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Manual de ECG - Sanar

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Introdução ao ECG

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

1

INTRODUÇÃO

O eletrocardiograma (ECG) é um

exame simples e barato, obrigatório

em emergências. Ele registra traçados

que, ao serem analisados, possibilitam

identificar e intervir precocemente

em patologias potencialmente

fatais como o infarto agudo do miocárdio

e arritmias.

O funcionamento do aparelho é

simples, vamos ver. O profissional responsável

posiciona eletrodos que irão

registrar as atividades elétricas (diferenças

de potencial) a partir de um

“ponto de vista” específico, portanto,

saibam desde já que é importante

posicionar corretamente os eletrodos

e iremos falar disso logo mais. O ECG

funciona como se “câmeras” fossem

posicionadas em volta do coração em

locais pré-determinados e estas registram

os impulsos elétricos que se aproximam

ou se afastam de cada eletrodo

(Figura 1).

A atividade elétrica cardíaca gera

uma diferença de potencial (voltagem)

que é registrada pelo aparelho de ECG.

O pré-requisito para que haja uma diferença

de potencial é a existência de dois

pontos com potenciais diferentes. Uma

derivação, portanto, é uma câmera que

registra a atividade em dois pontos.

Figura 1 - Várias câmeras capturando a

beleza da “Dama del paraguas”, um ponto

turístico de Barcelona.

Para a melhor visualização de todos os pontos de vista desse monumento,

várias câmeras são usadas. Desenho de Pilarín Bayés de Luna, irmã do professor

Bayés de Luna.

Se esse potencial está ocorrendo no sentido

da câmera, então a seta do vetor

apontará para ela. Simples assim.

Essas “câmeras”, de que falo, possuem

um nome especial no ECG: derivações.

Elas são compostas sempre

por dois polos (bipolares, portanto). As

derivações dos membros, que chamamos

de periféricas, registram a diferença

de potencial dos próprios polos

entre si; e as derivações do precórdio,

17

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CAPÍTULO 1

chamadas de derivações horizontais,

registram a diferença de potencial do

eletrodo no tórax até um ponto central

virtual criado matematicamente pelas

quatro derivações periféricas. Como

no caso das derivações dos membros,

um vetor parte de um polo para outro,

e no caso das derivações precordiais,

o vetor parte deste polo virtual para

o eletrodo no tórax, os livros didáticos

erroneamente chamam os eletrodos

periféricos como “bipolares”, e os precordiais

como “unipolares” (1).

o bem-estar do animal, saiba que a Royal

Society of London também ficou, e

o que se sabe da época é que nenhum

maltrato foi registrado no simpático

animal (5) (Figura 2).

Figura 2 - Uma demonstração da captura de

um eletrocardiograma do bulldog Jimmie,

animal de estimação de Augustus Waller.

HISTÓRICO

No fim do século XIX, era senso

comum entre cientistas o fato de que

nervos e músculos podiam ser estimulados

artificialmente. Fisiologistas se

deram ao trabalho de procurar atividade

elétrica em animais, até que em

1856, Koelliker e Muller conseguiram

demonstrar biopotencial elétrico no

coração de um sapo. E foram além, no

mesmo experimento, ao posicionar a

pata de um sapo na mesma solução

em que estava contido o coração, perceberam

que a atividade elétrica que

contraía a pata precedia a sístole cardíaca

– a descoberta de que a atividade

elétrica precedia a sístole e poderia

ser a razão pela qual os corações batem

(2,3).

Esses avanços levaram ao primeiro

registro de um eletrocardiograma

humano, em 1887, por Waller (4), que

fez também vários experimentos em

seu cachorro de estimação, o bulldog

Jimmie. Se você está preocupado com

Essa demonstração causou certo estranhamento no público presente,

causando debate se o Ato de Crueldade aos Animais fora contravertido.

A resposta do secretário de estado foi: “Mr. Gladstone, eu entendo que o

cachorro ficou em pé por algum tempo em água com sal. Se meu honrado

amigo já tivesse remado no mar, saberia a sensação” (5).

Nos seus experimentos, Waller

usava uma cinta no tórax contendo

dois eletrodos: o primeiro na

parte frontal do tórax, conectado

a uma coluna de mercúrio de um

eletrômetro capilar; e o segundo

no dorso conectado a ácido sulfúrico

(Figura 3). A coluna de mercúrio

se movia para cima e para baixo de

acordo a atividade elétrica e o que

movia a placa onde se desenhava

18

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INTRODUÇÃO AO ECG

Figura 3 - Traçado do primeiro eletrocardiograma humano realizado em Waller.

A marcação “t” é a representação de um segundo, a marcação “h” é a movimentação da parede do tórax, e a representação “e” representa o eletrocardiograma

através da movimentação da coluna de mercúrio no eletrômetro (4).

de – 25 milímetros por segundo e

um fotoquimiógrafo projetava uma

linha vertical mais grossa após 4 linhas

mais finas. O galvanômetro se

moveria 1mm caso uma diferença de

potencial de 0,1mV fosse registrada.

Também nesse artigo foram alcunhadas

as deflexões do eletrocardiograma:

PQRST (6,7). Nesse momento, o

leitor já percebe que Einthoven não

apenas criou o primeiro eletrocardiógrafo

passível de utilização na prática

clínica, como definiu seus fundamentos,

tudo em duas publicações

– isso lhe rendeu o prêmio Nobel e

40 mil dólares em prêmio em 1924

(8). As letras escolhidas (PQRST),

aliás, são fruto de discussão até hoje:

uns afirmam que Einthoven escolheu

letras no meio do alfabeto para deixar

espaço para outras deflexões que

poderiam ser (e foram) descobertas;

outros – e esta é também a opinião

do autor – afirmam que teve influênessa

atividade para que um registro

temporal fosse adquirido era um

trem de brinquedo.

É lamentável que o papel de Waller

seja negligenciado na história da eletrocardiografia,

mas o próprio parece

ter subestimado seus achados que,

sim, eram de má qualidade (mas eram

os primeiros!) e inadequados para propósitos

clínicos e chegou a afirmar que

não imaginava que a eletrocardiografia

encontraria papel extenso em hospitais.

O médico holandês Willem Einthoven,

insatisfeito com o eletrômetro

capilar usado nos experimentos

de Waller, desenvolveu em 1901 um

novo galvanômetro de corda, superior

ao capilar usado até então com

sensibilidade e metodologia aplicáveis

em Medicina. Ele desenvolveu

um método em que a placa fotográfica

onde seria registrada caía numa

frequência constante pela gravida-

19

ECG Completo.indb 19 26/08/2019 09:26:20


CAPÍTULO 1

cia dos trabalhos geométricos e médicos

(de fisiologia ótica) de Descartes

(9–11).

Em 1908, em um extenso artigo,

Einthoven descreve seus aprendizados

com a observação de 5 mil eletrocardiogramas

já realizados. Definiu que a

onda P representava a ativação do átrio

e onda Q fazia parte do ventrículo (12).

esquerda (13). E a lei de Einthoven

postula que D1 + D3 = D2, de acordo

com a lei de Kirchoff (1).

Figura 4 - Triângulo de Eithoven, como

desenhado em seu trabalho original (8).

TEORIA DAS DERIVAÇÕES

Para que se uniformizasse o exame

no mundo inteiro, era necessário

saber em que ângulos essas “câmeras”

iriam olhar para o coração. Esforços

se iniciaram para criar derivações

que pudessem ter importância prática

na avaliação da atividade elétrica

cardíaca.

A teoria clássica das derivações foi

proposta por Einthoven. Essa teoria

assume que o corpo humano é parte

de um condutor homogêneo e infinito

em que as fontes elétricas cardíacas

são representadas por uma única

corrente de dipolo que varia com o

tempo, mas preso a uma localização

fixa. Resumindo: um único vetor

a cada batimento. As derivações de

Einthoven usam derivações em três

membros: braços (direito e esquerdo)

e perna esquerda.

O triângulo de Einthoven (Figura 4)

foi, então, criado a partir dessas derivações:

a derivação D1, por exemplo,

grava o potencial de ação entre o braço

direito e o braço esquerdo, D2 entre

o braço direito e a perna esquerda e

D3 entre o braço esquerdo e a perna

Burger, no entanto, levou em consideração

que o corpo humano é tridimensional,

tem formato irregular e

volumes condutores não homogêneos

e corrigiu o triângulo de Einthoven

imaginando um triângulo não equilátero

(Figura 5), mas permaneceu com

a ideia de dipolo fixo (14,15).

Figura 5 - Triângulo de Burger.

Perceba que não é equilátero. Leva em consideração diferenças de campo

elétrico de diferentes órgãos do corpo humano (15).

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INTRODUÇÃO AO ECG

Em 1934, Wilson uniu os três

vértices do triângulo de Einthoven

a resistências de 5 mil ohms,

introduziu esse tal ponto virtual

do qual já falamos na introdução

deste capítulo: o “terminal central

de Wilson”. Esse ponto virtual foi

inicialmente criado com o intuito

de calcular a diferença de potencial

do braço direito, por exemplo,

até o centro do triângulo de

Einthoven, o que foi chamado na

época de VR (16). Por fim, em 1942,

Goldberger, introduziu um aumento

na sensibilidade dessas últimas

derivações, que agora teriam um

“a” em frente a seus nomes, surgindo,

então, aVR, aVF e aVL – o po-

tencial do braço direito, da perna

esquerda e do braço esquerdo, respetivamente

(17). Para entender a

razão de eu ter falado isso tudo,

introduzo agora o famoso “Círculo

de Cabrera”, na Figura 6. Não deixe

de ler a legenda.

O ELETROCARDIOGRAMA

HUMANO E SUAS ONDAS

Se você não entendeu muita coisa

do que foi escrito acima, não tem problema.

Esta é uma introdução teórica,

mas com pouco papel na prática. A

partir de agora, vamos focar no que interessa

na vida de um profissional que

lida com eletrocardiograma.

Figura 6

No painel A, observamos o triângulo de Einthoven e o terminal central de Wilson criado pelas três resistências de 5000ohms colocadas em cada

vértice do triângulo. No painel B, observamos o triângulo de Cabrera, em que temos as derivações clássicas D1, D2, D3, mais as criadas por Wilson e

aumentadas por Goldberg: aVR, aVL e aVF, todas dispostas de acordo com seus ângulos.

21

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CAPÍTULO 1

O registro elétrico do coração é

composto pelas seguintes atividades,

em sequência:

• Despolarização dos átrios (primeiro

direito, depois esquerdo).

• Intervalo átrio-ventricular.

• Despolarização dos ventrículos.

• Repolarização dos átrios.

• Repolarização dos ventrículos.

Cada uma dessas atividades corresponde

a uma entidade do eletrocardiograma,

seja ela uma onda, um

complexo de ondas, um intervalo

ou um segmento (Figura 7). Vamos

aprender:

• Despolarização dos átrios (primeiro

direito, depois esquerdo):

onda P.

• Intervalo atrioventricular: intervalo

PR.

• Despolarização dos ventrículos:

complexo QRS (Q é a onda negativa,

R é a primeira onda positiva;

S é a onda negativa após o R. Algumas

situações podem dar uma

segunda onda positiva, sendo

chamada R’ - lê-se erre linha).

• Repolarização dos átrios: atividade

de baixa voltagem que coincide

com o QRS, portanto, não é vista

em situações normais de repouso.

• Repolarização dos ventrículos:

segmento ST e onda T.

Para entender melhor essa seção,

vamos revisar cada um desses tópicos

individualmente. E para fazer isso, vou

relembrar duas regras importantes da

eletrocardiografia.

1. Lembre-se que as diferenças de potencial

decorrentes da despolarização do

átrio, do ventrículo e também pela repo-

Figura 7 - Ondas, complexos, intervalos e segmentos do eletrocardiograma de superfície.

22

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INTRODUÇÃO AO ECG

larização ventricular serão capturadas pelas

derivações que vimos anteriormente

e formarão “ondas” no traçado do eletrocardiograma.

Tenha em mente que tudo

que se afasta da câmera será gravado

como negativo, e tudo que vai de encontro

à câmera será positivo no ECG.

2. Se revisarmos o círculo de Cabrera

(Figura 6) e imaginarmos um coração

no meio desse círculo, observaremos

que D2 é uma derivação muito

próxima ao eixo elétrico cardíaco normal

– afinal, o eixo elétrico resultante

cardíaco irá apontar de cima para baixo

e da direita para esquerda (some os

vetores). Por conta disto, esta é uma

derivação de muita didática e será utilizada

nos próximos parágrafos.

Comecemos. O impulso gerado

pelo nó sinusal segue em direção ao nó

AV despolarizando os átrios, ou seja, se

aproximando da câmera de D2. Sendo

assim, esta registra uma onda positiva

(porque se aproxima de D2) e de pequena

amplitude e duração (porque o

átrio tem pouca força e massa, comparada

ao ventrículo), que é a onda P.

O nó AV atrasa o impulso e, como

não há maiores áreas sendo despolarizadas,

registra-se apenas uma linha

reta que denominamos de intervalo

PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua

despolarização. O que você vai ver nos

próximos parágrafos também pode

ser traduzido em vetores.

A despolarização inicial do septo

promove a despolarização em diversos

sentidos, entretanto a resultante

de todas as direções se afasta da filmadora

em D2 e este é o motivo da

formação de uma onda negativa, chamada

onda Q. Por definição: onda Q

é uma onda negativa que se inscreve

antes da onda R. Se a onda é negativa,

então, o vetor se afasta de D2.

As mudanças iônicas geradas pelo

potencial de ação seguem, então, em

direção ao ápice cardíaco pelos ramos

direito e esquerdo, se aproximando intensamente

da nossa “câmera” D2. O resultado

é a grande onda R, por definição

a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o

maior de todos, vai em direção a D2.

Posteriormente, a ascensão pelas

paredes livres dos ventrículos, se afastando

novamente da câmera, forma a

onda S, por definição, a onda negativa

que vem depois da onda R, afastando-se

de D2, acabando assim de despolarizar

os ventrículos. A soma dos

vetores de Q + R + S é o vetor elétrico

cardíaco, e deverá ser posicionado no

Círculo de Cabrera para análise. Veremos

isso no próximo capítulo. Por fim,

após a despolarização, as células retornam

ao seu estado original, ou seja,

se repolarizam. O resultado, de modo

simplista, é o registro da onda T.

É importante lembrar que essas ondas

possuem essa conformação que

descrevemos em D2 e também em

algumas outras derivações, mas não

em todas. Por exemplo, em aVR, que é

praticamente oposta a D2 (vide Círculo

de Cabrera), o normal é termos uma P

negativa, uma onda Q apenas (não sucedida

de R ou S) e uma T negativa.

Outras ondas ou eventos podem

aparecer no eletrocardiograma. São de

interesse por enquanto: (a) o ponto J é

23

ECG Completo.indb 23 26/08/2019 09:26:22


CAPÍTULO 1

o ponto em que o complexo QRS termina

e o galvanômetro ganha novamente

a linha de base do eletrocardiograma;

(b) o ponto Y é de interesse na

eletrocardiografia de estresse, como

discutiremos no capítulo 26; (c) a onda

U é motivo de controvérsia até hoje

(discutiremos com detalhes no capítulo

4) e pode corresponder à repolarização

das fibras de Purkinje ou das células

M (células médio-miocárdicas com

características ambíguas de músculo e

condutora de estímulo elétrico).

Sobre o complexo QRS, devemos

ter em mente que ele só existe no eletrocardiograma

caso a despolarização

ventricular apresente três vetores – um

negativo, outro positivo, e o terceiro

negativo. Caso apresente apenas dois

complexos, o leitor deve observar naquela

derivação qual deflexão inicia

a atividade ventricular: se negativa,

Figura 8 - Padrões de complexos QRS.

Perceba que devemos obedecer a três regras para a correta nomenclatura deste complexo. A primeira é: sempre seguir a ordem alfabética. A segunda

é: a onda “q” é sempre negativa, a onda “r” é sempre positiva, e a onda “s” é sempre negativa. A terceira regra é: se uma onda é pouco ampla, ela será

marcada por letra minúscula “e” e uma letra é muito ampla, ela será marcada por uma letra maiúscula. Sabendo das regras, fica fácil perceber que um

complexo com uma pequena deflexão positiva seguida de uma grande deflexão negativa será chamada “qR”.

24

ECG Completo.indb 24 26/08/2019 09:26:22


INTRODUÇÃO AO ECG

sabemos que teremos um complexo

“q” seguido de alguma coisa que pode

ser “r” ou “s”; se positiva, teremos um

complexo “r” seguido de alguma coisa

que só pode ser “s”. Temos que seguir

a ordem alfabética! Por exemplo:

um complexo cuja primeira deflexão

é negativa, seguida de uma positiva

é chamado de complexo “qr”. O leitor

também precisa se acostumar ao fato

de que a amplitude da deflexão também

dita se usaremos letras minúsculas

ou maiúsculas. Mais um exemplo:

se um complexo começa com uma

onda positiva de pequena amplitude e

é sucedida de uma negativa de grande

amplitude, sua descrição no texto estará

como complexo rS – atenção, não

podemos chamar de rQ, pois isso não

segue a ordem alfabética.

Caso tenhamos um complexo com

apenas uma deflexão negativa, chamamos

esse complexo de QS. Caso a

deflexão seja exclusivamente positiva,

chamamos “R puro”.

Em último caso (mas não infrequentemente),

se tivermos um complexo

com uma onda positiva, seguida

de uma deflexão negativa e mais

uma positiva, teremos que começar

o complexo pela letra “r”. A deflexão

negativa será chamada de “s”. A terceira

deflexão positiva, seguindo o

alfabeto, não pode chamar-se “T”,

pois essa significa a repolarização

ventricular. Então, a saída foi chamar

de R’ (lê-se erre linha): complexo rsR’,

típico do bloqueio de ramo direito

em V1. Veja o resumo dessas denominações

na Figura 8.

CONFIGURAÇÃO DO

ELETROCARDIÓGRAFO

Já vimos que o eletrocardiógrafo tem

a capacidade de representar estímulos

elétricos através da inscrição gráfica de

uma voltagem (diferença de potencial

elétrico) em um papel milimetrado –

quem convencionou isso foi Einthoven.

Quando configurado no modo padronizado

(N de “ganho” e 25 mm/s de

velocidade), cada milímetro do papel

para cima ou para baixo corresponde a

0,1 mV de amplitude (é o “tamanho” da

onda), e para esquerda ou para direita a

40 ms ou 0,04 segundos de duração (é a

“largura” da onda) (Figura 9).

Figura 9

Papel milimetrado: cada milímetro ou quadradinho corresponde a

0,1mV e 40ms (0,04 segundos). Cada quadradão, portanto, corresponde

então a 0,5mV e 200ms.

Já vimos o que significam as derivações:

são uma espécie de olho ou

câmera que enxergam aquilo que está

25

ECG Completo.indb 25 26/08/2019 09:26:22


CAPÍTULO 1

na sua frente. Mas elas têm um filtro:

não enxergam movimento, não enxergam

infravermelho; elas enxergam

uma diferença de potencial (ou voltagem).

Se uma diferença de potencial é

criada com um vetor que vai de encontro

àquela derivação, a caneta do eletrocardiógrafo

irá desenhar algo para

cima no papel (positivo). Se o vetor

fugir da derivação, a caneta desenhará

algo negativo (para baixo) no papel.

Também obedecerá à voltagem e ao

tempo de ativação. Se fugiu 0,5mV,

teremos uma deflexão negativa com

amplitude de 5 quadradinhos (ou 1

quadradão). Se essa atividade durou

80ms, então teremos uma deflexão

que durará 2 quadradinhos.

O ECG padrão conta com 12 derivações,

sendo seis periféricas (D1, D2, D3,

aVR, aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2,

V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração

através de um ponto de vista diferente:

as derivações periféricas, por exemplo,

enxergam se o estímulo elétrico vai para

cima ou para baixo e para a esquerda ou

para direita, mas não se anterior ou posteriormente;

já as derivações precordiais

enxergam se o estímulo vai para frente e

para trás, para a esquerda e para a direita,

mas não se superior ou inferiormente. Por

isso, para avaliar um eletrocardiograma, o

profissional experiente avalia as 12 derivações

em conjunto. E em algumas situações

clínicas, usamos até 18 derivações,

ou até inventamos uma (18).

Tabela 1 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.

Eletrodo

Eletrodo amarelo

Eletrodo verde

Eletrodo vermelho

Eletrodo preto

Braço esquerdo

Perna esquerda

Braço direito

Perna direita

Posição

V1

V2

V3

V4

V5

V6

V7

V8

V9

V3R

V4R

4º EIC. Para-esternal à direita

4º EIC. Para-esternal à esquerda

Entre V2 e V4

5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda

Entre V4 e V6

5º EIC, Linha axilar média

Entre V6 e V8

Inferior à ponta da escápula

Medial a V8

Entre V1 e V4R

5º EIC. Linha médio-clavicular direita

26

ECG Completo.indb 26 26/08/2019 09:26:22


INTRODUÇÃO AO ECG

Elas são dispostas pelo corpo do

paciente de maneira a obter êxito em

um objetivo: o de registrar no papel a

atividade elétrica do coração, na tentativa

de capturar a maior área possível

– lembre-se da “Dama del paráguas”.

A localização exata dos eletrodos

onde vamos plugar essas derivações,

portanto, é de fundamental importância

para um eletrocardiograma de

qualidade. Reveja na Figura 10 e Tabela

1. Você viu que podemos ter quantas

derivações quisermos. É clássico

em prontos-socorros de Cardiologia a

solicitação de um “eletrocardiograma

de 17 derivações”. Nele estão inclusas

as derivações V7, V8 e V9, V3R e V4R

(Figuras 10, 11 e 12). O motivo da solicitação

destas derivações é aumentar

a área vista por esses olhos ou câmeras

que são as derivações.

No capítulo 5, revisaremos o que

acontece quando há troca de eletrodos

ou quando qualquer outro artefato

influencia na correta realização do

exame.

Figura 10 - Posicionamento correto das derivações em plano horizontal: V1 e V2 no quarto

espaço intercostal, sendo V1 vizinho ao esterno à direita e V2 vizinho ao esterno à esquerda.

V3 fica no meio do caminho entre V2 e V4. V4, V5 e V6 ficam no quinto espaço intercostal.

Elas devem ser dispostas de tal maneira que V6 deve estar na linha médio-axilar.

Um erro bastante comum na preparação para a obtenção de um eletrocardiograma de 12 derivações é o posicionamento de V1 e V2 no segundo espaço

intercostal. Como você reparou no texto, essas derivações do plano horizontal não são capazes de perceber se um estímulo está vindo de cima ou de

baixo, portanto, a localização deles em um espaço intercostal diferente do preconizado pode levar a uma interpretação errada.

27

ECG Completo.indb 27 26/08/2019 09:26:23


CAPÍTULO 1

Figura 11 - Na mesma altura de V6, coloca-se V7, V8 e V9, sendo que

V8 fica no plano da ponta da escápula.

Figura 12 - Para o posicionamento de V3R e V4R, deve-se imaginar

que foi colocado um espelho no esterno do paciente. No mesmo

local onde deve ficar V3 à esquerda, fica V3R à direita, idem com V4

28

ECG Completo.indb 28 26/08/2019 09:26:24


INTRODUÇÃO AO ECG

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16. Wilson FN, Johnston FD, Macleod AG, Barker PS. Electrocardiograms that represent the potential

variations of a single electrode. Am Heart J [Internet]. 1934;9(4):447–58. Available from:

<http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002870334900934>.

29

ECG Completo.indb 29 26/08/2019 09:26:24


CAPÍTULO 1

17. Goldberger E. A simple, indifferent, electrocardiographic electrode of zero potential and a technique

of obtaining augmented, unipolar, extremity leads. Am Heart J [Internet]. Elsevier; 2018

Jan 11;23(4):483–92. Available from: <http://dx.doi.org/10.1016/S0002-8703(42)90293-X>.

18. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de

Ideias; 2016.

30

ECG Completo.indb 30 26/08/2019 09:26:24


Anatomia e

eletrofisiologia cardíacas

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

2

INTRODUÇÃO

Não me leve a mal, mas para o uso

prático básico de eletrocardiograma,

isto é, detectar sobrecargas, bloqueios,

isquemia e arritmias, o conhecimento

da anatomia e da eletrofisiologia cardíaca

pode ficar em segundo plano.

Com “segundo plano”, no entanto, não

quer dizer que esse conhecimento é

desnecessário. Não. Tanto para um

interno de Medicina que irá prestar

prova de Residência, como para um

médico que quer se aprofundar no conhecimento

dessa arte, esses conceitos

precisam ser conhecidos.

Neste capítulo traremos informações

básicas sobre tudo o que é importante

para a ciência do eletrocardiograma.

Nos capítulos que sucedem

faremos considerações breves sobre

anatomia e fisiologia, mas, quando for

necessário, daremos a sugestão que o

autor retorne aqui.

Em resumo, este capítulo pode ser

“pulado”, caso você esteja procurando

por um conteúdo mais prático, mas o

autor não aconselha.

NOÇÕES DE ANATOMIA DO

SISTEMA ELÉTRICO CARDÍACO

O sistema elétrico é composto de

células musculares cardíacas especializadas

que formam nós (ou nodos) e

feixes que possuem a capacidade de

gerar o impulso (potencial de ação) e

de conduzir o mesmo com uma maior

velocidade (Figura 1).

Figura 1 - Sistema de condução cardíaco.

31

ECG Completo.indb 31 26/08/2019 09:26:24


CAPÍTULO 2

Todo o sistema elétrico cardíaco

possui a capacidade de geração do

impulso, porém cada estrutura imprime

velocidades diferentes para

executar o processo de geração de

despolarização de membrana que

detalharemos mais à frente. Desse

modo, a estrutura que mais rápido

conseguir executar todo o passo a

passo necessário para que sua membrana

tenha um salto em voltagem

interrompe o mesmo processo que

vinha ocorrendo nas demais células

elétricas que estavam ainda tentando

despolarizar-se, e estas passarão

apenas a conduzir o impulso gerado.

Por esse motivo, em condições fisiológicas,

o nó sinusal, que é localizado

no teto do átrio direito, em sua

parede posterolateral, é considerado

o maestro do coração. Este impulso

não é capturado pelos eletrocardiógrafos,

portanto, nessa fase ainda

existe um silêncio elétrico no ECG.

Dura pouco tempo, porque em questão

de 50 ms o impulso sai do nó sinusal

e começa a despolarizar a musculatura

dos átrios.

Esse potencial de ação gerado é

transmitido pelo átrio direito por células

miocárdicas atriais dispostas paralelamente

e erroneamente chamadas

de feixes internodais (espere um

pouco para compreender a razão do

erro) e também para o átrio esquerdo

através de células miocárdicas atriais

não especializadas e não insuladas,

portanto, erroneamente chamadas de

feixe de Bachmann - o melhor seria

chamar esse local de “região” de Bachmann,

por exemplo (1,2). Sua ativação

é incapaz de ser capturada pelos

eletrocardiógrafos.

Nessa fase do ciclo cardíaco, a despolarização

ocorre apenas nas células

atriais. Até aqui, falando em termos

elétricos, o que temos é a geração da

onda P (pois os átrios foram despolarizados).

Concomitante a isso, o estímulo

que desceu pelos feixes internodais

em direção a outro nó na fronteira

entre os átrios e os ventrículos que é

o nó atrioventricular, nó de Aschoff-

-Tawara (carinhosamente chamado de

nó AV). O nó AV foi caracterizado por

Sunao Tawara em 1906 (3). É uma estrutura

ovaloide com 1 x 3 x 5 mm de

área localizada dentro do triângulo

de Koch, uma região endocárdica de

interesse para arritmologia delimitada

anteriormente pelo folheto septal da

valva tricúspide, posteriormente pelo

tendão de Todaro, tendo no ápice o

corpo fibroso central e na base o óstio

do seio coronariano (4) (Figura 2).

Em situações normais, só há uma

forma de o estímulo elétrico passar

do átrio para o ventrículo: é através do

nó AV. O esqueleto fibroso cardíaco é

um complexo de tecido fibroso que

sustenta as valvas cardíacas à base do

coração e é o responsável por isolar

eletricamente as câmaras atriais das

ventriculares (5) (Figura 3). Dessa forma,

a propagação do impulso atinge

as células transicionais do nó AV (células

que não possuem características

histológicas de condução nem de contração),

onde há reduzidas junções comunicantes,

propiciando de maneira

32

ECG Completo.indb 32 26/08/2019 09:26:24


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

Figura 2 - Região do triângulo de Koch

delimitada por triângulo vermelho.

Na sua porção anterior está o folheto septal da valva tricúspide, na

porção posterior o tendão de Todaro, no ápice está o corpo fibroso central

onde se localiza o feixe de His e a base do triângulo é o óstio do seio

coronariano (4).

Figura 3 - Esqueleto fibroso cardíaco que dá

sustentação às suas valvas.

Também serve como isolante elétrico, não permitindo a passagem

do estímulo elétrico dos átrios para os ventrículos, a não ser pelo nó

atrioventricular ou algum feixe acessório que por ventura o paciente

tenha (5).

fisiológica um atraso na condução do

impulso nervoso. Esse atraso que o nó

AV imprime à condução do estímulo

elétrico é o responsável pelo silêncio

elétrico que existe entre a onda P (despolarização

dos átrios) e o complexo

QRS (despolarização dos ventrículos).

O intervalo PR (ou mais corretamente

“PQ”) é a expressão eletrocardiográfica

da baixa velocidade da

condução do impulso pelo nó AV –

atenção, existe atividade elétrica, mas

esta é imperceptível aos eletrocardiógrafos.

Aliás, se pararmos para pensar,

ainda bem que isso ocorre. Se não fosse

por essa pausa, os átrios e os ventrículos

iriam despolarizar praticamente

juntos, com todas as válvulas abertas.

Para onde o sangue iria?

O nó AV compacto mergulha no

esqueleto fibroso do coração e, na região

do corpo fibroso central, as fibras

do feixe de His nascem (esse sim um

“feixe” de fato com 5-10 mm de comprimento).

Esse feixe é importante na

prática clínica porque, marca o início

do território elétrico ventricular, mas

em eletrocardiografia é irrelevante,

porque sua atividade não consegue

ser capturada pelos galvanômetros

dos eletrocardiógrafos. Portanto, não

vemos a atividade de His no ECG.

Em eletrofisiologia invasiva, no

entanto, podemos posicionar um cateter

próximo ao feixe para capturar

sua atividade e assim definir o nível de

bloqueio atrioventricular de um paciente.

Em um bloqueio de condução

atrioventricular que não chegou a despolarizar

o feixe de His, por exemplo,

33

ECG Completo.indb 33 26/08/2019 09:26:25


CAPÍTULO 2

sabemos que o defeito está no tecido

atrial ou no nó atrioventricular. Quando

o bloqueio ocorreu depois do feixe

de His, denominado “bloqueio infra-

-hissiano”, o problema não é mais o nó

AV, e sim o tecido de condução ventricular,

denotando maior gravidade. Isto

será importante no capítulo 23.

Ao adentrar no esqueleto fibroso

rumo ao septo interventricular, o feixe

de His se divide na sua porção bifurcante

em ramo direito, mais fino e

frágil, e ramo esquerdo, que chega a

possuir 5-7 mm de diâmetro.

O ramo direito passa pela musculatura

septal na base do músculo papilar

medial do ventrículo direito e penetra

nas trabeculações ou na banda moderadora

(6). O ramo esquerdo parte

inferior e anteriormente e se divide

em fascículo anterossuperior e fascículo

póstero-inferior (7). O fascículo

anterossuperior cruzará a via de saída

do ventrículo esquerdo e terminará

na base do músculo papilar anterior.

O fascículo póstero-inferior, mais calibroso,

se curvará posteriormente para

atingir o músculo papilar posterior (8)

(Figura 4).

Tem-se questionado a natureza trifascicular

do sistema de condução. De

porções distais do fascículo póstero-

-inferior ou do anterossuperior emerge

uma intrincada rede de tecidos de

condução septal, o que resultaria na

existência de quatro fascículos – um

da direita e três da esquerda (9). Há

também quem defenda que o ramo

direito também se bifurca ou trifurca,

podendo, em teoria, um ser humano

apresentar seis fascículos no total (teoria

hexafascicular). Detalhes serão vistos

no capítulo 10.

Por fim, o impulso irá prosseguir

pelas fibras de Purkinje, continuações

desse sistema elétrico, até atingir as

células que irão contrair os ventrículos,

gerando o complexo QRS. O

trajeto nos ventrículos aumenta a

eficiência da sístole ventricular. Isso

porque o estímulo contrátil chega

primeiro às células do ápice cardíaco

e, posteriormente, ascende pelas paredes.

Dessa forma, o ápice se contrai

em direção à base do coração, onde

se encontram as artérias, que são os

destinos do sangue acumulado nas

câmaras inferiores.

Figura 4 - Anatomia esquemática do feixe

de His e de seus ramos direito e esquerdo,

além dos fascículos anterossuperior e

póstero-inferior do ramo esquerdo (8).

BM = banda moderadora; Hb = feixe de His (His bundle); MPA =

músculo papilar anterior; MPP = músculo papilar posterior; RD = ramo

direito; RE = ramo esquerdo.

34

ECG Completo.indb 34 26/08/2019 09:26:25


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

SITUAÇÕES ESPECIAIS

São de importância para eletrofisiologia

alguns detalhes sobre a condução

do estímulo elétrico: (a) na maioria

das pessoas, o nó AV possui capacidade

de condução anterógrada e retrógrada,

seguindo do átrio para o ventrículo

ou, se por desventura o ventrículo

despolarizar-se primeiro, do ventrículo

para o átrio – é o que chamamos de

condução retrógrada. Em até 35% das

pessoas, existe ainda o que chamamos

de “dupla fisiologia nodal”, em que

ocorre uma espécie de bifurcação do

tecido nodal a nível de nó AV compacto

(10); (b) outra situação digna de nota

é a presença de “atalhos” através do esqueleto

fibroso, contendo feixes acessórios

usualmente chamados feixes de

Kent (nomenclatura julgada errada por

alguns especialistas, já que Kent afirma

ter encontrado, mas não descreve

com detalhes, em seu artigo original

conexões átrio-ventriculares múltiplas

que seriam responsáveis pela condução

elétrica de conduções normais)

(11-13), capazes de condução elétrica,

que "trapaceiam" o atraso de condução

fisiológico imposto pelo nó AV. Se

o impulso elétrico chega aos ventrículos

antes do habitual atraso no nó AV,

irá haver o que chamamos de pré-excitação

ventricular, e o que três cardiologistas,

Wolff, Parkinson e White descreveram

em 1930 como a síndrome

que leva seus nomes (14): a síndrome

arritmogênica de Wolff-Parkinson-

-White, ou WPW, essas estruturas serão

descritas com detalhes no capítulo 19;

Figura 5 - Resumo das fibras que conseguem “by-passar” o esqueleto fibroso cardíaco.

Feixe de típicos: vias acessórias rápidas que produzem PR curto e onda delta e a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Feixe de Mahaim: vias acessórias

lentas histologicamente semelhantes ao nó AV que produzem mínima ou nenhuma pré-excitação. Feixe de James: Não “by-passa” o esqueleto, mas

falamos aqui por ser similar às anteriores. São fibras histologicamente semelhantes ao nó AV que conectam o átrio ao feixe de His, atuando como um

nó AV acessório. Pode ser uma das causas do achado de um intervalo PR curto sem onda delta no eletrocardiograma.

35

ECG Completo.indb 35 26/08/2019 09:26:26


CAPÍTULO 2

(c) outro tipo de atalho conhecido que

o estímulo pode tomar para ganhar os

ventrículos é uma estrutura histologicamente

semelhante ao nó AV, mas

conecta estruturas distintas. São as fibras

de Mahaim e foram originalmente

descritas por Mahaim e Benatt como

estruturas que conectavam o nó AV ao

ramo direito ou ao ventrículo (15), mas

hoje em dia sabe-se que há sete tipos

de “vias acessórias atípicas”, que serão

descritas com detalhes no capítulo 19;

(d) por fim, vamos citar uma estrutura

que não “bypassa” o esqueleto cardíaco,

mas pela sua semelhança com as

anteriores, será citada aqui. O feixe

de James, ou via acessória atípica

átrio-hissiana é uma estrutura histologicamente

semelhante ao nó AV pode

conectar o átrio com o feixe de His, funcionando

como um nó AV acessório.

Esse feixe foi responsabilizado pela Síndrome

de Lown-Ganong-Levine (intervalo

PR curto sem onda delta), mas este

termo está em desuso devido à falta de

correlação clínica e anatômica (16–18).

Também estará descrito no capítulo 19.

O resumo dessas fibras que produzem

bypass através do esqueleto cardíaco

está contido na figura 5.

NOÇÕES DO SUPRIMENTO

SANGUÍNEO DO SISTEMA

ELÉTRICO

O nó sinusal é irrigado pela artéria

do nó sinusal, um ramo da artéria coronária

direita (CD) em 53% dos casos

Figura 6 - Sequência da atividade elétrica cardíaca e sua expressão no eletrocardiograma.

1: O nó sinusal se despolariza e inicia a ativação atrial direita e esquerda: onda P. 2: O estímulo elétrico corre lentamente pelo nó AV: intervalo PR.

3: O ventrículo começa a despolarizar: complexo QRS. 4: A repolarização ventricular se completa.

36

ECG Completo.indb 36 26/08/2019 09:26:26


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

e da circunflexa nos outros 42% e de

ambas artérias em 3%. A região de Bachmann

recebe sangue de um ramo

da artéria do nó sinusal (19). O nó AV

e o feixe de His são supridos pela artéria

no nó AV, um ramo da CD em 72%

dos humanos e da Cx em 28% (20). O

ramo direito e o fascículo anterior do

ramo esquerdo são supridos pelos ramos

septais proximais da artéria descendente

anterior (DA). O fascículo

posterior do ramo esquerdo é a porção

menos vulnerável do sistema, recebendo

suprimento duplo: DA e artéria

descendente posterior (DP) (21). O

átrio é irrigado pelos ramos atriais das

artérias coronárias (22) e os ventrículos

possuem irrigação complexa que será

descrita com detalhes no capítulo 12.

Um resumo de tudo o que foi falado

até aqui pode ser encontrado na

Figura 6 e na Tabela 1.

Tabela 1 - Estruturas anatômicas de interesse em eletrofisiologia, sua irrigação sanguínea

e expressão eletrocardiográfica.

Estrutura Irrigação ECG

Nó sinusal

Artéria do nó sinusal (ramo da CD em

53%, Cx em 42% e dupla em 3%).

Despolarização é incapaz de ser

sentida pelo eletrocardiórafo -

Silêncio elétrico.

Átrio direito Ramos atriais da coronária direita. Porção inicial da onda P.

Região de Bachmann

Ramo da artéria do nó sinusal.

Silêncio elétrico não interferindo

na onda P.

Átrio esquerdo Ramos atriais da coronária esquerda. Porção final da onda P.

Nó AV

Feixe de His

Artéria do nó AV (ramo da CD em 72% e

da Cx em 28%).

Mesma irrigação do nó AV.

Despolarização é incapaz de ser sentida

pelo eletrocardiógrafo, gerando

silêncio elétrico - Intervalo PR.

Despolarização é incapaz de ser sentida

pelo eletrocardiógrafo, gerando

silêncio elétrico - Intervalo PR.

Ramo direito Ramo septal da DA. Intervalo PR.

Ramo esquerdo DA e descendente posterior. Intervalo PR.

Fibras de Purkinje Depende da parede. Complexo QRS.

Ventrículos Depende da parede. Complexo QRS.

Siglas: AV: atrioventricular; CD: coronária direita; Cx: circunflexa; DA: descendente anterior

37

ECG Completo.indb 37 26/08/2019 09:26:26


CAPÍTULO 2

INTRODUÇÃO À

ELETROFISIOLOGIA – POR QUE

O CORAÇÃO BATE? COMO

O ESTÍMULO ELÉTRICO É

CONDUZIDO?

Calma, este tópico não morde.

Vamos apenas entender como o estímulo

elétrico é formado e conduzido

célula a célula, fibra a fibra. O processo

de geração do impulso elétrico é

realizado, na maior parte das vezes,

pelo nó sinusal, mas pode ocorrer

em outras células com capacidade

automática, a saber: nó AV, feixe de

His, fibras de Purkinje. A nível celular,

ocorrem mudanças nas concentrações

iônicas que resultam na despolarização

da membrana celular das

suas células que estavam polarizadas

e essa perturbação iônica é propagada

para as células adjacentes musculares,

provocando a contração destas,

e para o restante do sistema elétrico

que irá transmitir esse estímulo para

as demais regiões cardíacas.

O potencial de ação das células automáticas

é diferente do potencial de

ação das células musculares. Vamos

observar em detalhes estas diferenças.

POTENCIAL DE AÇÃO DAS

CÉLULAS AUTOMÁTICAS

A membrana de uma célula do nó

sinusal possui canais de sódio, potássio

e cálcio. Inicialmente, essas células

se encontram com uma carga negativa

em relação a concentração extracelular,

ou seja, polarizada (- 60 mV), com

uma maior concentração de potássio

no seu interior e uma maior concentração

de sódio e cálcio externamente.

A situação polarizada do nó sinusal se

mantém devido à presença de um canal

de potássio com corrente praticamente

constante (I K

).

A automaticidade das células do

nó sinusal se deve a dois canais: (1)

os canais lentos de sódio que permitem

uma entrada constante de sódio

independente do potencial de ação.

A corrente gerada por esse canal é

denominada I F

, porque os nerds que a

descobriram acharam “funny” que um

canal de sódio pudesse ser lento (23);

(2) os canais tipo T de cálcio (I CaT

) que

fazem entrar cálcio, também carga

positiva para dentro da célula. Esses

dois canais vão aos poucos deixando

menos negativo o potencial da membrana.

Até que a carga de – 40 mV é

atingida. Quando o potencial alcança

esse valor, os canais de cálcio dependentes

de voltagem (I CaL

) se abrem,

permitindo assim um grande influxo

de cálcio que eleva o potencial para

valores positivos em torno de + 10

mV, ou seja, leva à despolarização da

membrana (10,24) (o leitor atento perceberá

que o potencial de ação passou

de polarizado negativo para polarizado

positivo, mas, por convenção, chamamos

essa transformação em carga

positiva de “despolarização”). Despolarização

em eletrofisiologia significa:

positivei o potencial, fiz nascer o

estímulo. Pronto. Agora você já sabe

por que o coração tem o potencial de

“bater” sozinho (25).

38

ECG Completo.indb 38 26/08/2019 09:26:26


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

Mas a vida continua e ao se obter

um potencial positivo, abrem-se os canais

de potássio (I K

), que promovem a

repolarização da membrana. Repolarização

em eletrofisiologia significa: voltei

o potencial para negativo, repolarizei

a célula para iniciar de novo

o processo.

Você encontrará esses passos que

revisamos como “fases” em livros texto.

A fase 4 é a fase de repouso, em que

a célula está polarizada e as correntes

I F

e I CaT

estão pronunciadas. A fase 0 é

a fase de despolarização lenta comandada

pela abertura dos canais de cálcio

da corrente I CaL

. A fase 3 é a fase em

que há abertura dos canais de potássio

que repolarizam a célula. Veja o resumo

desses passos na Figura 7.

POTENCIAL DE AÇÃO DAS

CÉLULAS CONTRÁTEIS

O potencial de membrana de repouso

das células musculares cardíacas

é aproximadamente – 90 mV (ou

seja, a célula muscular tem um potencial

mais negativo que as células automáticas).

Ao ocorrer influxo de íons

provenientes das células que já se despolarizaram

antes através das junções

comunicantes, este potencial irá ser levemente

positivado, o suficiente para

abrir os canais rápidos de sódio (I Na

)

e desencadear um grande influxo de

sódio positivando o potencial de ação

para + 47 mV. Consequentemente, os

canais rápidos de sódio despolarizam

a membrana.

Figura 7 - Potencial de ação da célula automática, particularmente a do nó sinusal.

A fase 4 é a fase de repouso, em que a célula está polarizada e as correntes IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é a fase de despolarização lenta

comandada pela abertura dos canais de cálcio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em que há abertura dos canais de potássio que repolarizam a célula.

39

ECG Completo.indb 39 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

Essa despolarização irá resultar

na abertura dos canais antagônicos

responsáveis pela fase de repolarização:

potássio que repolariza a célula

e cálcio que segue deixando-a

despolarizada. Entenda: as correntes

potássio (I to

, I Kr

e I Ks

) servem para

que saiam cargas positivas e a célula

seja repolarizada. Já a corrente lenta

de cálcio (I CaL

), por onde entram

cargas positivas, seguem positivando

o potencial da célula. Devido à

abertura mais gradual dos canais de

cálcio, sua ação é atrasada em relação

aos canais de potássio. Logo, a

saída de potássio inicia a repolarização

da célula (fase 1), contudo, devido

a entrada lenta de cálcio, irá se

formar um breve equilíbrio na movimentação

das cargas. Esse antagonismo

representa a fase de platô do

potencial de ação.

Vou repetir pra que fique bem entendido:

a fase de platô é a fase 2 do

potencial de ação. Nela acontece algo

curioso: duas correntes brigam entre

si. Canais de potássio tentam repolarizar

a célula e canais de cálcio tentam

deixa-la polarizada.

Essa entrada de cálcio também dispara

a liberação do cálcio armazenado

no retículo sarcoplasmático. Dessa forma,

uma grande quantidade de cálcio

se concentra no meio intracelular e irá

participar do processo de contração

muscular.

Entretanto, não demora para os canais

de cálcio se fecharem novamente,

pois, com a leve queda do potencial

durante o platô, a voltagem deixa de

ser suficiente para mantê-los abertos.

Consequentemente, a repolarização

ocorre, afinal apenas o potássio (carga

positiva) está saindo da célula. E assim

permanece por toda a fase de repouso

com a célula polarizada devido à ação

do canal retificador I K1

. O resumo destes

passos você encontrará na Figura 8.

Figura 8 - Potencial de ação e correntes

iônicas por canais.

Na fase 4, a célula se mantém polarizada pela ação do canal retificador

IK1. Quando há uma perturbação iônica na membrana devido à entrada

de íons provenientes de células vizinhas já despolarizadas através de

junções comunicantes, o canal rápido de sódio se abre (INa) e despolariza

a membrana, levando seu potencial de -90 mV para + 20 mV, sendo

responsável pela fase 0. Na fase 1, a ação da corrente Ito faz com que

potássio seja expulso da célula, que perde um pouco da sua positividade.

A fase 2 é a de platô. A ação dos canais de potássio (IKr e IKs) em tirar

carga positiva da célula se opõe à ação dos canais lentos de cálcio (ICaL)

que tentam colocar carga positiva. Na fase 3, com o fechamento do canal

de cálcio, o potássio reina absoluto, repolarizando a célula (27).

E aí, com todo esse cálcio no interior

da célula, o que acontece? Ele se

liga à troponina C, que por sua vez

40

ECG Completo.indb 40 26/08/2019 09:26:27


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

irá se ligar à tropomiosina e facilitar o

acoplamento das moléculas de actina

e miosina, levando à contração da célula.

Concomitantemente a isso, uma

parte dos íons sódio e cálcio já foram

para as células adjacentes através

das conexinas e estarão se contraindo

logo em seguida. Desse modo, as

milhões de células miocárdicas ventriculares

despolarizam-se quase que

instantaneamente (25). Nomeie um

órgão mais bonito que esse e falhe miseravelmente.

Na tabela 2, você encontrará um

resumo dos potenciais de ação da célula

automática. Na tabela 3, você encontrará

um resumo dos potenciais de

ação da célula contrátil.

Tabela 2 - Resumo do potencial de ação de células automáticas.

Fase Correntes Efeito

4 - Repouso IF e ICaT

0 - Despolarização ICaL

3 - Repolarização IK

Fazem entrar cargas positivas e

elevam lentamente o potencial

de membrana de – 60 mV até

próximo de – 40 mV.

Fazem entrar cargas positivas e

elevam pouco rapidamente o

potencial de ação de – 40 mV até

+ 5 mV.

Fazem sair cargas positivas e

trazem o potencial de membrana

para negatividade de repouso

(-60 mV).

41

ECG Completo.indb 41 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

Tabela 3 - Resumo do potencial de ação das células contráteis.

Fase Correntes Efeito

4 - Repouso IK1

0 - Despolarização INa

Transporta potássio para dentro

da célula Célula permanece nesse

potencial até que perturbações

externas a fazem passar para

próxima fase.

Entra carga positiva na célula e

seu potencial passa muito rapidamente

de – 90 mV para + 20 mV.

1 – Repolarização inicial Ito

Canal de potássio age praticamente

sozinho por um curto

período tirando carga positiva e

repolarizando parte da célula.

2 - Platô ICaL x IKr e IKs

3 - Repolarização IKr e IKs

A corrente de cálcio faz entrar

carga positiva e a corrente de

potássio faz sair carga positiva,

permanecendo constante por um

breve período.

Agora que o canal de cálcio fechou,

a célula retorna à sua carga

de repouso.

42

ECG Completo.indb 42 26/08/2019 09:26:27


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

RESUMO SOBRE AS CORRENTES

IÔNICAS

Falamos do potencial de ação, mas

não falamos das características elétricas

de cada corrente.

I Na

Despolarizante. Miócitos atriais e

ventriculares e células de Purkinje são

densamente populadas por esses canais.

Eles abrem muito rapidamente

(< 1 ms), por isso chamamos de “canais

rápidos de sódio” acima. Pouco

presentes nas células dos nós sinusal e

atrioventricular.

A função inadequada desses canais

pode levar à Síndrome de Brugada, ao

QT longo congênito tipo 3, e à síndrome

de Lev-Lenegre.

I F

Despolarizante. A corrente funny

é ativada por hiperpolarização da

membrana. É amplamente responsiva

à ação do sistema nervoso autônomo

e está presente no nó sinusal, nó AV e

células de Purkinje.

I to

Repolarizante. É a chamada corrente

transiente “outward” de potássio.

Sua importância clínica se deve ao fato

de que essa corrente é expressa em

magnitudes diferentes pelo miocárdio

ventricular: é robusta no epicárdio e

modesta no endocárdio, levando a um

gradiente transmural de potencial de

membrana que pode gerar a onda J de

Osborn ou a repolarização precoce no

eletrocardiograma.

I CaL

Despolarizante. É a corrente lenta

de cálcio. Estão presentes em todas as

células do coração. É desativado por

despolarização da membrana, mas

desativa bem mais lentamente que

a corrente rápida de sódio. Tem ação

crucial no potencial de ação de células

automáticas.

I CaT

Despolarizante. A corrente tipo T

de cálcio é expressa no miócito atrial

e nas células nodais e condutoras. Tem

ação importante na saída da fase de

repouso da célula automática.

I Kur

Repolarizante. É uma corrente ultrarrápida.

Presente nas células atriais,

por isso elas possuem um potencial de

ação mais curto que o ventricular.

I Ks

e I Kr

Repolarizantes. Importantes na

fase 3 do potencial de ação de células

automáticas e contráteis. O I Ks

(“s” de

“slow”), por sofrer uma desativação

mais lenta, permanece aberto de um

batimento cardíaco para outro em frequências

muito rápidas. Isso faz com

que a próxima repolarização seja mais

43

ECG Completo.indb 43 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

rápida, afinal já tem canal aberto. Esta

é a razão pela qual nosso intervalo QT

(ou seja, nossa repolarização) encurta

a frequências elevadas.

Defeitos genéticos na transcrição

do I Ks

com perda de função levam à

Síndrome do QT longo congênito tipo

1 e defeitos na transcrição do I Kr

com

perda de função levam ao QT longo

congênito tipo 2 (26).

O ganho de função do I Kr

e I Ks

e também

do I K1

leva ao QT curto congênito.

I K1

Corrente retificadora voltagem dependente

que serve para deixar o potencial

de membrana próximo de – 90 mV.

A potenciais mais negativos que isso, ela

deixa potássio entrar na célula para manter

o potencial próximo de – 90 mV.

I Kach

Corrente ligada à proteína G inibidora

e expressa nas células automáticas

e Purkinje. A proteína G inibidora

é ativada tanto pela ação dos

canais muscarínicos pela ação do sistema

nervoso autônomo parassimpático

como pela ação do receptor

de adenosina (A1). Sua ativação ativa

a saída de potássio e hiperpolariza a

célula, deixando-a mais difícil se ativar

(27).

A adenosina age nas arritmias por

reentrada nodal justamente desta

maneira: a ação no canal A1 ativa a

proteína G inibitória que ativa a corrente

I Kach

, o que leva a uma hiperpolarização

da célula, deixando-a mais

difícil de despolarizar, quebrando a

arritmia (28).

44

ECG Completo.indb 44 26/08/2019 09:26:27


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

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ECG Completo.indb 45 26/08/2019 09:26:27


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46

ECG Completo.indb 46 26/08/2019 09:26:27


O eletrocardiógrafo e os

sistemas de derivações

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

3

INTRODUÇÃO

O eletrocardiograma é uma ferramenta

indispensável na Medicina.

Sua análise é complexa e muitos detalhes

podem passar despercebidos

por olhos menos treinados. Como

qualquer exame da prática clínica, o

profissional que irá fazer a sua análise

precisa estar ciente do funcionamento

correto do aparelho para detectar possíveis

artefatos.

Neste capítulo, revisaremos o correto

funcionamento do eletrocardiógrafo,

desde sua configuração até o posicionamento

adequado dos eletrodos.

Se você não dormir até o fim do capítulo,

ainda vamos apresentar maneiras

diferentes de posicionar os eletrodos

pra tentar enxergar coisas diferentes

no ECG. Foco, força e fé.

CONFIGURAÇÃO DO

ELETROCARDIÓGRAFO –

VELOCIDADE E GANHO

O eletrocardiógrafo é um aparelho

designado para gravar a atividade

elétrica cardíaca através de cabos

para placas de metal em cada derivação.

Consiste em um amplificador

que magnifica sinais elétricos e em um

galvanômetro que move uma agulha

de acordo com a magnitude do potencial

elétrico do paciente e também de

acordo com a direção dessa corrente:

positiva se o eletrodo está face a

face com o vetor e negativa se o vetor

está indo em direção contrária

ao eletrodo. Esse é um dos conceitos

mais fundamentais da eletrocardiografia.

De acordo com as convenções feitas

pelo inventor do galvanômetro de

corda, Einthoven, a inscrição do traçado

eletrocardiográfico deverá ser calibrada

no exame padrão da seguinte

maneira: a cada 0,1 mV de diferença

de potencial registrada pelo galvanômetro,

1 quadradinho (ou 1 milímetro)

será inscrito (Figura 1) – quando essa

configuração está selecionada, o aparelho

trará a letra “N” maiúscula ou a

inscrição da Figura 2. Com relação ao

tempo, o papel corre pelo aparelho a

uma velocidade de 25 mm/s. Essa é

a configuração padrão de um ECG.

Precisa ser aprendida, tá ok?

Às vezes, por razão de melhor leitura

do traçado, ou pesquisa de algo

específico, podemos solicitar para que

se aumente ou diminua o “ganho” do

47

ECG Completo.indb 47 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 3

traçado. Por exemplo: se você está em

dúvida sobre uma linha reta no monitor,

você pode configurar o aparelho

para dobrar o ganho para você, isto é,

se antes cada 0,1 mV significava 1 mm,

agora significa 2 mm e talvez isso desmascare

uma fibrilação ventricular –

quem trabalha em emergência ou unidade

de terapia intensiva sabe do que

estou falando. Resumindo, uma onda

pequena pode ser vista com mais nitidez.

Da mesma forma, se um traçado

de um paciente hipertrófico, por

exemplo, está muito confuso porque

Figura 1 - Diagrama no papel de ECG demonstrando configuração.

Falando sobre voltagem ou amplitude, na configuração N, cada 10 mm corresponderá a 1 mV/mm, ou seja, 0,01 mV/mm. Falando sobre o tempo,

na velocidade habitual de 25 mm/s, cada 5 quadradinhos (ou 1 quadradão) corresponderão a 200 ms, e 1 quadradinho a 40 ms.

Figura 2 - No painel A, temos uma coluna com 10 mm, o que significa que cada 1 mV será

inscrito em 10 mm, esta é a configuração “N” padronizada por Einthoven. No painel B,

temos uma coluna com 5 mm, ou seja, a cada 1 mV serão inscritos apenas 5 mm, portanto,

N/2. No painel C, a cada 1 mV serão inscritos 20 mm, ou seja, 2N.

48

ECG Completo.indb 48 26/08/2019 09:26:27


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

tem ondas muito amplas e elas se encontram

com as outras derivações de

modo que você não consegue ver seus

limites, o examinador pode solicitar

para reduzir o ganho pela metade ou a

um quarto. Assim, cada 0,1 mV vai desenhar

apenas 0,5 mm ou 0,25 mm – o

eletrocardiograma vai ficar mais limpo.

Aumentar o ganho de um ECG é

transformá-lo de “N” para “2N”. E reduzir

é deixá-lo em “N/2” ou “N/4” (Figura 2).

Atenção: muitas avaliações dependem

da amplitude de ondas ou segmentos.

Um exemplo clássico é a medição do

supradesnivelamento do segmento ST

para infarto agudo do miocárdio, como

veremos no capítulo 12. Considere que

determinado paciente tenha em D2

e D3 um supradesnivelamento de 1,5

mm quando o aparelho está configurado

em “N” – o que lhe dá o diagnóstico

de infarto. Mas imagine que no plantão

anterior, alguém apertou “sem querer”

o botão do ganho e o reduziu para N/2.

Esse paciente terá um supradesnivelamento

de 0,75 mm (metade) e o médico

do dia errará em dizer que o paciente

não tem infarto agudo. Erros em ECG

podem custar vidas. Uma dica prática é

multiplicar as amplitudes por 2 em um

ECG N/2, por 4 em um N/4, dividir por 2

em um 2N, e assim por diante.

Outra modificação passível de ser

realizada é aumentar a velocidade do

traçado e isso pode ser a chave para

encontrar ondas escondidas em ritmos

muito acelerados. Como assim?

Se uma determinada atividade elétrica,

por exemplo, uma onda P, possui

80 ms de duração, significa que a 25

mm/s ela ocuparia 2 quadradinhos ou

2 mm no papel do ECG. Agora, como

estou gravando a 50 mm/s, os mesmos

80 ms serão gravados em 4 quadradinhos,

pois o papel vai passar com o dobro

da velocidade por algo que manteve

a sua duração constante (1).

CONFIGURAÇÃO DO

ELETROCARDIÓGRAFO –

FILTROS

A configuração de filtros é uma ferramenta

frequentemente negligenciada

até mesmo por especialistas. Muitos

artefatos podem interferir na gravação

de um exame, a saber: contração muscular,

respiração, linha elétrica, campos

magnéticos, marca-passos, pulsos

arteriais, movimento, má adesão do

eletrodo com a pele.

Por essa razão, os aparelhos modernos

de eletrocardiograma passaram

a filtrar sinais que não interessam

ao exame. Para isso, estudaram qual a

frequência (em Hz) das ondas estudadas

de interesse em eletrocardiografia.

Veja na tabela 1. Agora resta configurar

o aparelho para excluir do traçado

as frequências dos artefatos, deixando

visíveis apenas a faixa que contém

componentes normais do ECG. O leitor

atento à tabela 1 perceberá que isso

nem sempre é possível. Um exemplo é

o artefato muscular que possui a mesma

frequência de oscilações dos componentes

do ECG. Sorte que resolver

isso é fácil: é só pedir para o paciente

não se mexer durante a aquisição do

exame.

49

ECG Completo.indb 49 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 3

Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos.

Componentes do ECG

Batimentos cardíacos

Onda P

QRS

Onda T

Potenciais de alta frequência

Artefatos

Contração muscular

Respiração

Rede elétrica

Campos magnéticos

Frequência

0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)

0,67 Hz – 5Hz

10 – 50 Hz

1 – 7 Hz

100 – 500 Hz

Frequência

5 – 50 Hz

0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)

Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)

> 10 Hz

Como sabemos da sua dificuldade em física, trouxemos a fórmula de transformação de Hz em oscilações por minuto: é só multiplicar por 60. Pode usar

uma calculadora se quiser.

Para excluir sinais com oscilações

lentas, ou seja, de baixa frequência,

como a oscilação de baseline, que é

quando o traçado fica subindo e descendo

pelo papel, introduzimos o

“high-pass filter”, ou “filtro de passa-alta”.

O problema relacionado a esse filtro

é que se excluirmos oscilações menores

que 0,67 Hz, podemos não ver

frequências cardíacas menores que 40

bpm, então foi decidido por excluir oscilações

menores que 0,5 Hz e o resultado

não foi animador: com essa frequência

existe considerável distorção

no ECG, principalmente em áreas em

que a amplitude de frequência muda

abruptamente, como no segmento ST

(figura 3). A primeira recomendação

da American Heart Association (AHA)

em 1975 a respeito do tema sugeriu

configurar os aparelhos para excluir

frequências menores que 0,05 Hz, frequência

que não distorcia o ECG, mas

não protegia contra oscilação de baseline.

Por sorte, os novos filtros digitais

conseguem corrigir essa distorção e

hoje podemos usar o limite de até 0,67

Hz sem prejuízos (2). Acorda aí. Vou resumir

o parágrafo pra você: em aparelhos

modernos, podemos configurar o

filtro de passas-altas em 0,05-0,67 Hz.

Para excluir sinais de alta frequência,

como rede elétrica, o mais sensato

seria estabelecer um filtro que excluísse

sinais com frequência maior que 50

Hz (frequência máxima do complexo

QRS) e para esse fim foi criado o “filtro

de passa-baixa”. O problema, no en-

50

ECG Completo.indb 50 26/08/2019 09:26:27


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

Figura 3 - Mudança de configuração do segmento ST de um batimento cardíaco em V1 sem filtro

(azul) e filtrado em passas-altas (vermelho) – perceba a importante distorção do segmento

ST em vermelho e os potenciais erros diagnósticos que podem acontecer secundários a isso.

tanto, é que isso reduz sobremaneira

a capacidade diagnóstica do exame,

pois ondas de alta frequência (100 –

500 Hz) podem aparecer em algumas

patologias, como a onda épsilon em

displasia arritmogênica do ventrículo

direito (3). Por isso, a recomendação é

que se configure um filtro de 150 Hz para

adultos (2) e 250 Hz para crianças (4).

O leitor atento deve perceber que

se um filtro que exclua frequências

maiores que 150 Hz for configurado, a

linha de rede elétrica, que possui 60 Hz

na maior parte do Brasil, não será excluída

da gravação. Para rejeitar esses

sinais, um filtro específico é configurado:

o line frequency filter (LFF), também

chamado “notch filter”, basicamente

um filtro que exclui frequências de 59

– 61 Hz. O problema desse filtro é a geração

de “artefatos de anel” que ocorrem

após complexos QRS e ocorre devido

à mudança abrupta no espectro

do domínio da frequência (Figura 4).

Figura 4 - “Artefato de anel” ausente em A e

presente em B devido à configuração de um

“notch filter” (29).

51

ECG Completo.indb 51 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

O último filtro digno de nota é o do

eletrodo da perna direita ou common

mode rejection que serve para

cancelar os artefatos de rede elétrica

que vêm do próprio paciente, que nesse

caso está servindo como antena. O

aparelho faz isso automaticamente coletando

sinais na faixa de frequência

de rede elétrica provenientes dos demais

membros e enviando ao aparelho

um sinal exatamente oposto a este

(5). É para isso que serve o eletrodo da

perna direita. Por essa razão, chamaremos

o eletrodo da perna direita de

“eletrodo terra” quando for oportuno.

CONFIGURAÇÃO DO

ELETROCARDIÓGRAFO –

POSICIONAMENTO DOS

ELETRODOS NO PACIENTE

O correto posicionamento dos eletrodos

no corpo do paciente em um

ECG padrão já foi visto no capítulo 1.

Revisamos de forma prática suas localizações

na tabela 2. Falando especifi-

Tabela 2 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.

Eletrodo

Eletrodo amarelo

Eletrodo verde

Eletrodo vermelho

Eletrodo preto

V1

V2

V3

V4

V5

V6

V7

V8

V9

V3R

V4R

Local

Punho esquerdo

Tornozelo esquerdo

Punho direito

Tornozelo direito

4º EIC. Para-esternal à direita

4º EIC. Para-esternal à esquerda

Entre V2 e V4

5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda

Entre V4 e V6

5º EIC, Linha axilar média

Entre V6 e V8

Inferior à ponta da escápula

Medial a V8

Entre V1 e V4R

5º EIC. Linha médio-clavicular direita

52

ECG Completo.indb 52 26/08/2019 09:26:28


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

camente sobre o posicionamento dos

eletrodos de membros, eles precisam

estar distais aos ombros e ao quadril,

não necessariamente nos pulsos e

tornozelos. Existe, no entanto, descrição

de modificações em amplitudes e

durações de ondas de ECG quando o

eletrodo do braço esquerdo tem sua

posição modificada (6). Devido a isso,

a recomendação do autor é posicioná-

-las a nível de pulsos e tornozelos, evitando

colocá-las diretamente sobre as

artérias radial e tibial anterior, pelo risco

do artefato de pulsação arterial que

será visto com detalhes no capítulo 5.

A preparação da pele também é

crucial para a realização de um exame

sem artefatos e deve ser perseguida

em todas as situações da prática clínica.

A pele é um pobre condutor de

eletricidade e pode criar artefatos importantes,

pois não podem ser filtradas

pelo aparelho e sua amplitude é,

muitas vezes, muito maior que a do

traçado do paciente. A preparação da

pele deve ser feita da seguinte maneira:

(1) tricotomia da região onde os eletrodos

serão fixados; (2) limpe a região

com água e sabão ou álcool; (3) seque

a área vigorosamente com papel toalha

ou gaze, realizando abrasão do local

até que a pele fique cor de rosa. Esses

passos são suficientes para reduzir

a impedância desse sistema pele-eletrodo

(7,8).

Existem, na prática, outros tipos de

posicionamento de eletrocardiograma

de acordo com a indicação clínica. Nos

próximos parágrafos, você vai encontrar

detalhes sobre os mais importantes:

Sistema Mason-Likar

Em 1966, Mason e Likar sugeriram

transferir os eletrodos dos membros

para o tórax em testes ergométricos,

assunto que será discutido no capítulo

26. A mudança foi proposta para

reduzir os artefatos causados pelos

movimentos dos membros dos pacientes

enquanto eram submetidos ao

exame. No artigo original, não houve

diferenças importantes em amplitudes

quando se movia o eletrodo do braço

direito (RA) para a fossa infraclavicular

direita medial à borda do músculo

deltoide, dois centímetros abaixo da

borda inferior da clavícula, o eletrodo

do braço esquerdo (LA) em posição similar

à esquerda, e o eletrodo da perna

esquerda (LL) na linha axilar anterior,

no ponto médio entre o rebordo costal

e a crista ilíaca. O eletrodo da perna

direita foi ilustrado como posicionado

no membro no trabalho original de

Mason e Likar, mas por conveniência, o

posicionamento em região análoga à

da perna esquerda foi adotado (9) (Figura

5). A adaptação, no entanto, não

é isenta de falhas e críticas. O sistema

Mason-Likar de eletrodos causa um

desvio de eixo do vetor cardíaco para

a direita, reduz a amplitude das ondas

R em D1 e aVL e aumenta a amplitude

da onda R em D2, D3 e aVF. Ainda mais

importante: é possível que esse desvio

de eletrodos faça com que os eletrodos

“inferiores” vejam a parede anterior do

coração, uma possível explicação para

velhos dogmas da eletrocardiografia

de esforço: (a) o infradesnivelamento

53

ECG Completo.indb 53 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

no teste não determina parede com

isquemia; (b) a parede inferior sofre de

altos índices de falso-negativo (10).

Figura 5 - Posicionamento de eletrodos pelo

sistema Mason-Likar a ser usado em testes

ergométricos.

ST, por isso sua importância em testes

ergométricos. Existem outras posições

em que esse eletrodo pode ser fixado,

por exemplo, na fronte do paciente

(Figura 6).

Figura 6 - Posições de eletrodos para aquisição

de derivações bipolares extras.

O braço direito (RA) é posicionado na fossa infraclavicular, 2 cm abaixo da

borda inferior da clavícula, medial à borda do músculo deltoide. O braço

esquerdo (LA) é posicionado em região análoga à esquerda. A perna esquerda

(LL) é posicionada na linha axilar anterior, ponto médio entre o rebordo costal

e a crista ilíaca (9).

No eletrocardiograma de exercício,

acrescenta-se outro eletrodo no manúbrio

esternal do paciente que será

usado como polo negativo para o eletrodo

V5. Perceba: V5 seguirá sendo

usado como dipolo do terminal central

de Wilson, mas também servirá

de polo para o eletrodo do manúbrio

esternal. Desse modo, tem-se a derivação

CM5, que é uma das mais sensíveis

para detectar alterações de segmento

H: fronte do paciente. Usada da Suécia em eletrocardiogramas durante

exercício em bicicleta ergométrica. S: fossa infraclavicular. M: manúbrio

esternal, de longe a mais utilizada. Tem uma sensibilidade importante em

detectar alterações de segmento ST, por isso seu uso em larga escala em

testes ergométricos. B: inferior à escápula. R: braço direito. C: em posição

análoga ao V5, mas do lado direito. Importante conhecer: manúbrio esternal.

Hospitalar

Para fins de monitoramento

hospitalar, o uso do sistema Mason-

Likar já discutido no tópico anterior

é também amplamente utilizado,

apenas com os eletrodos dos

membros. O acréscimo de um eletrodo

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ECG Completo.indb 54 26/08/2019 09:26:28


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

simulando V2 para-esternal à esquerda

pode ajudar em situações de análise

de ritmo.

Outro sistema bastante usado é

chamado de “Modified Chest Lead” ou

“Mariott’s Chest Lead”, onde o posicionamento

de três eletrodos originalmente

descrito obedecia à seguinte

ordem: eletrodo do braço esquerdo no

local de V1, eletrodo do braço direito

locado infraclavicular à esquerda e eletrodo

terra em qualquer local (11).

Figura 7 - Planos vetorcardiográficos frontal,

horizontal e sagital e eixos x, y e z.

Derivações ortogonais e o vetorcardiograma

x: latero-lateral; y: supero-inferior; z: póstero-anterior. PF: plano frontal, PH:

plano horizontal, PS: plano sagital.

O leitor até aqui já deve ter percebido

que a atividade elétrica cardíaca

pode ser traduzida pela soma das diferenças

de potencial das células cardíacas.

Uma diferença de potencial

resultante pode ser traduzida matematicamente

como um vetor resultante.

Cientistas perceberam que o vetor

cardíaco resultante poderia ser avaliado

através da construção de sistemas

ortogonais, que são nada mais do que

sistemas que representam três derivações:

x, y e z. Por convenção, x detecta

as forças laterais (similar à derivação

D1 do ECG convencional); y detecta

forças superiores ou inferiores e, assim

como aVF, tem deflexão positiva caso

um vetor aponte para o pé do paciente;

e z, um eletrodo que detecta correntes

anteroposteriores, similar ao V2

do ECG (Figura 7).

Nas décadas de 40 e 50, investigadores

projetaram sistemas de medição

do vetor resultante cardíaco nestas

três derivações/eixos. No entanto,

entre 1945-1955, um conhecimento

maior sobre a geometria cardíaca e

a relação do vetor resultante com os

diferentes posicionamentos de eletrodos

demonstrou que essas os sistemas

criados até então, Duchosal, tetaedro

de Wilson e cubo de Grishman, não

eram tão ortogonais assim. Não vamos

nos ater a esses sistemas, pois estão

em desuso na prática clínica.

A importância do parágrafo anterior

é que foi a partir disso que surgiram

as “derivações ortogonais corrigidas”.

Frank, em 1956, publicou o

primeiro sistema realmente ortogonal

(12), pelo menos nos modelos de torso

em tanques (13) (Figura 8).

O sistema de Frank, ortogonal corrigido,

possui cinco eletrodos (A, C, E, I

e M). A e I são posicionados nas linhas

55

ECG Completo.indb 55 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

Figura 8 - Modelos de torsos estudados por

Frank e que foram a base para a correção dos

sistemas ortogonais (13).

axilares médias esquerda e direita, respectivamente.

E e M no esterno e coluna.

C deve ficar 45º distante de A e E, em

uma posição similar ao ápice cardíaco.

Todas essas derivações estarão dispostas

no 4º ou 5º espaço intercostal. Existe

mais um eletrodo: o H, que geralmente

é posicionado na porção posterior do

pescoço, mas sua localização não é particularmente

importante (Figura 9).

SISTEMAS DE ECG

“TRANSFORMADOS”

Na década de 70, a fim de reduzir

o tempo de realização de um exame

e os custos com eletrodos, Dower introduziram

o sistema de “derivações

transformadas” (14) – soa estranho em

português, mas significa que com o registro

de apenas três derivações (X, Y e

Z), serão calculadas matematicamente

as derivações clássicas do eletrocardiograma.

O progresso da técnica foi

reportado pelo autor 11 anos mais tarde

trazendo um resultado no mínimo

conflitante: o ECG derivado seria melhor

correlacionado com os achados

clínicos que o ECG de 12 derivações

(15), resultado que foi duramente criticado.

Anos mais tarde, diferenças

em coeficientes de transferências foram

percebidas e apresentadas no 14º

Congresso Internacional de Eletrocardiografia

(16).

Figura 9 - Posicionamento de eletrodos do sistema de Frank.

56

ECG Completo.indb 56 26/08/2019 09:26:29


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

O contrário também é possível.

Com todos os eletrodos posicionados

no tórax de um paciente, uma transformação

inversa de Dower (6) (IDT,

sua sigla em inglês) ou transformação

de Kors (17), um aparelho de eletrocardiograma

pode capturar um eletrocardiograma

de 12 derivações e um vectorcardiograma

ao mesmo tempo.

O uso dessas transformações pode

ser muito importante clinicamente

caso seja estudado em cenários clínicos

e validado em pacientes de diferentes

formatos físicos. Por enquanto,

os seus idealizadores defendem os

métodos de transformação por trazer

mais informações sem o gasto de eletrodos

adicionais, e pela possibilidade

de retorno do estudo vetorcardiográfico

ao arsenal de exames complementares

do cardiologista (11).

Outro sistema de ECG “transformado”

é o EASI, também proposto por Dower,

que consiste no uso de 4 eletrodos.

São posicionados nas posições A, E e I

de Frank, adicionando um eletrodo S

no topo do esterno (18) (Figura 10).

HOLTER E OUTRAS FORMAS DE

ECG AMBULATORIAL

Desenvolvido por Norman Jeff Holter

com sua primeira publicação em

1949, o eletrocardiograma ambulatorial,

hoje conhecido pelo nome do seu

inventor, pesava 38 kg (Figura 11). Os

aparelhos atuais são leves e discretos

e realizam monitorização contínua de

ECG, com características distintas a

depender do modelo escolhido pelo

clínico: detecção automática de arritmias,

análise do ST e do QT, variabilidade

de onda T, etc.

Figura 11 - Eletrocardiograma ambulatorial

elaborado por Norman Jeff Holter em 1947,

com trabalho publicado em 1949.

Figura 10 - Posicionamento de eletrodos no

sistema EASI.

O Holter (escreve-se com letra

inicial maiúscula) mais conhecido da

comunidade médica é o gravador

de ECG ambulatorial de 24-48 h, mas

pode chegar a capacidades de grava-

57

ECG Completo.indb 57 26/08/2019 09:26:30


CAPÍTULO 3

Tabela 3 - Rendimento diagnóstico dos diferentes tipos de ECG ambulatorial.

Duração da

gravação

Tipo de gravador

Palpitações (%) Síncope (%)

AVC

criptogênico

24 – 48 horas Holter 10-15 1-5 1-5

3-7 dias Holter patch 50-70 5-10 5-10(?)

1-4 semanas Loop externo 70-80 15-25 10-15

Até 36 meses Loop implantável 80-90 30-50 15-20

AVC: acidente vascular cerebral (20).

ção de 30 dias. Ele pesa entre 200-300

g e pode possuir cabos e eletrodos

ou apenas um patch adesivo na pele

(19). Os sistemas de eletrodos variam

de acordo com as diferentes marcas,

mas geralmente se limitam a dois ou

três canais bipolares independentes,

10 eletrodos para a gravação de 12 derivações

ou o sistema EASI. Com o posicionamento

de eletrodos bipolares

nos locais corretos, um clínico pode

inferir, a partir da gravação do Holter,

que o paciente tem um bloqueio de

ramo direito ou esquerdo. Isso é possível

caso haja a montagem de uma

derivação “tipo V1” que consiste no posicionamento

de um eletrodo positivo

no quarto espaço intercostal direito a

2,5 cm do esterno e um eletrodo negativo

no terço lateral da fossa infraclavicular.

Se isso não for respeitado,

é impossível inferir se há bloqueio de

ramo direito ou esquerdo ou apenas

bloqueio intraventricular (11).

Loop recorders são uma das variações

do método. Nesse caso, deriva-

Figura 12 - Diferentes tipos de ECG ambulatorial.

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ECG Completo.indb 58 26/08/2019 09:26:31


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

ções bipolares são posicionadas por

semanas a meses na pele (Loop externo)

ou implantadas (Loop implantável) no

subcutâneo do paciente. Essa modalidade

reconhece automaticamente a arritmia

e podem gravar até 1 hora do evento.

Muito útil para arritmias infrequentes.

Monitor de eventos é o terceiro

tipo de gravação de ECG ambulatorial.

Neste caso, o paciente ativa o gravador

com um botão. Bom para arritmias sintomáticas.

Tipicamente seu uso pode

durar até 30 dias.

A tabela 3 resume o rendimento

diagnóstico e a figura 12 ilustra cada

um desses aparatos (20).

Nos últimos anos, temos visto ainda

a introdução de gravadores de ECG em

smartphones e smartwatches. O Kardia

Mobile (AliveCor, Inc., Estados Unidos)

é um device portátil em que se posicionam

os dois dedos para obter um

registro da gravação D1 (21). O Apple

Watch mede o fluxo sanguíneo através

de reflexos que o sangue causa em

luzes de LED emitidas na parte posterior

do relógio ou através de infravermelho.

Quando há irregularidade do

ritmo cardíaco, o aparelho notifica o

usuário a tocar com o dedo da mão

contralateral ao relógio para obter um

registro de D1 (Figura 13).

Figura 13 - Funcionamento do registro eletrocardiográfico do Apple Watch.

Pulsos de luz verde são enviados em alta frequência e os sensores de luz observam quantas vezes há reflexo dessa luz (o vermelho do sangue reflete luz verde).

O LED infravermelho também pode fazer contagem de ritmo cardíaco. Quando o aparelho detecta anormalidade, ele solicita ao usuário que posicione seu dedo

contralateral à mão onde está o relógio na “Digital Crown”, criando assim uma derivação braço esquerdo – braço direito, ou seja, D1.

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ECG Completo.indb 59 26/08/2019 09:26:31


CAPÍTULO 3

DERIVAÇÕES ESPECIAIS

Na tentativa de melhorar a detecção

de uma onda específica no ECG,

algumas derivações “especiais” foram

propostas ao longo dos anos (22).

A derivação de Lewis é usada para

melhorar a detecção de atividade atrial

no ECG. Bom para situações em que a

onda P tem baixa amplitude ou existe a

suspeita de que ela está escondida em

outra onda ou complexo do ECG (23). Os

eletrodos dos braços são movidos para o

tórax do paciente da seguinte maneira:

braço direito fica posicionado no segundo

espaço intercostal direito próximo

ao esterno e braço esquerdo no quarto

espaço intercostal direito próximo ao

esterno. Nessa configuração, o eletrocardiógrafo

deve ser configurado para

gravar obrigatoriamente um D1 longo

– lembre-se que D1 é a derivação que

mede a diferença de potencial entre os

dois braços - a diferentes velocidades (25

mm/s, 50 mm/s) (Figura 14).

As derivações de Fontaine foram

descritas a fim de aumentar a capacidade

de identificação de ondas épsilon,

as ondas presentes em diversas situações,

mas classicamente descrita na

displasia arritmogênica do ventrículo

direito. Os eletrodos são posicionados

no manúbrio esternal (braço direito),

no apêndice xifoide (braço esquerdo)

e no lugar de V4 (perna esquerda) com

o eletrodo de perna direita posicionado

em qualquer lugar. As derivações

D1, D2 e D3 devem ser gravadas e

substituídas pela nomenclatura FI, FII

e FIII (24) (Figura 15).

Figura 14 - Derivação de Lewis.

Eletrodo do braço direito posicionado no 2º EIC direito e eletrodo do braço esquerdo

posicionado no 4º EIC direito. Demais eletrodos dos membros podem

ser posicionados em qualquer lugar. O eletrocardiógrafo deve gravar um D1

longo (obrigatoriamente) a diferentes velocidades.

Figura 15 - Derivações de Fontaine para

detecção de ondas épsilon da Displasia

Arritmogênica do Ventrículo Direito. Para posicionamento

dos eletrodos e detalhes sobre

a gravação, vide texto.

60

ECG Completo.indb 60 26/08/2019 09:26:32


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

Derivações esofágicas podem ser

usadas para detectar atividade atrial

devido à proximidade do esôfago com

o átrio esquerdo (25). Com um eletrodo

de braço direito adaptado posicionado

no esôfago a nível de silhueta

cardíaca e um eletrodo de braço esquerdo

conectando a um amplificador,

a uma derivação no tórax ou a um polo

proximal no próprio eletrodo esofágico

utilizado. A utilização desse método

pode ser diagnóstico em até 86% dos

casos em que o ritmo não estava bem

definido (26) (Figura 16).

Derivações intracardíacas também

podem ser tentadas. Num paciente

com acesso venoso central

em veia jugular interna ou subclávia,

cuja ponta do cateter esteja mergulhada

no do átrio direito, pode-se

seguir o seguinte passo-a-passo: 1)

aspirar o conteúdo do acesso com

uma seringa para assegurar que não

há bolhas de ar, 2) um sistema agulha-seringa

contendo solução salina

deve ser inserido na ponta distal do

acesso central (ou um fio-guia), 3)

um eletrodo de V1 deve ser conectado

a essa agulha (ou fio-guia). 4)

com os demais eletrodos conectados

às suas posições habituais, gravar 12

derivações ou V1 longo (27,28). Atenção:

garanta a esterilidade de todo o

procedimento.

Figura 16 - Posicionamento de eletrodo esofágico conectado a um eletrocardiógrafo.

61

ECG Completo.indb 61 26/08/2019 09:26:32


CAPÍTULO 3

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ECG Completo.indb 62 26/08/2019 09:26:32


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63

ECG Completo.indb 63 26/08/2019 09:26:32


O ECG Normal

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

4

INTRODUÇÃO

A interpretação de um ECG por um

examinador experiente é feita comparando

aquele exame com a memória

fotográfica e com o conhecimento que

possui de outros ECGs normais e anormais

que já foram vistos. No início da

caminhada, é comum que se faça necessário

o uso de guias, livros curtos,

resumos, manuais de plantão, aplicativos

e outros materiais que nos traga

a recordação dos padrões normais e

anormais.

Justamente na fase em que ganhamos

experiência, é comum ficar fascinado

ou assustado com um determinado

achado (por exemplo, a primeira

vez que um leitor pouco experiente

diagnostica um bloqueio divisional

anterossuperior ou como quando um

examinador com experiência média

acha que viu uma onda épsilon) e isso

pode levar ao erro diagnóstico por

subestimar outros achados. A melhor

maneira de evitar isso é sistematizando

a análise do ECG. Isso deve ser feito

por todos, independentemente do nível

de conhecimento sobre o assunto.

Este capítulo fará a análise sistemática

por você. Cada tópico a seguir será um

passo a ser realizado para que o ECG seja

avaliado por completo. Vamos começar.

IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE

E CONFIGURAÇÕES DO

ELETROCARDIÓGRAFO

Tudo começa pelo básico. Identifique

o paciente, seu sexo e idade.

Veremos nos próximos capítulos que

isso pode ser crucial para uma correta

análise do exame, pois os valores de

referência de alguns achados podem

mudar.

Sobre o eletrocardiógrafo, o leitor

deve relembrar tudo que leu no capítulo

anterior. Está configurado em

N e 25 mm/s? Seus filtros estão adequados?

E mais: fique atento à possível

presença de artefatos que serão

vistos com detalhes no capítulo 5.

Houve troca de eletrodos ou outro

artefato que impossibilita a correta

análise do ECG?

RITMO E FREQUÊNCIA

CARDÍACA

O próximo passo é olhar para o

ECG e identificar o ritmo do paciente.

Isso pode ser realizado através da

seguinte análise: as ondas e complexos

sempre vêm em intervalos

iguais? Pode ser necessário um compasso

ou que você desenhe numa folha

à parte dois traços denotando a

65

ECG Completo.indb 65 26/08/2019 09:26:32


CAPÍTULO 4

distância entre duas ondas P ou dois

complexos QRS e a partir daí observar

se essas distâncias se mantêm

constantes.

O ritmo cardíaco pode ser sinusal,

ectópico ou arrítmico. O ritmo sinusal

será visto neste capítulo. O ectópico e

o arrítmico serão discutidos na seção

2 deste livro. Antes de começarmos

essa avaliação, devemos lembrar um

pouco da eletrofisiologia cardíaca,

vista no capítulo 2. O estímulo elétrico

cardíaco, em condições normais, é

gerado no nó sinoatrial ou nó sinusal,

uma estrutura anatômica localizada

no teto do átrio direito. O caminho

percorrido por ele será despolarizar

as células atriais circunvizinhas, depois

ganhar os feixes internodais (que

não são exatamente feixes, como discutimos

naquele capítulo) até chegar

ao nó atrioventricular, uma estrutura

mais inferior e mais à esquerda, e

sofrer uma “pausa” em seu processo.

Nesse momento, o estímulo está tentando

vencer a baixa velocidade de

condução dessa região (Figura 1).

O importante do parágrafo anterior

foi demonstrar para você o

vetor da onda P no plano frontal (a

onda desenhada pela ativação atrial

nas derivações dos membros): ela

vai do teto para uma região mais

inferior e mais à esquerda. O vetor

da onda P, portanto, apontará para

derivações mais à esquerda (D1) e

inferiores (D2 e aVF), sendo positivo

nessas derivações.

Além dos feixes internodais, existem

também as células de Bachmann,

Figura 1 - Ativação atrial iniciando pelas

forças atriais direitas (AD) e terminando

pela esquerda (AE).

O vetor resultante está descrito em VR, apontando para inferior e

para esquerda. Como o vetor muda de direção a cada momento da

despolarização atrial, é possível também imaginar o a alça que a

despolarização desenha no plano frontal, com os sucessivos múltiplos

vetores instantâneos.

equivocadamente descritas como um

feixe, que são responsáveis por transmitir

o estímulo através do septo interatrial

para o átrio esquerdo. Quando

Bachmann está lesado, o estímulo será

conduzido através da fossa oval ou

do seio coronário (veremos isso com

mais detalhes no capítulo 6). Mas o interessante

é perceber que a segunda

porção da onda P é determinada justamente

pela ativação do átrio esquerdo.

Como o átrio esquerdo é ativado de

cima para baixo e de frente para trás

(é uma estrutura mais posterior que o

átrio direito, em contato direto com o

esôfago), o vetor de ativação do átrio

esquerdo apontará de cima para baixo

e de frente para trás. Portanto, outra

66

ECG Completo.indb 66 26/08/2019 09:26:33


O ECG NORMAL

Figura 2

Entenda a figura antes de passar adiante. À esquerda, temos os vetores do átrio direito (AD) e do átrio esquerdo (AE). A soma dos dois vetores (VR) aponta

para inferior e para a esquerda no plano frontal, mais especificamente em direção a D2. D2, portanto, terá a maior amplitude, D1 e aVF também serão

positivas. D3 geralmente é positiva. aVR está quase diametralmente oposta ao vetor, portanto negativa. À direita, temos o vetor no plano horizontal,

portanto, nas derivações precordiais. Perceba que a ativação final (VR) realizada pelo AE traz o vetor para negativo na sua segunda porção, em V1. Adaptado

de Gertsch.

derivação a que o leitor precisa ficar

atento é V1, que visualiza justamente o

diâmetro anteroposterior do paciente:

em V1 a onda P tem um formato “plus-

-minus” (ou seja, primeiro positiva, depois

negativa) ou apenas “minus” (caso

o nós sinusal seja uma estrutura muito

anterior naquele coração).

Resumindo, a onda P precisa ser positiva

em D1, D2 e aVF, plus-minus ou minus

em V1. D3 pode ser plus ou plus-minus

e aVL pode ser plus, minus ou minus-plus.

Se tudo isso for respeitado, teremos um

ritmo sinusal na imensa maioria dos casos

(Figura 2). Um diagnóstico diferencial raro,

mas importante, mesmo quando tudo é

respeitado é o ritmo atrial para-sinusal do

átrio direito ou atrial de veia pulmonar superior

direita, no átrio esquerdo, estruturas

muito próximas e que, portanto, podem

produzir vetor muito semelhante.

A ausência de onda P no ECG pode

significar o diagnóstico de fibrilação

atrial, ondas P de formatos distintos ou

em dentes de serra podem significar

taquicardias atriais multifocais e flutters

atriais, arritmias que serão pormenorizadas

nos capítulos 16 e 17.

A frequência sinusal normal tem

seus limites entre 50-100 batimentos

por minuto. O cálculo dessa frequência

deve ser feito em todos os ECGs

avaliados e são diversas as maneiras

com que isso pode ser alcançado. A

mais fidedigna é dividir 1500 pelo

número de quadradinhos entre uma

onda P ou um complexo QRS e outro.

A razão do número “1500” é bastante

fácil: em um ECG com velocidade de

25 mm/s, um segundo será gravado

em 1500 quadradinhos. Então 1500/X

= frequência cardíaca.

67

ECG Completo.indb 67 26/08/2019 09:26:33


CAPÍTULO 4

Outra maneira é a “regra dos quadradões”.

Cada quadradão possui 5

quadradinhos, então, 1500/5 = 300.

1500/10 = 150. 1500/15 = 100. Por aí

vai. Sabendo dessa regra, você pode

inferir de maneira menos fidedigna a

frequência (Figura 3).

Se o ritmo for irregular, esses cálculos

não poderão ser realizados. A maneira

de estimar a frequência é calcular

a média de batimentos em 6 segundos

e multiplicar por 10. Para isso, conte 30

quadradões (30 x 200 ms = 6 segundos)

e multiplique a quantidade de batimentos

encontrados por 10 (Figura 4).

Figura 3 - Pela regra dos “quadradões”, a frequência cardíaca desse paciente estará entre

100 e 75. Para saber com exatidão, dividir 1500/19 = 79.

Figura 4 - Cálculo da frequência cardíaca quando ritmo for irregular. Contar 30 quadradões (6

segundos) e multiplicar o número de batimentos por 10.

A ONDA P

O ritmo da onda P denota a atividade

sinusal ou ectópica do coração.

Já a morfologia e duração da

onda P denotam a morfologia dos

átrios. Como vimos nos parágrafos

anteriores, o início da onda P, mais

especificamente sua primeira metade,

é determinada pela ativação do

átrio direito; e a sua segunda metade

é determinada pela ativação do

átrio esquerdo. Na porção média da

onda P, existe uma sobreposição de

atividades – o átrio direito está tendo

suas últimas fases da despolarização

enquanto o átrio esquerdo está apenas

começando (Figura 5).

68

ECG Completo.indb 68 26/08/2019 09:26:33


O ECG NORMAL

Figura 5 - A onda P é gerada pela ativação dos dois átrios. Na figura, está representada a

atuação de cada átrio na geração dessa onda. Perceba que a primeira metade é comandada

pelo átrio direito, enquanto o átrio esquerdo ganha importância na segunda metade. Na

porção central da onda, temos as últimas células do átrio direito e as primeiras células do

átrio esquerdo despolarizando-se.

A onda P precisa ser avaliada em sua

amplitude, pois aumentos podem denotar

sobrecargas atriais. Em D2 a onda P

não pode ultrapassar 2,5 mm de amplitude

(dois quadradinhos e meio), pois

mais que isso seria sinal de sobrecarga

atrial direita. Em V1 a onda P não pode

ultrapassar 1,5 mm de amplitude em

sua porção positiva e 1 mm de amplitude

em sua porção negativa (Figura

6), o que denotaria sobrecarga atrial direita

e esquerda respectivamente.

A onda P também precisa ser avaliada

em sua duração, pois alargamentos

dessa onda podem denotar atrasos de

condução. Adianto aqui uma importante

divergência entre este livro e as ideias

desse autor que vos fala para a literatura

já escrita. Repito: o alargamento da onda

P denota atraso da condução intra ou

inter-atrial, que pode ou não ser secundário

a uma sobrecarga atrial direita ou

esquerda. Esse assunto será discutido no

capítulo 6. A onda P não pode exceder

100 ms de duração (dois quadradinhos

e meio)

Leia o resumo sobre a onda P na Tabela

1.

Figura 6 - Onda p normal em D2: positiva, com > 2,5 mm de amplitude e 2,5 quadradinhos de

duração.

69

ECG Completo.indb 69 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

Tabela 1 - Características normais da onda P.

Significado

Vetor

Formato

Despolarização atrial primeiro direita,

depois esquerda

De cima para baixo, da direita para esquerda,

porção inicial de trás para frene e porção final

de frente para trás.

Positiva em D1, D2 e aVF. Plus-minus ou minus em

V1.

Duração

Até 100 ms (dois quadradinhos e meio).

INTERVALO PQ

O intervalo PQ (ou PR) normal

vai de 121 a 200 ms, ou seja, > 3 e

≤ 5 “quadradinhos” (ou um “quadradão”).

É medido do começo da onda

P até com o começo do complexo

QRS, tomando como base a derivação

em que este parecer maior. Às

vezes, é necessário medir o começo

da P em uma derivação, pois naquela

se inicia alguns milissegundos antes,

e o começo do QRS em outra, exatamente

aquela em que também se

inicia sutilmente antes.

O intervalo PQ é o silêncio elétrico

produzido pela passagem do

estímulo elétrico pelas células transicionais

e pelas poucas junções comunicantes

do nó atrioventricular

(AV). Como, em situações normais,

todos temos um esqueleto fibroso

que separa completamente as células

atriais das miocárdicas, o estímulo

elétrico obrigatoriamente precisa

passar por essa pausa para chegar

aos ventrículos e dar início ao complexo

QRS. Portanto, é esperado que

todos possuam um intervalo PQ nos

limites já citados.

A redução do intervalo PQ pode,

então, significar que há um defeito

no esqueleto fibroso que está permitindo

a passagem do estímulo elétrico

do átrio para o ventrículo, uma via

acessória, causador da Síndrome de

Wolff-Parkinson-White, um feixe de

James, causador da extinta Síndrome

de Lown-Ganong-Levine (ambas

descritas no capítulo 19) ou uma variante

do normal.

O alargamento do intervalo PQ

para além de 200 ms pode significar

bloqueio atrioventricular de 1º grau

(capítulo 6), encontrado em doenças

do nó AV e também em indivíduos

normais: 8% dos homens e 12% das

mulheres (1,2).

70

ECG Completo.indb 70 26/08/2019 09:26:34


O ECG NORMAL

O COMPLEXO QRS

Representa a despolarização dos

ventrículos. Na sua abordagem sistemática

do ECG, é necessário que se verifique

seu formato, sua duração, sua

amplitude e seu eixo.

Na análise do formato, o leitor precisa

avaliar qual o formato do complexo QRS:

se qRs, rS, etc. Uma forma muito simples,

porém, bastante útil para aqueles que

trabalham muito raramente com o ECG

e não têm acesso a consultas rápidas é a

dica a seguir: existem dois padrões eletrocardiográficos

básicos mais comuns

em um ECG e podem ser usados para diferenciar

um exame normal de um anormal.

A figura 7 exemplifica esses padrões

e dá a dica preciosa.

Figura 7 - Dica preciosa. Dois complexos QRS

que exemplificam as principais morfologias

encontradas em um ECG.

O complexo da esquerda é tipicamente encontrado em D1, aVF, V4 e V5,

enquanto o complexo da direita é tipicamente encontrado em V1 e V2. Se

os passos dessa dica forem desrespeitados em um determinado exame,

você provavelmente tem um ECG anormal. Claro, essa é uma simplificação

extrema do método, mas pode servir aos mais inexperientes e a quem tem

pouco contato com o ECG.

Com relação à sua duração, o complexo

dura normalmente menos que

100 ms, e não deve ultrapassar 120

ms (três quadradinhos), indicando um

atraso na condução dos ventrículos,

seja por uma doença miocárdica ou,

mais frequentemente, por bloqueio de

ramo.

Com relação à sua amplitude, o

complexo deve ter pelo menos 5 mm

em pelo menos uma derivação do

plano frontal e 8 mm em pelo menos

uma derivação do plano horizontal.

Valores abaixo disso são definidos

como "baixa voltagem". A amplitude

máxima depende de critérios que serão

descritos e discutidos no capítulo 7.

O cálculo do seu eixo é motivo de

terror para os alunos da graduação

desde os primeiros semestres da Universidade.

E, como muitos assuntos

abordados naquela época, tem seu

valor. Para falar sobre o eixo cardíaco,

demonstraremos como o ventrículo se

despolariza e como são formados os

clássicos três vetores cardíacos – 1, 2 e

3, ou mais basicamente chamados de

Q, R e S.

Foi um elegantíssimo estudo de

Durrer publicado em 1970 que revolucionou

o conhecimento da comunidade

médica. Utilizando agulhas com

microeletrodos em corações humanos

post-mortem, Durrer definiu a despolarização

ventricular esquerda e direita

conforme será descrito adiante:

Nos primeiros 5 ms do início da

despolarização ventricular, três áreas

são ativadas: uma área para-septal

anterior próxima ao músculo papilar

71

ECG Completo.indb 71 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

anterior (região da divisão anterossuperior),

uma área no centro da face

esquerda do septo, uma área póstero-septal

a um terço da distância do

ápice para a base. Essas áreas crescem

e se tornam confluentes nos primeiros

20 ms. A esse ponto, grande parte do

septo e da parede livre já despolarizaram.

Até 40 ms todo o endocárdio ventricular

esquerdo já estará despolarizado.

O ventrículo direito começa a sua

despolarização em torno de 5 a 10 ms

após o ventrículo esquerdo, iniciando

a sua ativação no músculo papilar

anterior e indo em direção ao septo e

parede livre, chegando às últimas porções

(área sub-pulmonar e posterobasal)

(3) (Figura 8).

Perceba que a ativação mais inicial

(primeiros 20 ms) denota septo interventricular

em suas faces esquerda

(com maior massa e amplitude de vetor)

e direita e início da parede livre do

VE. Após cerca de 10-20 do início até

40-50 ms, a segunda fase da despolarização

leva em consideração a parede

livre do VE e do VD e a transmissão da

onda de despolarização para o epicárdio.

E a última fase (após 50 ms do

início, durando até os 70 ms) denota a

despolarização das porções basais de

ambos os ventrículos. Essas três fases

formam três vetores.

O primeiro vetor (0 – 20 ms) que

representa basicamente o septo endocárdico

e o início da parede livre aponta

da esquerda para a direita e para a

frente. Esse vetor é basicamente chamado

de onda Q, mas essa facilitação

acaba se tornando um equívoco, pois

em V1 na verdade temos uma onda r.

Veja, como o vetor aponta de trás para

Figura 8 - Representação original do artigo de Durrer sobre a ativação ventricular

esquerda e direita.

A ativação vai seguindo a sequência rosa-vermelho claro, escuro, laranja, amarelo, verde e azul. Perceba que o estímulo nasce no septo endocárdico em

direção às paredes livres de ambos ventrículos e ao epicárdio (3).

72

ECG Completo.indb 72 26/08/2019 09:26:34


O ECG NORMAL

frente, e V1 é uma derivação que enxerga

o eixo antero-posterior, nada

mais fácil de compreender que aqui

teremos um vetor positivo. Em V6, por

outro lado, sim temos uma onda Q, visto

que é uma derivação quase oposta a V1.

O vetor 2 (21 – 50 ms) representa o

restante das paredes livres do VE (com

maior força e magnitude) e do VD, assim

como a transição do estímulo para

as regiões epicárdicas. Esse vetor se

direciona da direita para a esquerda,

e de cima para baixo. Representa a

maior parte do complexo QRS e é basicamente

chamada de R, mas sofre do

mesmo problema já citado no parágrafo

anterior – em aVR, por exemplo,

esse vetor determina uma onda S.

O vetor 3 (51 – 70 ms) representa as

porções basais, e se direciona de inferior

para superior, um pouco para direita

e posterior. É, de maneira generalizada,

chamada de “S”, mas representa

o pequeno r final em aVR.

Como o vetor 2 representa a maior

magnitude de área cardíaca despolarizada,

sua representação eletrocardiográfica

será mais ampla e importante

na análise do exame. Como dissemos,

esse vetor, em situações normais,

aponta da direita para esquerda

e de superior para inferior. O eixo

cardíaco é representado basicamente

pelo vetor 2. Posicionado o vetor 2 no

ciclo de Cabrera (plano Frontal), obtemos

a Figura 9.

O vetor resultante da atividade ventricular

deve se situar entre – 30º e +

90º no círculo de Cabrera. Ou seja, entre

aVL e aVF.

Figura 9 - Vetor cardíaco no plano frontal

apontando para inferior e esquerda

O ciclo de Cabrera é dividido em

quatro quadrantes. O quadrante número

1 é aquele que está entre D1 (0º)

e aVF (+ 90º), ou seja, normal. O segundo

quadrante está entre D1 (0º) e - aVF

(- 90º) e pode ser normal até – 30º, mas

a partir daí chamamos esse desvio de

“desvio de eixo para esquerda”. O terceiro

quadrante é a chamada “terra

de ninguém” ou "extrema direita", pois

poucas e graves enfermidades desviam

o eixo cardíaco para estas posições entre

- aVF (- 90º) e - D1 (+ 180º). O quarto

quadrante está entre aVF (+ 90º) e -D1

(+ 180º) e quando o eixo cardíaco está

situado naquele local, chamamos a situação

de “desvio de eixo para a direita).

Veja a figura 10 para entender.

O leitor atento percebeu que D1

e aVF são os limites dos quadrantes.

Então, para um cálculo básico, o do

quadrante em que o eixo se encontra,

basta olhar para D1 e aVF. D1 positivo,

73

ECG Completo.indb 73 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

Figura 10 - Quadrantes do ciclo de Cabrera.

aVF positivo: quadrante normal; D1

positivo e aVF negativo: possível desvio

para esquerda (normal até – 30º);

D1 negativo e aVF positivo: desvio do

eixo para direita; D1 negativo e aVF negativo:

quarto quadrante (Tabela 2).

Para o cálculo exato do vetor resultante

e do eixo cardíaco, o examinador

deverá observar os complexos

QRS do plano frontal (ou seja, D1, D2,

D3, aVR, aVL, aVF) e seguir um passo a

passo simples (4):

1. Qual(is) derivação(ões) possui(em)

um complexo isodifásico? (ou

seja, a onda R é de mesmo tamanho da

onda S) – essa pergunta se faz importante

porque complexos isodifásicos

determinam que o vetor está perpendicular

(ou seja, a 90º graus, caso você

tenha faltado a aula de geometria)

àquela derivação.

2. Qual(is) derivação(ões) possui(em)

complexos QRS de maior amplitude (seja

positivo ou negativo, mas não isodifásico)?

– essa pergunta se faz importante

Tabela 2 - Cálculo do quadrante elétrico do vetor resultante cardíaco.

D1 aVF Quadrante Eixo

Positivo Positivo Normal (0 a + 90º)

Positivo

Negativo

Possível desvio para

esquerda (0 a - 90º)

Negativo

Positivo

Desvio para direita (+

90º a + 180º)

Negativo

Negativo

“Terra de ninguém” (-

90º a + 180º)

74

ECG Completo.indb 74 26/08/2019 09:26:35


O ECG NORMAL

porque, como já vimos nos capítulos anteriores,

o vetor cardíaco estará indo de

encontro àquela derivação caso seja muito

ampla positiva, e fugindo daquela derivação

caso seja muito ampla negativa.

3. Caso haja duas derivações igualmente

amplas, o vetor estará entre elas.

Existe também uma maneira prática

de inferir se o eixo está normal, mas

não calcular seu ângulo. Segue:

4. D1 e D2 são mais positivos que

negativos.

Veja exemplos nas Figuras 11 e 12.

Algumas enfermidades alteram o eixo

cardíaco. A Figura 13 resume essas possibilidades.

A Tabela 3 resume as principais

características do complexo QRS normal.

Figura 12 - Exemplo de ECG para cálculo de

eixo cardíaco.

Figura 11 - Exemplo de ECG para cálculo de

eixo cardíaco.

Qual derivação está isodifásica? aVR. O ângulo estará então em + 120

ou – 60º (os dois são perpendiculares a aVR). Qual derivação tem maior

amplitude? D3. O eixo, portanto, está em D3 (+ 120º).

Figura 13 - Diagnósticos diferenciais possíveis

pelo cálculo do quadrante em que está

presente o eixo cardíaco.

Qual derivação está isodifásica? D2. O ângulo cardíaco estará, então, em

+ 150º ou -30º (perpendiculares a + 60º). Qual derivação tem maior

amplitude? aVL (- 30º), então o ângulo está a -30 graus. Perceba que as

amplitudes de D1 (positiva) e D3 (negativa) são similares, apontando para

algo que está entre D1 e – D3, mais uma vez aVL é a derivação escolhida.

Eixo -30º.

BDAS: bloqueio divisional anterossuperior. BDPI: bloqueio divisional

póstero-inferior. HVD: hipertrofia ventricular direito; HVE = hipertrofia

ventricular esquerda.

75

ECG Completo.indb 75 26/08/2019 09:26:36


CAPÍTULO 4

Tabela 3 - Características normais do complexo QRS.

Significado

Despolarização ventricular

Vetor principal

De cima para baixo, da direita para esquerda

Eixo

Formato

Duração

Entre – 30º e + 90º (D1 e D2 positivos).

Depende da derivação. Não pode ser menor que 5

mm no plano frontal e 8 mm no plano horizontal.

Geralmente tem uma onda R que cresce de V1 a V5.

Até 120 ms (três quadradinhos).

O SEGMENTO ST

O fim do complexo QRS é chamado

“ponto J”. É no ponto J que se inicia o

segmento ST, indo até o início da onda

T. Representa o início da repolarização

das células ventriculares e está relacionada

à fase 2 do potencial de ação

cardíaco visto no capítulo 2, a fase de

platô (Figura 14).

O segmento ST é, portanto, uma

fase de silêncio elétrico, já que todas

as células miocárdicas estão em platô.

Quando as primeiras células começam

a se repolarizar, a onda T se inicia de

maneira gradual.

Figura 14 - Comparação temporal entre o ECG de superfície (acima) e o potencial de ação da

célula miocárdica (abaixo). Perceba que o segmento ST (do fim do QRS até o início da T) é

relacionado à fase 2 (platô) do potencial de ação e está ligada ao influxo de cálcio.

76

ECG Completo.indb 76 26/08/2019 09:26:36


O ECG NORMAL

Figura 15 - Medição do ponto J (ao fim do complexo QRS) demonstrando um ponto J elevado

em relação à linha de base (linha isoelétrica do intervalo PR). Se esse desnivelamento for

maior que 1 mm, é considerado anormal.

O normal é que o ponto J esteja ao

mesmo nível da linha de base do ECG

ou até 1 mm desnivelado para cima ou

para baixo. A linha de base é a linha

isoelétrica do intervalo PR (Figura 15).

A exceção à regra se faz nas derivações

V2 e V3, onde até 70% dos ECGs

podem conter um supradesnivelamento

do segmento ST de até 1,5 mm,

chegando até 4 mm e se prolongando

até V6 em algumas situações. Isso se

dá por estimulação vagal e é mais pronunciado

em homens jovens e atletas

(5). Este padrão era antigamente

chamado de “repolarização precoce”,

termo que deve ser substituído por

“supradesnivelamento inespecífico do

segmento ST” devido à síndrome de

repolarização precoce que tem achados

diferentes e será discutida com

mais detalhes no capítulo 24.

A ONDA T

A onda T se inicia quando as primeiras

células começam a se repolarizar.

A sua gênese é complexa e será

resumida nas próximas linhas. Ela é

uma representação eletrocardiográfica

dos potenciais de ação miocárdicos

que acontecem em fases diferentes

pelas células endocárdicas, células

M e células epicárdicas. Na verdade, o

que acontece é que as primeiras células

a serem repolarizadas são as células

do epicárdio – e você lembra dos

parágrafos anteriores que estas foram

as últimas células a despolarizarem.

Depois do epicárdio, o endocárdio

repolariza e, por fim, as células M (6)

(Figura 16).

Veja bem: a onda T é nada menos

que a subtração (ou “cancelamento”)

do potencial de ação do endocárdio,

do epicárdio e das células M.

Para ser ainda mais exato, todo o

ECG parece ser uma ciência de cancelamento

(subtração) de potenciais de

ação do coração. Primeiro o endocárdio

despolariza fugindo do eletrodo

intracardíaco e gerando um eletrograma

negativo (q), dando origem àquelas

q ou r iniciais em algumas derivações,

dependendo se o eletrodo está

visualizando de frente ou por trás esse

vetor. Depois vem a passagem transmural

e o passeio para a parede livre

musculosa indo de encontro ao eletrodo

extracardíaco, dando origem à

onda R no ECG.

77

ECG Completo.indb 77 26/08/2019 09:26:36


CAPÍTULO 4

Figura 16 - Tempo em milissegundos, após uma estimulação atrial, em que ocorre a despolarização

e a repolarização do endocárdio e do epicárdio ventricular (6).

O que acontece agora é similar

ao que ocorre no exemplo que vou

descrever: um carro vai andando em

direção a um homem parado no fim

de uma rua. Do ponto de vista desse

homem, o que pode ser visto são os

faróis brancos da parte dianteira do

carro (encare isso como o vetor positivo).

Esse carro chega perto do homem

e breca. Depois começa a dar ré. O que

o homem parado vê ainda são seus faróis

brancos, mas se afastando (o vetor

permanece positivo, mas se afasta do

homem). É assim que ocorre a repolarização

pelo fato de que as últimas células

despolarizadas são as primeiras a

repolarizarem (Figura 17).

Quando o epicárdio inicia sua repolarização,

ele reduz as forças positivas

que “olhavam” para o eletrodo extracardíaco

(homem no final da rua), mas

ainda deixa células endocárdicas despolarizadas,

portanto, fazendo a onda

T “subir” no ECG – afinal o cancelamento

de forças positivas só ocorreu em

Figura 17 - Exemplo anedótico que ajuda a

entender o vetor da repolarização.

Na parte superior, um homem observa um carro se aproximando dele com

os faróis brancos dianteiros apontando em sua direção e ficando cada vez

mais próximos dos seus olhos. A ponta do vetor é representada por esses

faróis, pois sugere a positividade. Na parte inferior, o carro se afasta de ré,

mas segue apontando seus faróis brancos dianteiros para o homem, dessa

vez deixando-os cada vez mais longe, ficando o vetor positivo cada vez menor,

mas ainda positivo. É isso que ocorre com o potencial de ação da célula

miocárdica e é o fato de que o epicárdio repolariza primeiro que faz com

que esse exemplo seja adequado.

78

ECG Completo.indb 78 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

um dos locais. Essa subida da onda T

persiste até o momento em que o endocárdio

começa a também se repolarizar,

quando as forças positivas que

estavam “sobrando” no endocárdio

acabam desaparecendo, começando a

porção descendente da T e trazendo-a

para a linha de base. Depois disso, ainda

as células M persistem repolarizando,

mas sem uma importante interferência

eletrocardiográfica (Figura 18).

Figura 18 - A repolarização ventricular é um

cancelamento dos potenciais de ação do

endocárdio, epicárdio e células M.

Agora imagine o que ocorre quando

o endocárdio, por um motivo de

isquemia, repolariza primeiro. O vetor

positivo vai ser direcionado agora

para o eletrodo intracardíaco, sentido

oposto ao eletrodo extracardíaco. No

nosso exemplo do homem no fim de

uma rua, ele vai enxergar as luzes vermelhas

da traseira do carro (ou seja, a

cauda do vetor) se aproximando dele.

Por isso, em isquemia, o segmento ST

e/ou a onda T são negativas.

Dessa anedota, podemos obter algumas

conclusões importantes, preste

atenção:

1. Uma despolarização que vai de

encontro a um eletrodo gera uma

onda positiva.

2. Uma repolarização indo em sentido

oposto a um eletrodo gera uma

onda positiva.

3. As ondas T são usualmente positivas

na maioria das derivações porque

as últimas células a despolarizarem são

as primeiras a repolarizarem (Figura 19).

As alterações secundárias à isquemia

serão vistas com detalhes no capítulo 12.

A onda T normal é concordante

com o QRS e assimétrica.

a: epicárdio já iniciou sua repolarização ficando menos positivo, enquanto a

positividade do endocárdio permanece mais importante, isso faz com que

a onda T comece a crescer. b: o epicárdio inteiro já repolarizou. A T agora

começa a perder a positividade à medida que as últimas células do endocárdio

também repolarizam, até chegar à linha de base. c: o endocárdio

inteiro repolarizou, trazendo a onda T para a linha de base. d: as células M

são as últimas a se repolarizarem.

INTERVALO QT

É a representação gráfica da duração

dos potenciais de ação de todas as

células cardíacas durante um batimento

cardíaco, visto que se vai do início

do complexo QRS até o fim da onda T,

englobando também o segmento ST.

79

ECG Completo.indb 79 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Seus valores de normalidade variam

de acordo com o sexo e idade. E a sua

medição é motivo de muitas dúvidas,

que vamos solucionar agora.

Dúvida número 1: em qual derivação

medir? Historicamente o intervalo

QT se mede em D2, visto que desde

o trabalho seminal de Bazett, foi usado

D2. Nossa recomendação é que se

meça também em V3-V5, considerando

o maior resultado (7).

Dúvida número 2: e a onda U?

Ela será detalhada no próximo tópico,

mas já adianto que faz parte da repolarização

do miocárdio, então, deveria

sim ser medida. Porém, existem dificuldades

como filtros que escondem

a onda U e frequências cardíacas mais

elevadas, que sobrepõem a onda P à

onda U. Desse modo, convencionou-se

medir apenas o intervalo QT, mesmo

que você veja a onda U. Isso não impede,

porém, que você avalie a morfologia

e duração da U, visto que há síndromes,

como a de Andersen-Tawil, que atuam ali.

Dúvida número 3: se eu não meço

a U, como saber onde terminou a onda

T e começou a onda U? A forma mais

aceita é considerar o intervalo PR

como linha de base, depois visualizar a

porção final da onda T e desenhar uma

linha tangente. Onde essas duas linhas

se cruzarem, temos o final da onda T.

Veja um exemplo na Figura 20.

Figura 19 - Demonstração mais exata do que ocorre na repolarização cardíaca. Na parte

superior, a seta cheia demonstra a despolarização indo de encontro a um eletrodo extracardíaco

e dando origem à onda R do ECG. As setas tracejadas demonstram o coração repolarizando

em sentido oposto. Como vimos na regra número 2 do texto e como explicado nos

parágrafos anteriores, uma repolarização indo em sentido oposto a um eletrodo gera uma

onda positiva, por isso a onda T é positiva na maior parte das derivações do ECG. Na parte

inferior da figura, verificamos a relação temporal dos potenciais de ação epicárdicos e endocárdicos.

É quando o epicárdio começa a repolarizar e o endocárdio permanece despolarizado

que a onda T cresce sua positividade. Quando também o endocárdio repolariza, a onda T

tem sua porção negativa, voltando à linha de base.

80

ECG Completo.indb 80 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

Figura 20 - Medição correta do intervalo QT quando uma onda U está presente.

Apesar da onda U também significar repolarização miocárdica, foi convencionado que ela não será medida. O correto é desenhar uma linha na tangente da

porção final da onda T e outra linha na linha de base do ECG (correspondente ao intervalo PR). O ponto de encontro entre essas duas linhas será o fim da onda T.

Dúvida número 4: já ouvi falar

que o intervalo deve ser corrigido pela

frequência cardíaca. Sim. Você ouviu

correto. O intervalo deve ser corrigido

pela frequência cardíaca porque os canais

responsáveis pela repolarização

do potencial de ação (vide capítulo 2)

têm sua abertura modificada pela frequência

cardíaca, alterando assim sua

duração. Mas como corrigir? A primeira

fórmula foi proposta por Bazett, e é

até hoje a mais utilizada (8) e envolve

uma raiz quadrada para seu cálculo

– o autor recomenda o uso de calculadoras

em smartphones. A fórmula

de Bazett, no entanto, demonstrou-se

falha nas frequências cardíacas fora

da faixa de 60-100 batimentos por minuto.

A fórmula de Fridericia, também

proposta em 1920, e que envolve uma

raiz cúbica em seu cálculo revelou-se

mais acurada a frequências cardíacas

mais elevadas que 100 por minuto,

mas também falha nas bradicardias

(9). Framingham (10) e Hodges (11)

são métodos mais recentes que usam

fórmulas lineares de correção, ao invés

de raízes quadradas ou cúbicas. As fórmulas,

que você usará um smartphone

para calcular, estão descritas na Figura

21. As fórmulas lineares, Hodges e

Framingham, são mais reprodutíveis

a frequências cardíacas mais variadas

(12) e são aconselhadas pelo autor.

Para pacientes com bloqueio de ramo

esquerdo, a recomendação é que se

subtraia 50% do valor do QRS da conta

total do intervalo QT (13). Em casos

de ritmos cardíacos irregulares, como

no caso da fibrilação atrial, a fórmula

de Fridericia parece ser a que possui

melhor correlação em comparação a

Bazett e Framingham (Hodges não foi

comparado) (14).

81

ECG Completo.indb 81 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Figura 21 - Fórmulas para correção do intervalo

QT de acordo com a frequência cardíaca.

HR = heart rate (frequência cardíaca em batimentos por minuto); RR =

intervalo de uma onda R para outra em milissegundos.

Dúvida número 5: qual o valor

normal do intervalo QT? O leitor deve

ter em mente que não há um valor estabelecido

na literatura. Há uma intersecção

de intervalos QTs de indivíduos

doentes e sadios (15). Os valores acima

e abaixo do percentil 2,5 para normalidade

do intervalo QT são considerados

pontos de corte: acima de 450 ms

para homens e 460 ms para mulheres

(16). Valores abaixo de 350 ms para

homens e 360 ms para mulheres são

considerados anormais. Veremos mais

detalhes sobre as Síndromes do QT

longo e curto no capítulo 24.

ONDA U

je, (2) repolarização tardia de músculos

papilares, (3) forças eletromecânicas e

(4) repolarização de células M (17).

O intervalo entre o fim da onda T

e o ápice da onda U é usualmente de

100 ms, sem relação com a frequência

cardíaca. Sua distinção da onda T

pode ser difícil, especialmente quando

a onda T é bífida ou mesmo em casos

em que há fusão da onda T com a onda

U. Algumas manobras podem ser usadas

para diferenciá-las: a distância de

100 ms já citada e a correlação temporal

que essa onda possui com a segunda

bulha cardíaca.

As características de normalidade

da onda U são: possuem a mesma

polaridade da onda T. Dura em torno

de 170 ms (± 30 ms) em adultos

e tem uma amplitude de até 25% da

amplitude da onda T. Sua morfologia

é definida como uma porção ascendente

rápida e uma porção descendente

lenta (o oposto do que ocorre

com a onda T).

A onda U é frequentemente negligenciada

na análise do ECG, mas sinais

como inversão de onda U são de imensa

importância clínica, podendo estar

presente em até 20% dos ECGs isquêmicos.

As características normais de cada

onda, intervalo ou segmento visto até

aqui serão resumidas na Tabela 4.

Está presente em 25% dos ECGs.

Possui um significado ainda indefinido.

Postula-se que pode se tratar da (1) repolarização

tardia de fibras de Purkin-

82

ECG Completo.indb 82 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

Tabela 4

Item Duração (ms) Amplitude (mm) Eixo médio

Onda P Até 100

Intervalo PR 120 a 200

Complexo QRS Até 120

Até 2,5 em D2 e 1,5 em

V1.

> 5 em qualquer derivação

do plano frontal e >

8 em qualquer derivação

do plano horizontal.

Entre 0º e 90º (positivo

em D1, D2 e aVF).

Entre – 30º e + 90º (Positivo

em D1 e D2).

Intervalo QT

Até 450 em homens e

460 em mulheres

Segmento ST

Desnível de até 1 mm

(V2 e V3 dependem do

sexo e idade).

Onda T

Acompanha o eixo do

QRS.

Onda U Até 200 ms Até 25% da onda T. Acompanha o eixo da T.

VARIANTES DA NORMALIDADE

Achados variados

Padrão Q III

: a presença de uma

onda Q em D3 isolada pode ser normalmente

encontrada em alguns indivíduos.

Padrão QS V1/V2

: a ausência de onda

R nessas derivações é uma variante

do normal, não sendo diagnóstico de

infarto anterosseptal na maioria dos

casos (18). Algumas vezes está relacionada

ao posicionamento alto (no

segundo espaço intercostal) de eletrodos.

Padrão de bloqueio de ramo direito

de primeiro grau: a presença

de um padrão rSr’ em V1 é um achado

frequente em indivíduos jovens.

O achado de um r’ < r é crucial para o

estabelecimento de uma variante da

normalidade. Caso o r’> r, ainda assim

a variante da normalidade é a primeira

hipótese, mas doenças do ventrículo

direito precisam ser descartadas.

Rotações do coração

O coração pode “estar rodado” tridimensionalmente

no tórax de um paciente.

83

ECG Completo.indb 83 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Uma pessoa mais longilínea pode

ter um coração verticalizado com o

eixo mais próximo de + 90º que de 0º.

A aVL nessas situações pode até ter P e

QRS negativos.

Um coração horizontalizado é visto

em pessoas obesas e tem seu eixo direcionado

para próximo de - 20º, mas

não ultrapassando – 30º (Figura 22).

Figura 22 - Corações com eixos verticalizados

(longilíneos), intermediários e horizontais

(obesos).

nesses indivíduos, em V2, a onda R já

é maior que a onda S. Pode ocorrer em

até 10% das crianças, mas em apenas

1% dos adultos. Até os 8 anos de idade,

o coração da criança é tipicamente

rodado anti-horário, com um R>S já

em V1, padrão que pode persistir até

a adolescência. O diagnóstico diferencial

se faz com zona inativa lateral,

miocardiopatia hipertrófica e pré-excitação

ventricular por uma via acessória.

É importante enfatizar que algumas

vezes as rotações horária e anti-horária

podem ser causadas pelo simples artefato

de posicionamento errado de eletrodos

fora do espaço intercostal em

que devem estar posicionados.

Variações de acordo com o sexo

Uma rotação horária do coração

em seu eixo ocorre quando a “zona de

transição” (guarde esse conceito, pois

será muito usado nesse livro), ou seja, a

derivação do plano horizontal em que

a onda R passa a ser maior que a onda

S, é desviada para derivações mais à

esquerda. Esse padrão é também chamado

de “progressão lenta de R nas

precordiais” e pode estar presente

em situações de normalidade, nos bloqueios

divisionais e nas zonas inativas

por infarto do miocárdio prévio.

Na rotação anti-horária ocorre o

oposto: a transição ocorre já em V2:

As amplitudes do QRS em derivações

do plano horizontal tendem a ser

menores em mulheres, possivelmente

por influência do tecido adiposo e da

mama (19). Em mulheres, a onda T tende

a ser invertida em V1 e pode ser invertida

até V3. Também nas mulheres,

em derivações inferiores pode haver

alguma alteração do segmento ST. Mulheres

também possuem um intervalo

PR e um complexo QRS sensivelmente

mais curtos que o dos homens.

Variações de acordo com a raça

Pessoas da raça negra podem apresentar

inversão de onda T em V1-V3,

84

ECG Completo.indb 84 26/08/2019 09:26:38


O ECG NORMAL

especialmente as mulheres (20). Na

raça chinesa, a inversão de T isolada

em V3 também é vista com prevalência

de até 10% (21).

Variações de acordo com a idade

O fator que mais influencia o ECG

é a idade, considerando desde o recém-nascido

até o idoso. O ECG de

recém-nascido e da pediatria no geral

será analisado no capítulo 28. As maiores

diferenças do idoso em relação ao

adulto são: (1) menor amplitude e duração

do complexo QRS e maior intervalo

PR.

85

ECG Completo.indb 85 26/08/2019 09:26:38


CAPÍTULO 4

REFERÊNCIAS

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ECG Completo.indb 86 26/08/2019 09:26:38


O ECG NORMAL

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87

ECG Completo.indb 87 26/08/2019 09:26:38


Artefatos

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

5

INTRODUÇÃO

Artefatos são anormalidades eletrocardiográficas

produzidas por fatores

alheios aos defeitos elétricos cardíacos.

Os artefatos podem ocorrer por problemas

relacionados à técnica de aquisição

do exame (mau posicionamento de

eletrodos) ou a problemas intrínsecos

ao paciente (por exemplo, tremores).

Neste capítulo revisaremos esses

artefatos com dois intuitos: (1) alertar

aos profissionais de saúde como um

simples mau posicionamento pode

trazer consequências deletérias, (2)

treinar o leitor a identificar esses artefatos

e não errar o diagnóstico eletrocardiográfico.

Para evitar problemas, antes da realização

do exame, o médico deve assegurar-se

que o seu eletrocardiógrafo

está configurado adequadamente: em

N, 25 mm/s, com filtros adequados. Verifique

se houve preparação adequada

da pele e revise o posicionamento de

eletrodos no tórax do paciente, certificando-se

que nenhum deles está

solto. Proceda com a obtenção do traçado

em um momento que o paciente

esteja calmo e sem movimentar-se.

Já adianto a dica mais importante

do capítulo: trate o paciente, não seu

eletrocardiograma.

ARTEFATOS DE PREPARAÇÃO

DO EXAME

Já vimos no capítulo 3 as orientações

sobre como fazer a preparação da

pele, grudar os eletrodos na pele do

paciente, e a localização correta dos

eletrodos. Nos próximos parágrafos

veremos o que acontece quando essas

orientações não são seguidas à risca.

Eletrodo solto

Um eletrodo mal aderido à pele

do paciente pode trazer uma linha de

base e um segmento ST errôneos (Figura

1). É comum em pacientes diaforéticos,

pela impossibilidade de conexão

perfeita do eletrodo com a pele,

mas também ocorre por preparação

inadequada da pele e com o uso de

“peras” mal aderidas. Uma boa preparação

da pele com abrasão leve e a

troca de eletrodos cuja aderência não

está boa pode resolver esse problema.

Baseline ondulante

O leitor com alguma experiência

já deve ter se deparado com ECGs

em que a linha de base não era reta,

mas ficava ondulando pelo papel. Isso

ocorre na maioria das vezes por arte-

89

ECG Completo.indb 89 26/08/2019 09:26:38


CAPÍTULO 5

fato de movimento: seja do paciente,

seja da ambulância.

A movimentação da caixa torácica

causou este artefato da figura 2. A movimentação

dos membros do paciente

causou o artefato da figura 3. O movimento

da ambulância causou o artefato

da figura 4.

Para resolução desses problemas, o

primeiro passo é melhorar a preparação

da pele e a aderência dos eletrodos. Pedir

para o paciente parar de se mover e

até respirar enquanto se grava o traçado

pode ser feito. Pedir para a ambulância

parar é sempre uma opção se isso não

trouxer malefícios ao paciente e à equipe.

Figura 1 - Artefato de eletrodo mau posicionado.

Perceba que um leitor menos atento poderia confundir esse traçado com uma grave arritmia ventricular. A dica para perceber que se trata de um artefato

é que, ao mesmo tempo dessa bagunça em D2 e D1, a derivação D3 mostra um ritmo perfeitamente normal. No caso em questão, as derivações

D1 e D2 estão apresentando o mesmo artefato. D1 é a derivação braço esquerdo x braço direito. D2 é braço direito x perna esquerda. O braço direito é o

eletrodo em comum no caso. Um melhor posicionamento do eletrodo resolveria esse problema.

Figura 2 - Artefato de baseline ondulante. Perceba que a baixa frequência de ondulação,

condizente com a respiração do paciente.

90

ECG Completo.indb 90 26/08/2019 09:26:38


ARTEFATOS

Figura 3 - Artefato de movimento do paciente causando baseline ondulante.

Figura 4. Artefato de movimento da ambulância.

Artefato de tremor

O tremor da musculatura peitoral

e de membros dos pacientes pode influenciar

negativamente na obtenção

de um bom traçado. Por ocorrer em

uma frequência de onda similar à dos

componentes do ECG (5 – 50 Hz), os

filtros normalmente não neutralizam o

sinal deste artefato. O tremor tem um

artefato clássico de geração de pseudo-ondas

F de flutter, pseudo fibrilação

atrial e até mesmo pseudo taquicardia

ventricular e o examinador

desatento pode errar o diagnóstico

caso não observe derivações livres de

artefatos e spikes entre o que parece

ser complexo QRS (na verdade os spikes

são os verdadeiros QRS) (Figuras 5

a 7) (1–4). A tabela 1 revisa as frequên-

Figura 5 - Artefato de tremor em ECG causando o aparecimento de pseudo-ondas F em D2

e D3 e simulando um flutter atrial. O examinador atento vai perceber que há onda P bem

visível em um ritmo normal em algumas derivações, como V2.

91

ECG Completo.indb 91 26/08/2019 09:26:39


CAPÍTULO 5

Figura 6 - Paciente com pré-excitação ventricular no ECG basal (não visível nesta tira de ECG).

ECG realizado logo após evento sincopal com características vaso-vagais. Os asteriscos demonstram complexos que aparentam um ritmo de fibrilação atrial

pré-excitada. No entanto, as setas apontam para os “spikes”, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato de tremor.

Figura 7 - Artefato de tremor em ECG causando aparecimento de ondas com aparência similar

a complexos QRS, simulando uma taquicardia ventricular.

O examinador atento vai perceber que nas derivações precordiais, não tão influenciadas por tremor, os complexos QRS possuem frequência muito menor

que em D2. Em D2, podemos observar spikes entre os complexos, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato.

92

ECG Completo.indb 92 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos. A fórmula de

transformação de Hz em oscilações por minuto é: multiplicar por 60.

Componentes do ECG

Batimentos cardíacos

Onda P

QRS

Onda T

Potenciais de alta frequência

Artefatos

Contração muscular

Respiração

Rede elétrica

Campos magnéticos

Frequência

0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)

0,67 Hz – 5Hz

10 – 50 Hz

1 – 7 Hz

100 – 500 Hz

Frequência

5 – 50 Hz

0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)

Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)

> 10 Hz

cias de onda de componentes do ECG

e de artefatos. Perceba que há interseções

entre muitos.

A melhor conduta nessas situações

é a mais simples: resolva os tremores

quando possível. Cubra com uma

manta o seu paciente que sente frio,

promova analgesia adequada para

aquele que sente dor e acalme aquele

que treme de ansiedade. Posicione

os eletrodos nas raízes dos membros

(onde o tremor é atenuado). Em último

caso ou em situações de urgência,

reduza o filtro de alta frequência (passa-baixa)

para 40 Hz (Figura 8).

Artefatos eletromagnéticos

São artefatos de alta frequência

causados pela rede elétrica, por aparelhos

móveis ou por aterramento inadequado

(Figura 9).

Para reduzir artefatos de rede elétrica,

o notch filter (capítulo 3) é ligado

na maioria dos aparelhos. Se o problema

for o aterramento, verifique se a

tomada do eletrocardiógrafo está bem

aterrada e faça um teste de gravar o

ECG usando a bateria do aparelho

(sem conexão com a rede elétrica). O

problema pode estar no aterramento

inadequado de outros aparelhos elétricos

próximos – desligue-os e retire-os

da tomada para testar. Como a

maioria das redes elétricas espalhadas

pelo mundo demonstra uma frequência

de onda de 50 Hz (220 V) ou de 60

Hz (110 V), configurar o aparelho para

um filtro de passa-baixa de 40 Hz também

pode resolver o problema. Lembre-se,

no entanto, que manter o ponto

de corte superior do filtro em 40 Hz

pode reduzir a acurácia do seu exame,

pois alguns componentes do próprio

93

ECG Completo.indb 93 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Figura 8 - Artefato de tremor muscular com filtro de passa-baixa configurado a 150 Hz acima

e 40 Hz abaixo.

Perceba que o artefato foi reduzido, mas persiste. Isso ocorre por que o artefato de musculatura se apresenta numa faixa de frequência de onda entre 5 – 50

Hz, similar à de componentes do ECG como o complexo QRS.

Figura 9 - Artefato de rede elétrica. Perceba a alta frequência dos eventos (se você

observar com uma lupa vai ver que existem milhares de artefatos nessa pequena tira),

comportamento que deixa a linha de base ilegível.

ECG acabariam sendo filtrados. Como

visto no Capítulo 3, a recomendação é

que os filtros sejam padronizados em

0,5 Hz – 150 Hz no adulto (5) e 0,5 Hz –

250 Hz na criança (6).

O uso de aparelhos móveis como

celulares e smartphones pode interferir

não apenas na obtenção do ECG,

mas no funcionamento de outros aparelhos

de uso frequente em ambiente

hospitalar, como monitores, máquinas

de hemodiálise, ventiladores mecânicos,

etc (7). O quanto um aparelho

pode interferir no exame depende de

fatores como: distância; tecnologia do

aparelho móvel – digital ou analógico;

sinal da operadora de telefonia; tecnologia

do equipamento médico em

resistir à interferência eletromagnética.

A recomendação é que o aparelho

94

ECG Completo.indb 94 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

móvel esteja a uma distância de pelo

menos um metro do aparelho no momento

do seu funcionamento (8).

Artefato de compressões torácicas

É sabido que durante uma reanimação

cardiopulmonar, não se deve analisar

o eletrocardiograma do paciente.

É essa uma das razões pelas quais as diretrizes

de ressuscitação cardiopulmonar

fixam a análise de ritmo cardíaco

para cada 2 minutos de compressões

eficazes (9). Este é o momento no qual

a equipe deve afastar-se do paciente,

para que nenhuma fonte de artefato

esteja presente.

A figura 10 mostra um exemplo

de ECG obtido durante compressões

torácicas. A indústria tem trabalhado

no sentido de criar desfibriladores capazes

de remover o sinal na frequência

de onda da compressão para que

o ECG seja analisado concomitante às

compressões torácicas (10–12).

Artefatos de equipamentos médicos

Artefatos de pseudo-ondas F têm

sido descritos em pacientes em hemodiálise.

O Neuro Estimulador Elétrico Transcutâneo

(TENS), estimulador nervoso

periférico (Figura 11) causam artefatos

de alta frequência que podem ser confundidos

com espículas de marca-passo.

Artefato de pulsação arterial

O aparecimento de ondas T bizarras

sem alterações do segmento ST

pode estar associado ao artefato de

Figura 10 - Artefato de compressões torácicas. Perceba que a frequência de compressões está em

torno de 115 por minuto, frequência adequada de acordo com as últimas diretrizes sobre o tema.

95

ECG Completo.indb 95 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Figura 11 - Artefato causado por um neuro-estimulador transcutâneo.

posicionamento de algum eletrodo

dos membros sobre uma artéria do

paciente, como a artéria radial, ulnar,

tibial posterior e dorsal do pé. A pulsação

desta artéria periférica no momento

da onda T acaba por causar

essa distorção que pode facilmente

ser confundida pelo examinador menos

experiente (Figura 12). O artefato

é mais evidente nas derivações do plano

frontal, principalmente naquelas

que dependem diretamente daquele

eletrodo que está em contato com a

artéria. Entretanto, também ocorre nas

precordiais mesmo que estas não estejam

sobre uma artéria, pois devemos

lembrar que as derivações precordiais

são construídas a partir do terminal

central de Wilson e este a partir das

derivações dos membros (13).

MAU POSICIONAMENTO DE

ELETRODOS

O mau posicionamento de eletrodos

é extremamente danoso para o

paciente. Nem todo examinador está

Figura 12 - Artefato de pulsação arterial.

O posicionamento de um eletrodo sobre uma artéria periférica do

paciente, por exemplo, a radial, leva ao aparecimento de ondas T de

amplitudes e durações bizarras. Lembre-se que mesmo as derivações

precordiais são afetadas porque o terminal central de Wilson depende

das derivações dos membros.

96

ECG Completo.indb 96 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

apto para percebê-lo e condutas podem

ser tomadas baseadas nesse artefato.

É estimado que em até 4% dos

exames realizados em unidades de

terapia intensiva haja artefatos (14). A

impressão do autor é que esse número

é ainda maior no Brasil. Para a análise

desse problema, Baranchuk criou um

algoritmo chamado REVERSE que

está presente na tabela 2 (15).

Vamos analisar cada troca. A tabela 3

traz um interessante resumo.

Tabela 2 - Mnemônico REVERSE para mau posicionamento de eletrodos.

Letra Achado anormal Significado

R R e P positivas em aVR.

Troca de eletrodos de braço esquerdo por

braço direito.

E Extremo desvio de eixo (entre + 180º e – 90º).

Troca de eletrodos do braço esquerdo por

braço direito.

V

“Very low” amplitude em alguma derivação Troca de eletrodo da perna direita por um dos

(linha reta isolada).

braços

E “Estranha” amplitude de P (P D1 > P D2).

Troca de eletrodo de braço esquerdo por perna

esquerda.

R R que progride anormalmente de V1 a V6.

Mau posicionamento ou troca de eletrodos

precordiais.

S Suspeita de Dextrocardia (P negativa em D1). Troca de braço esquerdo por braço direito.

E

Eliminar artefatos e interferências.

Tabela 3 - Resumo das trocas de eletrodos. BE = Braço esquerdo. BD = braço direito. PE =

perna esquerda. PD = perna direita.

Troca D1 D2 D3 V1-V6

BE/BD - D1 D3 D2 Inalterado

BE/PE D2 D1 - D3 Inalterado

BD/PE - D3 - D2 - D1 Inalterado

PD/qualquer Possível assistolia Possível assistolia Possível assistolia Distorcido

97

ECG Completo.indb 97 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Troca de eletrodo de braço esquerdo

por braço direito

É a troca mais comum na prática

clínica. E, por sorte, é facilmente reconhecível

no ECG em ritmo sinusal. A

negatividade da onda P e do complexo

QRS em D1 nunca ocorre em corações

normais e é muito raro mesmo em corações

doentes. Pela substituição, todo

o triângulo de Einthoven está alterado:

aVR vira aVL e vice-versa. D2 vira D3 e

vice-versa. V1 a V6 permanecem inalterados

(Figuras 13 e 14).

Figura 13 - Na troca de eletrodos de braços, é assim que fica a nova disposição das

derivações: D1 se inverte (vira “– D1”), D2 vira D3 e vice-versa. Em vermelho, o vetor cardíaco

normalmente esperado. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 14 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, a troca foi de braço esquerdo

por braço direito. Perceba que D1 vira D1 negativo, D2 vira D3 e D3 vira D2.

98

ECG Completo.indb 98 26/08/2019 09:26:41


ARTEFATOS

Troca de eletrodo de braço esquerdo

por perna esquerda

A substituição do braço esquerdo

por perna esquerda leva a uma

primeira consequência óbvia: D1

se transforma no que antes era D2.

Além disso, D3 vira “– D3”. Além disso,

aVL vira aVF e vice-versa. A dica

para encontrar essa troca é perceber

a P de D1 mais ampla que a P

de D2 (sinal de Abdollah), além de

um D3 com P negativa (16). (Figuras

15 e 16).

Figura 15 - Na troca de eletrodos de braço por perna esquerda, D1 se transforma no que

antes era D2 e vice-versa. D3 agora é um “-D3”. Em vermelho, o vetor cardíaco normal. BE

= braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 16 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, foi trocado braço esquerdo por

perna esquerda. Perceba que D1 vira D2 e D2 vira V1. D3 agora é D3 negativo. Observe

que a P de D1 é mais ampla que a P de D2.

99

ECG Completo.indb 99 26/08/2019 09:26:41


CAPÍTULO 5

Troca de eletrodo de braço direito

por perna esquerda

Aqui, as derivações assumem posições

negativas. D1 se transforma em

“– D3”, D2 vira “-D2”, e D3 vira “- D1”.

Então, a dica é observar P negativa em

D1, D2 e D3 ao mesmo tempo (Figuras

17 e 18).

Figura 17 - Na troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda, D1 se transforma

em “- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”. Em vermelho, o

vetor cardíaco normal. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 18 - Troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda. D1 se transforma em

“- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”.

100

ECG Completo.indb 100 26/08/2019 09:26:41


ARTEFATOS

Troca de eletrodo de perna direita

por algum outro

Quando isso ocorre, o triângulo de

Einthoven é desfeito. Uma das derivações

D1, D2 ou D3 vai se transformar

na diferença de potencial entre a perna

esquerda e a perna direita, o que

é irrelevante em termos de vetor cardíaco,

gerando uma linha reta naquela

derivação (“pseudo-assistolia”). Veja

as figuras 19 a 22 para entender. Se

houver assistolia em D1 é sinal de troca

BD-PD e BE-PE ao mesmo tempo; se

em D2, a troca foi BD-PD; e se em D3

troca foi BD-PE (17).

Devido ao fato do triângulo de Einthoven

ser desfeito, as derivações precordiais

são distorcidas, não devendo

ser avaliadas (18).

Figura 19 - Entenda o que ocorre na troca de eletrodo da perna direita (eletrodo “terra”).

Em “a”, por troca de eletrodo de perna direita por braço direito, o eletrodo do braço direito ficou próximo do eletrodo da perna esquerda, em

uma posição que é irrelevante para o registro de diferenças de potenciais. Nesse caso, a derivação formada pela interação dos eletrodos de braço

direito e perna esquerda (D2) é neutralizada, aparecendo como uma linha reta (“pseudo-assistolia”) no ECG. Em “b”, com a substituição de braço

esquerdo por perna direita, D3 é a derivação neutralizada. Em “c”, numa troca dupla de braço direito por perna direita e de braço esquerdo por

perna esquerda, D1 fica neutralizado, registrando uma “pseudo-assistolia”. LA = left arm, braço esquerdo; LL = left leg, perna esquerda; RA =

right arm, braço direito.

Figura 20 - ECG de troca dupla de eletrodos: braço direito por perna direita e braço

esquerdo por perna esquerda. Perceba a “pseudo assistolia” em D1.

101

ECG Completo.indb 101 26/08/2019 09:26:42


CAPÍTULO 5

Figura 21 - ECG de troca de eletrodos de braço direito por perna direita. Observe que D2

está apresentando “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo

de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das

figuras 14 e 16).

Figura 22 - ECG de troca de eletrodos entre braço esquerdo e perna direita. Observe

que D3 apresenta “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo

de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das

figuras 14, 16 e 21).

102

ECG Completo.indb 102 26/08/2019 09:26:42


ARTEFATOS

A troca de eletrodos de perna direita

por perna esquerda, em teoria, não

altera o eletrocardiograma seja no plano

frontal como no plano horizontal.

Posicionamento alto de eletrodos

precordiais

Quando o assunto é posicionamento

errado de eletrodos precordiais, a

taxa de erros é ainda maior, chegando

a 50% dos exames realizados por técnicos

experientes (19). Como vimos no

capítulo 1, V1 e V2 devem estar no

quarto espaço intercostal, V4 a V6 no

quinto espaço intercostal e V3 no meio

do caminho entre V2 e V4. As derivações

V1 e V2 são classicamente as mais

atingidas por erros de posicionamento.

Em alguns serviços chegamos a ver

o absurdo de se ter como padrão o posicionamento

de V1 e V2 no segundo

espaço intercostal. O típico exemplo

de um conhecimento que se perdeu

com a falta de atualização.

Um padrão visto em casos de

posicionamento alto de eletrodos é

a onda P exclusivamente negativa

acompanhada de um complexo QRS

com padrão rSr’. Da mesma forma,

uma onda P que se apresente com

padrão plus-minus com porção negativa

mais ampla que a positiva em

V1 e V2 também pode ser um sinal

desse mau posicionamento. Esses

achados ocorrem porque os eletrodos

ficam superiores ao átrio (20).

Ao achado de um padrão rSr’, o ECG

deve ser repetido sob olhos atentos

de um examinador experiente, para

que o posicionamento errado de eletrodos

seja detectado (Figura 23).

Elevar o posicionamento de eletrodos,

na verdade, pode ser útil em

uma situação clínica: aumentar a sensibilidade

do eletrocardiograma em

encontrar um padrão de Síndrome de

Brugada (21). Como veremos no capítulo

24, o ECG pode ser realizado com

V1 e V2 localizados um e dois espaços

intercostais acima do normal.

Posicionamento baixo de eletrodos

precordiais

Artefato comum em mulheres com

mamas grandes. O posicionamento

das precordiais V3 e, principalmente,

V4 pode gerar dúvidas quando o exame

é realizado neste tipo de paciente.

Há controvérsias se o posicionamento

do eletrodo V3 sobre a mama pode

atenuar sua amplitude ao passo que

pode aumentar as amplitudes de V5

e V6 (22). Outros autores encontraram

variações insignificantes nas amplitudes

dos complexos quando as derivações

são posicionadas sobre ou sob a

mama (23). A recomendação é que se

posicione sob a mama (24).

103

ECG Completo.indb 103 26/08/2019 09:26:42


CAPÍTULO 5

Figura 23 - ECG de posicionamento alto de eletrodos V1 e V2 no tórax (2º espaço

intercostal ao invés do 4º espaço, que é o local preconizado). Observe a onda P

totalmente negativa em V1 e pouco positiva em V2.

104

ECG Completo.indb 104 26/08/2019 09:26:43


ARTEFATOS

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ECG Completo.indb 105 26/08/2019 09:26:43


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106

ECG Completo.indb 106 26/08/2019 09:26:43


Anormalidades atriais

José Nunes de Alencar Neto

Antoni Bayés de Luna

CAPÍTULO

6

INTRODUÇÃO

Antes de começar a falar sobre as

anormalidades atriais possivelmente

avaliadas em um ECG, vamos lembrar

as características da despolarização

atrial no ECG: representada pela

onda P, que é composta pela atividade

atrial direita na sua primeira metade

e esquerda na segunda metade,

com um breve intervalo de interseção

entre elas. Ela pode ter até 2,5

mm de amplitude em D2 e durar no

máximo 100 ms (dois quadradinhos

e meio). Em V1 a onda P costuma

apresentar um padrão plus-minus e

pode ter até 1,5 mm de amplitude na

porção positiva e 1,0 mm na porção

negativa.

Os átrios podem dilatar-se e, em

casos muito severos, aumentar sua

massa miocárdica (“hipertrofiar”), mas

é mais comum encontra-lo dilatado.

Por isso, no capítulo usaremos o termo

“sobrecarga” quando nos referirmos a

este fenômeno. Também é importante

frisar que os bloqueios atriais são entidades

distintas da dilatação/sobrecarga/hipertrofia,

assim como o que

ocorre nos ventrículos. E n t r e t a n t o ,

com muita frequência o bloqueio atrial

foi consequência da dilatação, motivo

pelo qual seus achados são encontrados

em conjunto no mesmo paciente,

levando a uma difícil, mas de relevância

crescente, avaliação das anormalidades

atriais (1). Existem achados de

bloqueio atrial isolados que serão revisados

neste capítulo.

SOBRECARGA ATRIAL DIREITA

As alterações miocárdicas atriais

direitas alteram a primeira metade da

onda P e o fazem com aumento de

amplitude, como foi descrito por Kahn

pela primeira vez em 1927 em pacientes

asmáticos (2). Como o átrio direito

despolariza de posterior para anterior

e de cima para baixo, classicamente,

as melhores derivações para que sejam

visualizadas alterações atriais são

D2, V1 e V2. Além disso, por promover

uma mudança na conformação anatômica

cardíaca, trazendo o átrio para

uma região cada vez mais anterior no

tórax do paciente, a sobrecarga atrial

direita também leva a alterações do

complexo QRS também em V1 e no

eixo cardíaco. Os critérios que serão

107

ECG Completo.indb 107 26/08/2019 09:26:43


CAPÍTULO 6

demonstrados a partir do próximo parágrafo

possuem boa especificidade (>

90%), mas um perfil de sensibilidade

que deixa a desejar (< 50%) (3).

Os critérios de sobrecarga atrial direita

avaliados pela onda P são: (a) P ≥

2,5 mm em derivações inferiores; e (b)

porção positiva de V1 ou V2 ≥ 1,5 mm.

O aumento da amplitude da onda P em

derivações inferiores é a definição do

termo “onda P pulmonale” (Figura 1).

O achado de uma P pulmonale é muito

mais sensível para o diagnóstico de

doenças pulmonares obstrutivas como

asma e doença pulmonar obstrutiva

crônica (DPOC) (sensibilidade de 86%)

e doenças pulmonares parenquimatosas

do que para o diagnóstico de alterações

atriais primárias (4). A onda “P

congenitale”, por sua vez, costuma alterar

a alça vetorcardiográfica da onda

P para que esta aponte um pouco mais

para esquerda e muito mais para anterior.

Sendo assim, a P congenitale se

apresenta com uma P ampla e positiva

em V1 e V2 (≥ 1,5 mm) (Figura 2).

Figura 1 - P pulmonale. Aumento da amplitude da P em derivações inferiores do plano frontal.

Figura 2 - P congenitale. Aumento da amplitude da porção inicial positiva da P em V1.

108

ECG Completo.indb 108 26/08/2019 09:26:43


ANORMALIDADES ATRIAIS

Os critérios de Kaplan, propostos em

1994, são os que possuem melhor perfil

de sensibilidade e especificidade (49

e 100%, respectivamente): P ≥ 1,5 mm

em V2 associado a um desvio de eixo

elétrico de QRS para a direita (> 90º) e

uma onda R > S em V1 (na ausência de

BRD) (3).

Os critérios de sobrecarga atrial

direita avaliados por alterações indiretas

no complexo QRS são: (a) morfologia

qR em V1; (b) aumento de > 2x

de amplitude do complexo QRS de V1

para V2; (c) R>S em V1 e eixo desviado

para direita (≥ + 90º). A morfologia qR

em V1 é indicativo de sobrecarga ventricular

direita (Figura 3) – o ventrículo

mais anteriorizado desvia o eixo para

perpendicular a V1 – e é chamado de

“sinal de Sodi Pallares” (Figura 4) e

tem uma sensibilidade de 15% e uma

especificidade de > 95% para concomitante

sobrecarga atrial direita (5).

O aumento de > 3x de amplitude do

complexo QRS de V1 para V2 é chamado

“sinal de Peñaloza-Tranchesi”

e é explicado pela anteriorização

do átrio direito crescido no tórax do

paciente que atua como uma barreira

ao estímulo elétrico, levando a um

complexo pouco amplo em V1 e muito

amplo em V2 (6). O sinal de Peñaloza-Tranchesi

tem um perfil de sensibilidade

melhor que os demais sinais já

descritos: 85%, mas perde em especificidade

(60%). O achado de um complexo

QRS < 4 mm em V1, somado a

um aumento > 5x, ou seja, maior que

20 mm, em V2, traz um valor preditivo

positivo de 86%, que chamaremos de

sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves

(Figura 5) (7).

Figura 3 - O sinal de Sodi-Pallares é um indicativo de sobrecarga ventricular direita.

Acontece que com a hipertrofia muscular, o ventrículo direito assume uma posição mais

anterior no tórax, desviando o primeiro vetor de despolarização septal ventricular para

longe de V1 e o complexo QRS para perpendicular.

109

ECG Completo.indb 109 26/08/2019 09:26:44


CAPÍTULO 6

Figura 4 - Sinal de Sodi-Pallares em V1. Além disso, desvio de eixo para direita e sobrecarga

ventricular direita.

Figura 5 - Sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves: aumento

de 5x da amplitude do QRS de V1 para V2.

A tabela 1 resume os achados eletrocardiográficos

possíveis de serem

encontrados em sobrecargas atriais

direitas. As figuras 6 e 7 exemplificam

a sobrecarga atrial direita.

Alguns fatores devem ser levados

em consideração quando o examinador

avaliar a onda P em busca de

sobrecarga atrial direita. Em primeiro

lugar, a voltagem da onda P sofre

influência de fatores extracardíacos

como hipóxia e estimulação simpática,

que aumentam a sua amplitude;

ou enfisema que age como uma

barreira e diminui a sua amplitude.

O bloqueio interatrial pode fazer desaparecer

os critérios de sobrecarga

atrial direita; e a P de amplitude elevada

em derivações inferiores podem

estar presentes em patologias

exclusivas do átrio esquerdo ou hipocalemia

(“pseudo P-pulmonale”)

(Figura 8) (8,9).

As patologias que cursam com sobrecarga

atrial direita são justamente

as pulmonares obstrutivas e que envolvem

aumento da pressão pulmonar

e patologias congênitas como Tetralogia

de Fallot, estenose de artéria pulmonar

e Anomalia de Ebstein.

110

ECG Completo.indb 110 26/08/2019 09:26:45


ANORMALIDADES ATRIAIS

Tabela 1 - Critérios de sobrecarga atrial direita (1,3,7).

Critério S (%) E (%)

QR ou qR em V1 (Sodi-Pallares). 15 > 95

QRS V1 ≤ 4 mm + QRS V2 5x maior que V1 (Peñaloza-Tranchesi-Reeves). 46 93

R > S em V1. 25 > 95

Eixo QRS > + 90º. 34 > 95

P > 2,5 mm em derivações inferiores. 6 100

Porção positiva da P > 1,5 mm em V1. 17 > 95

Porção positiva da P > 1,5 mm em V2. 33 100

Porção positiva da P > 1,5 mm + desvio do eixo elétrico de QRS para direita (além de +

90º) + onda R > S em V1 (na ausência de BRD).

49 100

Figura 6 - Sobrecarga atrial direita.

Figura 7 - Sobrecarga atrial direita (P mais ampla que 2,5 mm em derivações inferiores).

Além disso, desvio do eixo elétrico para direita (+ 90º) por bloqueio divisional póstero-inferior

e sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves.

111

ECG Completo.indb 111 26/08/2019 09:26:45


CAPÍTULO 6

Figura 8 - Pseudo P-pulmonale por

hipocalemia (9).

Figura 9 - Sinal de Morris em V1. P com porção

negativa mais longa de 40 ms

(1 quadradinho) e mais ampla que 0,1 mV

(1 quadradinho).

SOBRECARGA ATRIAL

ESQUERDA

Os critérios de sobrecarga atrial esquerda

(P mitrale) serão descritos nos

próximos parágrafos. Atente para a

importância da derivação V1 nos próximos

parágrafos. Vamos quebrar um

paradigma.

A avaliação da onda P em V1 pode

demonstrar uma P com porção negativa

de duração maior que 40 ms (1

quadradinho). Quando a porção negativa

de V1 dura mais que 40 ms e tem

amplitude ≥ 1 mm, o índice de Morris

está presente, um sinal muito específico

de sobrecarga atrial esquerda (SAE)

(10) (Figura 9). A combinação de uma

porção negativa de P que dura mais

que 40 ms em V1 com uma P que dura

mais que 120 ms em D2 é mais um

sinal que pode ser buscado (sensibilidade

50% e especificidade 87%) (11).

Se adicionarmos à fórmula também a

amplitude da porção negativa da P em

V1 ≥ 0,1 mV (ou seja, índice de Morris +

duração de P ≥ 120 ms), então já temos

uma redução importante da sensibilidade,

mas com alta especificidade.

Uma P que dura mais que 120 ms

em D2, D3 e aVF isoladamente (sem

associação com a duração prolongada

em V1) é um sinal mais associado a bloqueio

interatrial que com SAE quando

avaliados por ecocardiograma e ressonância

magnética atrial (12,13). A SAE

pode apresentar P ≥ 120 ms associado

a mais um critério que demonstra que

o átrio esquerdo cresceu em seu eixo

posterior. O melhor critério é o índice de

Morris positivo, ainda que, sobretudo

em idosos, pode haver SAE com índice

de Morris negativo devido à presença

de fibrose atrial, e sempre que o eletrodo

está bem posicionado no 4º espaço

112

ECG Completo.indb 112 26/08/2019 09:26:46


ANORMALIDADES ATRIAIS

Tabela 2 - Critérios de sobrecarga atrial esquerda (1,10,13).

Critério S (%) E (%)

Porção negativa da P em V1 ≥ 40ms e 0,1mV (Índice de Morris) sempre que o eletrodo de

V1 está bem posicionado no 4º espaço intercostal.

69 93

P ≥ 120 ms D2 + porção negativa da P em V1 ≥ 40ms. 50 87

P ≥ 120 ms D2 + índice de Morris em V1. 20 91

P ≥ 120 ms em D2, D3 ou aVF. 60 35

Figura 10 - ECG exemplificando sobrecarga atrial esquerda.

Observe o sinal de Morris presente em V1 e se estendendo até V2, o que aumenta sua especificidade. Também, a duração da onda P nas derivações

inferiores é ≥ 3 quadradinhos.

Figura 11 - ECG exemplificando SAE. Perceba o índice de Morris presente em V1 e se estendendo

até V2.

113

ECG Completo.indb 113 26/08/2019 09:26:46


CAPÍTULO 6

intercostal. Esse tema será revisado na

próxima seção. Não deixe de ler.

Uma relação P/PR > 1,6 é conhecido

como Sinal de Macruz e é mais um sinal

de sobrecarga atrial esquerda (14).

A tabela 2 resume os possíveis

achados de sobrecarga atrial esquerda.

As figuras 10 e 11 mostram exemplos

de sobrecarga atrial esquerda.

Você viu a importância da derivação

V1 (não de D2, D3 e aVF) para

o diagnóstico dessa anormalidade.

Também viu, no capítulo 5, que um

dos artefatos mais comuns da prática

clínica é o posicionamento incorreto

de V1 e V2 no tórax (no 2º

ou 3º espaço intercostal, ao invés

do correto 4º espaço). Pois bem, o

artefato gerado por esse posicionamento

incorreto é justamente

a presença de uma P com porção

negativa mais ampla nessas derivações.

O pectus excavatum pode

também simular uma P de porção

negativa evidente em V1, o que

pode falsear o diagnóstico eletrocardiográfico

de sobrecarga atrial

esquerda.

É importante citar que em alguns

pacientes jovens com estenose mitral

sem doença atrial avançada, uma P

apiculada (pseudo P-pulmonale) sem

aumento da duração da P em D2, D3

e aVF pode ocorrer. Este é mais um

motivo para que você valorize V1,

sempre que o eletrodo estiver bem

posicionado no 4º EIC, e não as derivações

inferiores se quer investigar

SAE (Figura 12) (1).

A sobrecarga atrial esquerda está

presente em patologias como estenose

mitral, cardiomiopatia dilatada,

hipertensão arterial e doença arterial

coronária.

Figura 12 - ECG de um paciente com doença valvar mitro-aórtica e diagnóstico recente.

Observe a curta duração da P e o padrão apiculado em derivações inferiores (pseudo P-pulmonale). O índice de Morris presente em V1 dá a pista para

o diagnóstico de sobrecarga atrial esquerda (1).

114

ECG Completo.indb 114 26/08/2019 09:26:47


ANORMALIDADES ATRIAIS

O diagnóstico eletrocardiográfico

de SAE é atualmente motivo de discussão,

devido à baixa sensibilidade

dos critérios expostos e ao fato de que

não há evidência de que o eletrodo V1

tenha sido posicionado corretamente

nos estudos citados (15). Novos estudos

são necessários para confirmar esses

dados.

BLOQUEIO INTERATRIAL

É importante que o leitor entenda

neste momento que o BIA pode ocorrer

na ausência de sobrecarga atrial

esquerda ainda que às vezes estejam

associados.

A condução interatrial, ou seja, do

átrio direito, de onde nasce o estímulo,

para o átrio esquerdo se dá através das

células de Bachmann em 2/3 dos casos.

Em 1/3 dos casos, essa condução

ocorre através da fossa oval. Raramente

através do seio coronário (16).

Foram definidos em consenso (17)

três critérios para que se faça o diagnóstico

de BIA: (a) o padrão eletrocardiográfico

pode aparecer transitoriamente

e pode mudar abrupta e

progressivamente para formas mais

avançadas; (b) o padrão eletrocardiográfico

pode aparecer sem a concomitância

de uma sobrecarga atrial

esquerda; (c) o padrão eletrocardiográfico

pode ser reproduzido experimentalmente

(18,19).

O BIA pode ser de primeiro, segundo

ou terceiro grau. O BIA de primeiro

grau tem uma onda P que dura mais

que 120 ms. Ela é bífida, ou seja, possui

dois picos.

O BIA de terceiro grau ocorre porque

o impulso é bloqueado em Bachmann

e também na fossa oval, havendo

passagem apenas pelo seio

coronário, situado em uma área inferior

do átrio. Nesse caso, a onda P

também terá uma duração prolongada,

mas associada a uma onda P que

é plus-minus em D2, D3 ou aVF, com

a primeira porção positiva evidenciando

o estímulo elétrico propagando-

-se do nó sinusal até as regiões mais

inferiores do átrio direito, e a porção

negativa subsequente demonstrando

o átrio esquerdo despolarizando da região

mais inferior (seio coronário) até a

mais superior (Figura 13).

A presença de BIA de terceiro grau

está intimamente relacionada ao aparecimento

de arritmias supraventriculares,

principalmente fibrilação ou flutter

atrial (20).

A tabela 3 resume os achados do

BIA e as figuras 14 e 15 o exemplificam.

O BIA de segundo grau é a evolução

de condução interatrial normal para o

padrão de primeiro grau ou de primeiro

grau para terceiro grau de maneira

intermitente no mesmo traçado ou em

momentos diferentes (17,21). As figuras

16 e 17 exemplificam o BIA de segundo

grau. Leia as legendas.

115

ECG Completo.indb 115 26/08/2019 09:26:47


CAPÍTULO 6

Figura 13 - Bloqueios interatriais.

Em A, temos a ativação atrial normal: estímulo nascendo no nó sinusal em uma região superior do átrio e ganhando no átrio

direito de superior para inferior através das células internodais (1) e o átrio esquerdo através das células de Bachmann (2). Em B,

temos um atraso de importante da condução em Bachmann, deixando a onda P bimodal (dois picos). Em C, podemos observar

o que ocorre quando o estímulo não atravessa mais as células de Bachmann para ganharem o átrio esquerdo e o faz pelo seio

coronário (região mais inferior), ativando o átrio esquerdo de inferior para superior (vetor 2), trazendo forças superiores na alça

da P em plano frontal e deixando a segunda porção da P negativa em D2. Adaptado de Bayés de Luna.

Tabela 3 - Tipos de bloqueio interatrial e critérios. É importante lembrar que para o

diagnóstico do bloqueio interatrial isolado é necessário que não haja índice de Morris ou

duração prolongada da porção negativa da P em V1.

Grau

Critérios

Primeiro grau

P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia bífida.

Segundo grau

Primeiro ou terceiro grau intermitentes.

Terceiro grau

P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia plus-minus.

116

ECG Completo.indb 116 26/08/2019 09:26:47


ANORMALIDADES ATRIAIS

Figura 14 - Exemplo de BIA de primeiro grau (parcial) em paciente com bloqueio de ramo

direito e bloqueio da divisão anterossuperior do ramo esquerdo. Perceba a ausência do

índice de Morris em V1.

Figura 15 - Exemplo de BIA de terceiro grau (avançado). Perceba a ausência do índice de

Morris em V1. Pode existir SAE comprovada por ecocardiografia na ausência do índice de

Morris devido à fibrose atrial.

117

ECG Completo.indb 117 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

Figura 16 - A: ECG de um paciente de 77 anos com cardiomiopatia hipertrófica (CMP-h) a

uma frequência de 70 bpm demonstrando uma onda P que dura 160 ms (BIA de 1º grau)

e QRS com padrão de sobrecarga ventricular e strain. B: durante um episódio febril, com

uma frequência cardíaca em torno de 100 bpm, a onda P agora apresenta duração de 170

ms e morfologia plus-minus em D2, D3 e aVF (BIA de 3º grau). O padrão retornou ao basal

quando foi corrigida a febre (21).

Figura 17 - Tira de um D2 longo de um paciente de 82 anos com extrassístoles ventriculares

frequentes.

Os primeiros dois batimentos demonstram BIA de 3º grau (P ≥ 120 ms plus-minus em D2). A primeira onda P após a pausa pós-extra-sistólica

apresenta uma morfologia normal. Este é um exemplo de BIA de segundo grau induzido por uma pausa compensatória (21).

118

ECG Completo.indb 118 26/08/2019 09:26:48


ANORMALIDADES ATRIAIS

BIAs atípicos (Figura 18)

Nem todos os BIAs se encaixam

perfeitamente nos critérios propostos

por Bayés de Luna. Por isso, recentemente,

ele mesmo definiu os

BIAS atípicos. Os BIAs podem ser

atípicos por morfologia ou por duração.

Quando atípicos por morfologia,

podemos ter três tipos diferentes.

Quando atípicos por duração, uma

morfologia pode ser encontrada. Vamos

ver (Tabela 4):

Quando atípicos por morfologia,

temos três tipos: (a) Tipo 1: P ≥ 120 ms

bifásica em D3 e aVF mas com um componente

final isodifásico em D2 (dá a

impressão que a P tem uma duração

menor em D2 que nas demais); (b) P ≥

120 ms em D3 e aVF, mas com um componente

final minus-plus (-+) em D2; (c)

P ≥ 120 ms em D2 mas com um componente

inicial isodifásico em D3 e aVF (dá

a impressão de que a P em D2 começou

antes ou que se trata de um ritmo atrial

baixo ou juncional) (Figuras 18 e 19) (22).

Quando atípicos por duração, temos

uma P plus-minus (+-), mas com

duração < 120 ms em D2, D3 e aVF (Figura

19).

Tabela 4 - BIAs atípicos.

Tipos

Achados eletrocardiográficos

Morfológico tipo I P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final isodifásica em D2.

Morfológico tipo II P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final minus-plus em D2.

Morfológico tipo III

P ≥ 120 ms em D2 com morfologia plus-minus, mas em D3 e aVF a

porção inicial é isodifásica seguida por inscrição negativa da P.

Atípico por duração

P plus-minus com duração < 120 ms.

119

ECG Completo.indb 119 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

Figura 18 - A: BIA avançado. B: BIA atípico por duração (P plus-minus, mas < 120 ms em D2,

D3 e aVF). C: BIA atípico por morfologia tipo I (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção

final isodifásica em D2). D: BIA atípico por morfologia tipo II (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas

com porção final bifásica em D2). E: BIA atípico por morfologia tipo III (P ≥ 120 ms em D2,

mas com porção inicial isodifásica em D3 e aVF associadas a porções finais negativas) (22).

Figura 19 - Exemplos eletro e vetorcardiográficos dos diferentes tipos de bloqueios

interatriais atípicos por morfologia.

A: onda P normal.

B: tipo 1, em que a P tem uma porção final isodifásica em D2, dando impressão de menor duração.

C: tipo 2, em que a P tem uma porção final bifásica minus-plus em D2.

D: tipo 3, em que a P tem uma porção inicial isodifásica em D3 e aVF, dando uma impressão de que começa antes em D2, todas seguidas de porções

finais negativas, dando a falsa impressão de ritmo atrial baixo ou juncional (22).

120

ECG Completo.indb 120 26/08/2019 09:26:48


ANORMALIDADES ATRIAIS

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121

ECG Completo.indb 121 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

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122

ECG Completo.indb 122 26/08/2019 09:26:48


Sobrecargas ventriculares

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

7

INTRODUÇÃO

Bem-vindos ao capítulo dos critérios!

A sobrecarga ventricular direita ou

esquerda pode ocorrer como dilatação

ou hipertrofia. A hipertrofia pode

estar delimitada ao septo e ao ápice

ou difundida pelo coração. O comprometimento

hemodinâmico ventricular

pode se dar por sobrecarga sistólica,

quando a ejeção está prejudicada, ou

diastólica, quando o enchimento está

excessivo. A sobrecarga sistólica, sinônimo

de sobrecarga de pressão, que

ocorre na estenose aórtica ou hipertensão,

acaba resultando mais comumente

em hipertrofia concêntrica ou

difusa; já a sobrecarga diastólica, ou de

volume, caso das insuficiências aórtica

e mitral, tende a gerar hipertrofia excêntrica

ou dilatada (1) (Figura 1).

A diferenciação eletrocardiográfica

entre sobrecarga sistólica e diastólica

foi proposta por Cabrera e Monroy em

1952, mas carece de correlação com

exames de imagem. Na verdade, o

que era descrito como padrão de sobrecarga

diastólica, ondas R não tão

altas acompanhada de leves elevações

do segmento ST e ondas T apiculadas

e simétricas (2,3), atualmente é tido

como um estágio precoce da sobrecarga

sistólica. Entretanto, os critérios

Figura 1 - Padrões de geometria ventricular normal e alteradas. IMV = índice de massa

ventricular. Adaptado de Bayés de Luna (1).

123

ECG Completo.indb 123 26/08/2019 09:26:49


CAPÍTULO 7

são pouco sensíveis para essa diferenciação.

No capítulo, usaremos apenas

o termo “sobrecarga ventricular” para

definir a presença dos critérios que

discutiremos.

A importância de se estudar a sobrecarga

ventricular se dá pelo fato de

que esta entidade está associada a um

maior risco de arritmias ventriculares e

morte súbita (4–6).

SOBRECARGA ELÉTRICA X

SOBRECARGA ANATÔMICA

Os critérios eletrocardiográficos de

sobrecarga ventricular esquerda que

serão apresentados nesse capítulo carecem

de sensibilidade (normalmente

< 25%), porém apresentam boa especificidade

(> 95% em algumas publicações).

Para lembrar, sensibilidade é a

capacidade de um teste encontrar um

resultado positivo entre os verdadeiros

positivos comparados ao exame

padrão-ouro (no caso em questão ventriculografia

ou ecocardiograma). Portanto,

falar que a sensibilidade desses

critérios é baixa significa dizer que eles

estão encontrando muitos resultados

negativos em pacientes que possuem

ecocardiogramas alterados (falso-negativos,

portanto).

Uma das possíveis razões para o

acontecimento disso é a teoria de que

a sobrecarga elétrica é uma entidade

diferente, mas com vários pontos de

interseção, da sobrecarga anatômica

definida pelos exames de imagem. Os

fundamentos dessa hipótese são: (a)

algumas alterações elétricas parecem

preceder as alterações anatômicas

(7,8); (b) o prognóstico dessas alterações

eletrocardiográficas é pior do que

das alterações ecocardiográficas (9).

Esses achados sugerem que a sobrecarga

elétrica pode ocorrer na ausência

de sobrecarga anatômica (10).

FATORES QUE INFLUENCIAM

OS CRITÉRIOS

ELETROCARDIOGRÁFICOS DE

SOBRECARGA VENTRICULAR

É lógico pensar que sexo e idade

podem alterar os critérios de amplitude

que serão demonstrados nesse

capítulo, visto que seus valores de normalidade

também são diferentes.

A distância do coração aos eletrodos

também é um fator influenciador,

visto que altera a voltagem dos complexos

nas derivações precordiais (11).

Há um efeito presente no campo

das teorias que também precisa ser levado

em consideração: quando há um

aumento no volume de sangue em

um ventrículo gerando também um

aumento do seu volume e dilatação da

câmara, mesmo que transitória e sem

efeito direto na estrutura do músculo

cardíaco, há um aumento de amplitude

nas derivações precordiais. Este é o

chamado “efeito Brody” e se deve à

condutividade elétrica das células sanguíneas

presentes em abundância no

ventrículo alargado (12,13). Resumindo,

um paciente com maiores volumes

diastólicos tende a apresentar ondas

R mais amplas nas derivações precordiais.

Há uma contradição óbvia nessa

124

ECG Completo.indb 124 26/08/2019 09:26:49


SOBRECARGAS VENTRICULARES

teoria: você já deve ter visto pacientes

com disfunção grave de VE, portanto

com volumes diastólicos aumentados,

e baixa amplitude de complexos

QRS. A explicação para esse “paradoxo”

pode ser a presença de líquido alveolar

nestes pacientes, o que reduziria

a resistência à passagem do estímulo

pelos pulmões e reduziria a voltagem

dos complexos (14–16). A avaliação de

amplitudes de complexo QRS pode ser

usada, por exemplo, para avaliar a presença

de hipovolemia (17).

Por fim, até a correlação entre a

massa ventricular e o tamanho da cavidade

parece influenciar na amplitude

dos complexos. Quando o tamanho

da cavidade é normal e suas paredes

alargadas, então o complexo é mais

amplo. Ao passo que mesmo que as

paredes estejam alargadas, em caso

de redução do tamanho da cavidade,

a amplitude dos complexos tende a

reduzir (18).

UM NOVO MODELO DE

AVALIAÇÃO DE SOBRECARGA

VENTRICULAR

Você já deve ter percebido que o

eletrocardiograma é uma ferramenta

dinâmica. Só nesse capítulo já aprendemos

que até o volume sanguíneo

intraventricular e o líquido alveolar

podem influenciar na sua análise. Ainda

mais fundamental que esse dado é

o conhecimento de que esse fantástico

exame avalia não só os fenômenos

elétricos cardíacos, mas também é

influenciado pela sua mecânica e bioquímica.

Na figura 2, observamos o modelo

comumente usado por médicos para

avaliação de sobrecarga ventricular.

Na figura 3, observamos o modelo recentemente

proposto para guiar novas

pesquisas e análises sobre o tema

(19). Esse novo modelo intenta avaliar

não apenas a amplitude dos complexos

QRS, ou os critérios clássicos de

sobrecarga, mas que se perceba que a

sobrecarga ventricular esquerda, seja

por hipertrofia ou dilatação, é acompanhada

de alterações estruturais, elétricas

e bioquímicas que convergem ou

divergem em sua representação eletrocardiográfica.

Tendo como exemplo

a mecânica cardíaca, já vimos que o

coração com paredes alargadas, mas

cavidade reduzida resulta em complexos

QRS menos amplos. Acrescente a

isso a redução da atividade das cone-

Figura 2 - Velho modelo de avaliação de sobrecargas ventriculares.

Perceba que se faz aqui um estudo muito superficial do problema e não leva em consideração fatores que podem influenciar na avaliação eletrocardiográfica,

como as inomogeneidades da caixa torácica, alterações bioquímicas e mecânicas. Adaptado de Bacharova (19).

125

ECG Completo.indb 125 26/08/2019 09:26:49


CAPÍTULO 7

Figura 3 - Novo modelo proposto para avaliação eletrocardiográfica de sobrecarga

ventricular esquerda.

O que se propõe aqui é que o examinador deve permanecer atento aos inúmeros fatores que podem influenciar na análise eletrocardiográfica de uma

sobrecarga e perceber que a sobrecarga traz consigo alterações estruturais/mecânicas, elétricas e bioquímicas que interferem de modo divergente

ou convergente nas alterações classicamente descritas. Um exemplo importante disso, é a sugestão do autor de não negligenciar o intervalo QT e a

morfologia do ST-T quando fizer essa análise. Adaptado de Bacharova (19).

xinas do ventrículo doente e teremos

um complexo QRS mais largo. Depois,

acrescente as alterações iônicas do

paciente com insuficiência cardíaca.

A resultante de todos esses fatores é

que definirá se o paciente terá ou não

critérios eletrocardiográficos de sobrecarga

ventricular esquerda.

Em uma elegante pesquisa, Bacharova

comparou os complexos QRS, o

segmento ST, a onda T e o intervalo

QT de modelos com coração normal,

alterações puramente elétricas (alteração

“primária” de repolarização),

hipertrofia excêntrica, concêntrica e

dilatação (alterações “secundárias”

de repolarização). Na alteração primária

de repolarização, ele encontrou

um alargamento do intervalo QT associado

a alterações mínimas de duração

e amplitude de complexo QRS, alças

de T mais arredondadas no vetorcardiograma

e ondas T com “notchs” ou

bífidas. Nas alterações secundárias

de repolarização, ou seja, aquelas

produzidas pela alteração estrutural

ventricular, foi percebido que há um

alargamento do QT associado a um

alargamento do QRS, provavelmente

devido à ação prejudicada das conexinas,

um aumento na magnitude da T e

no ângulo QRS-T no vetorcardiograma,

além de T amplas e opostas ao QRS nas

derivações precordiais (20). A diferenciação

entre onda T primária e secundária

será revisada no capítulo 11.

SOBRECARGA VENTRICULAR

ESQUERDA

Análise do Segmento ST-T

Visto que demos tanta importância

à análise global do ECG para avaliação

126

ECG Completo.indb 126 26/08/2019 09:26:50


SOBRECARGAS VENTRICULARES

de sobrecarga ventricular, iniciaremos

nossa análise eletrocardiográfica exatamente

pela avaliação mais negligenciada:

a da repolarização.

O laudo de “padrão de strain ventricular”,

alcunhado em 1941 (21), foi

desencorajado na última diretriz americana

sobre o tema (22) devido ao fato

de que a alteração eletrocardiográfica

referida pelo termo não necessariamente

está relacionada ao padrão mecânico

de “strain”, que significa “tensão”

ou trabalho aumentado das fibras. De

acordo com essa diretriz, deve-se dar

preferência ao termo “anormalidades

secundárias de ST-T”.

O padrão típico de strain ventricular

é um infradesnivelamento do

segmento ST em derivações apicais e

laterais seguido de uma onda T invertida

e assimétrica. Ele ocorre devido a

uma mudança no padrão normal de

repolarização do miocárdio sobrecarregado:

aqui, ele ocorre do endocárdio

para o epicárdio. Sendo assim, o

vetor do ST e a alça da onda T serão

opostas ao QRS (1).

O padrão de strain é dinâmico:

o primeiro evento é a depressão do

segmento ST com manutenção da polaridade

da T. Depois, a onda T perde

amplitude continuamente até inverter-se,

deixando o padrão do ST-T em

“descendente” ou “downsloping”. Por

fim, o ST-T adquire um formato côncavo

(Figura 4) (23,24).

A miocardiopatia hipertrófica,

particularmente a de padrão apical,

apresenta um achado eletrocardiográfico

clássico de alteração

do ST-T: em derivações com onda

R pura, a presença de um infradesnivelamento

do segmento ST associada

a uma T negativa e ampla.

O fundamento para esse achado é

que a região apical não sofre cancelamento

de parede contralateral

(que é a valva mitral, que não tem

manifestação eletrocardiográfica),

apresentando, pelo miocárdio

exageradamente musculoso, uma

onda R muito ampla que carrega

consigo as alterações de repolarização

(25). (Figura 5)

Figura 4 - Exemplo de eletrocardiograma com anormalidade secundária de ST-T do tipo côncavo.

127

ECG Completo.indb 127 26/08/2019 09:26:50


CAPÍTULO 7

Figura 5 - Exemplo de eletrocardiograma de miocardiopatia hipertrófica. Ondas R muito

amplas com padrão de strain em derivações ântero-apicais e uma T muito profunda.

Alterações Inespecíficas de Complexo

QRS

Um discreto aumento na duração

do QRS (aproximadamente 110 ms),

na ausência de critérios clássicos de

bloqueio de ramo, é esperado. Esse

aumento na duração do complexo se

deve ao aumento de massa ventricular

que distorce e prolonga a passagem

do estímulo elétrico transmural.

O achado eletrocardiográfico de bloqueio

incompleto do ramo esquerdo é

uma entidade comumente associada à

sobrecarga ventricular esquerda.

Desvio de eixo elétrico para a esquerda

também pode ocorrer. Essa alteração

se dá por hipertrofia ventricular

por si só ou pelo desenvolvimento

de bloqueio divisional anterossuperior

secundário às alterações musculares.

Esse achado, assim como o de bloqueio

incompleto do ramo esquerdo,

pode corroborar o laudo de sobrecarga

ventricular esquerda.

A miocardiopatia hipertrófica possui

um padrão eletrocardiográfico clássico

de presença de ondas Q amplas que podem

chegar a ser maiores que a onda R.

Critérios de Amplitude do Complexo

QRS

Como já foi falado, os critérios de

sobrecarga ventricular esquerda classicamente

se baseiam na amplitude dos

complexos para o diagnóstico. Esses

critérios possuem uma sensibilidade

que gira em torno de 25%, podendo

chegar a níveis tão baixos quanto 6%,

mas uma especificidade em geral >

90%. A tabela 1 traz alguns dos critérios

descritos na literatura (26–34). A tabela

2 traz o escore de Romhilt-Estes (32). As

figuras 6, 7 e 8 exemplificam casos de

sobrecarga ventricular esquerda.

128

ECG Completo.indb 128 26/08/2019 09:26:50


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Tabela 1 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda (26–34). Um

asterisco: comparado com ecocardiograma. Dois asteriscos: comparado com ressonância

cardíaca.

Critério Valor Sensibilidade Especificidade

Risco de morte

CV (Hsieh et al)

Lewis: (R1-S1) +

(SIII-R3)

> 16 mm 43%*, 23,2** 83%*, 88,7** 1,4 (1,2 – 1,7)

Gubner (RI + S3) > 25 mm 12%*, 13,8** 96%*, 94,5** 1,7 (1,4 – 2,1)

Sokolow-Lyon:

R aVL

> 11 mm 17%* 95%* -

Sokolow-Lyon: S V1

+ R V5 ou V6

> 35 mm 29%*, 26** 89%*, 92,6** 1,9 (1,6 – 2,2)

Cornell (ou Casale):

R aVL + S V3

> 28 mm em

homens e > 20 mm

em mulheres

23%*, 15,1** 96%*, 97,3** 3,1 (2,5 – 3,8)

Romhilt-Estes Vide tabela 2

14%*, 5,7** (para

≥ 5)

100%*, 97,1**

(para ≥ 5)

3,7 (3,0 – 4,4)

Peguero: maior S

+ S V4

≥ 28 mm em

homens e ≥ 23 mm

em mulheres

70%* 89%* -

Tabela 2 - Critérios de Romhilt-Estes para diagnóstico de sobrecarga ventricular esquerda.

Valores: 4 pontos = SVE provável; ≥ 5 pontos: SVE (32).

3 pontos R ou S ≥ 20 mm no plano frontal ou ≥ 30 mm nas precordiais.

3 pontos Alteração de ST-T (strain) na ausência de digitálicos.

3 pontos Sobrecarga atrial esquerda por índice de Morris (vide capítulo 6).

2 pontos Desvio do eixo do QRS para além de -30º.

1 ponto QRS ≥ 90 ms sem padrão de bloqueio de ramo.

1 ponto Tempo inicial de ativação ≥ 50 ms em V5 ou V6.

1 ponto Alteração de ST-T (strain) na presença de digital.

129

ECG Completo.indb 129 26/08/2019 09:26:50


CAPÍTULO 7

Figura 6 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critério de

Cornell presente.

Figura 7 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de

Cornell e Lewis presentes.

Figura 8 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de

Cornell e Sokolow-Lyon presentes. Sobrecarga atrial esquerda e padrão strain também visíveis.

130

ECG Completo.indb 130 26/08/2019 09:26:51


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Na presença de bloqueio ventricular,

seja de ramo ou de um fascículo,

os critérios a serem utilizados são

diferentes. A tabela 3 resume esses

critérios (35–39). Cornell (ou Casale)

e Sokolow de aVL também podem

ser usados em casos de bloqueio divisional

anterossuperior (40). As figuras

9, 10 e 11 exemplificam casos

de sobrecarga ventricular esquerda

associada a bloqueio de ramo esquerdo,

bloqueio de ramo direito e

bloqueio divisional anterossuperior,

respectivamente.

Tabela 3 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda na presença

de bloqueios ventriculares (35–40).

Critério Valor Sensibilidade Especificidade

Bloqueio de Ramo Esquerdo

Klein: S V2 + R V6 > 45 mm 86% 100%

Bloqueio de Ramo Direito

Vandenberg: S V1 > 2 mm 52% 57%

Vandenberg: Desvio de

eixo p/ esquerda + S DIII

+ (R+S maior complexo

precordial)

≥ 30 mm 52% 84%

Bloqueio divisional anterossuperior

Bozzi: S V1 ou V2 + R V5

ou V6

> 25 mm 74% 67%

Gertsch: S DIII + (R+S

maior complexo precordial)

≥ 30 mm em homens e

≥ 28 mm em mulheres

79% 47%

Cornell (ou Casale): R

aVL + S V3

> 28 mm em homens e

> 20 mm em mulheres

44% 84%

Sokolow-Lyon: R aVL > 11 mm 32% 91%

131

ECG Completo.indb 131 26/08/2019 09:26:51


CAPÍTULO 7

Figura 9 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a

bloqueio de ramo esquerdo. Observe que S V2 + R V6 = 25 mm e que o ECG está configurado

em N/2, portanto, essa soma, na verdade, resulta em 50 mm.

Figura 10 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a

bloqueio de ramo direito.

132

ECG Completo.indb 132 26/08/2019 09:26:52


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Figura 11 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a

bloqueio divisional anterossuperior. Critérios de Bozzi, Gertsch, Cornell e Sokolow de aVL

presentes.

SOBRECARGA VENTRICULAR

DIREITA

INTRODUÇÃO

A sobrecarga ventricular direita pode

acontecer em casos de tromboembolismo

pulmonar (TEP), hipertensão pulmonar,

doenças congênitas (estenose pulmonar,

defeito do septo interatrial, doença de Ebstein,

etc.), doença valvar, particularmente a

estenose mitral, e cor pulmonale.

A gênese das alterações eletrocardiográficas

nesta situação é que a força

vetorial do ventrículo direito sobrecarregado

contrapõe a força do ventrículo

esquerdo, levando o vetor cardíaco

para a direita e para anterior ou posterior.

Associado a isso, assim como na

sobrecarga ventricular esquerda, há

também um atraso de condução, nesse

caso do ventrículo direito e também

alterações de repolarização.

ALÇA VETORIAL ANTERIOR

Ocorre em casos de hipertensão

pulmonar, doença valvar mitral e

doenças congênitas. A alça vetorcardiográfica

de ativação é anteriorizada

no plano horizontal, levando a uma

ativação progressivamente positiva

em V1: padrão rS que evolui para

RS, depois Rs, chegando ao ponto de

apresentar um R puro. Em V5 e V6, um

padrão Rs ou RS pode aparecer e uma

onda q nessas derivações pode ser um

achado compatível.

Outra forma de apresentação é o

padrão qR em V1 (Sinal de Sodi-Pallares),

já estudado no capítulo 6 quando

discutimos sobrecarga atrial direita. A

explicação é que a sobrecarga atrial

está sendo causada por uma sobrecarga

ventricular, por exemplo, numa

situação de TEP.

133

ECG Completo.indb 133 26/08/2019 09:26:52


CAPÍTULO 7

ALÇA VETORIAL POSTERIOR

Esse padrão ocorre mais frequentemente

em doença pulmonar obstrutiva

crônica (DPOC) e, mais raramente,

estenose mitral. Aqui, a sobrecarga

ventricular direita está limitada a sua

zona basal posterior e o coração se

apresenta verticalizado, como comumente

visto em casos de DPOC. As

alterações encontradas nesse tipo de

ativação são: (a) o padrão SI-SII-SIII

com SII ≥ SIII, (b) onda R isolada em

aVF; (c) r pequeno em V1; (d) onda S

ampla em V5 e V6 (1).

A figura 12 resume os padrões vetorcardiográficos

possíveis.

CRITÉRIOS DE AMPLITUDE DO

COMPLEXO QRS

Os critérios que analisam a amplitude

do complexo para diagnóstico

de sobrecarga ventricular direita são

influenciados pelos mesmos fatores

que já demonstramos para sobrecarga

ventricular esquerda. Aqui, adicione o

fato de que há dois tipos de alças vetoriais

e elas modificam a disposição do

complexo QRS em V1 e V6, justamente

as derivações mais estudadas.

A tabela 4 resume esses critérios

(41–43). A figura 13 exemplifica uma

sobrecarga ventricular direita.

Na presença de bloqueios ventriculares

também pode ser sugerida a

presença de sobrecarga ventricular

direita (Figura 14). Esses achados estão

dispostos na tabela 5 (44).

Figura 12 - Representação das alças vetorcardiográficas dos dois padrões encontrados em

sobrecargas ventriculares direitas: aquele cuja alça do complexo QRS no plano horizontal

é anterior e apresenta ondas r mais proeminentes em V1, e aquele cuja alça é posterior e

não apresenta ondas r tão proeminentes (1).

134

ECG Completo.indb 134 26/08/2019 09:26:52


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Tabela 4 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular direita (41–43).

Critério Valor Sensibilidade Especificidade

R>S V1 - 6% 98%

S>R V5 ou V6 - 16% 93%

R V1 ≥ 7 mm 2% 99%

qR V1 - 5% 99%

R V5 e V6 < 5 mm 13% 87%

S V5 e V6 > 7 mm 26% 90%

SI-SII-SIII - 24% 87%

Figura 13 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita.

Figura 14 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita associado a

bloqueio de ramo direito. Perceba o padrão RsR’ que se estende além de V2 (no caso, vai

até V3) e o R puro em V1 (BRD tipo Cabrera).

135

ECG Completo.indb 135 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 7

Tabela 5 - Achados eletrocardiográficos que sugerem sobrecarga ventricular direita na

presença de bloqueios ventriculares.

Bloqueio de ramo direito

rsR’ que se estende além de V2

R’ de alta voltagem ou R puro em V1 (BRD tipo Cabrera)

Bloqueio de ramo esquerdo

Desvio de eixo para direita (além de + 90º)

R evidente em V1

A transição da R (ou seja, R>S) acontece apenas em V5 ou V6

SOBRECARGA BIVENTRICULAR

INTRODUÇÃO

A sobrecarga biventricular é encontrada

especialmente em casos de

doença valvar e congênita. Baseando-se

no princípio que temos usado até agora,

que a sobrecarga de um ventrículo

aumenta até certo ponto a sua amplitude,

a sobrecarga dos dois ventrículos

pode fazer inclusive com que um

ventrículo cancele o outro em termos

eletrocardiográficos, ou seja, traga as

amplitudes para níveis normais.

ACHADOS

ELETROCARDIOGRÁFICOS

Tendo em mente que a sensibilidade

para encontrar sobrecarga ventricular

esquerda é baixa (em torno de 25%),

assim como também para sobrecarga

ventricular direita (em torno de 6%), o

diagnóstico eletrocardiográfico de sobrecarga

biventricular pode apenas ser

sugerido pela combinação de alguns

critérios de um ou outro ventrículo.

A tabela 6 resume esses achados

(45–47). A figura 15 demonstra um

exemplo de sobrecarga biventricular.

Tabela 6 - Achados compatíveis com sobrecarga biventricular (45–47).

Onda R alta em V5 e V6 com desvio de eixo para direita (além de + 90º)

Onda R alta em V1, V2, V5 e V6

Complexo QRS de amplitudes normais acompanhado de alterações importantes de repolarização (padrão

strain)

Sinal de Katz-Wachtel: complexos difásicos gigantes em D1, D2 ou D3; ou R+S V3 ≥ 40 mm

136

ECG Completo.indb 136 26/08/2019 09:26:53


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Figura 15 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga biventricular. Sinal de Katz-

Wachtel presente.

137

ECG Completo.indb 137 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 7

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ECG Completo.indb 140 26/08/2019 09:26:53


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141

ECG Completo.indb 141 26/08/2019 09:26:53


Bloqueio de ramo direito

truncal, periférico e zonal

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

8

INTRODUÇÃO

O sistema de condução ventricular

é formado por dois ramos: direito

e esquerdo. De acordo com a teoria

trifascicular de Rosenbaum, o ramo

direito é dividido na rede Purkinje em

divisões específicas e o ramo esquerdo

em fascículos anterossuperior e posterior-inferior.

Um distúrbio mais grave de condução

do ramo direito ou esquerdo fará

com que os ventrículos se despolarizem

mais lentamente, levando a um alargamento

do complexo QRS ≥ 120 ms

(três quadradinhos) – esse é o primeiro

critério de um bloqueio de ramo! Mas

calma, tem alguns outros critérios que

precisam ser observados para o laudo

de um bloqueio de ramo. Esses critérios

vão ser revisados neste capítulo (bloqueio

de ramo direito) e no capítulo 9

(bloqueio de ramo esquerdo).

A tendência dos examinadores menos

experientes é pensar que o atraso

do impulso elétrico em casos de bloqueio

de ramo ocorria apenas a nível

tronco do ramo direito ou esquerdo.

Em casos de distúrbios de condução

do ventrículo direito, tema deste capítulo,

sabe-se, através de estudos experimentais

que o atraso da condução do

estímulo elétrico pode ser mais distal

devido a um dano total ou parcial da

rede de Purkinje (chamadas “lesões periféricas”)

ou de alguns dos seus ramos

(“lesões zonais”), bem como também

pode haver lesões no feixe de His (que

chamaremos de “lesões truncais”). A

morfologia do bloqueio de ramo direito

é semelhante em casos lesão do

tronco, lesão no His ou a um bloqueio

distal a nível periférico global. O bloqueio

funcional do ramo direito também

pode ocorrer em determinadas

situações. Neste capítulo, revisaremos

esses conceitos.

ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E

RAMO DIREITO

O feixe de His é uma continuação

direta da porção distal do nó atrioventricular

e mede em torno de 5-10 mm

de comprimento e 4 mm de diâmetro.

Ela se inicia histologicamente quando

as células adquirem uma conformação

longitudinal no mesmo lugar em

que penetram no septo membranoso.

Nesse local, temos a primeira porção

do feixe, a porção penetrante do feixe

de His, que se direciona inferiormente

e não se divide por alguns milímetros

(Figura 1) (1).

143

ECG Completo.indb 143 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 8

Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes graus de bloqueio de

ramo direito.

Bloqueio

Achados eletrocardiográficos

Bloqueio de ramo direito de primeiro grau

• QRS ≤ 120 ms.

• s de curta duração em D1 e V6.

• r de curta duração e amplitude em aVR.

• rsr’ em V1.

Bloqueio de ramo direito de terceiro grau

• QRS > 120 ms.

• s “empastado” em D1 e V6.

• r “empastado” em aVR.

• rSR’ em V1 (tipo Grishman) ou R puro (tipo Cabrera).

O feixe de His possui três tipos e vamos

conhecê-los agora (2).

Tipo 1, visto em 47% das pessoas,

tem sua porção penetrante coberta

por uma fina camada de fibras miocárdicas

da porção membranosa do septo

atrioventricular;

Tipo 2, visto em 32% das pessoas,

tem sua porção penetrante insulada

por uma camada de fibras miocárdicas

fora da porção membranosa do septo;

Tipo 3, visto em 21% das pessoas,

tem o feixe de His “nu” sem cobertura nenhuma

de camadas celulares (Figura 2).

Um conceito importante sobre o feixe

de His é o da “dissociação funcional

longitudinal de fibras”. Primeiro

proposto por Kaufmann e Rothberger

em 1919 (3), significa simplesmente

que as fibras do feixe de His são longitudinalmente

dispostas a ponto de haver

uma predestinação de fibras do fei-

Figura 1 - Demonstração esquemática tridimensional

do feixe de His.

A porção penetrante se localiza na região septo membranoso e a bifurcação

se dá a nível de crista de septo interventricular. A figura também

demonstra fibras acessórias que ocorrem em situações anormais e serão

vistas com mais detalhes no capítulo 19.

144

ECG Completo.indb 144 26/08/2019 09:26:54


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

xe para conduzir em um ou outro ramo

(Figura 3). Em outras palavras, uma célula

no início do feixe de His, ou seja,

bem proximal, vai se transformar distalmente

no ramo direito ou esquerdo.

Tecendo ainda mais em miúdos, uma

lesão focal no feixe de His pode causar

bloqueios de ramo ou divisionais. Narula

(4), em 1977, publicou uma série

de casos em que um marca-passamento

no feixe de His em sua porção mais

proximal, ou seja, bifurcante, era capaz

de normalizar bloqueios de ramo esquerdo.

El-Sherif (5), no ano seguinte,

demonstrou o mesmo para bloqueios

de ramo direito.

A nível de crista de septo interventricular,

o feixe de His passa por uma

bifurcação, dando início, então, à sua

porção bifurcante. O ramo direito é a

continuação direta da porção penetrante

do feixe de His. É uma estrutura

fina e discreta. Ele se dirige ao ápice

cardíaco passando pela musculatura

do septo na base do músculo papilar

medial do ventrículo direito. No segundo

e terceiro terços do septo interventricular,

o ramo direito emerge

do músculo para o subendocárdico,

onde fica vulnerável a traumas diretos,

e ganha banda moderadora, conectando

os músculos papilares anterior

e médio (6).

Figura 2 - Tipos de feixe de His.

A e B = tipo 1, em que o feixe é protegido por uma fina camada de células

musculares do septo membranoso; C e D = tipo 2, em que o feixe

é protegido por fibras musculares fora do septo membranoso; E e F =

tipo 3, em que o feixe não apresenta nenhum tipo de insulação. AVN: nó

atrioventricular; AVB: feixe de His; AT: valva tricúspide; CS: seio coronário;

MS: septo membranoso; RB: ramo direito (2)

145

ECG Completo.indb 145 26/08/2019 09:26:54


CAPÍTULO 8

Figura 3 - Representação esquemática de uma lesão produzida na porção penetrante do

feixe de His causando bloqueio de ramo direito e bloqueio da divisão anterossuperior do

ramo esquerdo por consequência. Isto está em acordo com a teoria da dissociação funcional

longitudinal das fibras de His. Como as células estão dispostas longitudinalmente, uma

lesão no feixe pode provocar alterações eletrocardiográficas de bloqueios de ramo (5).

FAS: fascículo anterossuperior; FPI: fascículo póstero-inferior; RD: ramo direito.

BLOQUEIO DE RAMO DIREITO

(BRD)

O bloqueio de ramo direito (BRD), e

também o esquerdo, pode acontecer

em três graus. O de primeiro grau é caracterizado

por um atraso de condução.

O de segundo grau pela intermitência

no bloqueio. O de terceiro grau significa

que o estímulo não consegue mais ativar

aquela área pelo caminho normal.

O bloqueio de terceiro grau é melhor

chamado de “avançado” que “completo”,

pois ainda há algum grau de passagem

de estímulo, mas esta se dá de maneira

tão lenta que o estímulo do ventrículo

oposto atravessa o septo interventricular

e acaba despolarizando o ventrículo

bloqueado célula-a-célula antes mesmo

do final do atraso (7). Atenção: para não

dar nomes errados aos bois, aprenda: o

termo “distúrbio de condução do ramo

direito” se refere de maneira genérica,

tanto na literatura internacional, como

na Diretriz Brasileira de Eletrocardiograma

(ECG)(8), à doença no ramo direito.

O BRD de primeiro grau, chamado

pela Diretriz Brasileira como “atraso de

condução pelo ramo direito”, é caracterizado

por (a) ter um complexo QRS

ainda dentro dos limites da normalidade

(< 120 ms), (b) uma pequena e estreita

onda S em D1 e V6, bem como (c) uma

onda r com as mesmas características

em aVR. (d) Em V1, observamos um padrão

de rsr’ com amplitude variável da r’

(Figuras 4 e 5). Nesse grau de BRD, parte

do septo interventricular à direita se

despolariza pelo estímulo elétrico que

veio do ramo esquerdo não bloqueado

146

ECG Completo.indb 146 26/08/2019 09:26:54


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

e atravessou o septo interventricular. A

maior parte do septo em seu lado direito,

no entanto, é despolarizada normalmente

pelo ramo direito nos BRDs de

primeiro grau. Esse pequeno atraso já é

capaz de proporcionar, na porção final

da despolarização ventricular, o aparecimento

de áreas no ventrículo direito

que ainda não despolarizaram (o normal

é que ventrículo esquerdo e ventrículo

direito terminem sua despolarização

juntos). Essas áreas atrasadas se situam

justamente na base do ventrículo direito,

próximo à valva tricúspide. O vetor de

despolarização dessas áreas aponta para

cima, para direita e para frente, o que explica

todos os achados eletrocardiográficos

do BRD de primeiro grau (Figura 6).

Figura 4 - Padrão rsr’ visto em casos de bloqueio de ramo direito de primeiro grau. Observe

que o complexo QRS dura menos que 3 quadradinhos, portanto, menos que 120 ms.

Figura 5 - Atraso de condução pelo ramo direito (bloqueio de ramo direito de primeiro

grau). Observe a onda S de curta duração em D1 e V6, bem como a onda R curta em aVR. V1

apresenta um complexo QRS de conformação rSr’. A duração do complexo é < 120 ms.

147

ECG Completo.indb 147 26/08/2019 09:26:55


CAPÍTULO 8

Figura 6 - Representação esquemática da

ativação ventricular direita no BRD de

primeiro grau.

O vetor 1, como já sabemos, representa a ativação septal. Nesse caso, como

há um atraso de condução do ramo, parte do septo em seu lado direito acaba

despolarizando pelo estímulo proveniente do ramo esquerdo normal

através do septo. O vetor 2 representa a ativação das paredes livres dos ventrículos

esquerdo (mais proeminente) e direito. O vetor 3 será determinado

pela última região do ventrículo direito a receber o estímulo elétrico. Como

houve atraso no princípio, essa região acabou ficando atrasada em relação

ao ventrículo esquerdo, que já terminou toda sua despolarização. Como

essa área despolariza sozinha, teremos repercussão eletrocardiográfica: o

vetor 3 aponta para cima, direita e para frente, gerando a onda s curta em

D1 e V6, a onda r curta em aVR e o padrão rsr’ em V1. Adaptado de Bayés

de Luna (7).

O BRD de terceiro grau, por sua vez,

apresenta como característica fundamental

um complexo QRS que dura mais

que três quadradinhos, ou seja, > 120

ms. Nesses casos, a onda S em D1 e V6

será prolongada e “empastada”. O r em

aVR também seguirá o mesmo caminho.

E em V1, agora teremos um padrão do

tipo rsR’ com uma porção final bastante

empastada (BRD do tipo Grishman ou

“tipo 1 de Baydar”) (Figuras 7 e 8). Em casos

de sobrecarga ventricular direita, V1

pode apresentar padrão qR (sinal de Sodi-Pallares)

ou R pura (BRD do tipo Cabrera

ou “tipos 2 e 3 de Baydar”) (9–11)

(Figuras 9 a 11). No bloqueio avançado

do ramo direito, a onda T se inverte ao

bloqueio, representado no eletrocardiograma

pelo empastamento. Portanto,

em V1 e V2 (e às vezes até em V3) a onda

T será negativa, inversa à R’.

Em BRD de terceiro grau, observamos

4 vetores ao invés de 3. Como

o septo interventricular possui mais

massa miocárdica esquerda que direita,

o primeiro vetor não varia: segue se

dando da esquerda pra direita e para

frente. O vetor 2 diminui um pouco de

amplitude. Mas agora o jogo muda.

Quando o ventrículo esquerdo quase

inteiro já foi despolarizado, algo interessante

acontece: o terceiro vetor vai

representar a despolarização através

do septo proveniente de um estímulo

que veio do ramo esquerdo normal.

Lembre-se: aqui o atraso é tão avançado

que o ventrículo direito só despolariza

dessa forma: com a ajuda do ramo

esquerdo. Este terceiro vetor aponta

para a direita e pra frente. Por fim, o

quarto vetor representa a despolarização

da base do ventrículo direito, próximo

à valva tricúspide, última área do

coração a ser ativada.

Se você leu os parágrafos sobre a ativação

do ventrículo direito nos bloqueios

de ramo direito de primeiro e terceiro

grau, bem como visualizou atentamente

às figuras 6 e 12 e mesmo assim não entendeu

nada, não se preocupe. Leia a tabela

1, decore aqueles valores e seja feliz.

148

ECG Completo.indb 148 26/08/2019 09:26:55


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 7 - Bloqueio de ramo direito do tipo Grishman em V1. Perceba o padrão rSR’ e a duração

do complexo QRS ≥ 120 ms. Assim como em V1 disposto na figura, é esperado que V2

e V3 tenham ondas T invertidas ao empastamento, ou seja, apontando para baixo.

Figura 8 - Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau). O complexo QRS dura ≥ 120

ms, há uma onda S empastada em D1 e V6, bem como uma onda R lenta em aVR. V1 apresenta

padrão qR e não rSR’, sendo sugestivo de associação do BRD com sobrecarga atrial e

ventricular direita.

149

ECG Completo.indb 149 26/08/2019 09:26:56


CAPÍTULO 8

Figura 9 -. BRD do tipo Cabrera: R puro em V1. Se for analisada a duração do complexo QRS

apenas em V1, o leitor menos atento pode pensar que não se trata de bloqueio de terceiro

grau, visto que em V1 o complexo dura menos que 120 ms. O correto, no entanto, é avaliar

o ECG por inteiro, medindo desde a primeira deflexão de alguma derivação até o final do

complexo, mesmo que em outra derivação. No exemplo, V2 demonstra um QRS ≥ 120 ms,

comprovando a existência de bloqueio avançado.

Figura 10 - BRD de terceiro grau tipo Cabrera: R puro em V1.

150

ECG Completo.indb 150 26/08/2019 09:26:56


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 11 - Vetorcardiograma de um BRD do tipo Cabrera. Observe as forças finais atrasadas

presentes no lado direito dos planos frontal e horizontal. Atraso final. A alça do QRS

dirige-se completamente para anterior nos planos horizontal e sagital.

Antes de seguir em frente, vamos,

mais uma vez enfatizar que o bloqueio

de ramo pode se dar em várias

localizações anatômicas, a saber:

truncal no feixe de His ou no ramo direito

ou periférico, que ainda pode ser

parcial ou global e ainda funcional. A

morfologia eletrocardiográfica dos

bloqueios é similar, havendo apenas

pequenas diferenças que serão discutidas

adiante.

BLOQUEIO PERIFÉRICO DO

RAMO DIREITO

Mais uma vez, quero deixar claro que o

bloqueio do ramo direito pode ser truncal

ou periférico. Em ambos os casos, o bloqueio

pode ser global ou parcial. Falaremos

agora especificamente do bloqueio

periférico do ramo direito, começando

pelo tipo global. No caso do bloqueio periférico,

ele ainda pode ser zonal.

O bloqueio periférico global do

ramo direito nada mais é que um BRD

de terceiro grau que ocorre a nível de

banda moderadora ou ramificações periféricas

ainda mais distais e possui uma

duração maior que 140, às vezes maior

que 160 ms. Geralmente vem associado

a critérios de sobrecarga ventricular

direita (vide capítulo 7) e desvio de eixo

elétrico para direita. Costuma estar associado

a pós-operatórios de ventriculotomias

em pacientes com Tetralogia de

Fallot ou outras cardiopatias congênitas

com ou sem infundibulectomia. O diagnóstico

de certeza através da medição

intracavitária do tempo desde o início

da ativação ventricular até a ativação do

ápice ventricular direito. Valores < 40 ms

sugerem bloqueios periféricos (12).

151

ECG Completo.indb 151 26/08/2019 09:26:56


CAPÍTULO 8

Figura 12 - Representação da ativação vetorial em bloqueio do ramo direito de terceiro

grau.

Vetor 1 representa a despolarização septal praticamente normal (aponta para direita e para frente), o vetor 2 representa a ativação da maior parte da

massa ventricular esquerda (apontando para esquerda, inferior e posterior), o vetor 3 representa a ativação transseptal e as últimas células ventriculares

esquerdas (aponta para direita e para frente), e o vetor 4 a ativação das últimas áreas atrasadas do ventrículo direito (para direita, superior e para

frente). Adaptado de Bayés de Luna (7).

O bloqueio periférico parcial é

indistinguível do bloqueio truncal parcial

do ramo direito. Ambos representam

o BRD de primeiro grau.

O bloqueio zonal ou divisional é

o bloqueio periférico que ocorre nas

já citadas ramificações periféricas do

ramo direito, mas não em todas ao

mesmo tempo. Tem seu fundamento

descrito em 1917 por Oppenheimer

e Rothschild e foi chamado na época

de bloqueio da arborização do ramo

direito (13). A teoria foi comprovada

posteriormente por diversos estudos

baseados em injeções de substâncias

ou incisões anatômicas nessa tal arborização

(14–20). Os estudos identificaram,

basicamente, dois padrões

de bloqueios periféricos zonais: o bloqueio

da zona anterior subpulmonar e

o bloqueio da zona póstero-inferior.

O bloqueio zonal anterior subpulmonar

foi caracterizado principalmente

pelo padrão S1S2S3, que significa

ondas S maiores que as ondas R nas

derivações D1, D2 e D3 e o S de D2 ≥ S

D3 (Figura 13). O bloqueio zonal póstero-inferior

é caracterizado pelo padrão

S1R2R3, que significa onda S > R

em D1, R > S em D2 e D3 com R D2 ≥ R

D3 e uma onda S evidente em V6 (Figura

14). Esses achados comumente estão

presentes em pacientes com doença

pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

e hipertrofia ventricular direita por cor

pulmonale (21,22).

152

ECG Completo.indb 152 26/08/2019 09:26:57


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 13 - Padrão S1S2S3 (S D2 > S D3) de bloqueio periférico zonal subpulmonar anterior

em paciente com disfunção ventricular direita. Está demonstrada também a presença de

uma ectopia ventricular de via de saída do ventrículo direito.

Figura 14 - Padrão S1R2R3 de bloqueio periférico zonal póstero-inferior em paciente de 78 anos

com doença pulmonar obstrutiva crônica. S > R em D1, R D2 > R D3, S proeminente em V6.

Esses dois tipos de bloqueio podem

também estar presentes em indivíduos

normais. O bloqueio da zona

anterior subpulmonar pode hipoteticamente

acontecer por distribuição

anormal das fibras de Purkinje ou por

rotação posterior do coração (23). E

o traçado eletrocardiográfico clássico

bloqueio da zona póstero-inferior

pode estar presente em pacientes com

pectus excavatum (20).

A tabela 2 reúne os achados dos

bloqueios periféricos zonais. Perceba

que os critérios descritos são os mesmos

citados na diretriz brasileira como

de bloqueio divisional dos fascículos

direitos. Este livro traz a teoria trifascicular

como fundamento. Por isso, trouxemos

os bloqueios zonais direitos

neste capítulo, ao invés de trazê-los no

capítulo 10, que trata de bloqueios divisionais.

153

ECG Completo.indb 153 26/08/2019 09:26:57


CAPÍTULO 8

Tabela 2 - Resumos dos achados eletrocardiográficos dos bloqueios periféricos zonais do

ventrículo direito.

Bloqueio

Achados eletrocardiográficos

Bloqueio periférico zonal subpulmonar

anterior

• QRS ≤ 120 ms.

• S1S2S3 (ou seja, S > R em D1, D2 e D3).

• S D2 > S D3.

Bloqueio periférico zonal póstero-inferior

• QRS ≤ 120 ms

• S1R2R3 (ou seja, S > R em D1, R > S em D2 e D3).

• R D2 > R D3.

R’ EM V1 E O ALGORITMO DE

BARANCHUK

O achado de um pequeno ou amplo

r’ em V1 com um QRS ≤ 120 ms pode

abrir o leque para vários diagnósticos

diferenciais. O BRD de primeiro grau é

um deles, mas também o posicionamento

alto de eletrodos precisa ser

sempre checado, principalmente aqui

em nosso país, onde a técnica nem

sempre é acurada.

Para esse fim, foi criado o algoritmo

de Baranchuk, que você pode encontrar

na figura 15 (24,25).

BLOQUEIO FUNCIONAL DO

RAMO DIREITO

Conhecido pelo termo “aberrância

de condução”, o bloqueio funcional é

baseado na fisiologia do potencial de

ação das células do ramo direito e do

ramo esquerdo, mas a aberrância com

padrão de bloqueio de ramo direito é

mais prevalente com 80% de prevalência

total e quase 100% em indivíduos

sem doença cardíaca.

O bloqueio de fase 3, ou bloqueio

taquicardia-dependente, ocorre devido

a canais de sódio que ainda não

tenham sido repolarizados após a

despolarização do batimento anterior

e, portanto, o seguinte potencial de

ação será reduzido e mais lento. Como

o período refratário do ramo direito

é maior que o do ramo esquerdo em

frequência cardíaca normal, o ramo

direito é mais afetado. O fenômeno

de Gouaux-Ashman ou apenas Fenômeno

de Ashman (26) tem a sua

base fisiológica no bloqueio da fase

3 do potencial de ação (Figura 16).

Os períodos refratários se alargam a

frequências mais baixas e encurtam

a frequências mais elevadas: um ciclo

RR curto - longo – curto (ou apenas

longo-curto) pode produzir, devido

a essas alterações súbitas no período

refratário, um padrão de bloqueio in-

154

ECG Completo.indb 154 26/08/2019 09:26:57


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 15 - Algoritmo de Baranchuk. Esse algoritmo serve em casos que há r’/R’ em V1 e V2.

Essas situações serão vistas em capítulos diversos do livro (24,25).

Figura 16 - Fenômeno de Ashman. Perceba que o batimento com padrão de bloqueio avançado

do ramo direito ocorre após uma variação de ciclo do tipo longo – curto (setas).

155

ECG Completo.indb 155 26/08/2019 09:26:58


CAPÍTULO 8

termitente de ramo direito muito comum

em casos de fibrilação atrial ou

bloqueio tipo Wenckebach (duas situações

onde há irregularidade de ritmo)

que pode confundir com ectopias

isoladas ou taquicardia ventricular

(caso o fenômeno se sustente, passa a

ser chamado “Efeito Fole” (27), descrito

por García e Rosenbaum em 1972). Essas

alterações podem ser visualizadas

tanto no ECG de 12 derivações como

no sistema Holter.

O bloqueio da fase 4, ou bloqueio

dependente de bradicardia, quase

sempre se manifesta como padrão de

bloqueio do ramo esquerdo e será discutido

no próximo capítulo.

BLOQUEIOS MASCARADOS

Fenômeno raro descrito em 1954

por Richman e Wolff (28,29) que ocorre

quando há expressão eletrocardiográfica

de bloqueio de ramo direito

em derivações precordiais e do ramo

esquerdo no plano frontal. É um bloqueio

de ramo direito mascarado de

um bloqueio de ramo esquerdo. Mas

atenção! Não se trata de um bloqueio

concomitante, pois se um indivíduo

bloqueio ambos os ramos em terceiro

grau, teríamos um bloqueio atrioventricular

total com escape ventricular.

Vamos escrever as mesmas informações

novamente, mas com outras

palavras nesse parágrafo: trata-se de

uma doença mais importante no ramo

direito que no esquerdo, portanto, trata-se

de um bloqueio de ramo direito

associado a uma doença fascicular esquerda

– pode ser bloqueio anterossuperior

ou póstero-inferior (30). Como

as forças do atraso esquerdas são

maiores que as direitas, aquelas prevalecem

sobre o ECG no plano frontal.

Para se ter ideia da raridade desse

evento, Bayés de Luna encontrou apenas

16 em 100 mil eletrocardiogramas

revisados (31).

Os critérios eletrocardiográficos do

bloqueio do ramo direito mascarado de

esquerdo são: presença de rsR’ em V1, presença

de R proeminente em V6, ausência

de S (ou, se tiver, que seja de baixa amplitude)

em D1, aVL, V5 e V6 (Figura 17).

Fim do capítulo. The cake is a lie.

156

ECG Completo.indb 156 26/08/2019 09:26:58


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 17 - Bloqueio de ramo direito mascarado de bloqueio de ramo esquerdo.

Perceba que o QRS é largo e apresenta forç as finais proeminentes para a direita (R final em aVR e V1). D1 e aVL com padrão que lembra bloqueio de

ramo esquerdo e desvio do eixo para esquerda. O leitor desatento poderia laudar como BRD + BRE avanç ados (algo que só existe em eletrocardiografia

como bloqueio atrioventricular total). Retirado de Choudhary.

157

ECG Completo.indb 157 26/08/2019 09:26:58


CAPÍTULO 8

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ECG Completo.indb 158 26/08/2019 09:26:58


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

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159

ECG Completo.indb 159 26/08/2019 09:26:58


Bloqueio de ramo esquerdo

José Nunes de Alencar Neto

CAPÍTULO

9

INTRODUÇÃO

Este capítulo é uma continuação do

anterior. Sendo assim, não estranhe se

introduzimos os capítulos com textos similares.

Como disse, é uma continuação.

Venho por meio deste, então, falar,

mais uma vez, que o nosso sistema de

condução ventricular, após o feixe de

His, é dividido em dois ramos, o esquerdo

e o direito. O ramo esquerdo, por

sua vez, ainda se divide em pelo menos

dois outros fascículos: anterossuperior

e posteroinferior. Quem disse isso não

fui eu, foi o Rosenbaum (1), nos estudos

seminais que definiram os achados eletrocardiográficos

desses fascículos.

Um distúrbio mais grave de condução

de um desses ramos fará com que

os ventrículos se despolarizem mais

lentamente, levando a um alargamento

do complexo QRS ≥ 120 ms (três

quadradinhos). Um distúrbio de condução

de um fascículo isolado, por sua

vez, leva a um desvio de eixo cardíaco

e outras alterações que serão vistas no

capítulo 10.

Uma maneira muito simples de

decorar os bloqueios de ramo direito

(BRD) (tema do capítulo anterior) e esquerdo

(tema deste capítulo) é imaginar

que você está dirigindo um carro

e precisa virar em uma rua à direita ou

à esquerda (“regra da seta do carro”).

Para onde você empurra a seta do farol

quando quer virar à direita? Para cima.

O complexo QRS em BRD é para cima

em V1. Para onde você empurra a seta

do farol quando quer virar à esquerda?

Para baixo. O complexo QRS em BRE

é para baixo em V1. Esta é uma generalização

rasteira, mas serve aos que

estão iniciando na arte do eletrocardiograma.

Se você tiver paciência, este

capítulo te ensinará muito mais do que

essa decoreba.

A tabela 1 é dica de leitura para todos.

ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E

DO RAMO ESQUERDO

O feixe de His é composto por dois

segmentos: a porção penetrante e a

porção bifurcante. A porção penetrante

possui 5 a 10 mm de comprimento

e tem relação anatômica com a porção

atrial do septo membranoso, o corpo

fibroso e anéis mitral e tricúspide. A

porção bifurcante é a continuação da

anterior e marca a divisão de fibras entre

ramo esquerdo e a aparente continuidade

do His, o ramo direito. Essa

aparente continuidade entre o feixe

de His e o ramo direito é a razão para

se falar em “pseudo-bifurcação dos ramos”

(2).

161

ECG Completo.indb 161 26/08/2019 09:26:59


CAPÍTULO 9

Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos do BRE avançado e parcial em cada

localização possível.

Grau de Bloqueio /

Local de bloqueio

Tronco Bidivisional Periférico

Avançado (terceiro

grau)

• QRS ≥ 120 ms (ou ≥ 140 ms de acordo

com Strauss).

• Ausência de onda q em D1, aVL e V6.

• Notch ou slur na porção média do

QRS de pelo menos duas destas derivações:

D1, aVL, V1, V2, V5 e V6.

• QS ou rS em V1.

• Segmento ST-T oposto ao QRS.

• Igual ao bloqueio

truncal avançado

• Pode conter onda

q em D1 e aVL

caso a fibra média

exista e não esteja

bloqueada

• QRS mais largo

(geralmente ≥ 150

ms).

• Ausência de critérios

clássicos de

BRE truncal.

Parcial (primeiro grau)

• Perda das ondas q septais em D1,

AVL, V5 e V6.

• Perda da r septal em V1.

• TIDI (tempo de

deflexão intrinsecoide)

de aVL > V6.

• Indistinguível do

truncal.

As fibras mais proximais do ramo

esquerdo se encontram no endocárdico

da região subaórtica, próximo

das cúspides não coronariana e coronariana

direita do seio de Valsalva.

O ramo, então, parte em direção inferior

e anterior e divide-se em dois

fascículos: anterossuperior, mais fino

e destacado de sua porção mais anterior;

e posteroinferior, de maior

diâmetro e com fibras que se continuaram

do ramo esquerdo e não

partiram para a divisão anterossuperior

(3,4). O fascículo anterossuperior

cruza a via de saída do ventrículo

esquerdo em direção à base do músculo

papilar anterior; e a porção posteroinferior

se curva posteriormente

para atingir o músculo papilar posterior

(2) (Figura 1).

Como já comentamos no capítulo

anterior, foi proposto por Kaufmann

e Rothberger, em 1919 (5),

que as fibras mais proximais do feixe

de His apresentam dissociação longitudinal

entre si e por isso diz-se

que possuem um destino pré-definido:

elas farão parte futuramente

do ramo direito, ou do fascículo

anterossuperior, por exemplo. Uma

lesão cirúrgica pontual na porção

anterior da porção penetrante do

162

ECG Completo.indb 162 26/08/2019 09:26:59


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

feixe de His produz bloqueio de

ramo direito ou bloqueio da divisão

anterossuperior e não bloqueio

atrioventricular total, dependendo

da localização dessa lesão (6,7). Esta

é a base fisiológica para a terapia de

ressincronização cardíaca baseada

em marcapassamento direto do feixe

de His (8–10).

Figura 1 - Ilustração da anatomia do feixe

de His e seus ramos direito e esquerdo. O

ramo esquerdo ainda se divide em fascículo

anterossuperior e posteroinferior.

Tem se questionado a natureza

trifascicular do tecido de condução.

É descrito que em porções distais do

fascículo posteroinferior e, menos

frequentemente, do fascículo anterossuperior

emerge uma intrincada

rede de tecidos de condução posterior

septal, resultando em quatro

fascículos (o ramo direito somado a

três divisões do ramo esquerdo) (11).

Essa controvérsia será discutida em

pormenores no capítulo 10.

BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

O padrão eletrocardiográfico do

BRE pode se dar como consequência

de um bloqueio truncal do ramo esquerdo,

um bloqueio bifascicular do

ramo esquerdo (divisões anterossuperior

e posteroinferior com bloqueio

concomitante), e por um atraso de

condução intraventricular, “periférico”

ou “zonal global” (12). O bloqueio também

será classificado quanto ao seu

grau: primeiro grau, quando ainda há

apenas certo atraso na condução, segundo,

quando é intermitente; e terceiro

grau, quando o bloqueio é “avançado”.

Atenção: se recomenda falar em

“avançado” em detrimento da palavra

“completo” nesses casos porque provavelmente

ainda haveria passagem

de algum estímulo caso não houvesse

nenhum estímulo elétrico normal proveniente

do lado direito. Se você leu o

capítulo de bloqueio de ramo direito,

pode pensar que está agora tendo um

déjà vu, que há uma falha na Matrix.

Não. É isso mesmo.

No BRE de terceiro grau (que pode

ser truncal ou bidivisional), a despolarização

inicia-se na base do músculo

papilar anterior do ventrículo direito

pelo estímulo proveniente do ramo direito

normal e progride através do septo

com direção apontando para trás

antes de alcançar o ventrículo esquerdo.

Nesses primeiros milissegundos, a

soma dessas ativações vai apontar da

direita para esquerda em virtualmente

todos os casos; portanto, uma onda q

septal em D1 e aVL não é esperada, a

163

ECG Completo.indb 163 26/08/2019 09:26:59


CAPÍTULO 9

menos que haja zona inativa ou bloqueio

bidivisional com despolarização

através de fibras médias, de acordo

com a teoria tetrafascicular de Medrano

(13,14), que considera a existência

de um terceiro fascículo no ramo esquerdo

– o medial.

Após isso, ocorre a passagem do

estímulo elétrico pelo septo, gerando

os vetores médios, atrasados e

com a presença de “notchs e slurs” na

porção média do complexo QRS, que

representam a ativação anormal do

ventrículo esquerdo: o primeiro notch

marca a ativação transeptal e o segundo

a chegada ao epicárdio da parede

lateral (15) (Figura 2). Atenção.

Talvez a informação mais importante

do capítulo: para diagnóstico de

BRE de terceiro grau, ou avançado, é

obrigatória a presença dos notchs.

A ativação vetorial do BRE se dá,

então, da seguinte maneira: o primeiro

vetor é direcionado para esquerda

e para frente, o segundo vetor traz

uma rotação anti-horária no plano

horizontal em direção da direita para

esquerda e posterior, com o vetor 3

sendo menos posterior. O vetor 4,

das porções superiores do septo e da

parede livre do VE, reduz a amplitude

da alça progressivamente para as posições

iniciais (Figura 3) (16).

Os critérios eletrocardiográficos

para BRE são: ausência de onda q

septal em D1, aVL e V6; QRS ≥ 120ms;

presença de notch ou slurring na porção

média do QRS em mais que duas

derivações: V1, V2, V5, V6, D1 e aVL

(Figura 4); padrão QS ou rS em V1. No

bloqueio de ramo esquerdo, é normal

haver inversão completa entre

as polaridades do complexo QRS e

do segmento ST-T, ou seja, todas as T

estarão invertidas ao QRS (Figuras 5

a 7) (16). Na era da ressincronização

cardíaca, alguns autores têm considerado

o bloqueio de ramo esquerdo

apenas quando o QRS tem duração ≥

140ms (17). Em um bloqueio periférico

do ramo esquerdo, os critérios são

basicamente os mesmos, entretanto,

isso pode significar uma doença

muscular mais extensa, portanto, um

QRS mais largo é esperado.

Figura 2 - Comparação do aparecimento do

notch no eletrocardiograma com o mapa

de ativação dos ventrículos em casos de

bloqueio de ramo esquerdo.

O primeiro notch ocorre na passagem do estímulo pelo septo e o segundo

ocorre quando o estímulo chega ao epicárdio ventricular. A presença

de notch em algumas derivações é obrigatória para o diagnóstico de bloqueio

de ramo esquerdo de terceiro grau. De Strauss (15).

164

ECG Completo.indb 164 26/08/2019 09:26:59


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 3 - Alça vetorial do bloqueio de ramo esquerdo.

Primeiro vetor é a despolarização do septo ventricular esquerdo a partir do músculo papilar anterior do ventrículo direito (aponta para frente e para

esquerda), o segundo vetor é a ativação transeptal (aponta para esquerda e posterior), o terceiro e o quarto vetores representam a despolarização da

parede livre e das regiões basais da parede livre e do septo e são cada vez menos posteriores (16).

Figura 4 - Exemplo de um padrão de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Perceba:

ausência de q em D1 e aVL. Um pequeno r seguido de uma grande S em V1, notch em ≥ 2

derivações (D1, aVL, V1, V2, V5 e V6) – no caso D1, aVL e V6.

165

ECG Completo.indb 165 26/08/2019 09:27:00


CAPÍTULO 9

Figura 5 - ECG de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Ausência de q em D1 e

aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120 ms. A onda T é oposta ao atraso: se o

complexo é positivo, a T é negativa.

Figura 6 - Bloqueio de ramo esquerdo avançado ou de terceiro grau. Ausência de q em D1

e aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120ms. A onda T é oposta ao atraso: se o

complexo é positivo, a T é negativa.

166

ECG Completo.indb 166 26/08/2019 09:27:00


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 7 - VCG de um BRE de 3º grau (as setas demonstram o início da ativação). A ativação

se inicia da direita para esquerda no plano frontal, depois assume a parede livre si

dirigindo para posterior (planos horizontal e sagital) e esquerda (plano horizontal). O

atraso é médio-final.

O ramo esquerdo também pode

ser parcialmente bloqueado. No BRE

de primeiro grau, parte do septo esquerdo

despolariza através do estímulo

proveniente do ramo direito (por isso

há perda da onda q em D1 e aVL), mas

a maior parte da massa ventricular esquerda

consegue ser despolarizada

pelo ramo esquerdo, como de costume

(Figura 8). O BRE de primeiro grau tem

como padrão eletrocardiográfico a perda

da onda q septal em D1, aVL, V5 e V6

e onda r em V1. A duração do QRS ainda

é menor que 120ms. Pode haver notchs,

mas na porção ascendente da primeira

deflexão, simulando uma onda delta de

pré-excitação ventricular (Figura 9).

Com relação à localização do bloqueio,

como já foi falado, tanto o

bloqueio de primeiro grau como de

terceiro grau podem ocorrer no tronco

do ramo esquerdo ou feixe de His

(bloqueio truncal), nos dois fascículos

ao mesmo tempo com maior ou menor

grau em um ou outro (bloqueio

bifascicular do ramo esquerdo), e nas

fibras de Purkinje (atraso de condução

intraventricular ou “periférico”)

(12). O bloqueio truncal é o padrão

clássico que foi descrito nos parágrafos

anteriores.

O bloqueio intraventricular ou

“periférico” traduz doença ventricular

extensa, gerando um QRS mais largo e

ausência de critérios eletrocardiográficos

clássicos para BRE: pode não haver

notchs, pode haver onda q em D1 e

aVL, etc. (Figuras 10 e 11).

167

ECG Completo.indb 167 26/08/2019 09:27:01


CAPÍTULO 9

Figura 8 - Ativação ventricular em caso de bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau.

Parte do septo despolariza pelo estímulo proveniente do ramo direito, mas a maior parte

da massa ventricular consegue despolarizar pelo ramo esquerdo que estava atrasado.

Figura 9 - Bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau. QRS ≤ 120 ms, perda da q septal em

D1, aVL e V6. Perda da r septal em V1. Há notch na fase inicial do complexo em aVL, mas

que não define bloqueio de terceiro grau. Não há alterações na repolarização ventricular.

168

ECG Completo.indb 168 26/08/2019 09:27:01


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 10 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo. Perceba que nesse ECG existe

claramente um complexo QRS alargado (em torno de 150 ms). No entanto, não se consegue

obter critérios de bloqueio de ramo direito ou esquerdo. Há critérios para bloqueio da

divisão anterossuperior do ramo esquerdo, como veremos no capítulo 10, mas isso não

é suficiente para explicar o atraso final da ativação ventricular. Estamos diante de um

bloqueio periférico do ramo esquerdo.

Figura 11 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo: perceba a ausência de critérios

clássicos de BRE (aqui só vemos notch em uma derivação – V5) e também de bloqueio da

divisão anterossuperior associado a um complexo muito alargado (em torno de 160 ms) e

uma possível sobrecarga ventricular esquerda (se contarmos critérios de SVE + BRE, ainda

não fechou. Mas existem critérios de SVE + BDAS).

169

ECG Completo.indb 169 26/08/2019 09:27:02


CAPÍTULO 9

O bloqueio bidivisional (bloqueio

da divisão anterossuperior associado

ao bloqueio da divisão posteroinferior)

pode ocorrer de duas maneiras:

(1) com ambas as fibras acometidas

em graus similares; (2) com acometimento

de maior grau em um ou outro

fascículo. No primeiro caso, o ECG será

igual ao demonstrado no bloqueio

truncal do ramo esquerdo. Para que

o segundo caso seja verdade, precisamos

assumir a teoria tetrafascicular de

Medrano como verdadeira (aquela que

diz que o ramo esquerdo possui três

fibras, incluindo a média, e não duas).

Veja bem: visto que os fascículos são

importantes na despolarização inicial

do ventrículo esquerdo, numa situação

em que os dois fascículos (anterossuperior

e posteroinferior) estejam

bloqueados, o ventrículo esquerdo deveria

iniciar sua despolarização através

do estímulo do ramo direito atravessando

o septo, o que geraria um notch

e levaria a um ECG de bloqueio avançado

de ramo esquerdo. Entretanto,

se houver um terceiro fascículo funcionante

que consiga levar o estímulo

adiante, então o septo conseguirá se

despolarizar da esquerda para a direita,

como ocorre normalmente. Esse

terceiro fascículo, o medial, é o que,

em teoria, ainda segura viva a ideia

de que bloqueios bidivisionais podem

ocorrer sem levar ao bloqueio avançado

do ramo esquerdo (14,18,19). Para

dar esse elegante laudo, você precisa

verificar a presença de despolarização

septal esquerda para direita, ou seja, q

em D1 e aVL seguido de um TIDI (tempo

de deflexão intrinsecoide, a medida

do início do complexo QRS até o pico

da onda R) de aVL > V6, isto é, o início

da despolarização é mais demorado

em aVL que V6 (Figura 12).

Figura 12 - ECG com associação de bloqueio

divisional anterossuperior esquerdo

e posteroinferior esquerdo (bloqueio

bifascicular). O critério utilizado para o laudo

foi o tempo de deflexão intrinsecoide (TIDI)

de 0,09 s em aVL e 0,065 segundos em V6.

Além disso, se observa o primeiro vetor de

ativação septal. (Adaptado de Medrano, 2002)

O resumo dos achados eletrocardiográficos

dos diferentes tipos e locais

de atraso de condução no BRE

está disposto na tabela 1.

BLOQUEIO FUNCIONAL DO

RAMO ESQUERDO

Como já discutimos no capítulo

anterior, a aberrância de condução

funcional manifesta-se em 80% dos

170

ECG Completo.indb 170 26/08/2019 09:27:02


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

casos como um bloqueio de ramo direito,

sendo o fenômeno de Ashman o

principal exemplo do bloqueio da fase

3 do potencial de ação.

O bloqueio de fase 3, ou taquicardia-dependente,

é de fisiopatologia

muito simples. Entre um batimento e

outro, um dos ramos do feixe de His

(muito mais comumente o direito) não

teve tempo ainda de se recuperar, de

sair do seu período refratário. Desse

modo, no próximo batimento, esse

ramo estará bloqueado. As frequências

cardíacas muito altas, o período

refratário do ramo esquerdo passa a

ser mais longo que o do ramo direito,

então este é o ramo que bloqueia. Sim,

existe fenômeno de Ashman com bloqueio

de ramo esquerdo.

No entanto, quando se fala em bloqueio

funcional do ramo esquerdo,

não está se falando dessa exceção e

sim do bloqueio de fase 4, o bloqueio

bradicardia-dependente (20).

Este sim ocorre como bloqueio de

ramo esquerdo. Vamos ver o que ocorre

no bloqueio de fase 4: um tecido já

está há muito tempo repolarizado (o

indivíduo está bradicárdico e o próximo

batimento não vem) – atenção, por

muito tempo eu quero dizer algumas

centenas de milissegundos. Por um

erro da automaticidade do tecido do

ramo (principalmente o ramo esquerdo)

ou pela ação errônea de tecidos

danificados, ocorre uma pequena despolarização

que não é capaz de gerar

um batimento, mas é capaz de deixar

aquele tecido refratário ao batimento

que virá. Quando finalmente o bati-

mento vem, a onda de despolarização

encontra as células do ramo (principalmente

esquerdo) refratárias e voilà,

temos um bloqueio de ramo esquerdo

(Figura 13).

Figura 13 - Bloqueio de ramo esquerdo

funcional por bloqueio de fase 4,

bradicardia-dependente.

Perceba que a paciente tem um ritmo de fibrilação atrial de baixa resposta

(ausência de ondas P, ritmo irregular bradicárdico). Um determinado

momento, após uma longa pausa, o ramo esquerdo deve ter passado por

uma “micro-despolarização” que foi incapaz de gerar um batimento sozinho.

Quando, finalmente, o estímulo elétrico conseguiu atravessar o nó

AV, encontrou o ramo esquerdo bloqueado.

171

ECG Completo.indb 171 26/08/2019 09:27:02


CAPÍTULO 9

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ECG Completo.indb 173 26/08/2019 09:27:02

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