onda T
pode ser difícil, especialmente quando
a onda T é bífida ou mesmo em casos
em que há fusão da onda T com a onda
U. Algumas manobras podem ser usadas
para diferenciá-las: a distância de
100 ms já citada e a correlação temporal
que essa onda possui com a segunda
bulha cardíaca.
As características de normalidade
da onda U são: possuem a mesma
polaridade da onda T. Dura em torno
de 170 ms (± 30 ms) em adultos
e tem uma amplitude de até 25% da
amplitude da onda T. Sua morfologia
é definida como uma porção ascendente
rápida e uma porção descendente
lenta (o oposto do que ocorre
com a onda T).
A onda U é frequentemente negligenciada
na análise do ECG, mas sinais
como inversão de onda U são de imensa
importância clínica, podendo estar
presente em até 20% dos ECGs isquêmicos.
As características normais de cada
onda, intervalo ou segmento visto até
aqui serão resumidas na Tabela 4.
Está presente em 25% dos ECGs.
Possui um significado ainda indefinido.
Postula-se que pode se tratar da (1) repolarização
tardia de fibras de Purkin-
82
ECG Completo.indb 82 26/08/2019 09:26:37
O ECG NORMAL
Tabela 4
Item Duração (ms) Amplitude (mm) Eixo médio
Onda P Até 100
Intervalo PR 120 a 200
Complexo QRS Até 120
Até 2,5 em D2 e 1,5 em
V1.
> 5 em qualquer derivação
do plano frontal e >
8 em qualquer derivação
do plano horizontal.
Entre 0º e 90º (positivo
em D1, D2 e aVF).
Entre – 30º e + 90º (Positivo
em D1 e D2).
Intervalo QT
Até 450 em homens e
460 em mulheres
Segmento ST
Desnível de até 1 mm
(V2 e V3 dependem do
sexo e idade).
Onda T
Acompanha o eixo do
QRS.
Onda U Até 200 ms Até 25% da onda T. Acompanha o eixo da T.
VARIANTES DA NORMALIDADE
Achados variados
Padrão Q III
: a presença de uma
onda Q em D3 isolada pode ser normalmente
encontrada em alguns indivíduos.
Padrão QS V1/V2
: a ausência de onda
R nessas derivações é uma variante
do normal, não sendo diagnóstico de
infarto anterosseptal na maioria dos
casos (18). Algumas vezes está relacionada
ao posicionamento alto (no
segundo espaço intercostal) de eletrodos.
Padrão de bloqueio de ramo direito
de primeiro grau: a presença
de um padrão rSr’ em V1 é um achado
frequente em indivíduos jovens.
O achado de um r’ < r é crucial para o
estabelecimento de uma variante da
normalidade. Caso o r’> r, ainda assim
a variante da normalidade é a primeira
hipótese, mas doenças do ventrículo
direito precisam ser descartadas.
Rotações do coração
O coração pode “estar rodado” tridimensionalmente
no tórax de um paciente.
83
ECG Completo.indb 83 26/08/2019 09:26:37
CAPÍTULO 4
Uma pessoa mais longilínea pode
ter um coração verticalizado com o
eixo mais próximo de + 90º que de 0º.
A aVL nessas situações pode até ter P e
QRS negativos.
Um coração horizontalizado é visto
em pessoas obesas e tem seu eixo direcionado
para próximo de - 20º, mas
não ultrapassando – 30º (Figura 22).
Figura 22 - Corações com eixos verticalizados
(longilíneos), intermediários e horizontais
(obesos).
nesses indivíduos, em V2, a onda R já
é maior que a onda S. Pode ocorrer em
até 10% das crianças, mas em apenas
1% dos adultos. Até os 8 anos de idade,
o coração da criança é tipicamente
rodado anti-horário, com um R>S já
em V1, padrão que pode persistir até
a adolescência. O diagnóstico diferencial
se faz com zona inativa lateral,
miocardiopatia hipertrófica e pré-excitação
ventricular por uma via acessória.
É importante enfatizar que algumas
vezes as rotações horária e anti-horária
podem ser causadas pelo simples artefato
de posicionamento errado de eletrodos
fora do espaço intercostal em
que devem estar posicionados.
Variações de acordo com o sexo
Uma rotação horária do coração
em seu eixo ocorre quando a “zona de
transição” (guarde esse conceito, pois
será muito usado nesse livro), ou seja, a
derivação do plano horizontal em que
a onda R passa a ser maior que a onda
S, é desviada para derivações mais à
esquerda. Esse padrão é também chamado
de “progressão lenta de R nas
precordiais” e pode estar presente
em situações de normalidade, nos bloqueios
divisionais e nas zonas inativas
por infarto do miocárdio prévio.
Na rotação anti-horária ocorre o
oposto: a transição ocorre já em V2:
As amplitudes do QRS em derivações
do plano horizontal tendem a ser
menores em mulheres, possivelmente
por influência do tecido adiposo e da
mama (19). Em mulheres, a onda T tende
a ser invertida em V1 e pode ser invertida
até V3. Também nas mulheres,
em derivações inferiores pode haver
alguma alteração do segmento ST. Mulheres
também possuem um intervalo
PR e um complexo QRS sensivelmente
mais curtos que o dos homens.
Variações de acordo com a raça
Pessoas da raça negra podem apresentar
inversão de onda T em V1-V3,
84
ECG Completo.indb 84 26/08/2019 09:26:38
O ECG NORMAL
especialmente as mulheres (20). Na
raça chinesa, a inversão de T isolada
em V3 também é vista com prevalência
de até 10% (21).
Variações de acordo com a idade
O fator que mais influencia o ECG
é a idade, considerando desde o recém-nascido
até o idoso. O ECG de
recém-nascido e da pediatria no geral
será analisado no capítulo 28. As maiores
diferenças do idoso em relação ao
adulto são: (1) menor amplitude e duração
do complexo QRS e maior intervalo
PR.
85
ECG Completo.indb 85 26/08/2019 09:26:38
CAPÍTULO 4
REFERÊNCIAS
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86
ECG Completo.indb 86 26/08/2019 09:26:38
O ECG NORMAL
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87
ECG Completo.indb 87 26/08/2019 09:26:38
Artefatos
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
5
INTRODUÇÃO
Artefatos são anormalidades eletrocardiográficas
produzidas por fatores
alheios aos defeitos elétricos cardíacos.
Os artefatos podem ocorrer por problemas
relacionados à técnica de aquisição
do exame (mau posicionamento de
eletrodos) ou a problemas intrínsecos
ao paciente (por exemplo, tremores).
Neste capítulo revisaremos esses
artefatos com dois intuitos: (1) alertar
aos profissionais de saúde como um
simples mau posicionamento pode
trazer consequências deletérias, (2)
treinar o leitor a identificar esses artefatos
e não errar o diagnóstico eletrocardiográfico.
Para evitar problemas, antes da realização
do exame, o médico deve assegurar-se
que o seu eletrocardiógrafo
está configurado adequadamente: em
N, 25 mm/s, com filtros adequados. Verifique
se houve preparação adequada
da pele e revise o posicionamento de
eletrodos no tórax do paciente, certificando-se
que nenhum deles está
solto. Proceda com a obtenção do traçado
em um momento que o paciente
esteja calmo e sem movimentar-se.
Já adianto a dica mais importante
do capítulo: trate o paciente, não seu
eletrocardiograma.
ARTEFATOS DE PREPARAÇÃO
DO EXAME
Já vimos no capítulo 3 as orientações
sobre como fazer a preparação da
pele, grudar os eletrodos na pele do
paciente, e a localização correta dos
eletrodos. Nos próximos parágrafos
veremos o que acontece quando essas
orientações não são seguidas à risca.
Eletrodo solto
Um eletrodo mal aderido à pele
do paciente pode trazer uma linha de
base e um segmento ST errôneos (Figura
1). É comum em pacientes diaforéticos,
pela impossibilidade de conexão
perfeita do eletrodo com a pele,
mas também ocorre por preparação
inadequada da pele e com o uso de
“peras” mal aderidas. Uma boa preparação
da pele com abrasão leve e a
troca de eletrodos cuja aderência não
está boa pode resolver esse problema.
Baseline ondulante
O leitor com alguma experiência
já deve ter se deparado com ECGs
em que a linha de base não era reta,
mas ficava ondulando pelo papel. Isso
ocorre na maioria das vezes por arte-
89
ECG Completo.indb 89 26/08/2019 09:26:38
CAPÍTULO 5
fato de movimento: seja do paciente,
seja da ambulância.
A movimentação da caixa torácica
causou este artefato da figura 2. A movimentação
dos membros do paciente
causou o artefato da figura 3. O movimento
da ambulância causou o artefato
da figura 4.
Para resolução desses problemas, o
primeiro passo é melhorar a preparação
da pele e a aderência dos eletrodos. Pedir
para o paciente parar de se mover e
até respirar enquanto se grava o traçado
pode ser feito. Pedir para a ambulância
parar é sempre uma opção se isso não
trouxer malefícios ao paciente e à equipe.
Figura 1 - Artefato de eletrodo mau posicionado.
Perceba que um leitor menos atento poderia confundir esse traçado com uma grave arritmia ventricular. A dica para perceber que se trata de um artefato
é que, ao mesmo tempo dessa bagunça em D2 e D1, a derivação D3 mostra um ritmo perfeitamente normal. No caso em questão, as derivações
D1 e D2 estão apresentando o mesmo artefato. D1 é a derivação braço esquerdo x braço direito. D2 é braço direito x perna esquerda. O braço direito é o
eletrodo em comum no caso. Um melhor posicionamento do eletrodo resolveria esse problema.
Figura 2 - Artefato de baseline ondulante. Perceba que a baixa frequência de ondulação,
condizente com a respiração do paciente.
90
ECG Completo.indb 90 26/08/2019 09:26:38
ARTEFATOS
Figura 3 - Artefato de movimento do paciente causando baseline ondulante.
Figura 4. Artefato de movimento da ambulância.
Artefato de tremor
O tremor da musculatura peitoral
e de membros dos pacientes pode influenciar
negativamente na obtenção
de um bom traçado. Por ocorrer em
uma frequência de onda similar à dos
componentes do ECG (5 – 50 Hz), os
filtros normalmente não neutralizam o
sinal deste artefato. O tremor tem um
artefato clássico de geração de pseudo-ondas
F de flutter, pseudo fibrilação
atrial e até mesmo pseudo taquicardia
ventricular e o examinador
desatento pode errar o diagnóstico
caso não observe derivações livres de
artefatos e spikes entre o que parece
ser complexo QRS (na verdade os spikes
são os verdadeiros QRS) (Figuras 5
a 7) (1–4). A tabela 1 revisa as frequên-
Figura 5 - Artefato de tremor em ECG causando o aparecimento de pseudo-ondas F em D2
e D3 e simulando um flutter atrial. O examinador atento vai perceber que há onda P bem
visível em um ritmo normal em algumas derivações, como V2.
91
ECG Completo.indb 91 26/08/2019 09:26:39
CAPÍTULO 5
Figura 6 - Paciente com pré-excitação ventricular no ECG basal (não visível nesta tira de ECG).
ECG realizado logo após evento sincopal com características vaso-vagais. Os asteriscos demonstram complexos que aparentam um ritmo de fibrilação atrial
pré-excitada. No entanto, as setas apontam para os “spikes”, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato de tremor.
Figura 7 - Artefato de tremor em ECG causando aparecimento de ondas com aparência similar
a complexos QRS, simulando uma taquicardia ventricular.
O examinador atento vai perceber que nas derivações precordiais, não tão influenciadas por tremor, os complexos QRS possuem frequência muito menor
que em D2. Em D2, podemos observar spikes entre os complexos, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato.
92
ECG Completo.indb 92 26/08/2019 09:26:40
ARTEFATOS
Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos. A fórmula de
transformação de Hz em oscilações por minuto é: multiplicar por 60.
Componentes do ECG
Batimentos cardíacos
Onda P
QRS
Onda T
Potenciais de alta frequência
Artefatos
Contração muscular
Respiração
Rede elétrica
Campos magnéticos
Frequência
0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)
0,67 Hz – 5Hz
10 – 50 Hz
1 – 7 Hz
100 – 500 Hz
Frequência
5 – 50 Hz
0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)
Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)
> 10 Hz
cias de onda de componentes do ECG
e de artefatos. Perceba que há interseções
entre muitos.
A melhor conduta nessas situações
é a mais simples: resolva os tremores
quando possível. Cubra com uma
manta o seu paciente que sente frio,
promova analgesia adequada para
aquele que sente dor e acalme aquele
que treme de ansiedade. Posicione
os eletrodos nas raízes dos membros
(onde o tremor é atenuado). Em último
caso ou em situações de urgência,
reduza o filtro de alta frequência (passa-baixa)
para 40 Hz (Figura 8).
Artefatos eletromagnéticos
São artefatos de alta frequência
causados pela rede elétrica, por aparelhos
móveis ou por aterramento inadequado
(Figura 9).
Para reduzir artefatos de rede elétrica,
o notch filter (capítulo 3) é ligado
na maioria dos aparelhos. Se o problema
for o aterramento, verifique se a
tomada do eletrocardiógrafo está bem
aterrada e faça um teste de gravar o
ECG usando a bateria do aparelho
(sem conexão com a rede elétrica). O
problema pode estar no aterramento
inadequado de outros aparelhos elétricos
próximos – desligue-os e retire-os
da tomada para testar. Como a
maioria das redes elétricas espalhadas
pelo mundo demonstra uma frequência
de onda de 50 Hz (220 V) ou de 60
Hz (110 V), configurar o aparelho para
um filtro de passa-baixa de 40 Hz também
pode resolver o problema. Lembre-se,
no entanto, que manter o ponto
de corte superior do filtro em 40 Hz
pode reduzir a acurácia do seu exame,
pois alguns componentes do próprio
93
ECG Completo.indb 93 26/08/2019 09:26:40
CAPÍTULO 5
Figura 8 - Artefato de tremor muscular com filtro de passa-baixa configurado a 150 Hz acima
e 40 Hz abaixo.
Perceba que o artefato foi reduzido, mas persiste. Isso ocorre por que o artefato de musculatura se apresenta numa faixa de frequência de onda entre 5 – 50
Hz, similar à de componentes do ECG como o complexo QRS.
Figura 9 - Artefato de rede elétrica. Perceba a alta frequência dos eventos (se você
observar com uma lupa vai ver que existem milhares de artefatos nessa pequena tira),
comportamento que deixa a linha de base ilegível.
ECG acabariam sendo filtrados. Como
visto no Capítulo 3, a recomendação é
que os filtros sejam padronizados em
0,5 Hz – 150 Hz no adulto (5) e 0,5 Hz –
250 Hz na criança (6).
O uso de aparelhos móveis como
celulares e smartphones pode interferir
não apenas na obtenção do ECG,
mas no funcionamento de outros aparelhos
de uso frequente em ambiente
hospitalar, como monitores, máquinas
de hemodiálise, ventiladores mecânicos,
etc (7). O quanto um aparelho
pode interferir no exame depende de
fatores como: distância; tecnologia do
aparelho móvel – digital ou analógico;
sinal da operadora de telefonia; tecnologia
do equipamento médico em
resistir à interferência eletromagnética.
A recomendação é que o aparelho
94
ECG Completo.indb 94 26/08/2019 09:26:40
ARTEFATOS
móvel esteja a uma distância de pelo
menos um metro do aparelho no momento
do seu funcionamento (8).
Artefato de compressões torácicas
É sabido que durante uma reanimação
cardiopulmonar, não se deve analisar
o eletrocardiograma do paciente.
É essa uma das razões pelas quais as diretrizes
de ressuscitação cardiopulmonar
fixam a análise de ritmo cardíaco
para cada 2 minutos de compressões
eficazes (9). Este é o momento no qual
a equipe deve afastar-se do paciente,
para que nenhuma fonte de artefato
esteja presente.
A figura 10 mostra um exemplo
de ECG obtido durante compressões
torácicas. A indústria tem trabalhado
no sentido de criar desfibriladores capazes
de remover o sinal na frequência
de onda da compressão para que
o ECG seja analisado concomitante às
compressões torácicas (10–12).
Artefatos de equipamentos médicos
Artefatos de pseudo-ondas F têm
sido descritos em pacientes em hemodiálise.
O Neuro Estimulador Elétrico Transcutâneo
(TENS), estimulador nervoso
periférico (Figura 11) causam artefatos
de alta frequência que podem ser confundidos
com espículas de marca-passo.
Artefato de pulsação arterial
O aparecimento de ondas T bizarras
sem alterações do segmento ST
pode estar associado ao artefato de
Figura 10 - Artefato de compressões torácicas. Perceba que a frequência de compressões está em
torno de 115 por minuto, frequência adequada de acordo com as últimas diretrizes sobre o tema.
95
ECG Completo.indb 95 26/08/2019 09:26:40
CAPÍTULO 5
Figura 11 - Artefato causado por um neuro-estimulador transcutâneo.
posicionamento de algum eletrodo
dos membros sobre uma artéria do
paciente, como a artéria radial, ulnar,
tibial posterior e dorsal do pé. A pulsação
desta artéria periférica no momento
da onda T acaba por causar
essa distorção que pode facilmente
ser confundida pelo examinador menos
experiente (Figura 12). O artefato
é mais evidente nas derivações do plano
frontal, principalmente naquelas
que dependem diretamente daquele
eletrodo que está em contato com a
artéria. Entretanto, também ocorre nas
precordiais mesmo que estas não estejam
sobre uma artéria, pois devemos
lembrar que as derivações precordiais
são construídas a partir do terminal
central de Wilson e este a partir das
derivações dos membros (13).
MAU POSICIONAMENTO DE
ELETRODOS
O mau posicionamento de eletrodos
é extremamente danoso para o
paciente. Nem todo examinador está
Figura 12 - Artefato de pulsação arterial.
O posicionamento de um eletrodo sobre uma artéria periférica do
paciente, por exemplo, a radial, leva ao aparecimento de ondas T de
amplitudes e durações bizarras. Lembre-se que mesmo as derivações
precordiais são afetadas porque o terminal central de Wilson depende
das derivações dos membros.
96
ECG Completo.indb 96 26/08/2019 09:26:40
ARTEFATOS
apto para percebê-lo e condutas podem
ser tomadas baseadas nesse artefato.
É estimado que em até 4% dos
exames realizados em unidades de
terapia intensiva haja artefatos (14). A
impressão do autor é que esse número
é ainda maior no Brasil. Para a análise
desse problema, Baranchuk criou um
algoritmo chamado REVERSE que
está presente na tabela 2 (15).
Vamos analisar cada troca. A tabela 3
traz um interessante resumo.
Tabela 2 - Mnemônico REVERSE para mau posicionamento de eletrodos.
Letra Achado anormal Significado
R R e P positivas em aVR.
Troca de eletrodos de braço esquerdo por
braço direito.
E Extremo desvio de eixo (entre + 180º e – 90º).
Troca de eletrodos do braço esquerdo por
braço direito.
V
“Very low” amplitude em alguma derivação Troca de eletrodo da perna direita por um dos
(linha reta isolada).
braços
E “Estranha” amplitude de P (P D1 > P D2).
Troca de eletrodo de braço esquerdo por perna
esquerda.
R R que progride anormalmente de V1 a V6.
Mau posicionamento ou troca de eletrodos
precordiais.
S Suspeita de Dextrocardia (P negativa em D1). Troca de braço esquerdo por braço direito.
E
Eliminar artefatos e interferências.
Tabela 3 - Resumo das trocas de eletrodos. BE = Braço esquerdo. BD = braço direito. PE =
perna esquerda. PD = perna direita.
Troca D1 D2 D3 V1-V6
BE/BD - D1 D3 D2 Inalterado
BE/PE D2 D1 - D3 Inalterado
BD/PE - D3 - D2 - D1 Inalterado
PD/qualquer Possível assistolia Possível assistolia Possível assistolia Distorcido
97
ECG Completo.indb 97 26/08/2019 09:26:40
CAPÍTULO 5
Troca de eletrodo de braço esquerdo
por braço direito
É a troca mais comum na prática
clínica. E, por sorte, é facilmente reconhecível
no ECG em ritmo sinusal. A
negatividade da onda P e do complexo
QRS em D1 nunca ocorre em corações
normais e é muito raro mesmo em corações
doentes. Pela substituição, todo
o triângulo de Einthoven está alterado:
aVR vira aVL e vice-versa. D2 vira D3 e
vice-versa. V1 a V6 permanecem inalterados
(Figuras 13 e 14).
Figura 13 - Na troca de eletrodos de braços, é assim que fica a nova disposição das
derivações: D1 se inverte (vira “– D1”), D2 vira D3 e vice-versa. Em vermelho, o vetor cardíaco
normalmente esperado. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.
Figura 14 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, a troca foi de braço esquerdo
por braço direito. Perceba que D1 vira D1 negativo, D2 vira D3 e D3 vira D2.
98
ECG Completo.indb 98 26/08/2019 09:26:41
ARTEFATOS
Troca de eletrodo de braço esquerdo
por perna esquerda
A substituição do braço esquerdo
por perna esquerda leva a uma
primeira consequência óbvia: D1
se transforma no que antes era D2.
Além disso, D3 vira “– D3”. Além disso,
aVL vira aVF e vice-versa. A dica
para encontrar essa troca é perceber
a P de D1 mais ampla que a P
de D2 (sinal de Abdollah), além de
um D3 com P negativa (16). (Figuras
15 e 16).
Figura 15 - Na troca de eletrodos de braço por perna esquerda, D1 se transforma no que
antes era D2 e vice-versa. D3 agora é um “-D3”. Em vermelho, o vetor cardíaco normal. BE
= braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.
Figura 16 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, foi trocado braço esquerdo por
perna esquerda. Perceba que D1 vira D2 e D2 vira V1. D3 agora é D3 negativo. Observe
que a P de D1 é mais ampla que a P de D2.
99
ECG Completo.indb 99 26/08/2019 09:26:41
CAPÍTULO 5
Troca de eletrodo de braço direito
por perna esquerda
Aqui, as derivações assumem posições
negativas. D1 se transforma em
“– D3”, D2 vira “-D2”, e D3 vira “- D1”.
Então, a dica é observar P negativa em
D1, D2 e D3 ao mesmo tempo (Figuras
17 e 18).
Figura 17 - Na troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda, D1 se transforma
em “- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”. Em vermelho, o
vetor cardíaco normal. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.
Figura 18 - Troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda. D1 se transforma em
“- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”.
100
ECG Completo.indb 100 26/08/2019 09:26:41
ARTEFATOS
Troca de eletrodo de perna direita
por algum outro
Quando isso ocorre, o triângulo de
Einthoven é desfeito. Uma das derivações
D1, D2 ou D3 vai se transformar
na diferença de potencial entre a perna
esquerda e a perna direita, o que
é irrelevante em termos de vetor cardíaco,
gerando uma linha reta naquela
derivação (“pseudo-assistolia”). Veja
as figuras 19 a 22 para entender. Se
houver assistolia em D1 é sinal de troca
BD-PD e BE-PE ao mesmo tempo; se
em D2, a troca foi BD-PD; e se em D3
troca foi BD-PE (17).
Devido ao fato do triângulo de Einthoven
ser desfeito, as derivações precordiais
são distorcidas, não devendo
ser avaliadas (18).
Figura 19 - Entenda o que ocorre na troca de eletrodo da perna direita (eletrodo “terra”).
Em “a”, por troca de eletrodo de perna direita por braço direito, o eletrodo do braço direito ficou próximo do eletrodo da perna esquerda, em
uma posição que é irrelevante para o registro de diferenças de potenciais. Nesse caso, a derivação formada pela interação dos eletrodos de braço
direito e perna esquerda (D2) é neutralizada, aparecendo como uma linha reta (“pseudo-assistolia”) no ECG. Em “b”, com a substituição de braço
esquerdo por perna direita, D3 é a derivação neutralizada. Em “c”, numa troca dupla de braço direito por perna direita e de braço esquerdo por
perna esquerda, D1 fica neutralizado, registrando uma “pseudo-assistolia”. LA = left arm, braço esquerdo; LL = left leg, perna esquerda; RA =
right arm, braço direito.
Figura 20 - ECG de troca dupla de eletrodos: braço direito por perna direita e braço
esquerdo por perna esquerda. Perceba a “pseudo assistolia” em D1.
101
ECG Completo.indb 101 26/08/2019 09:26:42
CAPÍTULO 5
Figura 21 - ECG de troca de eletrodos de braço direito por perna direita. Observe que D2
está apresentando “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo
de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das
figuras 14 e 16).
Figura 22 - ECG de troca de eletrodos entre braço esquerdo e perna direita. Observe
que D3 apresenta “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo
de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das
figuras 14, 16 e 21).
102
ECG Completo.indb 102 26/08/2019 09:26:42
ARTEFATOS
A troca de eletrodos de perna direita
por perna esquerda, em teoria, não
altera o eletrocardiograma seja no plano
frontal como no plano horizontal.
Posicionamento alto de eletrodos
precordiais
Quando o assunto é posicionamento
errado de eletrodos precordiais, a
taxa de erros é ainda maior, chegando
a 50% dos exames realizados por técnicos
experientes (19). Como vimos no
capítulo 1, V1 e V2 devem estar no
quarto espaço intercostal, V4 a V6 no
quinto espaço intercostal e V3 no meio
do caminho entre V2 e V4. As derivações
V1 e V2 são classicamente as mais
atingidas por erros de posicionamento.
Em alguns serviços chegamos a ver
o absurdo de se ter como padrão o posicionamento
de V1 e V2 no segundo
espaço intercostal. O típico exemplo
de um conhecimento que se perdeu
com a falta de atualização.
Um padrão visto em casos de
posicionamento alto de eletrodos é
a onda P exclusivamente negativa
acompanhada de um complexo QRS
com padrão rSr’. Da mesma forma,
uma onda P que se apresente com
padrão plus-minus com porção negativa
mais ampla que a positiva em
V1 e V2 também pode ser um sinal
desse mau posicionamento. Esses
achados ocorrem porque os eletrodos
ficam superiores ao átrio (20).
Ao achado de um padrão rSr’, o ECG
deve ser repetido sob olhos atentos
de um examinador experiente, para
que o posicionamento errado de eletrodos
seja detectado (Figura 23).
Elevar o posicionamento de eletrodos,
na verdade, pode ser útil em
uma situação clínica: aumentar a sensibilidade
do eletrocardiograma em
encontrar um padrão de Síndrome de
Brugada (21). Como veremos no capítulo
24, o ECG pode ser realizado com
V1 e V2 localizados um e dois espaços
intercostais acima do normal.
Posicionamento baixo de eletrodos
precordiais
Artefato comum em mulheres com
mamas grandes. O posicionamento
das precordiais V3 e, principalmente,
V4 pode gerar dúvidas quando o exame
é realizado neste tipo de paciente.
Há controvérsias se o posicionamento
do eletrodo V3 sobre a mama pode
atenuar sua amplitude ao passo que
pode aumentar as amplitudes de V5
e V6 (22). Outros autores encontraram
variações insignificantes nas amplitudes
dos complexos quando as derivações
são posicionadas sobre ou sob a
mama (23). A recomendação é que se
posicione sob a mama (24).
103
ECG Completo.indb 103 26/08/2019 09:26:42
CAPÍTULO 5
Figura 23 - ECG de posicionamento alto de eletrodos V1 e V2 no tórax (2º espaço
intercostal ao invés do 4º espaço, que é o local preconizado). Observe a onda P
totalmente negativa em V1 e pouco positiva em V2.
104
ECG Completo.indb 104 26/08/2019 09:26:43
ARTEFATOS
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ECG Completo.indb 105 26/08/2019 09:26:43
CAPÍTULO 5
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106
ECG Completo.indb 106 26/08/2019 09:26:43
Anormalidades atriais
José Nunes de Alencar Neto
Antoni Bayés de Luna
CAPÍTULO
6
INTRODUÇÃO
Antes de começar a falar sobre as
anormalidades atriais possivelmente
avaliadas em um ECG, vamos lembrar
as características da despolarização
atrial no ECG: representada pela
onda P, que é composta pela atividade
atrial direita na sua primeira metade
e esquerda na segunda metade,
com um breve intervalo de interseção
entre elas. Ela pode ter até 2,5
mm de amplitude em D2 e durar no
máximo 100 ms (dois quadradinhos
e meio). Em V1 a onda P costuma
apresentar um padrão plus-minus e
pode ter até 1,5 mm de amplitude na
porção positiva e 1,0 mm na porção
negativa.
Os átrios podem dilatar-se e, em
casos muito severos, aumentar sua
massa miocárdica (“hipertrofiar”), mas
é mais comum encontra-lo dilatado.
Por isso, no capítulo usaremos o termo
“sobrecarga” quando nos referirmos a
este fenômeno. Também é importante
frisar que os bloqueios atriais são entidades
distintas da dilatação/sobrecarga/hipertrofia,
assim como o que
ocorre nos ventrículos. E n t r e t a n t o ,
com muita frequência o bloqueio atrial
foi consequência da dilatação, motivo
pelo qual seus achados são encontrados
em conjunto no mesmo paciente,
levando a uma difícil, mas de relevância
crescente, avaliação das anormalidades
atriais (1). Existem achados de
bloqueio atrial isolados que serão revisados
neste capítulo.
SOBRECARGA ATRIAL DIREITA
As alterações miocárdicas atriais
direitas alteram a primeira metade da
onda P e o fazem com aumento de
amplitude, como foi descrito por Kahn
pela primeira vez em 1927 em pacientes
asmáticos (2). Como o átrio direito
despolariza de posterior para anterior
e de cima para baixo, classicamente,
as melhores derivações para que sejam
visualizadas alterações atriais são
D2, V1 e V2. Além disso, por promover
uma mudança na conformação anatômica
cardíaca, trazendo o átrio para
uma região cada vez mais anterior no
tórax do paciente, a sobrecarga atrial
direita também leva a alterações do
complexo QRS também em V1 e no
eixo cardíaco. Os critérios que serão
107
ECG Completo.indb 107 26/08/2019 09:26:43
CAPÍTULO 6
demonstrados a partir do próximo parágrafo
possuem boa especificidade (>
90%), mas um perfil de sensibilidade
que deixa a desejar (< 50%) (3).
Os critérios de sobrecarga atrial direita
avaliados pela onda P são: (a) P ≥
2,5 mm em derivações inferiores; e (b)
porção positiva de V1 ou V2 ≥ 1,5 mm.
O aumento da amplitude da onda P em
derivações inferiores é a definição do
termo “onda P pulmonale” (Figura 1).
O achado de uma P pulmonale é muito
mais sensível para o diagnóstico de
doenças pulmonares obstrutivas como
asma e doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC) (sensibilidade de 86%)
e doenças pulmonares parenquimatosas
do que para o diagnóstico de alterações
atriais primárias (4). A onda “P
congenitale”, por sua vez, costuma alterar
a alça vetorcardiográfica da onda
P para que esta aponte um pouco mais
para esquerda e muito mais para anterior.
Sendo assim, a P congenitale se
apresenta com uma P ampla e positiva
em V1 e V2 (≥ 1,5 mm) (Figura 2).
Figura 1 - P pulmonale. Aumento da amplitude da P em derivações inferiores do plano frontal.
Figura 2 - P congenitale. Aumento da amplitude da porção inicial positiva da P em V1.
108
ECG Completo.indb 108 26/08/2019 09:26:43
ANORMALIDADES ATRIAIS
Os critérios de Kaplan, propostos em
1994, são os que possuem melhor perfil
de sensibilidade e especificidade (49
e 100%, respectivamente): P ≥ 1,5 mm
em V2 associado a um desvio de eixo
elétrico de QRS para a direita (> 90º) e
uma onda R > S em V1 (na ausência de
BRD) (3).
Os critérios de sobrecarga atrial
direita avaliados por alterações indiretas
no complexo QRS são: (a) morfologia
qR em V1; (b) aumento de > 2x
de amplitude do complexo QRS de V1
para V2; (c) R>S em V1 e eixo desviado
para direita (≥ + 90º). A morfologia qR
em V1 é indicativo de sobrecarga ventricular
direita (Figura 3) – o ventrículo
mais anteriorizado desvia o eixo para
perpendicular a V1 – e é chamado de
“sinal de Sodi Pallares” (Figura 4) e
tem uma sensibilidade de 15% e uma
especificidade de > 95% para concomitante
sobrecarga atrial direita (5).
O aumento de > 3x de amplitude do
complexo QRS de V1 para V2 é chamado
“sinal de Peñaloza-Tranchesi”
e é explicado pela anteriorização
do átrio direito crescido no tórax do
paciente que atua como uma barreira
ao estímulo elétrico, levando a um
complexo pouco amplo em V1 e muito
amplo em V2 (6). O sinal de Peñaloza-Tranchesi
tem um perfil de sensibilidade
melhor que os demais sinais já
descritos: 85%, mas perde em especificidade
(60%). O achado de um complexo
QRS < 4 mm em V1, somado a
um aumento > 5x, ou seja, maior que
20 mm, em V2, traz um valor preditivo
positivo de 86%, que chamaremos de
sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves
(Figura 5) (7).
Figura 3 - O sinal de Sodi-Pallares é um indicativo de sobrecarga ventricular direita.
Acontece que com a hipertrofia muscular, o ventrículo direito assume uma posição mais
anterior no tórax, desviando o primeiro vetor de despolarização septal ventricular para
longe de V1 e o complexo QRS para perpendicular.
109
ECG Completo.indb 109 26/08/2019 09:26:44
CAPÍTULO 6
Figura 4 - Sinal de Sodi-Pallares em V1. Além disso, desvio de eixo para direita e sobrecarga
ventricular direita.
Figura 5 - Sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves: aumento
de 5x da amplitude do QRS de V1 para V2.
A tabela 1 resume os achados eletrocardiográficos
possíveis de serem
encontrados em sobrecargas atriais
direitas. As figuras 6 e 7 exemplificam
a sobrecarga atrial direita.
Alguns fatores devem ser levados
em consideração quando o examinador
avaliar a onda P em busca de
sobrecarga atrial direita. Em primeiro
lugar, a voltagem da onda P sofre
influência de fatores extracardíacos
como hipóxia e estimulação simpática,
que aumentam a sua amplitude;
ou enfisema que age como uma
barreira e diminui a sua amplitude.
O bloqueio interatrial pode fazer desaparecer
os critérios de sobrecarga
atrial direita; e a P de amplitude elevada
em derivações inferiores podem
estar presentes em patologias
exclusivas do átrio esquerdo ou hipocalemia
(“pseudo P-pulmonale”)
(Figura 8) (8,9).
As patologias que cursam com sobrecarga
atrial direita são justamente
as pulmonares obstrutivas e que envolvem
aumento da pressão pulmonar
e patologias congênitas como Tetralogia
de Fallot, estenose de artéria pulmonar
e Anomalia de Ebstein.
110
ECG Completo.indb 110 26/08/2019 09:26:45
ANORMALIDADES ATRIAIS
Tabela 1 - Critérios de sobrecarga atrial direita (1,3,7).
Critério S (%) E (%)
QR ou qR em V1 (Sodi-Pallares). 15 > 95
QRS V1 ≤ 4 mm + QRS V2 5x maior que V1 (Peñaloza-Tranchesi-Reeves). 46 93
R > S em V1. 25 > 95
Eixo QRS > + 90º. 34 > 95
P > 2,5 mm em derivações inferiores. 6 100
Porção positiva da P > 1,5 mm em V1. 17 > 95
Porção positiva da P > 1,5 mm em V2. 33 100
Porção positiva da P > 1,5 mm + desvio do eixo elétrico de QRS para direita (além de +
90º) + onda R > S em V1 (na ausência de BRD).
49 100
Figura 6 - Sobrecarga atrial direita.
Figura 7 - Sobrecarga atrial direita (P mais ampla que 2,5 mm em derivações inferiores).
Além disso, desvio do eixo elétrico para direita (+ 90º) por bloqueio divisional póstero-inferior
e sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves.
111
ECG Completo.indb 111 26/08/2019 09:26:45
CAPÍTULO 6
Figura 8 - Pseudo P-pulmonale por
hipocalemia (9).
Figura 9 - Sinal de Morris em V1. P com porção
negativa mais longa de 40 ms
(1 quadradinho) e mais ampla que 0,1 mV
(1 quadradinho).
SOBRECARGA ATRIAL
ESQUERDA
Os critérios de sobrecarga atrial esquerda
(P mitrale) serão descritos nos
próximos parágrafos. Atente para a
importância da derivação V1 nos próximos
parágrafos. Vamos quebrar um
paradigma.
A avaliação da onda P em V1 pode
demonstrar uma P com porção negativa
de duração maior que 40 ms (1
quadradinho). Quando a porção negativa
de V1 dura mais que 40 ms e tem
amplitude ≥ 1 mm, o índice de Morris
está presente, um sinal muito específico
de sobrecarga atrial esquerda (SAE)
(10) (Figura 9). A combinação de uma
porção negativa de P que dura mais
que 40 ms em V1 com uma P que dura
mais que 120 ms em D2 é mais um
sinal que pode ser buscado (sensibilidade
50% e especificidade 87%) (11).
Se adicionarmos à fórmula também a
amplitude da porção negativa da P em
V1 ≥ 0,1 mV (ou seja, índice de Morris +
duração de P ≥ 120 ms), então já temos
uma redução importante da sensibilidade,
mas com alta especificidade.
Uma P que dura mais que 120 ms
em D2, D3 e aVF isoladamente (sem
associação com a duração prolongada
em V1) é um sinal mais associado a bloqueio
interatrial que com SAE quando
avaliados por ecocardiograma e ressonância
magnética atrial (12,13). A SAE
pode apresentar P ≥ 120 ms associado
a mais um critério que demonstra que
o átrio esquerdo cresceu em seu eixo
posterior. O melhor critério é o índice de
Morris positivo, ainda que, sobretudo
em idosos, pode haver SAE com índice
de Morris negativo devido à presença
de fibrose atrial, e sempre que o eletrodo
está bem posicionado no 4º espaço
112
ECG Completo.indb 112 26/08/2019 09:26:46
ANORMALIDADES ATRIAIS
Tabela 2 - Critérios de sobrecarga atrial esquerda (1,10,13).
Critério S (%) E (%)
Porção negativa da P em V1 ≥ 40ms e 0,1mV (Índice de Morris) sempre que o eletrodo de
V1 está bem posicionado no 4º espaço intercostal.
69 93
P ≥ 120 ms D2 + porção negativa da P em V1 ≥ 40ms. 50 87
P ≥ 120 ms D2 + índice de Morris em V1. 20 91
P ≥ 120 ms em D2, D3 ou aVF. 60 35
Figura 10 - ECG exemplificando sobrecarga atrial esquerda.
Observe o sinal de Morris presente em V1 e se estendendo até V2, o que aumenta sua especificidade. Também, a duração da onda P nas derivações
inferiores é ≥ 3 quadradinhos.
Figura 11 - ECG exemplificando SAE. Perceba o índice de Morris presente em V1 e se estendendo
até V2.
113
ECG Completo.indb 113 26/08/2019 09:26:46
CAPÍTULO 6
intercostal. Esse tema será revisado na
próxima seção. Não deixe de ler.
Uma relação P/PR > 1,6 é conhecido
como Sinal de Macruz e é mais um sinal
de sobrecarga atrial esquerda (14).
A tabela 2 resume os possíveis
achados de sobrecarga atrial esquerda.
As figuras 10 e 11 mostram exemplos
de sobrecarga atrial esquerda.
Você viu a importância da derivação
V1 (não de D2, D3 e aVF) para
o diagnóstico dessa anormalidade.
Também viu, no capítulo 5, que um
dos artefatos mais comuns da prática
clínica é o posicionamento incorreto
de V1 e V2 no tórax (no 2º
ou 3º espaço intercostal, ao invés
do correto 4º espaço). Pois bem, o
artefato gerado por esse posicionamento
incorreto é justamente
a presença de uma P com porção
negativa mais ampla nessas derivações.
O pectus excavatum pode
também simular uma P de porção
negativa evidente em V1, o que
pode falsear o diagnóstico eletrocardiográfico
de sobrecarga atrial
esquerda.
É importante citar que em alguns
pacientes jovens com estenose mitral
sem doença atrial avançada, uma P
apiculada (pseudo P-pulmonale) sem
aumento da duração da P em D2, D3
e aVF pode ocorrer. Este é mais um
motivo para que você valorize V1,
sempre que o eletrodo estiver bem
posicionado no 4º EIC, e não as derivações
inferiores se quer investigar
SAE (Figura 12) (1).
A sobrecarga atrial esquerda está
presente em patologias como estenose
mitral, cardiomiopatia dilatada,
hipertensão arterial e doença arterial
coronária.
Figura 12 - ECG de um paciente com doença valvar mitro-aórtica e diagnóstico recente.
Observe a curta duração da P e o padrão apiculado em derivações inferiores (pseudo P-pulmonale). O índice de Morris presente em V1 dá a pista para
o diagnóstico de sobrecarga atrial esquerda (1).
114
ECG Completo.indb 114 26/08/2019 09:26:47
ANORMALIDADES ATRIAIS
O diagnóstico eletrocardiográfico
de SAE é atualmente motivo de discussão,
devido à baixa sensibilidade
dos critérios expostos e ao fato de que
não há evidência de que o eletrodo V1
tenha sido posicionado corretamente
nos estudos citados (15). Novos estudos
são necessários para confirmar esses
dados.
BLOQUEIO INTERATRIAL
É importante que o leitor entenda
neste momento que o BIA pode ocorrer
na ausência de sobrecarga atrial
esquerda ainda que às vezes estejam
associados.
A condução interatrial, ou seja, do
átrio direito, de onde nasce o estímulo,
para o átrio esquerdo se dá através das
células de Bachmann em 2/3 dos casos.
Em 1/3 dos casos, essa condução
ocorre através da fossa oval. Raramente
através do seio coronário (16).
Foram definidos em consenso (17)
três critérios para que se faça o diagnóstico
de BIA: (a) o padrão eletrocardiográfico
pode aparecer transitoriamente
e pode mudar abrupta e
progressivamente para formas mais
avançadas; (b) o padrão eletrocardiográfico
pode aparecer sem a concomitância
de uma sobrecarga atrial
esquerda; (c) o padrão eletrocardiográfico
pode ser reproduzido experimentalmente
(18,19).
O BIA pode ser de primeiro, segundo
ou terceiro grau. O BIA de primeiro
grau tem uma onda P que dura mais
que 120 ms. Ela é bífida, ou seja, possui
dois picos.
O BIA de terceiro grau ocorre porque
o impulso é bloqueado em Bachmann
e também na fossa oval, havendo
passagem apenas pelo seio
coronário, situado em uma área inferior
do átrio. Nesse caso, a onda P
também terá uma duração prolongada,
mas associada a uma onda P que
é plus-minus em D2, D3 ou aVF, com
a primeira porção positiva evidenciando
o estímulo elétrico propagando-
-se do nó sinusal até as regiões mais
inferiores do átrio direito, e a porção
negativa subsequente demonstrando
o átrio esquerdo despolarizando da região
mais inferior (seio coronário) até a
mais superior (Figura 13).
A presença de BIA de terceiro grau
está intimamente relacionada ao aparecimento
de arritmias supraventriculares,
principalmente fibrilação ou flutter
atrial (20).
A tabela 3 resume os achados do
BIA e as figuras 14 e 15 o exemplificam.
O BIA de segundo grau é a evolução
de condução interatrial normal para o
padrão de primeiro grau ou de primeiro
grau para terceiro grau de maneira
intermitente no mesmo traçado ou em
momentos diferentes (17,21). As figuras
16 e 17 exemplificam o BIA de segundo
grau. Leia as legendas.
115
ECG Completo.indb 115 26/08/2019 09:26:47
CAPÍTULO 6
Figura 13 - Bloqueios interatriais.
Em A, temos a ativação atrial normal: estímulo nascendo no nó sinusal em uma região superior do átrio e ganhando no átrio
direito de superior para inferior através das células internodais (1) e o átrio esquerdo através das células de Bachmann (2). Em B,
temos um atraso de importante da condução em Bachmann, deixando a onda P bimodal (dois picos). Em C, podemos observar
o que ocorre quando o estímulo não atravessa mais as células de Bachmann para ganharem o átrio esquerdo e o faz pelo seio
coronário (região mais inferior), ativando o átrio esquerdo de inferior para superior (vetor 2), trazendo forças superiores na alça
da P em plano frontal e deixando a segunda porção da P negativa em D2. Adaptado de Bayés de Luna.
Tabela 3 - Tipos de bloqueio interatrial e critérios. É importante lembrar que para o
diagnóstico do bloqueio interatrial isolado é necessário que não haja índice de Morris ou
duração prolongada da porção negativa da P em V1.
Grau
Critérios
Primeiro grau
P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia bífida.
Segundo grau
Primeiro ou terceiro grau intermitentes.
Terceiro grau
P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia plus-minus.
116
ECG Completo.indb 116 26/08/2019 09:26:47
ANORMALIDADES ATRIAIS
Figura 14 - Exemplo de BIA de primeiro grau (parcial) em paciente com bloqueio de ramo
direito e bloqueio da divisão anterossuperior do ramo esquerdo. Perceba a ausência do
índice de Morris em V1.
Figura 15 - Exemplo de BIA de terceiro grau (avançado). Perceba a ausência do índice de
Morris em V1. Pode existir SAE comprovada por ecocardiografia na ausência do índice de
Morris devido à fibrose atrial.
117
ECG Completo.indb 117 26/08/2019 09:26:48
CAPÍTULO 6
Figura 16 - A: ECG de um paciente de 77 anos com cardiomiopatia hipertrófica (CMP-h) a
uma frequência de 70 bpm demonstrando uma onda P que dura 160 ms (BIA de 1º grau)
e QRS com padrão de sobrecarga ventricular e strain. B: durante um episódio febril, com
uma frequência cardíaca em torno de 100 bpm, a onda P agora apresenta duração de 170
ms e morfologia plus-minus em D2, D3 e aVF (BIA de 3º grau). O padrão retornou ao basal
quando foi corrigida a febre (21).
Figura 17 - Tira de um D2 longo de um paciente de 82 anos com extrassístoles ventriculares
frequentes.
Os primeiros dois batimentos demonstram BIA de 3º grau (P ≥ 120 ms plus-minus em D2). A primeira onda P após a pausa pós-extra-sistólica
apresenta uma morfologia normal. Este é um exemplo de BIA de segundo grau induzido por uma pausa compensatória (21).
118
ECG Completo.indb 118 26/08/2019 09:26:48
ANORMALIDADES ATRIAIS
BIAs atípicos (Figura 18)
Nem todos os BIAs se encaixam
perfeitamente nos critérios propostos
por Bayés de Luna. Por isso, recentemente,
ele mesmo definiu os
BIAS atípicos. Os BIAs podem ser
atípicos por morfologia ou por duração.
Quando atípicos por morfologia,
podemos ter três tipos diferentes.
Quando atípicos por duração, uma
morfologia pode ser encontrada. Vamos
ver (Tabela 4):
Quando atípicos por morfologia,
temos três tipos: (a) Tipo 1: P ≥ 120 ms
bifásica em D3 e aVF mas com um componente
final isodifásico em D2 (dá a
impressão que a P tem uma duração
menor em D2 que nas demais); (b) P ≥
120 ms em D3 e aVF, mas com um componente
final minus-plus (-+) em D2; (c)
P ≥ 120 ms em D2 mas com um componente
inicial isodifásico em D3 e aVF (dá
a impressão de que a P em D2 começou
antes ou que se trata de um ritmo atrial
baixo ou juncional) (Figuras 18 e 19) (22).
Quando atípicos por duração, temos
uma P plus-minus (+-), mas com
duração < 120 ms em D2, D3 e aVF (Figura
19).
Tabela 4 - BIAs atípicos.
Tipos
Achados eletrocardiográficos
Morfológico tipo I P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final isodifásica em D2.
Morfológico tipo II P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final minus-plus em D2.
Morfológico tipo III
P ≥ 120 ms em D2 com morfologia plus-minus, mas em D3 e aVF a
porção inicial é isodifásica seguida por inscrição negativa da P.
Atípico por duração
P plus-minus com duração < 120 ms.
119
ECG Completo.indb 119 26/08/2019 09:26:48
CAPÍTULO 6
Figura 18 - A: BIA avançado. B: BIA atípico por duração (P plus-minus, mas < 120 ms em D2,
D3 e aVF). C: BIA atípico por morfologia tipo I (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção
final isodifásica em D2). D: BIA atípico por morfologia tipo II (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas
com porção final bifásica em D2). E: BIA atípico por morfologia tipo III (P ≥ 120 ms em D2,
mas com porção inicial isodifásica em D3 e aVF associadas a porções finais negativas) (22).
Figura 19 - Exemplos eletro e vetorcardiográficos dos diferentes tipos de bloqueios
interatriais atípicos por morfologia.
A: onda P normal.
B: tipo 1, em que a P tem uma porção final isodifásica em D2, dando impressão de menor duração.
C: tipo 2, em que a P tem uma porção final bifásica minus-plus em D2.
D: tipo 3, em que a P tem uma porção inicial isodifásica em D3 e aVF, dando uma impressão de que começa antes em D2, todas seguidas de porções
finais negativas, dando a falsa impressão de ritmo atrial baixo ou juncional (22).
120
ECG Completo.indb 120 26/08/2019 09:26:48
ANORMALIDADES ATRIAIS
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121
ECG Completo.indb 121 26/08/2019 09:26:48
CAPÍTULO 6
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122
ECG Completo.indb 122 26/08/2019 09:26:48
Sobrecargas ventriculares
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
7
INTRODUÇÃO
Bem-vindos ao capítulo dos critérios!
A sobrecarga ventricular direita ou
esquerda pode ocorrer como dilatação
ou hipertrofia. A hipertrofia pode
estar delimitada ao septo e ao ápice
ou difundida pelo coração. O comprometimento
hemodinâmico ventricular
pode se dar por sobrecarga sistólica,
quando a ejeção está prejudicada, ou
diastólica, quando o enchimento está
excessivo. A sobrecarga sistólica, sinônimo
de sobrecarga de pressão, que
ocorre na estenose aórtica ou hipertensão,
acaba resultando mais comumente
em hipertrofia concêntrica ou
difusa; já a sobrecarga diastólica, ou de
volume, caso das insuficiências aórtica
e mitral, tende a gerar hipertrofia excêntrica
ou dilatada (1) (Figura 1).
A diferenciação eletrocardiográfica
entre sobrecarga sistólica e diastólica
foi proposta por Cabrera e Monroy em
1952, mas carece de correlação com
exames de imagem. Na verdade, o
que era descrito como padrão de sobrecarga
diastólica, ondas R não tão
altas acompanhada de leves elevações
do segmento ST e ondas T apiculadas
e simétricas (2,3), atualmente é tido
como um estágio precoce da sobrecarga
sistólica. Entretanto, os critérios
Figura 1 - Padrões de geometria ventricular normal e alteradas. IMV = índice de massa
ventricular. Adaptado de Bayés de Luna (1).
123
ECG Completo.indb 123 26/08/2019 09:26:49
CAPÍTULO 7
são pouco sensíveis para essa diferenciação.
No capítulo, usaremos apenas
o termo “sobrecarga ventricular” para
definir a presença dos critérios que
discutiremos.
A importância de se estudar a sobrecarga
ventricular se dá pelo fato de
que esta entidade está associada a um
maior risco de arritmias ventriculares e
morte súbita (4–6).
SOBRECARGA ELÉTRICA X
SOBRECARGA ANATÔMICA
Os critérios eletrocardiográficos de
sobrecarga ventricular esquerda que
serão apresentados nesse capítulo carecem
de sensibilidade (normalmente
< 25%), porém apresentam boa especificidade
(> 95% em algumas publicações).
Para lembrar, sensibilidade é a
capacidade de um teste encontrar um
resultado positivo entre os verdadeiros
positivos comparados ao exame
padrão-ouro (no caso em questão ventriculografia
ou ecocardiograma). Portanto,
falar que a sensibilidade desses
critérios é baixa significa dizer que eles
estão encontrando muitos resultados
negativos em pacientes que possuem
ecocardiogramas alterados (falso-negativos,
portanto).
Uma das possíveis razões para o
acontecimento disso é a teoria de que
a sobrecarga elétrica é uma entidade
diferente, mas com vários pontos de
interseção, da sobrecarga anatômica
definida pelos exames de imagem. Os
fundamentos dessa hipótese são: (a)
algumas alterações elétricas parecem
preceder as alterações anatômicas
(7,8); (b) o prognóstico dessas alterações
eletrocardiográficas é pior do que
das alterações ecocardiográficas (9).
Esses achados sugerem que a sobrecarga
elétrica pode ocorrer na ausência
de sobrecarga anatômica (10).
FATORES QUE INFLUENCIAM
OS CRITÉRIOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS DE
SOBRECARGA VENTRICULAR
É lógico pensar que sexo e idade
podem alterar os critérios de amplitude
que serão demonstrados nesse
capítulo, visto que seus valores de normalidade
também são diferentes.
A distância do coração aos eletrodos
também é um fator influenciador,
visto que altera a voltagem dos complexos
nas derivações precordiais (11).
Há um efeito presente no campo
das teorias que também precisa ser levado
em consideração: quando há um
aumento no volume de sangue em
um ventrículo gerando também um
aumento do seu volume e dilatação da
câmara, mesmo que transitória e sem
efeito direto na estrutura do músculo
cardíaco, há um aumento de amplitude
nas derivações precordiais. Este é o
chamado “efeito Brody” e se deve à
condutividade elétrica das células sanguíneas
presentes em abundância no
ventrículo alargado (12,13). Resumindo,
um paciente com maiores volumes
diastólicos tende a apresentar ondas
R mais amplas nas derivações precordiais.
Há uma contradição óbvia nessa
124
ECG Completo.indb 124 26/08/2019 09:26:49
SOBRECARGAS VENTRICULARES
teoria: você já deve ter visto pacientes
com disfunção grave de VE, portanto
com volumes diastólicos aumentados,
e baixa amplitude de complexos
QRS. A explicação para esse “paradoxo”
pode ser a presença de líquido alveolar
nestes pacientes, o que reduziria
a resistência à passagem do estímulo
pelos pulmões e reduziria a voltagem
dos complexos (14–16). A avaliação de
amplitudes de complexo QRS pode ser
usada, por exemplo, para avaliar a presença
de hipovolemia (17).
Por fim, até a correlação entre a
massa ventricular e o tamanho da cavidade
parece influenciar na amplitude
dos complexos. Quando o tamanho
da cavidade é normal e suas paredes
alargadas, então o complexo é mais
amplo. Ao passo que mesmo que as
paredes estejam alargadas, em caso
de redução do tamanho da cavidade,
a amplitude dos complexos tende a
reduzir (18).
UM NOVO MODELO DE
AVALIAÇÃO DE SOBRECARGA
VENTRICULAR
Você já deve ter percebido que o
eletrocardiograma é uma ferramenta
dinâmica. Só nesse capítulo já aprendemos
que até o volume sanguíneo
intraventricular e o líquido alveolar
podem influenciar na sua análise. Ainda
mais fundamental que esse dado é
o conhecimento de que esse fantástico
exame avalia não só os fenômenos
elétricos cardíacos, mas também é
influenciado pela sua mecânica e bioquímica.
Na figura 2, observamos o modelo
comumente usado por médicos para
avaliação de sobrecarga ventricular.
Na figura 3, observamos o modelo recentemente
proposto para guiar novas
pesquisas e análises sobre o tema
(19). Esse novo modelo intenta avaliar
não apenas a amplitude dos complexos
QRS, ou os critérios clássicos de
sobrecarga, mas que se perceba que a
sobrecarga ventricular esquerda, seja
por hipertrofia ou dilatação, é acompanhada
de alterações estruturais, elétricas
e bioquímicas que convergem ou
divergem em sua representação eletrocardiográfica.
Tendo como exemplo
a mecânica cardíaca, já vimos que o
coração com paredes alargadas, mas
cavidade reduzida resulta em complexos
QRS menos amplos. Acrescente a
isso a redução da atividade das cone-
Figura 2 - Velho modelo de avaliação de sobrecargas ventriculares.
Perceba que se faz aqui um estudo muito superficial do problema e não leva em consideração fatores que podem influenciar na avaliação eletrocardiográfica,
como as inomogeneidades da caixa torácica, alterações bioquímicas e mecânicas. Adaptado de Bacharova (19).
125
ECG Completo.indb 125 26/08/2019 09:26:49
CAPÍTULO 7
Figura 3 - Novo modelo proposto para avaliação eletrocardiográfica de sobrecarga
ventricular esquerda.
O que se propõe aqui é que o examinador deve permanecer atento aos inúmeros fatores que podem influenciar na análise eletrocardiográfica de uma
sobrecarga e perceber que a sobrecarga traz consigo alterações estruturais/mecânicas, elétricas e bioquímicas que interferem de modo divergente
ou convergente nas alterações classicamente descritas. Um exemplo importante disso, é a sugestão do autor de não negligenciar o intervalo QT e a
morfologia do ST-T quando fizer essa análise. Adaptado de Bacharova (19).
xinas do ventrículo doente e teremos
um complexo QRS mais largo. Depois,
acrescente as alterações iônicas do
paciente com insuficiência cardíaca.
A resultante de todos esses fatores é
que definirá se o paciente terá ou não
critérios eletrocardiográficos de sobrecarga
ventricular esquerda.
Em uma elegante pesquisa, Bacharova
comparou os complexos QRS, o
segmento ST, a onda T e o intervalo
QT de modelos com coração normal,
alterações puramente elétricas (alteração
“primária” de repolarização),
hipertrofia excêntrica, concêntrica e
dilatação (alterações “secundárias”
de repolarização). Na alteração primária
de repolarização, ele encontrou
um alargamento do intervalo QT associado
a alterações mínimas de duração
e amplitude de complexo QRS, alças
de T mais arredondadas no vetorcardiograma
e ondas T com “notchs” ou
bífidas. Nas alterações secundárias
de repolarização, ou seja, aquelas
produzidas pela alteração estrutural
ventricular, foi percebido que há um
alargamento do QT associado a um
alargamento do QRS, provavelmente
devido à ação prejudicada das conexinas,
um aumento na magnitude da T e
no ângulo QRS-T no vetorcardiograma,
além de T amplas e opostas ao QRS nas
derivações precordiais (20). A diferenciação
entre onda T primária e secundária
será revisada no capítulo 11.
SOBRECARGA VENTRICULAR
ESQUERDA
Análise do Segmento ST-T
Visto que demos tanta importância
à análise global do ECG para avaliação
126
ECG Completo.indb 126 26/08/2019 09:26:50
SOBRECARGAS VENTRICULARES
de sobrecarga ventricular, iniciaremos
nossa análise eletrocardiográfica exatamente
pela avaliação mais negligenciada:
a da repolarização.
O laudo de “padrão de strain ventricular”,
alcunhado em 1941 (21), foi
desencorajado na última diretriz americana
sobre o tema (22) devido ao fato
de que a alteração eletrocardiográfica
referida pelo termo não necessariamente
está relacionada ao padrão mecânico
de “strain”, que significa “tensão”
ou trabalho aumentado das fibras. De
acordo com essa diretriz, deve-se dar
preferência ao termo “anormalidades
secundárias de ST-T”.
O padrão típico de strain ventricular
é um infradesnivelamento do
segmento ST em derivações apicais e
laterais seguido de uma onda T invertida
e assimétrica. Ele ocorre devido a
uma mudança no padrão normal de
repolarização do miocárdio sobrecarregado:
aqui, ele ocorre do endocárdio
para o epicárdio. Sendo assim, o
vetor do ST e a alça da onda T serão
opostas ao QRS (1).
O padrão de strain é dinâmico:
o primeiro evento é a depressão do
segmento ST com manutenção da polaridade
da T. Depois, a onda T perde
amplitude continuamente até inverter-se,
deixando o padrão do ST-T em
“descendente” ou “downsloping”. Por
fim, o ST-T adquire um formato côncavo
(Figura 4) (23,24).
A miocardiopatia hipertrófica,
particularmente a de padrão apical,
apresenta um achado eletrocardiográfico
clássico de alteração
do ST-T: em derivações com onda
R pura, a presença de um infradesnivelamento
do segmento ST associada
a uma T negativa e ampla.
O fundamento para esse achado é
que a região apical não sofre cancelamento
de parede contralateral
(que é a valva mitral, que não tem
manifestação eletrocardiográfica),
apresentando, pelo miocárdio
exageradamente musculoso, uma
onda R muito ampla que carrega
consigo as alterações de repolarização
(25). (Figura 5)
Figura 4 - Exemplo de eletrocardiograma com anormalidade secundária de ST-T do tipo côncavo.
127
ECG Completo.indb 127 26/08/2019 09:26:50
CAPÍTULO 7
Figura 5 - Exemplo de eletrocardiograma de miocardiopatia hipertrófica. Ondas R muito
amplas com padrão de strain em derivações ântero-apicais e uma T muito profunda.
Alterações Inespecíficas de Complexo
QRS
Um discreto aumento na duração
do QRS (aproximadamente 110 ms),
na ausência de critérios clássicos de
bloqueio de ramo, é esperado. Esse
aumento na duração do complexo se
deve ao aumento de massa ventricular
que distorce e prolonga a passagem
do estímulo elétrico transmural.
O achado eletrocardiográfico de bloqueio
incompleto do ramo esquerdo é
uma entidade comumente associada à
sobrecarga ventricular esquerda.
Desvio de eixo elétrico para a esquerda
também pode ocorrer. Essa alteração
se dá por hipertrofia ventricular
por si só ou pelo desenvolvimento
de bloqueio divisional anterossuperior
secundário às alterações musculares.
Esse achado, assim como o de bloqueio
incompleto do ramo esquerdo,
pode corroborar o laudo de sobrecarga
ventricular esquerda.
A miocardiopatia hipertrófica possui
um padrão eletrocardiográfico clássico
de presença de ondas Q amplas que podem
chegar a ser maiores que a onda R.
Critérios de Amplitude do Complexo
QRS
Como já foi falado, os critérios de
sobrecarga ventricular esquerda classicamente
se baseiam na amplitude dos
complexos para o diagnóstico. Esses
critérios possuem uma sensibilidade
que gira em torno de 25%, podendo
chegar a níveis tão baixos quanto 6%,
mas uma especificidade em geral >
90%. A tabela 1 traz alguns dos critérios
descritos na literatura (26–34). A tabela
2 traz o escore de Romhilt-Estes (32). As
figuras 6, 7 e 8 exemplificam casos de
sobrecarga ventricular esquerda.
128
ECG Completo.indb 128 26/08/2019 09:26:50
SOBRECARGAS VENTRICULARES
Tabela 1 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda (26–34). Um
asterisco: comparado com ecocardiograma. Dois asteriscos: comparado com ressonância
cardíaca.
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
Risco de morte
CV (Hsieh et al)
Lewis: (R1-S1) +
(SIII-R3)
> 16 mm 43%*, 23,2** 83%*, 88,7** 1,4 (1,2 – 1,7)
Gubner (RI + S3) > 25 mm 12%*, 13,8** 96%*, 94,5** 1,7 (1,4 – 2,1)
Sokolow-Lyon:
R aVL
> 11 mm 17%* 95%* -
Sokolow-Lyon: S V1
+ R V5 ou V6
> 35 mm 29%*, 26** 89%*, 92,6** 1,9 (1,6 – 2,2)
Cornell (ou Casale):
R aVL + S V3
> 28 mm em
homens e > 20 mm
em mulheres
23%*, 15,1** 96%*, 97,3** 3,1 (2,5 – 3,8)
Romhilt-Estes Vide tabela 2
14%*, 5,7** (para
≥ 5)
100%*, 97,1**
(para ≥ 5)
3,7 (3,0 – 4,4)
Peguero: maior S
+ S V4
≥ 28 mm em
homens e ≥ 23 mm
em mulheres
70%* 89%* -
Tabela 2 - Critérios de Romhilt-Estes para diagnóstico de sobrecarga ventricular esquerda.
Valores: 4 pontos = SVE provável; ≥ 5 pontos: SVE (32).
3 pontos R ou S ≥ 20 mm no plano frontal ou ≥ 30 mm nas precordiais.
3 pontos Alteração de ST-T (strain) na ausência de digitálicos.
3 pontos Sobrecarga atrial esquerda por índice de Morris (vide capítulo 6).
2 pontos Desvio do eixo do QRS para além de -30º.
1 ponto QRS ≥ 90 ms sem padrão de bloqueio de ramo.
1 ponto Tempo inicial de ativação ≥ 50 ms em V5 ou V6.
1 ponto Alteração de ST-T (strain) na presença de digital.
129
ECG Completo.indb 129 26/08/2019 09:26:50
CAPÍTULO 7
Figura 6 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critério de
Cornell presente.
Figura 7 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de
Cornell e Lewis presentes.
Figura 8 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de
Cornell e Sokolow-Lyon presentes. Sobrecarga atrial esquerda e padrão strain também visíveis.
130
ECG Completo.indb 130 26/08/2019 09:26:51
SOBRECARGAS VENTRICULARES
Na presença de bloqueio ventricular,
seja de ramo ou de um fascículo,
os critérios a serem utilizados são
diferentes. A tabela 3 resume esses
critérios (35–39). Cornell (ou Casale)
e Sokolow de aVL também podem
ser usados em casos de bloqueio divisional
anterossuperior (40). As figuras
9, 10 e 11 exemplificam casos
de sobrecarga ventricular esquerda
associada a bloqueio de ramo esquerdo,
bloqueio de ramo direito e
bloqueio divisional anterossuperior,
respectivamente.
Tabela 3 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda na presença
de bloqueios ventriculares (35–40).
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
Bloqueio de Ramo Esquerdo
Klein: S V2 + R V6 > 45 mm 86% 100%
Bloqueio de Ramo Direito
Vandenberg: S V1 > 2 mm 52% 57%
Vandenberg: Desvio de
eixo p/ esquerda + S DIII
+ (R+S maior complexo
precordial)
≥ 30 mm 52% 84%
Bloqueio divisional anterossuperior
Bozzi: S V1 ou V2 + R V5
ou V6
> 25 mm 74% 67%
Gertsch: S DIII + (R+S
maior complexo precordial)
≥ 30 mm em homens e
≥ 28 mm em mulheres
79% 47%
Cornell (ou Casale): R
aVL + S V3
> 28 mm em homens e
> 20 mm em mulheres
44% 84%
Sokolow-Lyon: R aVL > 11 mm 32% 91%
131
ECG Completo.indb 131 26/08/2019 09:26:51
CAPÍTULO 7
Figura 9 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a
bloqueio de ramo esquerdo. Observe que S V2 + R V6 = 25 mm e que o ECG está configurado
em N/2, portanto, essa soma, na verdade, resulta em 50 mm.
Figura 10 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a
bloqueio de ramo direito.
132
ECG Completo.indb 132 26/08/2019 09:26:52
SOBRECARGAS VENTRICULARES
Figura 11 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a
bloqueio divisional anterossuperior. Critérios de Bozzi, Gertsch, Cornell e Sokolow de aVL
presentes.
SOBRECARGA VENTRICULAR
DIREITA
INTRODUÇÃO
A sobrecarga ventricular direita pode
acontecer em casos de tromboembolismo
pulmonar (TEP), hipertensão pulmonar,
doenças congênitas (estenose pulmonar,
defeito do septo interatrial, doença de Ebstein,
etc.), doença valvar, particularmente a
estenose mitral, e cor pulmonale.
A gênese das alterações eletrocardiográficas
nesta situação é que a força
vetorial do ventrículo direito sobrecarregado
contrapõe a força do ventrículo
esquerdo, levando o vetor cardíaco
para a direita e para anterior ou posterior.
Associado a isso, assim como na
sobrecarga ventricular esquerda, há
também um atraso de condução, nesse
caso do ventrículo direito e também
alterações de repolarização.
ALÇA VETORIAL ANTERIOR
Ocorre em casos de hipertensão
pulmonar, doença valvar mitral e
doenças congênitas. A alça vetorcardiográfica
de ativação é anteriorizada
no plano horizontal, levando a uma
ativação progressivamente positiva
em V1: padrão rS que evolui para
RS, depois Rs, chegando ao ponto de
apresentar um R puro. Em V5 e V6, um
padrão Rs ou RS pode aparecer e uma
onda q nessas derivações pode ser um
achado compatível.
Outra forma de apresentação é o
padrão qR em V1 (Sinal de Sodi-Pallares),
já estudado no capítulo 6 quando
discutimos sobrecarga atrial direita. A
explicação é que a sobrecarga atrial
está sendo causada por uma sobrecarga
ventricular, por exemplo, numa
situação de TEP.
133
ECG Completo.indb 133 26/08/2019 09:26:52
CAPÍTULO 7
ALÇA VETORIAL POSTERIOR
Esse padrão ocorre mais frequentemente
em doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC) e, mais raramente,
estenose mitral. Aqui, a sobrecarga
ventricular direita está limitada a sua
zona basal posterior e o coração se
apresenta verticalizado, como comumente
visto em casos de DPOC. As
alterações encontradas nesse tipo de
ativação são: (a) o padrão SI-SII-SIII
com SII ≥ SIII, (b) onda R isolada em
aVF; (c) r pequeno em V1; (d) onda S
ampla em V5 e V6 (1).
A figura 12 resume os padrões vetorcardiográficos
possíveis.
CRITÉRIOS DE AMPLITUDE DO
COMPLEXO QRS
Os critérios que analisam a amplitude
do complexo para diagnóstico
de sobrecarga ventricular direita são
influenciados pelos mesmos fatores
que já demonstramos para sobrecarga
ventricular esquerda. Aqui, adicione o
fato de que há dois tipos de alças vetoriais
e elas modificam a disposição do
complexo QRS em V1 e V6, justamente
as derivações mais estudadas.
A tabela 4 resume esses critérios
(41–43). A figura 13 exemplifica uma
sobrecarga ventricular direita.
Na presença de bloqueios ventriculares
também pode ser sugerida a
presença de sobrecarga ventricular
direita (Figura 14). Esses achados estão
dispostos na tabela 5 (44).
Figura 12 - Representação das alças vetorcardiográficas dos dois padrões encontrados em
sobrecargas ventriculares direitas: aquele cuja alça do complexo QRS no plano horizontal
é anterior e apresenta ondas r mais proeminentes em V1, e aquele cuja alça é posterior e
não apresenta ondas r tão proeminentes (1).
134
ECG Completo.indb 134 26/08/2019 09:26:52
SOBRECARGAS VENTRICULARES
Tabela 4 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular direita (41–43).
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
R>S V1 - 6% 98%
S>R V5 ou V6 - 16% 93%
R V1 ≥ 7 mm 2% 99%
qR V1 - 5% 99%
R V5 e V6 < 5 mm 13% 87%
S V5 e V6 > 7 mm 26% 90%
SI-SII-SIII - 24% 87%
Figura 13 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita.
Figura 14 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita associado a
bloqueio de ramo direito. Perceba o padrão RsR’ que se estende além de V2 (no caso, vai
até V3) e o R puro em V1 (BRD tipo Cabrera).
135
ECG Completo.indb 135 26/08/2019 09:26:53
CAPÍTULO 7
Tabela 5 - Achados eletrocardiográficos que sugerem sobrecarga ventricular direita na
presença de bloqueios ventriculares.
Bloqueio de ramo direito
rsR’ que se estende além de V2
R’ de alta voltagem ou R puro em V1 (BRD tipo Cabrera)
Bloqueio de ramo esquerdo
Desvio de eixo para direita (além de + 90º)
R evidente em V1
A transição da R (ou seja, R>S) acontece apenas em V5 ou V6
SOBRECARGA BIVENTRICULAR
INTRODUÇÃO
A sobrecarga biventricular é encontrada
especialmente em casos de
doença valvar e congênita. Baseando-se
no princípio que temos usado até agora,
que a sobrecarga de um ventrículo
aumenta até certo ponto a sua amplitude,
a sobrecarga dos dois ventrículos
pode fazer inclusive com que um
ventrículo cancele o outro em termos
eletrocardiográficos, ou seja, traga as
amplitudes para níveis normais.
ACHADOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS
Tendo em mente que a sensibilidade
para encontrar sobrecarga ventricular
esquerda é baixa (em torno de 25%),
assim como também para sobrecarga
ventricular direita (em torno de 6%), o
diagnóstico eletrocardiográfico de sobrecarga
biventricular pode apenas ser
sugerido pela combinação de alguns
critérios de um ou outro ventrículo.
A tabela 6 resume esses achados
(45–47). A figura 15 demonstra um
exemplo de sobrecarga biventricular.
Tabela 6 - Achados compatíveis com sobrecarga biventricular (45–47).
Onda R alta em V5 e V6 com desvio de eixo para direita (além de + 90º)
Onda R alta em V1, V2, V5 e V6
Complexo QRS de amplitudes normais acompanhado de alterações importantes de repolarização (padrão
strain)
Sinal de Katz-Wachtel: complexos difásicos gigantes em D1, D2 ou D3; ou R+S V3 ≥ 40 mm
136
ECG Completo.indb 136 26/08/2019 09:26:53
SOBRECARGAS VENTRICULARES
Figura 15 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga biventricular. Sinal de Katz-
Wachtel presente.
137
ECG Completo.indb 137 26/08/2019 09:26:53
CAPÍTULO 7
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141
ECG Completo.indb 141 26/08/2019 09:26:53
Bloqueio de ramo direito
truncal, periférico e zonal
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
8
INTRODUÇÃO
O sistema de condução ventricular
é formado por dois ramos: direito
e esquerdo. De acordo com a teoria
trifascicular de Rosenbaum, o ramo
direito é dividido na rede Purkinje em
divisões específicas e o ramo esquerdo
em fascículos anterossuperior e posterior-inferior.
Um distúrbio mais grave de condução
do ramo direito ou esquerdo fará
com que os ventrículos se despolarizem
mais lentamente, levando a um alargamento
do complexo QRS ≥ 120 ms
(três quadradinhos) – esse é o primeiro
critério de um bloqueio de ramo! Mas
calma, tem alguns outros critérios que
precisam ser observados para o laudo
de um bloqueio de ramo. Esses critérios
vão ser revisados neste capítulo (bloqueio
de ramo direito) e no capítulo 9
(bloqueio de ramo esquerdo).
A tendência dos examinadores menos
experientes é pensar que o atraso
do impulso elétrico em casos de bloqueio
de ramo ocorria apenas a nível
tronco do ramo direito ou esquerdo.
Em casos de distúrbios de condução
do ventrículo direito, tema deste capítulo,
sabe-se, através de estudos experimentais
que o atraso da condução do
estímulo elétrico pode ser mais distal
devido a um dano total ou parcial da
rede de Purkinje (chamadas “lesões periféricas”)
ou de alguns dos seus ramos
(“lesões zonais”), bem como também
pode haver lesões no feixe de His (que
chamaremos de “lesões truncais”). A
morfologia do bloqueio de ramo direito
é semelhante em casos lesão do
tronco, lesão no His ou a um bloqueio
distal a nível periférico global. O bloqueio
funcional do ramo direito também
pode ocorrer em determinadas
situações. Neste capítulo, revisaremos
esses conceitos.
ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E
RAMO DIREITO
O feixe de His é uma continuação
direta da porção distal do nó atrioventricular
e mede em torno de 5-10 mm
de comprimento e 4 mm de diâmetro.
Ela se inicia histologicamente quando
as células adquirem uma conformação
longitudinal no mesmo lugar em
que penetram no septo membranoso.
Nesse local, temos a primeira porção
do feixe, a porção penetrante do feixe
de His, que se direciona inferiormente
e não se divide por alguns milímetros
(Figura 1) (1).
143
ECG Completo.indb 143 26/08/2019 09:26:53
CAPÍTULO 8
Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes graus de bloqueio de
ramo direito.
Bloqueio
Achados eletrocardiográficos
Bloqueio de ramo direito de primeiro grau
• QRS ≤ 120 ms.
• s de curta duração em D1 e V6.
• r de curta duração e amplitude em aVR.
• rsr’ em V1.
Bloqueio de ramo direito de terceiro grau
• QRS > 120 ms.
• s “empastado” em D1 e V6.
• r “empastado” em aVR.
• rSR’ em V1 (tipo Grishman) ou R puro (tipo Cabrera).
O feixe de His possui três tipos e vamos
conhecê-los agora (2).
Tipo 1, visto em 47% das pessoas,
tem sua porção penetrante coberta
por uma fina camada de fibras miocárdicas
da porção membranosa do septo
atrioventricular;
Tipo 2, visto em 32% das pessoas,
tem sua porção penetrante insulada
por uma camada de fibras miocárdicas
fora da porção membranosa do septo;
Tipo 3, visto em 21% das pessoas,
tem o feixe de His “nu” sem cobertura nenhuma
de camadas celulares (Figura 2).
Um conceito importante sobre o feixe
de His é o da “dissociação funcional
longitudinal de fibras”. Primeiro
proposto por Kaufmann e Rothberger
em 1919 (3), significa simplesmente
que as fibras do feixe de His são longitudinalmente
dispostas a ponto de haver
uma predestinação de fibras do fei-
Figura 1 - Demonstração esquemática tridimensional
do feixe de His.
A porção penetrante se localiza na região septo membranoso e a bifurcação
se dá a nível de crista de septo interventricular. A figura também
demonstra fibras acessórias que ocorrem em situações anormais e serão
vistas com mais detalhes no capítulo 19.
144
ECG Completo.indb 144 26/08/2019 09:26:54
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
xe para conduzir em um ou outro ramo
(Figura 3). Em outras palavras, uma célula
no início do feixe de His, ou seja,
bem proximal, vai se transformar distalmente
no ramo direito ou esquerdo.
Tecendo ainda mais em miúdos, uma
lesão focal no feixe de His pode causar
bloqueios de ramo ou divisionais. Narula
(4), em 1977, publicou uma série
de casos em que um marca-passamento
no feixe de His em sua porção mais
proximal, ou seja, bifurcante, era capaz
de normalizar bloqueios de ramo esquerdo.
El-Sherif (5), no ano seguinte,
demonstrou o mesmo para bloqueios
de ramo direito.
A nível de crista de septo interventricular,
o feixe de His passa por uma
bifurcação, dando início, então, à sua
porção bifurcante. O ramo direito é a
continuação direta da porção penetrante
do feixe de His. É uma estrutura
fina e discreta. Ele se dirige ao ápice
cardíaco passando pela musculatura
do septo na base do músculo papilar
medial do ventrículo direito. No segundo
e terceiro terços do septo interventricular,
o ramo direito emerge
do músculo para o subendocárdico,
onde fica vulnerável a traumas diretos,
e ganha banda moderadora, conectando
os músculos papilares anterior
e médio (6).
Figura 2 - Tipos de feixe de His.
A e B = tipo 1, em que o feixe é protegido por uma fina camada de células
musculares do septo membranoso; C e D = tipo 2, em que o feixe
é protegido por fibras musculares fora do septo membranoso; E e F =
tipo 3, em que o feixe não apresenta nenhum tipo de insulação. AVN: nó
atrioventricular; AVB: feixe de His; AT: valva tricúspide; CS: seio coronário;
MS: septo membranoso; RB: ramo direito (2)
145
ECG Completo.indb 145 26/08/2019 09:26:54
CAPÍTULO 8
Figura 3 - Representação esquemática de uma lesão produzida na porção penetrante do
feixe de His causando bloqueio de ramo direito e bloqueio da divisão anterossuperior do
ramo esquerdo por consequência. Isto está em acordo com a teoria da dissociação funcional
longitudinal das fibras de His. Como as células estão dispostas longitudinalmente, uma
lesão no feixe pode provocar alterações eletrocardiográficas de bloqueios de ramo (5).
FAS: fascículo anterossuperior; FPI: fascículo póstero-inferior; RD: ramo direito.
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO
(BRD)
O bloqueio de ramo direito (BRD), e
também o esquerdo, pode acontecer
em três graus. O de primeiro grau é caracterizado
por um atraso de condução.
O de segundo grau pela intermitência
no bloqueio. O de terceiro grau significa
que o estímulo não consegue mais ativar
aquela área pelo caminho normal.
O bloqueio de terceiro grau é melhor
chamado de “avançado” que “completo”,
pois ainda há algum grau de passagem
de estímulo, mas esta se dá de maneira
tão lenta que o estímulo do ventrículo
oposto atravessa o septo interventricular
e acaba despolarizando o ventrículo
bloqueado célula-a-célula antes mesmo
do final do atraso (7). Atenção: para não
dar nomes errados aos bois, aprenda: o
termo “distúrbio de condução do ramo
direito” se refere de maneira genérica,
tanto na literatura internacional, como
na Diretriz Brasileira de Eletrocardiograma
(ECG)(8), à doença no ramo direito.
O BRD de primeiro grau, chamado
pela Diretriz Brasileira como “atraso de
condução pelo ramo direito”, é caracterizado
por (a) ter um complexo QRS
ainda dentro dos limites da normalidade
(< 120 ms), (b) uma pequena e estreita
onda S em D1 e V6, bem como (c) uma
onda r com as mesmas características
em aVR. (d) Em V1, observamos um padrão
de rsr’ com amplitude variável da r’
(Figuras 4 e 5). Nesse grau de BRD, parte
do septo interventricular à direita se
despolariza pelo estímulo elétrico que
veio do ramo esquerdo não bloqueado
146
ECG Completo.indb 146 26/08/2019 09:26:54
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
e atravessou o septo interventricular. A
maior parte do septo em seu lado direito,
no entanto, é despolarizada normalmente
pelo ramo direito nos BRDs de
primeiro grau. Esse pequeno atraso já é
capaz de proporcionar, na porção final
da despolarização ventricular, o aparecimento
de áreas no ventrículo direito
que ainda não despolarizaram (o normal
é que ventrículo esquerdo e ventrículo
direito terminem sua despolarização
juntos). Essas áreas atrasadas se situam
justamente na base do ventrículo direito,
próximo à valva tricúspide. O vetor de
despolarização dessas áreas aponta para
cima, para direita e para frente, o que explica
todos os achados eletrocardiográficos
do BRD de primeiro grau (Figura 6).
Figura 4 - Padrão rsr’ visto em casos de bloqueio de ramo direito de primeiro grau. Observe
que o complexo QRS dura menos que 3 quadradinhos, portanto, menos que 120 ms.
Figura 5 - Atraso de condução pelo ramo direito (bloqueio de ramo direito de primeiro
grau). Observe a onda S de curta duração em D1 e V6, bem como a onda R curta em aVR. V1
apresenta um complexo QRS de conformação rSr’. A duração do complexo é < 120 ms.
147
ECG Completo.indb 147 26/08/2019 09:26:55
CAPÍTULO 8
Figura 6 - Representação esquemática da
ativação ventricular direita no BRD de
primeiro grau.
O vetor 1, como já sabemos, representa a ativação septal. Nesse caso, como
há um atraso de condução do ramo, parte do septo em seu lado direito acaba
despolarizando pelo estímulo proveniente do ramo esquerdo normal
através do septo. O vetor 2 representa a ativação das paredes livres dos ventrículos
esquerdo (mais proeminente) e direito. O vetor 3 será determinado
pela última região do ventrículo direito a receber o estímulo elétrico. Como
houve atraso no princípio, essa região acabou ficando atrasada em relação
ao ventrículo esquerdo, que já terminou toda sua despolarização. Como
essa área despolariza sozinha, teremos repercussão eletrocardiográfica: o
vetor 3 aponta para cima, direita e para frente, gerando a onda s curta em
D1 e V6, a onda r curta em aVR e o padrão rsr’ em V1. Adaptado de Bayés
de Luna (7).
O BRD de terceiro grau, por sua vez,
apresenta como característica fundamental
um complexo QRS que dura mais
que três quadradinhos, ou seja, > 120
ms. Nesses casos, a onda S em D1 e V6
será prolongada e “empastada”. O r em
aVR também seguirá o mesmo caminho.
E em V1, agora teremos um padrão do
tipo rsR’ com uma porção final bastante
empastada (BRD do tipo Grishman ou
“tipo 1 de Baydar”) (Figuras 7 e 8). Em casos
de sobrecarga ventricular direita, V1
pode apresentar padrão qR (sinal de Sodi-Pallares)
ou R pura (BRD do tipo Cabrera
ou “tipos 2 e 3 de Baydar”) (9–11)
(Figuras 9 a 11). No bloqueio avançado
do ramo direito, a onda T se inverte ao
bloqueio, representado no eletrocardiograma
pelo empastamento. Portanto,
em V1 e V2 (e às vezes até em V3) a onda
T será negativa, inversa à R’.
Em BRD de terceiro grau, observamos
4 vetores ao invés de 3. Como
o septo interventricular possui mais
massa miocárdica esquerda que direita,
o primeiro vetor não varia: segue se
dando da esquerda pra direita e para
frente. O vetor 2 diminui um pouco de
amplitude. Mas agora o jogo muda.
Quando o ventrículo esquerdo quase
inteiro já foi despolarizado, algo interessante
acontece: o terceiro vetor vai
representar a despolarização através
do septo proveniente de um estímulo
que veio do ramo esquerdo normal.
Lembre-se: aqui o atraso é tão avançado
que o ventrículo direito só despolariza
dessa forma: com a ajuda do ramo
esquerdo. Este terceiro vetor aponta
para a direita e pra frente. Por fim, o
quarto vetor representa a despolarização
da base do ventrículo direito, próximo
à valva tricúspide, última área do
coração a ser ativada.
Se você leu os parágrafos sobre a ativação
do ventrículo direito nos bloqueios
de ramo direito de primeiro e terceiro
grau, bem como visualizou atentamente
às figuras 6 e 12 e mesmo assim não entendeu
nada, não se preocupe. Leia a tabela
1, decore aqueles valores e seja feliz.
148
ECG Completo.indb 148 26/08/2019 09:26:55
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
Figura 7 - Bloqueio de ramo direito do tipo Grishman em V1. Perceba o padrão rSR’ e a duração
do complexo QRS ≥ 120 ms. Assim como em V1 disposto na figura, é esperado que V2
e V3 tenham ondas T invertidas ao empastamento, ou seja, apontando para baixo.
Figura 8 - Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau). O complexo QRS dura ≥ 120
ms, há uma onda S empastada em D1 e V6, bem como uma onda R lenta em aVR. V1 apresenta
padrão qR e não rSR’, sendo sugestivo de associação do BRD com sobrecarga atrial e
ventricular direita.
149
ECG Completo.indb 149 26/08/2019 09:26:56
CAPÍTULO 8
Figura 9 -. BRD do tipo Cabrera: R puro em V1. Se for analisada a duração do complexo QRS
apenas em V1, o leitor menos atento pode pensar que não se trata de bloqueio de terceiro
grau, visto que em V1 o complexo dura menos que 120 ms. O correto, no entanto, é avaliar
o ECG por inteiro, medindo desde a primeira deflexão de alguma derivação até o final do
complexo, mesmo que em outra derivação. No exemplo, V2 demonstra um QRS ≥ 120 ms,
comprovando a existência de bloqueio avançado.
Figura 10 - BRD de terceiro grau tipo Cabrera: R puro em V1.
150
ECG Completo.indb 150 26/08/2019 09:26:56
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
Figura 11 - Vetorcardiograma de um BRD do tipo Cabrera. Observe as forças finais atrasadas
presentes no lado direito dos planos frontal e horizontal. Atraso final. A alça do QRS
dirige-se completamente para anterior nos planos horizontal e sagital.
Antes de seguir em frente, vamos,
mais uma vez enfatizar que o bloqueio
de ramo pode se dar em várias
localizações anatômicas, a saber:
truncal no feixe de His ou no ramo direito
ou periférico, que ainda pode ser
parcial ou global e ainda funcional. A
morfologia eletrocardiográfica dos
bloqueios é similar, havendo apenas
pequenas diferenças que serão discutidas
adiante.
BLOQUEIO PERIFÉRICO DO
RAMO DIREITO
Mais uma vez, quero deixar claro que o
bloqueio do ramo direito pode ser truncal
ou periférico. Em ambos os casos, o bloqueio
pode ser global ou parcial. Falaremos
agora especificamente do bloqueio
periférico do ramo direito, começando
pelo tipo global. No caso do bloqueio periférico,
ele ainda pode ser zonal.
O bloqueio periférico global do
ramo direito nada mais é que um BRD
de terceiro grau que ocorre a nível de
banda moderadora ou ramificações periféricas
ainda mais distais e possui uma
duração maior que 140, às vezes maior
que 160 ms. Geralmente vem associado
a critérios de sobrecarga ventricular
direita (vide capítulo 7) e desvio de eixo
elétrico para direita. Costuma estar associado
a pós-operatórios de ventriculotomias
em pacientes com Tetralogia de
Fallot ou outras cardiopatias congênitas
com ou sem infundibulectomia. O diagnóstico
de certeza através da medição
intracavitária do tempo desde o início
da ativação ventricular até a ativação do
ápice ventricular direito. Valores < 40 ms
sugerem bloqueios periféricos (12).
151
ECG Completo.indb 151 26/08/2019 09:26:56
CAPÍTULO 8
Figura 12 - Representação da ativação vetorial em bloqueio do ramo direito de terceiro
grau.
Vetor 1 representa a despolarização septal praticamente normal (aponta para direita e para frente), o vetor 2 representa a ativação da maior parte da
massa ventricular esquerda (apontando para esquerda, inferior e posterior), o vetor 3 representa a ativação transseptal e as últimas células ventriculares
esquerdas (aponta para direita e para frente), e o vetor 4 a ativação das últimas áreas atrasadas do ventrículo direito (para direita, superior e para
frente). Adaptado de Bayés de Luna (7).
O bloqueio periférico parcial é
indistinguível do bloqueio truncal parcial
do ramo direito. Ambos representam
o BRD de primeiro grau.
O bloqueio zonal ou divisional é
o bloqueio periférico que ocorre nas
já citadas ramificações periféricas do
ramo direito, mas não em todas ao
mesmo tempo. Tem seu fundamento
descrito em 1917 por Oppenheimer
e Rothschild e foi chamado na época
de bloqueio da arborização do ramo
direito (13). A teoria foi comprovada
posteriormente por diversos estudos
baseados em injeções de substâncias
ou incisões anatômicas nessa tal arborização
(14–20). Os estudos identificaram,
basicamente, dois padrões
de bloqueios periféricos zonais: o bloqueio
da zona anterior subpulmonar e
o bloqueio da zona póstero-inferior.
O bloqueio zonal anterior subpulmonar
foi caracterizado principalmente
pelo padrão S1S2S3, que significa
ondas S maiores que as ondas R nas
derivações D1, D2 e D3 e o S de D2 ≥ S
D3 (Figura 13). O bloqueio zonal póstero-inferior
é caracterizado pelo padrão
S1R2R3, que significa onda S > R
em D1, R > S em D2 e D3 com R D2 ≥ R
D3 e uma onda S evidente em V6 (Figura
14). Esses achados comumente estão
presentes em pacientes com doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
e hipertrofia ventricular direita por cor
pulmonale (21,22).
152
ECG Completo.indb 152 26/08/2019 09:26:57
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
Figura 13 - Padrão S1S2S3 (S D2 > S D3) de bloqueio periférico zonal subpulmonar anterior
em paciente com disfunção ventricular direita. Está demonstrada também a presença de
uma ectopia ventricular de via de saída do ventrículo direito.
Figura 14 - Padrão S1R2R3 de bloqueio periférico zonal póstero-inferior em paciente de 78 anos
com doença pulmonar obstrutiva crônica. S > R em D1, R D2 > R D3, S proeminente em V6.
Esses dois tipos de bloqueio podem
também estar presentes em indivíduos
normais. O bloqueio da zona
anterior subpulmonar pode hipoteticamente
acontecer por distribuição
anormal das fibras de Purkinje ou por
rotação posterior do coração (23). E
o traçado eletrocardiográfico clássico
bloqueio da zona póstero-inferior
pode estar presente em pacientes com
pectus excavatum (20).
A tabela 2 reúne os achados dos
bloqueios periféricos zonais. Perceba
que os critérios descritos são os mesmos
citados na diretriz brasileira como
de bloqueio divisional dos fascículos
direitos. Este livro traz a teoria trifascicular
como fundamento. Por isso, trouxemos
os bloqueios zonais direitos
neste capítulo, ao invés de trazê-los no
capítulo 10, que trata de bloqueios divisionais.
153
ECG Completo.indb 153 26/08/2019 09:26:57
CAPÍTULO 8
Tabela 2 - Resumos dos achados eletrocardiográficos dos bloqueios periféricos zonais do
ventrículo direito.
Bloqueio
Achados eletrocardiográficos
Bloqueio periférico zonal subpulmonar
anterior
• QRS ≤ 120 ms.
• S1S2S3 (ou seja, S > R em D1, D2 e D3).
• S D2 > S D3.
Bloqueio periférico zonal póstero-inferior
• QRS ≤ 120 ms
• S1R2R3 (ou seja, S > R em D1, R > S em D2 e D3).
• R D2 > R D3.
R’ EM V1 E O ALGORITMO DE
BARANCHUK
O achado de um pequeno ou amplo
r’ em V1 com um QRS ≤ 120 ms pode
abrir o leque para vários diagnósticos
diferenciais. O BRD de primeiro grau é
um deles, mas também o posicionamento
alto de eletrodos precisa ser
sempre checado, principalmente aqui
em nosso país, onde a técnica nem
sempre é acurada.
Para esse fim, foi criado o algoritmo
de Baranchuk, que você pode encontrar
na figura 15 (24,25).
BLOQUEIO FUNCIONAL DO
RAMO DIREITO
Conhecido pelo termo “aberrância
de condução”, o bloqueio funcional é
baseado na fisiologia do potencial de
ação das células do ramo direito e do
ramo esquerdo, mas a aberrância com
padrão de bloqueio de ramo direito é
mais prevalente com 80% de prevalência
total e quase 100% em indivíduos
sem doença cardíaca.
O bloqueio de fase 3, ou bloqueio
taquicardia-dependente, ocorre devido
a canais de sódio que ainda não
tenham sido repolarizados após a
despolarização do batimento anterior
e, portanto, o seguinte potencial de
ação será reduzido e mais lento. Como
o período refratário do ramo direito
é maior que o do ramo esquerdo em
frequência cardíaca normal, o ramo
direito é mais afetado. O fenômeno
de Gouaux-Ashman ou apenas Fenômeno
de Ashman (26) tem a sua
base fisiológica no bloqueio da fase
3 do potencial de ação (Figura 16).
Os períodos refratários se alargam a
frequências mais baixas e encurtam
a frequências mais elevadas: um ciclo
RR curto - longo – curto (ou apenas
longo-curto) pode produzir, devido
a essas alterações súbitas no período
refratário, um padrão de bloqueio in-
154
ECG Completo.indb 154 26/08/2019 09:26:57
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
Figura 15 - Algoritmo de Baranchuk. Esse algoritmo serve em casos que há r’/R’ em V1 e V2.
Essas situações serão vistas em capítulos diversos do livro (24,25).
Figura 16 - Fenômeno de Ashman. Perceba que o batimento com padrão de bloqueio avançado
do ramo direito ocorre após uma variação de ciclo do tipo longo – curto (setas).
155
ECG Completo.indb 155 26/08/2019 09:26:58
CAPÍTULO 8
termitente de ramo direito muito comum
em casos de fibrilação atrial ou
bloqueio tipo Wenckebach (duas situações
onde há irregularidade de ritmo)
que pode confundir com ectopias
isoladas ou taquicardia ventricular
(caso o fenômeno se sustente, passa a
ser chamado “Efeito Fole” (27), descrito
por García e Rosenbaum em 1972). Essas
alterações podem ser visualizadas
tanto no ECG de 12 derivações como
no sistema Holter.
O bloqueio da fase 4, ou bloqueio
dependente de bradicardia, quase
sempre se manifesta como padrão de
bloqueio do ramo esquerdo e será discutido
no próximo capítulo.
BLOQUEIOS MASCARADOS
Fenômeno raro descrito em 1954
por Richman e Wolff (28,29) que ocorre
quando há expressão eletrocardiográfica
de bloqueio de ramo direito
em derivações precordiais e do ramo
esquerdo no plano frontal. É um bloqueio
de ramo direito mascarado de
um bloqueio de ramo esquerdo. Mas
atenção! Não se trata de um bloqueio
concomitante, pois se um indivíduo
bloqueio ambos os ramos em terceiro
grau, teríamos um bloqueio atrioventricular
total com escape ventricular.
Vamos escrever as mesmas informações
novamente, mas com outras
palavras nesse parágrafo: trata-se de
uma doença mais importante no ramo
direito que no esquerdo, portanto, trata-se
de um bloqueio de ramo direito
associado a uma doença fascicular esquerda
– pode ser bloqueio anterossuperior
ou póstero-inferior (30). Como
as forças do atraso esquerdas são
maiores que as direitas, aquelas prevalecem
sobre o ECG no plano frontal.
Para se ter ideia da raridade desse
evento, Bayés de Luna encontrou apenas
16 em 100 mil eletrocardiogramas
revisados (31).
Os critérios eletrocardiográficos do
bloqueio do ramo direito mascarado de
esquerdo são: presença de rsR’ em V1, presença
de R proeminente em V6, ausência
de S (ou, se tiver, que seja de baixa amplitude)
em D1, aVL, V5 e V6 (Figura 17).
Fim do capítulo. The cake is a lie.
156
ECG Completo.indb 156 26/08/2019 09:26:58
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL
Figura 17 - Bloqueio de ramo direito mascarado de bloqueio de ramo esquerdo.
Perceba que o QRS é largo e apresenta forç as finais proeminentes para a direita (R final em aVR e V1). D1 e aVL com padrão que lembra bloqueio de
ramo esquerdo e desvio do eixo para esquerda. O leitor desatento poderia laudar como BRD + BRE avanç ados (algo que só existe em eletrocardiografia
como bloqueio atrioventricular total). Retirado de Choudhary.
157
ECG Completo.indb 157 26/08/2019 09:26:58
CAPÍTULO 8
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ECG Completo.indb 158 26/08/2019 09:26:58
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159
ECG Completo.indb 159 26/08/2019 09:26:58
Bloqueio de ramo esquerdo
José Nunes de Alencar Neto
CAPÍTULO
9
INTRODUÇÃO
Este capítulo é uma continuação do
anterior. Sendo assim, não estranhe se
introduzimos os capítulos com textos similares.
Como disse, é uma continuação.
Venho por meio deste, então, falar,
mais uma vez, que o nosso sistema de
condução ventricular, após o feixe de
His, é dividido em dois ramos, o esquerdo
e o direito. O ramo esquerdo, por
sua vez, ainda se divide em pelo menos
dois outros fascículos: anterossuperior
e posteroinferior. Quem disse isso não
fui eu, foi o Rosenbaum (1), nos estudos
seminais que definiram os achados eletrocardiográficos
desses fascículos.
Um distúrbio mais grave de condução
de um desses ramos fará com que
os ventrículos se despolarizem mais
lentamente, levando a um alargamento
do complexo QRS ≥ 120 ms (três
quadradinhos). Um distúrbio de condução
de um fascículo isolado, por sua
vez, leva a um desvio de eixo cardíaco
e outras alterações que serão vistas no
capítulo 10.
Uma maneira muito simples de
decorar os bloqueios de ramo direito
(BRD) (tema do capítulo anterior) e esquerdo
(tema deste capítulo) é imaginar
que você está dirigindo um carro
e precisa virar em uma rua à direita ou
à esquerda (“regra da seta do carro”).
Para onde você empurra a seta do farol
quando quer virar à direita? Para cima.
O complexo QRS em BRD é para cima
em V1. Para onde você empurra a seta
do farol quando quer virar à esquerda?
Para baixo. O complexo QRS em BRE
é para baixo em V1. Esta é uma generalização
rasteira, mas serve aos que
estão iniciando na arte do eletrocardiograma.
Se você tiver paciência, este
capítulo te ensinará muito mais do que
essa decoreba.
A tabela 1 é dica de leitura para todos.
ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E
DO RAMO ESQUERDO
O feixe de His é composto por dois
segmentos: a porção penetrante e a
porção bifurcante. A porção penetrante
possui 5 a 10 mm de comprimento
e tem relação anatômica com a porção
atrial do septo membranoso, o corpo
fibroso e anéis mitral e tricúspide. A
porção bifurcante é a continuação da
anterior e marca a divisão de fibras entre
ramo esquerdo e a aparente continuidade
do His, o ramo direito. Essa
aparente continuidade entre o feixe
de His e o ramo direito é a razão para
se falar em “pseudo-bifurcação dos ramos”
(2).
161
ECG Completo.indb 161 26/08/2019 09:26:59
CAPÍTULO 9
Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos do BRE avançado e parcial em cada
localização possível.
Grau de Bloqueio /
Local de bloqueio
Tronco Bidivisional Periférico
Avançado (terceiro
grau)
• QRS ≥ 120 ms (ou ≥ 140 ms de acordo
com Strauss).
• Ausência de onda q em D1, aVL e V6.
• Notch ou slur na porção média do
QRS de pelo menos duas destas derivações:
D1, aVL, V1, V2, V5 e V6.
• QS ou rS em V1.
• Segmento ST-T oposto ao QRS.
• Igual ao bloqueio
truncal avançado
• Pode conter onda
q em D1 e aVL
caso a fibra média
exista e não esteja
bloqueada
• QRS mais largo
(geralmente ≥ 150
ms).
• Ausência de critérios
clássicos de
BRE truncal.
Parcial (primeiro grau)
• Perda das ondas q septais em D1,
AVL, V5 e V6.
• Perda da r septal em V1.
• TIDI (tempo de
deflexão intrinsecoide)
de aVL > V6.
• Indistinguível do
truncal.
As fibras mais proximais do ramo
esquerdo se encontram no endocárdico
da região subaórtica, próximo
das cúspides não coronariana e coronariana
direita do seio de Valsalva.
O ramo, então, parte em direção inferior
e anterior e divide-se em dois
fascículos: anterossuperior, mais fino
e destacado de sua porção mais anterior;
e posteroinferior, de maior
diâmetro e com fibras que se continuaram
do ramo esquerdo e não
partiram para a divisão anterossuperior
(3,4). O fascículo anterossuperior
cruza a via de saída do ventrículo
esquerdo em direção à base do músculo
papilar anterior; e a porção posteroinferior
se curva posteriormente
para atingir o músculo papilar posterior
(2) (Figura 1).
Como já comentamos no capítulo
anterior, foi proposto por Kaufmann
e Rothberger, em 1919 (5),
que as fibras mais proximais do feixe
de His apresentam dissociação longitudinal
entre si e por isso diz-se
que possuem um destino pré-definido:
elas farão parte futuramente
do ramo direito, ou do fascículo
anterossuperior, por exemplo. Uma
lesão cirúrgica pontual na porção
anterior da porção penetrante do
162
ECG Completo.indb 162 26/08/2019 09:26:59
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
feixe de His produz bloqueio de
ramo direito ou bloqueio da divisão
anterossuperior e não bloqueio
atrioventricular total, dependendo
da localização dessa lesão (6,7). Esta
é a base fisiológica para a terapia de
ressincronização cardíaca baseada
em marcapassamento direto do feixe
de His (8–10).
Figura 1 - Ilustração da anatomia do feixe
de His e seus ramos direito e esquerdo. O
ramo esquerdo ainda se divide em fascículo
anterossuperior e posteroinferior.
Tem se questionado a natureza
trifascicular do tecido de condução.
É descrito que em porções distais do
fascículo posteroinferior e, menos
frequentemente, do fascículo anterossuperior
emerge uma intrincada
rede de tecidos de condução posterior
septal, resultando em quatro
fascículos (o ramo direito somado a
três divisões do ramo esquerdo) (11).
Essa controvérsia será discutida em
pormenores no capítulo 10.
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
O padrão eletrocardiográfico do
BRE pode se dar como consequência
de um bloqueio truncal do ramo esquerdo,
um bloqueio bifascicular do
ramo esquerdo (divisões anterossuperior
e posteroinferior com bloqueio
concomitante), e por um atraso de
condução intraventricular, “periférico”
ou “zonal global” (12). O bloqueio também
será classificado quanto ao seu
grau: primeiro grau, quando ainda há
apenas certo atraso na condução, segundo,
quando é intermitente; e terceiro
grau, quando o bloqueio é “avançado”.
Atenção: se recomenda falar em
“avançado” em detrimento da palavra
“completo” nesses casos porque provavelmente
ainda haveria passagem
de algum estímulo caso não houvesse
nenhum estímulo elétrico normal proveniente
do lado direito. Se você leu o
capítulo de bloqueio de ramo direito,
pode pensar que está agora tendo um
déjà vu, que há uma falha na Matrix.
Não. É isso mesmo.
No BRE de terceiro grau (que pode
ser truncal ou bidivisional), a despolarização
inicia-se na base do músculo
papilar anterior do ventrículo direito
pelo estímulo proveniente do ramo direito
normal e progride através do septo
com direção apontando para trás
antes de alcançar o ventrículo esquerdo.
Nesses primeiros milissegundos, a
soma dessas ativações vai apontar da
direita para esquerda em virtualmente
todos os casos; portanto, uma onda q
septal em D1 e aVL não é esperada, a
163
ECG Completo.indb 163 26/08/2019 09:26:59
CAPÍTULO 9
menos que haja zona inativa ou bloqueio
bidivisional com despolarização
através de fibras médias, de acordo
com a teoria tetrafascicular de Medrano
(13,14), que considera a existência
de um terceiro fascículo no ramo esquerdo
– o medial.
Após isso, ocorre a passagem do
estímulo elétrico pelo septo, gerando
os vetores médios, atrasados e
com a presença de “notchs e slurs” na
porção média do complexo QRS, que
representam a ativação anormal do
ventrículo esquerdo: o primeiro notch
marca a ativação transeptal e o segundo
a chegada ao epicárdio da parede
lateral (15) (Figura 2). Atenção.
Talvez a informação mais importante
do capítulo: para diagnóstico de
BRE de terceiro grau, ou avançado, é
obrigatória a presença dos notchs.
A ativação vetorial do BRE se dá,
então, da seguinte maneira: o primeiro
vetor é direcionado para esquerda
e para frente, o segundo vetor traz
uma rotação anti-horária no plano
horizontal em direção da direita para
esquerda e posterior, com o vetor 3
sendo menos posterior. O vetor 4,
das porções superiores do septo e da
parede livre do VE, reduz a amplitude
da alça progressivamente para as posições
iniciais (Figura 3) (16).
Os critérios eletrocardiográficos
para BRE são: ausência de onda q
septal em D1, aVL e V6; QRS ≥ 120ms;
presença de notch ou slurring na porção
média do QRS em mais que duas
derivações: V1, V2, V5, V6, D1 e aVL
(Figura 4); padrão QS ou rS em V1. No
bloqueio de ramo esquerdo, é normal
haver inversão completa entre
as polaridades do complexo QRS e
do segmento ST-T, ou seja, todas as T
estarão invertidas ao QRS (Figuras 5
a 7) (16). Na era da ressincronização
cardíaca, alguns autores têm considerado
o bloqueio de ramo esquerdo
apenas quando o QRS tem duração ≥
140ms (17). Em um bloqueio periférico
do ramo esquerdo, os critérios são
basicamente os mesmos, entretanto,
isso pode significar uma doença
muscular mais extensa, portanto, um
QRS mais largo é esperado.
Figura 2 - Comparação do aparecimento do
notch no eletrocardiograma com o mapa
de ativação dos ventrículos em casos de
bloqueio de ramo esquerdo.
O primeiro notch ocorre na passagem do estímulo pelo septo e o segundo
ocorre quando o estímulo chega ao epicárdio ventricular. A presença
de notch em algumas derivações é obrigatória para o diagnóstico de bloqueio
de ramo esquerdo de terceiro grau. De Strauss (15).
164
ECG Completo.indb 164 26/08/2019 09:26:59
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
Figura 3 - Alça vetorial do bloqueio de ramo esquerdo.
Primeiro vetor é a despolarização do septo ventricular esquerdo a partir do músculo papilar anterior do ventrículo direito (aponta para frente e para
esquerda), o segundo vetor é a ativação transeptal (aponta para esquerda e posterior), o terceiro e o quarto vetores representam a despolarização da
parede livre e das regiões basais da parede livre e do septo e são cada vez menos posteriores (16).
Figura 4 - Exemplo de um padrão de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Perceba:
ausência de q em D1 e aVL. Um pequeno r seguido de uma grande S em V1, notch em ≥ 2
derivações (D1, aVL, V1, V2, V5 e V6) – no caso D1, aVL e V6.
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ECG Completo.indb 165 26/08/2019 09:27:00
CAPÍTULO 9
Figura 5 - ECG de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Ausência de q em D1 e
aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120 ms. A onda T é oposta ao atraso: se o
complexo é positivo, a T é negativa.
Figura 6 - Bloqueio de ramo esquerdo avançado ou de terceiro grau. Ausência de q em D1
e aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120ms. A onda T é oposta ao atraso: se o
complexo é positivo, a T é negativa.
166
ECG Completo.indb 166 26/08/2019 09:27:00
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
Figura 7 - VCG de um BRE de 3º grau (as setas demonstram o início da ativação). A ativação
se inicia da direita para esquerda no plano frontal, depois assume a parede livre si
dirigindo para posterior (planos horizontal e sagital) e esquerda (plano horizontal). O
atraso é médio-final.
O ramo esquerdo também pode
ser parcialmente bloqueado. No BRE
de primeiro grau, parte do septo esquerdo
despolariza através do estímulo
proveniente do ramo direito (por isso
há perda da onda q em D1 e aVL), mas
a maior parte da massa ventricular esquerda
consegue ser despolarizada
pelo ramo esquerdo, como de costume
(Figura 8). O BRE de primeiro grau tem
como padrão eletrocardiográfico a perda
da onda q septal em D1, aVL, V5 e V6
e onda r em V1. A duração do QRS ainda
é menor que 120ms. Pode haver notchs,
mas na porção ascendente da primeira
deflexão, simulando uma onda delta de
pré-excitação ventricular (Figura 9).
Com relação à localização do bloqueio,
como já foi falado, tanto o
bloqueio de primeiro grau como de
terceiro grau podem ocorrer no tronco
do ramo esquerdo ou feixe de His
(bloqueio truncal), nos dois fascículos
ao mesmo tempo com maior ou menor
grau em um ou outro (bloqueio
bifascicular do ramo esquerdo), e nas
fibras de Purkinje (atraso de condução
intraventricular ou “periférico”)
(12). O bloqueio truncal é o padrão
clássico que foi descrito nos parágrafos
anteriores.
O bloqueio intraventricular ou
“periférico” traduz doença ventricular
extensa, gerando um QRS mais largo e
ausência de critérios eletrocardiográficos
clássicos para BRE: pode não haver
notchs, pode haver onda q em D1 e
aVL, etc. (Figuras 10 e 11).
167
ECG Completo.indb 167 26/08/2019 09:27:01
CAPÍTULO 9
Figura 8 - Ativação ventricular em caso de bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau.
Parte do septo despolariza pelo estímulo proveniente do ramo direito, mas a maior parte
da massa ventricular consegue despolarizar pelo ramo esquerdo que estava atrasado.
Figura 9 - Bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau. QRS ≤ 120 ms, perda da q septal em
D1, aVL e V6. Perda da r septal em V1. Há notch na fase inicial do complexo em aVL, mas
que não define bloqueio de terceiro grau. Não há alterações na repolarização ventricular.
168
ECG Completo.indb 168 26/08/2019 09:27:01
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
Figura 10 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo. Perceba que nesse ECG existe
claramente um complexo QRS alargado (em torno de 150 ms). No entanto, não se consegue
obter critérios de bloqueio de ramo direito ou esquerdo. Há critérios para bloqueio da
divisão anterossuperior do ramo esquerdo, como veremos no capítulo 10, mas isso não
é suficiente para explicar o atraso final da ativação ventricular. Estamos diante de um
bloqueio periférico do ramo esquerdo.
Figura 11 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo: perceba a ausência de critérios
clássicos de BRE (aqui só vemos notch em uma derivação – V5) e também de bloqueio da
divisão anterossuperior associado a um complexo muito alargado (em torno de 160 ms) e
uma possível sobrecarga ventricular esquerda (se contarmos critérios de SVE + BRE, ainda
não fechou. Mas existem critérios de SVE + BDAS).
169
ECG Completo.indb 169 26/08/2019 09:27:02
CAPÍTULO 9
O bloqueio bidivisional (bloqueio
da divisão anterossuperior associado
ao bloqueio da divisão posteroinferior)
pode ocorrer de duas maneiras:
(1) com ambas as fibras acometidas
em graus similares; (2) com acometimento
de maior grau em um ou outro
fascículo. No primeiro caso, o ECG será
igual ao demonstrado no bloqueio
truncal do ramo esquerdo. Para que
o segundo caso seja verdade, precisamos
assumir a teoria tetrafascicular de
Medrano como verdadeira (aquela que
diz que o ramo esquerdo possui três
fibras, incluindo a média, e não duas).
Veja bem: visto que os fascículos são
importantes na despolarização inicial
do ventrículo esquerdo, numa situação
em que os dois fascículos (anterossuperior
e posteroinferior) estejam
bloqueados, o ventrículo esquerdo deveria
iniciar sua despolarização através
do estímulo do ramo direito atravessando
o septo, o que geraria um notch
e levaria a um ECG de bloqueio avançado
de ramo esquerdo. Entretanto,
se houver um terceiro fascículo funcionante
que consiga levar o estímulo
adiante, então o septo conseguirá se
despolarizar da esquerda para a direita,
como ocorre normalmente. Esse
terceiro fascículo, o medial, é o que,
em teoria, ainda segura viva a ideia
de que bloqueios bidivisionais podem
ocorrer sem levar ao bloqueio avançado
do ramo esquerdo (14,18,19). Para
dar esse elegante laudo, você precisa
verificar a presença de despolarização
septal esquerda para direita, ou seja, q
em D1 e aVL seguido de um TIDI (tempo
de deflexão intrinsecoide, a medida
do início do complexo QRS até o pico
da onda R) de aVL > V6, isto é, o início
da despolarização é mais demorado
em aVL que V6 (Figura 12).
Figura 12 - ECG com associação de bloqueio
divisional anterossuperior esquerdo
e posteroinferior esquerdo (bloqueio
bifascicular). O critério utilizado para o laudo
foi o tempo de deflexão intrinsecoide (TIDI)
de 0,09 s em aVL e 0,065 segundos em V6.
Além disso, se observa o primeiro vetor de
ativação septal. (Adaptado de Medrano, 2002)
O resumo dos achados eletrocardiográficos
dos diferentes tipos e locais
de atraso de condução no BRE
está disposto na tabela 1.
BLOQUEIO FUNCIONAL DO
RAMO ESQUERDO
Como já discutimos no capítulo
anterior, a aberrância de condução
funcional manifesta-se em 80% dos
170
ECG Completo.indb 170 26/08/2019 09:27:02
BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
casos como um bloqueio de ramo direito,
sendo o fenômeno de Ashman o
principal exemplo do bloqueio da fase
3 do potencial de ação.
O bloqueio de fase 3, ou taquicardia-dependente,
é de fisiopatologia
muito simples. Entre um batimento e
outro, um dos ramos do feixe de His
(muito mais comumente o direito) não
teve tempo ainda de se recuperar, de
sair do seu período refratário. Desse
modo, no próximo batimento, esse
ramo estará bloqueado. As frequências
cardíacas muito altas, o período
refratário do ramo esquerdo passa a
ser mais longo que o do ramo direito,
então este é o ramo que bloqueia. Sim,
existe fenômeno de Ashman com bloqueio
de ramo esquerdo.
No entanto, quando se fala em bloqueio
funcional do ramo esquerdo,
não está se falando dessa exceção e
sim do bloqueio de fase 4, o bloqueio
bradicardia-dependente (20).
Este sim ocorre como bloqueio de
ramo esquerdo. Vamos ver o que ocorre
no bloqueio de fase 4: um tecido já
está há muito tempo repolarizado (o
indivíduo está bradicárdico e o próximo
batimento não vem) – atenção, por
muito tempo eu quero dizer algumas
centenas de milissegundos. Por um
erro da automaticidade do tecido do
ramo (principalmente o ramo esquerdo)
ou pela ação errônea de tecidos
danificados, ocorre uma pequena despolarização
que não é capaz de gerar
um batimento, mas é capaz de deixar
aquele tecido refratário ao batimento
que virá. Quando finalmente o bati-
mento vem, a onda de despolarização
encontra as células do ramo (principalmente
esquerdo) refratárias e voilà,
temos um bloqueio de ramo esquerdo
(Figura 13).
Figura 13 - Bloqueio de ramo esquerdo
funcional por bloqueio de fase 4,
bradicardia-dependente.
Perceba que a paciente tem um ritmo de fibrilação atrial de baixa resposta
(ausência de ondas P, ritmo irregular bradicárdico). Um determinado
momento, após uma longa pausa, o ramo esquerdo deve ter passado por
uma “micro-despolarização” que foi incapaz de gerar um batimento sozinho.
Quando, finalmente, o estímulo elétrico conseguiu atravessar o nó
AV, encontrou o ramo esquerdo bloqueado.
171
ECG Completo.indb 171 26/08/2019 09:27:02
CAPÍTULO 9
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