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Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial - FHOSI-portugues-v2_Maio-2014

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LES CAHIERS

2013-07 DE LA

SÉCURITÉ INDUSTRIELLE

FATORES

HUMANOS E

ORGANIZACIONAIS

DA SEGURANÇA

INDUSTRIAL

UM ESTADO DA ARTE

FRANÇOIS DANIELLOU

MARCEL SIMARD

IVAN BOISSIÈRES



Afundação para uma Cultura de Segurança Industrial (Fondation

pour une Culture de la Sécurité Industrielle, FonCSI) é uma Fundação

de Pesquisa reconhecida como de utilidade pública por decreto datado de 18

de abril de 2005. Ela possui as seguintes ambições:

Contribuir para a melhoria da segurança nas empresas industriais

de todos os tamanhos e setores de atividade.

Procurar, através de uma melhor compreensão mútua e em vista

da elaboração de um compromisso durável entre as empresas de

riscos e a sociedade civil, as condições e a prática de um debate

aberto, levando em consideração as diferentes dimensões do risco.

Favorecer a aculturação do conjunto de atores da sociedade a

questões ligadas aos riscos e à segurança.

Para atingir seus objetivos, a Fundação favorece a aproximação entre os

pesquisadores de todas as disciplinas e os diferentes parceiros em torno

da questão da segurança industrial: empresas, coletividades, organizações

sindicais, associações. Ela incita igualmente a ultrapassar as separações

disciplinares habituais e a favorecer, para o conjunto das questões, os cruzamentos

entre as ciências da engenharia e as ciências humanas e sociais.

Os trabalhos apresentados neste guia são oriundos de um projeto de pesquisa

financiado pela FonCSI. As opiniões aqui apresentadas são de responsabilidade

dos autores deste trabalho.

6, allée Émile Monso – BP 34038

31029 Toulouse cedex 4

França

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Fondation

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Culture

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foncé

Sécurité

: C100 M45

Industrielle

J100 N30

vert clair : C100 M0 J100 N20

Fundação por uma Cultura de Segurança Industrial

Taille minimum

30mm de long

www.FonCSI.org

Telefone: +33 (0) 534 32 32 00

Fax: +33 (0) 534 32 32 01

E-mail: contact@icsi-eu.org

Institut pour une Culture de Sécurité Industrielle. Associação conforme a Lei 1901

www.icsi-eu.org

III



Prólogo

Para controlar os riscos industriais, as empresas desenvolvem, já há alguns anos, medidas centradas

na melhoria contínua da confiabilidade das instalações e dos sistemas de gerenciamento

da segurança.Ainda que tenham sido produzidos progressos incontestáveis, os resultados em

termos de segurança parecem ter atingido um limiar que, para ser ultrapassado, necessita de

levar em consideração os fatores humanos e organizacionais de forma mais séria.

Tal evolução, no entanto, não ocorrerá automaticamente:

A abordagem industrial ainda se focaliza, muitas vezes, no comportamento dos operadores,

no erro humano e no respeito aos procedimentos, negligenciando a contribuição

positiva do homem e limitando a apreensão das causas mais profundas, mas ao mesmo

tempo mais importantes.

As empresas são, muitas vezes, marcadas por uma forte cultura técnica e muito raramente

dispõem internamente de competências no domínio dos fatores humanos e

organizacionais.

Inversamente, existem ainda poucos documentos de referência concebidos para favorecer

a transferência das aquisições científicas aos atores da segurança (industriais,

sindicalistas, autoridades de controle, etc.).

Em resumo, para integrar os fatores humanos e organizacionais nas políticas e práticas de segurança

industrial, é preciso se apoiar em conhecimentos novos que se abrem às ciências humanas

e sociais (ergonomia, psicologia, sociologia...), fazendo a ligação com questões operacionais

concretas. Este documento visa justamente responder a essa necessidade.Ele é o resultado de

um processo de trabalho que mobilizou numerosos atores em diferentes fases:

A Fondation pour une Culture de Sécurité Industrielle - (FonCSI) (Fundação para uma

Cultura de Segurança Industrial) inicialmente selecionou e financiou, no quadro de sua

chamada à proposta “vulnerabilidades técnicas, humanas, organizacionais e pesquisa

de segurança”, uma equipe de pesquisadores reconhecidos e com uma grande experiência

em indústrias de risco (nuclear, petroquímica, transporte...).

Os autores redigiram um texto baseado nos seus conhecimentos científicos, mas

igualmente a partir de uma trama comum, testada por ocasião de muitas sessões de

formação no Institut pour une Culture de Sécurité Industrielle - (ICSI) (Instituto para

uma Cultura de Segurança Industrial), sobre os fatores humanos e organizacionais,

para diretores de unidades de produção, membros de equipes de direção e responsáveis

pelas federações ou confederações sindicais.

O documento, enfim, deu lugar a numerosas interações com atores operacionais vindos

de horizontes diversos (responsáveis industriais, representantes sindicais, especialistas

saídos de institutos de pesquisa ou de consultorias especializadas, etc.) reunidos

num grupo de discussão do ICSI a respeito dos fatores humanos e organizacionais da

segurança.

Como resultado, esta abordagem original permite propor referências comuns ao conjunto das

partes interessadas na segurança industrial e que desejam enriquecer sua tentativa de prevenção,

a partir de uma melhor compreensão do papel do homem e da organização.

Toulouse, 7 de abril de 2009 - Ivan Boissières

V


Sobre os autores

François Daniellou é professor de Ergonomia no Institut de Cognitique do Institut

Politechnique de Bordeaux. Ele possui grande experiência em indústrias de alto risco

(nuclear, química, etc.) e é membro do Comitê de Prevenção e Precaução do Ministério de

Meio Ambiente Francês.

Marcel Simard é professor titular da Universidade de Montreal. Especialista em

cultura de segurança, ele intervém regularmente em empresas e instituições internacionais

(Organização Internacional do Trabalho, Fundação Europeia para Melhoria das

Condições de Vida...).

Ivan Boissières é Diretor da Formação e do Desenvolvimento do ICSI. Doutor em sociologia

das organizações, ele dirige também o Mestrado Executivo Especializado "Fatores

Humanos e Organizacionais do Gerenciamento da Segurança Industrial" proposto pelo

ESCP-Europe e pelo Mines Paris Tech em parceria com o ICSI.

Sua opinião nos interessa! Qualquer comentário ou observação que nos

ajude melhorar este documento deve ser enviado a: cahiers@icsi-eu.org.

cahiers@icsi-eu.org.

Para citar este documento:

Daniellou, F., Simard, M. e Boissières, I. (2010). Fatores Humanos e

Organizacionais da Segurança Industrial: um estado da arte. Traduzido do

original Facteurs Humains et Organisationnels de la Sécurité Industrielle por

Rocha, R., Lima, F. e Duarte, F. Número 2013-07 dos Cadernos da Segurança

Industrial, ICSI, Toulouse, França (ISNN 2100-3874).

Disponível no link: http://www.icsi-eu.org

VI


Sumário

.

Prefácio 1

Este documento. ........................................................... 1

Seus destinatários. ......................................................... 1

Seu escopo. ............................................................... 1

Segurança do trabalho e segurança industrial. ................................. 2

O que é a abordagem Fatores humanos e organizacionais da segurança industrial? . .. 2

Por que uma abordagem Fatores humanos e organizacionais da segurança?. ........ 3

Antecipar o previsível e enfrentar o imprevisto. ................................ 4

Os FHOS já existem na empresa! ........................................... 4

O conteúdo. ............................................................. 5

Os Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança industrial: um olhar sobre o

trabalho e sua contribuição para a confiabilidade dos sistemas 7

O ser humano tem características pouco modificáveis. .......................... 7

São as situações que solicitam os comportamentos . ............................ 8

O trabalho não é nunca uma simples execução. ................................ 9

O ser humano, agente de confiabilidade e de não confiabilidade. .................. 9

A contribuição dos coletivos de trabalho. ..................................... 10

A contribuição da organização e da gestão. .................................... 11

Mudar a cultura?. ......................................................... 12

A integração dos FHO no SMS. ............................................. 13

1 A fábrica da segurança 15

1.1 O risco aceitável. ..................................................... 15

1.2 Uma evolução do olhar. ............................................... 16

1.3 Trabalho de antecipação e trabalho quotidiano . ........................... 17

1.4 As migrações do sistema. .............................................. 18

1.5 A resiliência. ........................................................ 19

2 Dos “comportamentos” à atividade 23

2.1 Os comportamentos: o que é observável. ................................. 23

2.2 Os comportamentos de conformidade e os comportamentos de iniciativa. ..... 24

2.3 A atividade: a mobilização da pessoa para atingir objetivos. ................. 24

2.4 A parte submersa do iceberg. ........................................... 25

2.5 É difícil falar de seu trabalho . .......................................... 26

2.6 O desempenho não reflete o custo humano. .............................. 27

3 A situação de trabalho influencia o comportamento 29

3.1 A situação é sempre singular . .......................................... 30

3.2 As instalações e a matéria. ............................................. 30

3.3 As prescrições. ...................................................... 31

3.4 Os determinantes distantes. ............................................ 32

3.5 A atividade como resposta que integra custos e benefícios. .................. 32

4 Operadores humanos diferentes e variados 33

4.1 Somos todos diferentes. ............................................... 33

4.2 Estamos em mudança constante. ....................................... 35

5 O cérebro e o raciocínio humanos 37

5.1 Algumas propriedades do cérebro humano. .............................. 37

5.2 Se construir uma representação da situação. .............................. 39

VII


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

5.3 A memória. ......................................................... 41

5.4 Formas de raciocínio e controle da ação. ................................. 43

5.5 Os recursos humanos no tratamento da informação são limitados. ........... 44

5.6 Alguns vieses frequentes de raciocínio . .................................. 45

.

6 Os coletivos de trabalho 51

6.1 Cada pessoa pertence a vários grupos, que têm suas próprias normas. ........ 51

6.2 O coletivo de trabalho. ................................................ 52

6.3 O coletivo de ofício .................................................. 52

6.4 Os coletivos sindicais. ................................................ 54

6.5 E muitos outros coletivos... ........................................... 54

7 O erro humano: uma explicação insuficiente. .................................. 57

7.1 Os limites da abordagem pelo erro humano. .............................. 58

7.2 As paradas. ......................................................... 59

7.3 Erros, faltas, violações. ................................................ 61

7.4 As situações que aumentam a probabilidade de um erro. ................... 63

7.5 A atitude diante do erro: impor ou não sanções. ........................... 67

8 Saúde das pessoas e saúde da organização 69

8.1 Numerosos vínculos. ................................................. 69

8.2 O estresse no trabalho. ................................................ 71

8.3 A mobilização no trabalho. ............................................ 73

8.4 O reconhecimento, combustível da mobilização subjetiva. .................. 76

9 A organização, suas forças e suas fraquezas 79

9.1 As diferentes dimensões da organização. ................................. 79

9.2 O papel do gerenciamento na organização ............................... 84

9.3 Organizações que colocam em perigo ou favorecem a segurança. ............ 88

10 A cultura da segurança 93

10.1 O que é cultura da segurança?. ........................................ 93

10.2 A diversidade de cultura da segurança. ................................. 96

10.3 A cultura gerencial de segurança. ...................................... 97

10.4 A cultura integrada da segurança. ..................................... 102

11 Os pontos-chave FHOS da política de segurança industrial 107

11.1 Segurança industrial, segurança de trabalho: duas áreas complementares. .... 107

11.2 O reconhecimento do papel do ser humano. ............................. 107

11.3 O leadership da segurança do gerenciamento. ............................ 109

11.4 A participação do pessoal. ............................................ 111

11.5 Política social e instâncias representativas do pessoal. ..................... 111

11.6 A gestão de recursos humanos. ........................................ 112

11.7 A concepção das novas instalações e modificações. ....................... 112

11.8 As compras. ........................................................ 113

11.9 A definição de regras e procedimentos. ................................. 113

11.10 A política industrial de terceirização. ................................... 114

11.11 A organização do retorno de experiência (REX). ......................... 114

11.12 Diagnósticos organizacionais e condução das mudanças de organização. ..... 115

11.13 Concluindo: SMS/ SGS e FHOS. ....................................... 115

Glossário. .............................................................. 117

VIII


Prefácio

Este documento

Propõe uma primeira síntese dos conhecimentos a respeito dos fatores humanos e

organizacionais da segurança industrial.

Será acompanhado de outros guias propondo métodos para sua implementação.

Seus destinatários

Esta coletânea visa propor uma base de conhecimentos comuns a um conjunto de atores da

segurança industrial:

Responsáveis pela política da segurança da empresa ou grupo empresarial.

Diretores de usinas ou unidades de produção industrial.

Responsáveis pelo meio ambiente nas unidades de produção, profissionais da saúde e

segurança do trabalho.

Responsáveis pelos recursos humanos.

Responsáveis pela política industrial para os subcontratados.

Representantes do pessoal (CIPA, Comissão de fábrica).

Responsáveis sindicais.

Inspetores dos organismos de controle (MTE).

Consultores internos e externos.

Seu escopo

As empresas:

• De alto risco ou de risco classificado Seveso.

• Nucleares.

• De transporte.

Susceptíveis, em razão de sua atividade, de causar riscos não só para seus assalariados,

mas também para a população em geral e o meio ambiente.

Que já implementaram uma política global de segurança pela instauração de um

Sistema de Gestão da Segurança (SGS ou SMS 1 ), seguido de referenciais (por exemplo

OHSAS 18001) e a realização de auditorias (ISRS® ou outras).

As obrigações regulamentares, os componentes formais do SMS, as metodologias de sua

construção, os critérios clássicos de auditoria não serão apresentados aqui.

As empresas que não tiverem desenvolvido essa reflexão formal a respeito da segurança não

devem considerar a abordagem Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança, aqui apresentada,

como uma substituta dessa abordagem regulamentar formal. Entretanto, o conhecimento

dos elementos propostos neste guia pode enriquecer a implementação de um setor de

SMS.

1

As abreviaturas estão definidas no glossário na parte final do documento. Nós utilizamos indiferentemente “Sistema

de Gestão da Segurança” (SGS) (regulamentação francesa) ou Safety Management System (SMS) utilizado por muitos

grupos internacionais.

1


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Prevenção

de acidentes

ligados à

produção.

Os resultados de

segurança não

traduzem os

riscos de acidentes

ampliados.

Segurança do trabalho e segurança industrial

O campo da “segurança industrial” aqui referido diz respeito à prevenção de acidentes ligados

à operação do processo produtivo da empresa, susceptíveis de afetar as instalações, os assalariados

da empresa, o meio ambiente e/ou a população em geral. Essa prevenção dos acidentes

industriais se relaciona não só com os que "trabalham na produção”, mas também com muitos

outros departamentos da empresa (por exemplo, o setor de Compras, Recursos Humanos).

Este guia não cobre, assim, todo o campo da “segurança do trabalho”, no sentido de prevenção

dos acidentes de trabalho. Alguns desses acidentes de trabalho têm origens que poderiam

levar a um acidente industrial: um operador cai ao se precipitar para fechar com urgência uma

válvula que tem um papel crítico no processo. Outros, que podem ter os mesmos efeitos para o

assalariado, têm origens muito distantes do processo técnico da empresa: um operador cai na

escada do prédio da administração. A prevenção desses últimos é igualmente importante, mas

não é tratada neste guia.

Ainda que possa existir uma continuidade entre as causas de acidentes de trabalho na operação e

aquelas de acidentes industriais mais graves, é preciso ressaltar que os “resultados da segurança”

de uma usina, expressos em taxas de frequência global de acidentes do trabalho, nada revelam

sobre o risco de acidente industrial ampliado nessa unidade de produção. Existem numerosos

exemplos de usinas muito eficientes em termos de prevenção de acidentes de trabalho e que

viveram um acidente industrial.

Na verdade, a focalização sobre a taxa de frequência:

Pode levar a incluir, nos mesmos números, acidentes ligados ao trabalho de operação

do processo e outros que não o são e que não possuem, na origem, os mesmos riscos

de um acidente ampliado e de consequências mais graves.

Pode fazer ressaltar os acidentes leves e frequentes, em detrimento da reflexão a respeito

dos acidentes graves e muito raros.

Pode conduzir a diagnósticos demasiadamente simples, ao passo que os acidentes

ligados ao processo admitem, muitas vezes, um conjunto de origens e causas técnicas

e organizacionais.

Pode levar a subestimar a ação necessária sobre o projeto das instalações da organização,

acentuando a ação sobre os “comportamentos” dos atores.

Em sentido inverso, a mobilização em torno da prevenção de acidentes graves e ampliados é

susceptível de se beneficiar de um largo consenso e pode servir de justificativa para uma reflexão

a respeito da segurança do trabalho.

Favorecer uma

contribuição

positiva dos

operadores e

coletivos para

a segurança.

O que é a abordagem Fatores humanos e organizacionais da segurança

industrial?

A abordagem Fatores humanos e organizacionais da segurança industrial (FHOS) consiste em

identificar e implementar as condições que favorecem uma contribuição positiva dos operadores

e dos coletivos de trabalho na construção da segurança industrial.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Coletivos de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Cultura de segurança

Atividade

+/- Conformidade /

Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Produção

Qualidade

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 1: O campo dos FHOS

2


Prefácio

Os conhecimentos propostos pela abordagem FHOS permitem não apenas compreender

melhor o que condiciona a atividade humana, como também agir sobre a concepção das situações

de trabalho e da organização com vista a reunir as condições para uma atividade segura.

Os esforços feitos nessa direção podem ser traduzidos igualmente por uma melhora nos resultados,

no que se relaciona à qualidade da produção ou da segurança do trabalho (taxas de

frequência e de importância).

Por que uma abordagem Fatores humanos e organizacionais da segurança?

A prevenção dos acidentes de processo se apoiou, inicialmente, sobre uma concepção técnica:

o trabalho dos engenheiros permitiu preservar a integridade das instalações em situações não

habituais.

Os acidentes de Seveso (1976) e Three Miles Island (1979) levaram a reforçar as exigências

regulamentares (diretiva Seveso 1 em 1982) e a implementar políticas globais de segurança nas

empresas de alto risco.Esse formalismo foi intensificado com a diretiva Seveso 2 (1996) e com

a implementação dos Sistemas de Gestão da Segurança.

Essas ações técnicas e de organização possibilitaram, em certos setores, uma diminuição contínua

de acidentes ligados ao processo. Mas, em muitas empresas, essa melhora marca um patamar,

e o reforço dos formalismos não leva a uma diminuição das falhas.

As melhorias

atingiram um

limiar.

Taxas de acidentes

Técnica

Engenharia e Qualidade

Integridade das

Instalações

Sistema de

Gestão

Sistema de Gestão da

Segurança

Atividade

Humana

Integração de fatores

humanos e

organizacionais

da segurança

Tempo

Figura 2: Abordagens sucessivas da segurança industrial

Esse limite de resultados obtidos pelos formalismos tipo SMS se explica pelo desequilíbrio

entre:

A atenção extrema dada aos formalismos descendentes, destinados a prescrever as

condições para uma produção segura.

A procura de responsabilidades, preferencialmente relacionadas ao comportamento

dos operadores, com poucos questionamentos a respeito da contribuição da organização

e da gestão.

A pouca atenção consagrada à realidade das situações verdadeiramente encontradas

pelos operadores da produção 2 :

• Qual o volume de prescrições escritas é aceitável para os operadores?

• Qual a apropriação de regras pelos operadores?

• Quais são as dificuldades para respeitar as regras? que custos humanos suplementares

elas geram?

• Quais ajustamentos permitem o funcionamento?

• Quais são os ligações entre as regras prescritas e as regras dos ofícios ou profissões?

• Quais as contradições entre as diferentes regras ou com outras exigências de produção

ou características da situação de trabalho?

• Em que situações as regras não são aplicáveis?

Multiplicar os

formalismos não

garante a

segurança.

2

Produção = fabricação + gestão de matérias primas e do fluxo + manutenção.

Operador = todo trabalhador, operário, empregado, técnico, agente de controle, supervisor que tem um papel nos processos

referidos. Por comodidade, o masculino é usado em todo o texto, para indicar uma operadora ou um operador,

uma responsável ou um responsável.

3


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

• Quais iniciativas são favorecidas ou impedidas pelas regras?

• Quais são os lugares de discussão das contradições entre as regras?

• Qual o papel da gestão no trabalho relacionado às regras?

O formalismo não

prepara para o

o imprevisto.

Antecipar o previsível e enfrentar o imprevisto

Os formalismos e as regras preparam o sistema no que diz respeito às configurações que foram

previstas e têm um papel importante na capacidade de enfrentar essas situações.Mas vão ocorrer,

na produção, situações que não foram antecipadas.A resposta do sistema vai depender dos

recursos locais das equipes e do gerenciamento disponíveis em tempo real.

A resiliência de um sistema é a “sua capacidade de antecipar, de detectar precocemente e de

responder adequadamente a variações do funcionamento do sistema no que diz respeito às

condições de referência, visando minimizar seus efeitos sobre a estabilidade dinâmica". Os

trabalhos relacionados à segurança sistêmica mostram que essa resistência depende de dois

componentes:

A segurança normatizada: evitar todos os defeitos ou panes previsíveis por formalismos,

regras, automatismos, medidas e equipamentos de proteção, formações com relação

aos “comportamentos seguros” e por um gerenciamento que assegure o respeito às

regras.

A segurança em ação: capacidade de antecipar, de perceber os disfuncionamentos não

previstos pela organização e de responder a eles. Ela se baseia nos conhecimentos e na

experiência humana, na qualidade das iniciativas, no funcionamento dos coletivos e

das organizações e num gerenciamento atento à realidade das situações, que favoreçam

a articulação entre diferentes tipos de conhecimentos úteis para a segurança.

Segurança

normatizada:

Prever o melhor

possível

Segurança

em ação:

Presença diante

do imprevisto

Segurança

industrial

Figura 3: Os componentes da segurança

A extrema atenção dada na formalização de respostas às situações previsíveis não garante a

pertinência das respostas a situações imprevistas.Pior ainda, as organizações que desenvolvem

toda a sua política de segurança em formalismos prescritivos podem ser prejudicadas na sua

“resiliência”, quando aparece uma situação nova ou imprevista.

Os comportamentos dos operadores que contribuem para a segurança não são somente os comportamentos

de conformidade às regras: esses são também comportamentos de iniciativa,

que favorecem a exploração atentiva do estado do sistema, o estar alerta em relação a situações

perigosas e a colaboração entre os atores que podem contribuir para a segurança. O conjunto se

inscreve evidentemente no quadro geral dos meios técnicos e organizacionais, que favorecem

mais ou menos esses comportamentos.

Comportamentos

de conformidade,

comportamentos

de iniciativa.

O objetivo deste guia é ajudar as empresas a desenvolver a dimensão “da segurança em

ação”, baseada nas competências das pessoas, no funcionamento dos coletivos e das organizações,

e a favorecer sua compatibilidade com a “segurança normatizada” no interior de

uma cultura de segurança integrada.

Os FHOS 3 já existem na empresa!

Evidentemente, a consideração dos fatores humanos e organizacionais já existe na empresa: a

implementação do SMS, a ação quotidiana da direção, dos gerentes e supervisores, dos representantes

do pessoal, dos profissionais especializados em segurança e saúde do trabalho, dos

gestores de recursos humanos, o trabalho dos projetistas, a implementação das formações e

treinamentos, os debates no interior dos coletivos profissionais...

3

Fatores humanos e organizacionais da segurança industrial.

4


Trata-se aqui de:

Prefácio

Esclarecer, de um lado, os vínculos entre os fatores humanos e organizacionais e, de

outro, a segurança.

Permitir aos diferentes atores descobrir as contradições que poderiam existir entre a

política da segurança e as outras decisões que dizem respeito às pessoas, à organização

interna (mão de obra direta) e aquela relacionada a contratações de terceiros.

Ajudar os atores a irem o mais longe possível no desenvolvimento de uma cultura de

segurança, combinando, no quotidiano, a “segurança normatizada” e “a segurança em

ação”.

Uma referência compartilhada no que diz respeito aos Fatores Humanos e Organizacionais da

Segurança pode facilitar a colaboração entre todos os atores que contribuem para a segurança e

favorecer o diálogo social a respeito do tema.

O conteúdo

Uma síntese do conjunto dos pontos-chave que serão expostos no guia é apresentada

nas páginas seguintes. Ela permite um conhecimento rápido da abordagem Fatores

Humanos e Organizacionais da segurança industrial. Todos os conceitos aí apresentados

são desenvolvidos nos capítulos seguintes.

O capítulo 1 descreve a evolução das ideias sobre a maneira como a segurança industrial

é alcançada e introduz, sobretudo, a noção da resiliência.

Os capítulos 2 a 8 propõem um olhar sobre a maneira como a atividade humana

vai ser influenciada pelas características da situação de trabalho, pelas propriedades

inerentes ao ser humano e pelo funcionamento dos coletivos. É discutida a abordagem

em termos de erros humanos.

Os capítulos seguintes (9 a 11) apresentam o papel das dimensões organizacionais e

suas contribuições para uma cultura de segurança.

O processo de redação :

Os capítulos 1 a 8, e 11, foram redigidos por François Daniellou com Bernard Dugué

(Departamento de Ergonomia, Instituto de Cognitique, Bordeaux) e Jêrome Grall

(Ergonova, Toulouse).

O capítulo 9 foi redigido por François Daniellou e Ivan Boissières (ICSI).

O capítulo 10 foi redigido por Marcel Simard (Universidade de Montreal, Canadá).

Ivan Boissières coordenou a redação do texto.

As ilustrações foram feitas por Jêrome Gabet (Departamento de Projeto e Assistência

Multimédia, Universidade Victor Segalen Bordeaux 2). Caroline Kamaté e Éric Marsden

(Fundação para uma Cultura de Segurança Industrial, Toulouse) efetuaram a formatação

desse manual.

Diferentes versões deste documento foram relidas por pesquisadores e pelos membros do

ICSI. Muitas idas e vindas tiveram lugar com o grupo de intercâmbio Fatores Humanos e

Organizacionais (GEc FHO) do l’ISCI.

Este caderno é a continuação de uma primeira versão publicada em abril de 2009 4 . Ele

apresenta algumas modificações, sobretudo nos capítulos 9 e 10. O capítulo 10 foi enriquecido

por duas seções suplementares.

Uma tradução em inglês foi publicada em 2011 e outra espanhola em 2013.

A versão em português deste manual foi feita por: Marlene Machado Zica Vianna, com

revisão técnica de Raoni Rocha (Doutorando em Ergonomia da Universidade Bordeaux

Segalen), Francisco de Paula Antunes Lima (Professor DEP/UFMG) e Francisco Duarte

(Professor do PEP/COPPE/UFRJ).

4

Ver : Daniellou, F., Simard, M. et Boissières, I. (2009). Facteurs humains et organisationnels de la sécurité industrielle : un

état de l’art (première version) Numéro 2009-04 des Cahiers de la Sécurité Industrielle, Fondation pour une Culture de

Sécurité Industrielle, Toulouse, France (ISSN 2100-3874). Disponible à l’URL http://www.FonCSI.org/fr/cahiers/

Apoio Produção :

Fabrefactum Editora Ltda. - Rua Miranda Ribeiro, 165 - Belo Horizonte – Minas Gerais - CEP 30380-660 – Brasil

Telefone: 0(XX)31 2515-2277 - http://www.fabrefactum.com.br

5


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Obrigado a todos os leitores que fizeram evoluir a redação com suas críticas e suas sugestões.

Nome Sobrenome Organização

René AMALBERTI Alta Autoridade de Saúde

Philippe BALZER CRAM Midi-Pyrénées

Francis BERROCAL Força Trabalhadora

Pierre BILLET GDF SUEZ

Philippe BLANC Total

Bernard Boglietti EDF

Damien Burban Air Liquide

Marie Carlo GDF SUEZ

Michel Cathala ICSI

Cynthia Colmellere IRSN

Jean-Paul Cressy CFDT

Christophe de Blignières Total

René Deleuze ICSI

Gilbert De Terssac CNRS

Didier Faucon EDF

Roger Gachot Air Liquide

Vincent Gauthereau Areva

Claude Gilbert CNRS

Bernard Heldt SIAAP

Valérie Lagrange EDF

Patrick Lainé EDF R&D

Jean-Christophe Le Coze INERIS

Marylise Léon CFDT

Michel Mazeau INPT-CNAM

Guy Migault Rhodia

Thomas Montauboin Total

Stéphanie Montoya CFDT

Jean-Claude Motte ICSI

Christian Neveu SNCF

Claire Pelegrin Airbus

Céline Pena EDF

Bernard Petitpain Total

Jean-Michel Pesteil ICSI

Michèle Planeix ICSI

Philippe Robard Arkema

Gilles Vacher ICSI

Jacques Valancogne RATP

Pierre Vignes SNCF

Jean-Claude Rebeillé ICSI

Também participaram da elaboração deste documento, através de leituras e comentários,

alguns gerentes de empresas e experts em Ergonomia, psicólogos, sociólogos e engenheiros

do Departamento de Gerenciamento dos Riscos Industriais da EDF R&D.

6


Síntese

Síntese

Os Fatores Humanos e Organizacionais

da Segurança industrial: um olhar sobre

o trabalho e sua contribuição para

a confiabilidade dos sistemas

Este capítulo apresenta, de maneira resumida, os aportes essenciais do olhar Fatores Humanos

e Organizacionais sobre a Segurança industrial (FHOS). Cada assunto é desenvolvido em um

dos capítulos do guia.

Para compreender o que condiciona a atividade humana, vamos mencionar inicialmente as

características do ser humano, em seguida as influências da situação de trabalho, dos coletivos,

da organização e, de maneira mais global, da cultura da segurança da unidade de produção.

O ser humano tem características pouco modificáveis

O corpo e o funcionamento humanos têm propriedades que são descritas por diversas disciplinas

(fisiologia, psicologia...etc.).

As condições fisiológicas são variáveis

O cérebro humano não está nas mesmas condições biológicas às 15 horas ou às 3 horas

da manhã.

A fadiga leva a mobilizar mais recursos (musculares, por exemplo) para obter um mesmo

resultado.

O funcionamento dos coletivos humanos obedece também a leis, que são estudadas por outras

disciplinas (sociologia, antropologia, psicologia social...).

Essas características individuais e coletivas podem ser descritas, de modo a integrá-las na

concepção de dispositivos técnicos e de organizações que favorecem a atividade humana.

Adaptar os meios de trabalho ao homem

A concepção das telas de um sistema de digital de controle pode integrar os conhecimentos

a respeito do raciocínio humano e do trabalho cooperativo.

Mas não se pode, em quase nada, modificar essas propriedades, a não ser em alguns domínios

e, em geral, de maneira limitada pela formação.

Algumas propriedades humanas não são modificáveis

Nenhuma instrução, nenhuma formação vai possibilitar ao operador do turno da noite

dispor de um cérebro na sua condição diurna.

Certamente, o aproveitamento que será feito dessas propriedades é influenciado por numerosos

fatores: características da situação de trabalho, história da pessoa, funcionamento dos coletivos,

cultura da empresa...

A concepção dos sistemas técnicos e das organizações pode ser mais ou menos compatível com

as propriedades humanas e favorecer ou não sua utilização eficaz.

Quando os seres humanos são colocados em situações que não são compatíveis com suas

propriedades individuais e coletivas:

Diminui-se sua capacidade de detecção e o desempenho de suas ações.

Aumenta-se a possibilidade de erros não recuperados.

Pode-se gerar um risco para a saúde.

7


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Uma questão de bom senso?

Cada um de nós pode, como ser humano, supor saber o que é bom ou mau do ponto de

vista das propriedades humanas.

Entretanto, somente o bom senso é que vai permitir responder a questões como:

Quanto tempo pode um operador manter sua vigilância sobre as telas de um

sistema de controle, quando nada acontece de importante?

Como conceber telas de um sistema de controle que favoreçam a detecção de

desvios de um indicador?

Por que os operadores em uma instalação que oferece perigo fazem questão de

enfrentar riscos?

Como toda uma equipe confirmou coletivamente um falso diagnóstico?

Essas questões são tão difíceis quanto determinar as condições de aceleração de uma

reação química ou a resistência de um material.

Um conjunto de disciplinas esclarece sobre o funcionamento humano individual e coletivo.A

prevenção de acidentes supõe que os conhecimentos produzidos por essas disciplinas

sejam difundidos na empresa e considerados com a mesma atenção que é dada às

disciplinas que descrevem a matéria e os fenômenos físicos. É preciso que as recomendações

daí decorrentes sejam integradas ao processo de concepção e de reorganização.

São as situações que solicitam os comportamentos

Ouvimos frequentemente a frase: “É preciso mudar os comportamentos". Entretanto, os comportamentos

não resultam somente da personalidade ou da formação dos operadores.As características

das situações nas quais se veem os seres humanos tornam certos comportamentos

mais prováveis.

O contexto influencia o comportamento

O fato de muitas pessoas estarem fechadas em um elevador, durante uma hora, aumenta a

probabilidade de comportamentos de pânico ou agressivos.

Algumas situações de produção podem ter características que aumentam a probabilidade de

comportamentos humanos não desejáveis.

Uma situação particular pode favorecer um comportamento inapropriado

A inversão de pedais de freio e de acelerador em um veículo industrial aumenta, consideravelmente,

a probabilidade de um erro.

Uma iluminação inadequada aumenta a probabilidade de que um operador de manutenção,

que deve intervir em uma válvula, troque de válvula ou coloque sua lanterna entre os

dentes, com o risco de ser contaminado.

O comportamento humano não é previsível, de maneira mecânica, porque pessoas diferentes

podem adotar comportamentos diferentes numa mesma situação. Mas ele é previsível em termos

de probabilidades: algumas situações, mais que outras, favorecem alguns comportamentos.

Se esses comportamentos não são desejáveis do ponto de vista da segurança, a única maneira

de diminuir, sensivelmente, sua probabilidade de aparecimento é agir sobre as características

da situação.

Essas características podem ser locais (projeto do posto de trabalho, de ferramentas, de procedimentos)

ou mais globais (política de compras da empresa, política de sanções, planos de formação).

8


O trabalho não é nunca uma simples execução

Síntese

As empresas implementam procedimentos, definindo os objetivos a serem atingidos e as etapas

a serem seguidas para atingi-los.

Mas o trabalho dos operadores jamais se limita a uma execução dos procedimentos. Se eles

fizerem isso, será a greve do zelo e o sistema não funcionará.

Com efeito,

As situações de produção são ricas em variabilidades

As matérias primeiras são sensíveis à umidade, uma válvula está bloqueada e mais dura

que sua vizinha supostamente semelhante, uma bomba está em pane, a operação ocorre

durante o dia ou à noite, quando faz frio ou calor, às vezes o colega com o qual se trabalha

é grande ou, às vezes, é pequeno, vive-se sempre num estado de maior ou menor urgência...

Os operadores, de acordo com sua experiência e sua competência, vão perceber essas variações

e tentar responder a elas, adaptando seu modo operatório. Por vezes, eles vão detectar que a

situação está nitidamente anormal e vão procurar uma ajuda dos colegas e de sua hierarquia.

A produção só se faz porque cada um gera numerosas variabilidades na realização de suas

tarefas, usando de competências construídas durante toda sua história.

Os operadores devem, também, gerir seu próprio estado e suas variações

Os operadores desenvolvem diferentes estratégias para ficarem acordados às 3 horas da

manhã.Quando de uma intervenção numa plataforma, situada num nível superior, o

operador mais velho e mais experiente sobe diretamente com as ferramentas necessárias

e somente com as ferramentas adequadas. O operador novato realiza várias idas e vindas,

pois sua experiência é menor e sua condição física é melhor.

Através da adaptação de seus modos operatórios, os operadores tentam realizar as tarefas de

uma maneira:

Que seja eficiente (quantidade de produção, qualidade, segurança).

Que não produza efeitos negativos sobre o organismo (fadiga, dores...).

Que lhes traga diferentes benefícios, (sensação do trabalho bem feito, reconhecimento

dos pares, da hierarquia, desenvolvimento de novas competências...).

Os modos operatórios implementados pelos operadores visam, portanto, obter uma performance

com um custo humano aceitável.

Os modos de operar que aumentam nitidamente o custo para os operadores não serão mantidos,

no longo prazo, a menos que eles sejam considerados por esses operadores como os

melhores compromissos entre a performance e o custo humano numa dada situação.

Uma situação de produção em que a performance é boa, mas que foi obtida ao preço de um

custo humano muito elevado para os operadores, é uma fonte de riscos: é provável que uma

pequena variação de contexto ou uma troca de operador seja suficiente para que a performance

não seja mais atingida.

Uma abordagem “Fatores Humanos” da segurança implica considerar, simultaneamente, a

realização da performance e a compreensão do custo humano que foi engajado para atingi-la.

Performance com

custo humano

aceitável.

O ser humano, agente de confiabilidade e de não confiabilidade

O erro humano é um fator muitas vezes apontado como causa ou entre as causas de um acidente.

Entretanto, muitas vezes os erros são as consequências de características da situação,

que não permitiram aos operadores e aos “coletivos” mobilizar suas competências de maneira

pertinente.

No conjunto, a contribuição humana para a segurança é, de início, positiva.

Os operadores detectam e administram numerosas situações de risco, que não teriam

sido detectadas ou corretamente tratadas por um automatismo.

A contribuição

humana para

a segurança é,

inicialmente,

positiva.

9


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Os automatismos não substituem o humano...

Um motorista não engata ré quando ele vê que um pedestre está prestes a passar atrás do

carro. O condutor interpreta a intenção do pedestre, ao passo que o radar simplesmente

detectaria sua presença.

A atividade humana recupera numerosos erros, seja individualmente seja coletivamente.

Os seres humanos aprendem com as situações vividas e desenvolvem sua capacidade

individual e coletiva para enfrentar situações similares.

O especialista

conhece a sequência

da história!

É necessário compreender os mecanismos dessa contribuição para a confiabilidade afim de se

analisarem os casos nos quais ocorrem falhas nessa contribuição.

Dizer que um “erro humano” é a causa de um acidente é uma limitação que não favorece a

prevenção:

Os especialistas que determinam que um erro foi cometido não estão na mesma situação

que aquele que o comete: eles conhecem a sequência da história e dispõem de

informações que não aquelas que conduziram à decisão errada!

O erro só conduziu a um acidente porque, naquele dia, ele não foi recuperado. Uma

mesma e errônea ação pôde se produzir numerosas vezes sem consequências graves,

se as “barreiras” técnicas e organizacionais tiverem funcionado. A ocorrência de um

acidente coloca em evidência falhas no conjunto das barreiras.

O erro de um operador não pode engendrar um acidente a não ser que se associe a

numerosos outros fatores técnicos e organizacionais, dos quais alguns são permanentes.Os

erros de concepção se traduzem por “erros latentes”, ou seja, por configurações

em que é muito provável que um erro de execução seja cometido um dia.

O erro pode ser latente

Se um software na França utiliza a maneira americana de afixação de datas, é provável que

alguém vá interpretar o dia 12/03/2008 como 12 de março e não como o 3 de dezembro.Se

a indicação for do tipo “Em obra, acesso interditado até 12/03/2008”, as consequências

podem ser graves.

Um erro é sempre

involuntário.

São as mesmas propriedades próprias do ser humano e de sua atividade que permitem

sua contribuição para a confiabilidade e que, às vezes, conduzem a uma fonte de não

confiabilidade.

Um erro é sempre involuntário e deve ser diferenciado de uma violação que é voluntária (mas

não necessariamente repreensível).

A violação é voluntária

Quando existem obras na estrada, não temos outra possibilidade senão ultrapassar a faixa

contínua, caso ela não tenha sido apagada. Trata-se, assim, de uma "violação".

A palavra “falta” 5 é, por vezes, utilizada em francês para traduzir a palavra inglesa “fault”, que

significa falha. Ela introduz uma noção moral ou jurídica, que, muitas vezes, torna obscura a

compreensão do que se passou e pouco contribui para a prevenção.

Uma política de sanções, que penaliza erros e violações, sem refletir sobre a intenção do operador

e as circunstâncias nas quais ele se encontrava, é contraprodutiva do ponto de vista da

segurança.

Os coletivos

profissionais

podem melhorar

a segurança.

A contribuição dos coletivos de trabalho

Os coletivos profissionais (de produção, de manutenção, etc.) podem trazer uma contribuição

importante para a segurança:

Eles constituem uma barreira no que diz respeito aos erros susceptíveis de serem

cometidos por um dos seus membros (detecção e recuperação).

5

Em francês, como em português, a palavra “falta” é utilizada no sentido de “culpa” [N.T.].

10


Síntese

Eles trazem um suporte que limita os efeitos sobre a segurança das variações de estado

pessoal de cada um (eventos pessoais) e uma ajuda mútua que permite diminuir o

custo humano da realização das tarefas.

Eles podem contribuir para a discussão sobre as dúvidas a respeito das situações

encontradas, para a capitalização da experiência sob a forma de “regras da profissão” e

para a sinalização das situações anormais.

Eles podem contribuir para o reconhecimento do "trabalho bem feito".

Eles contribuem na acolhida e na formação dos novatos, aos quais podem transmitir

as formas de conhecimento diferentes daquelas ensinadas pela empresa (conhecimento

físico das instalações, normas da profissão para enfrentar certas situações).

Entretanto, os coletivos não representam sempre esse papel positivo. Três situações principais

são muito prejudiciais para a segurança:

Quando existem coletivos profissionais fortes, percebidos pela organização como

uma ameaça, para os quais não existe espaço de discussão entre as regras formais da

empresa e as regras da profissão do qual o grupo é portador. Há, então, um divórcio

entre a segurança vista pela profissão e a segurança vista pela gerência, o que pode

levar a riscos graves e a impedir qualquer progresso.

Os coletivos solapados, ou mesmo destruídos, pelas mudanças e evoluções da organização.

A individualidade prevalece sobre o compartilhamento de dúvidas e competências.

A desconfiança recíproca limita as trocas de informação e a identificação de

situações anormais. A vigilância global do grupo é afetada, inexiste a ajuda mútua e

alcançar o desempenho torna-se difícil e custoso para cada um.

Os coletivos, tendo dificuldades de se compreenderem, entram em conflito, eventualmente

direcionados uns contra os outros. Os problemas de interface entre grupos

profissionais vão, desse modo, multiplicar-se e gerar problemas de segurança.

Uma abordagem Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança supõe uma atenção para

o estado dos coletivos profissionais e para as possibilidades dos debates entre as regras da

profissão e os procedimentos formais da empresa.

A contribuição da organização e da gestão

A empresa deve dar lugar a “produções” aceitáveis para as numerosas partes interessadas:

Os acionistas.

Os clientes.

A administração.

Os assalariados, seus representantes.

Os prestadores de serviço.

Os residentes locais e até mesmo a opinião pública.

...

As normas ISO 9000, versão 2000, fazem, aliás, menção de modo explícito a certa diversidade

de “clientes” da empresa cujas “necessidades” é preciso integrar.

Cada uma dessas partes é portadora de uma diversidade de expectativas. É conveniente, portanto,

para a empresa manter juntas diversas lógicas que não são naturalmente compatíveis. A

organização é o processo por meio do qual se exerce essa coexistência relativa entre lógicas

que podem ser diferentes. A organização é, ao mesmo tempo, uma estrutura (um organograma,

regras) e um conjunto de atividades e de interações entre os atores, que permitem gerir a aplicação

de regras nas situações cotidianas ou fazê-las evoluir.

No interior da estrutura organizacional, alguns são, de maneira mais específica, encarregados de

sustentar uma das lógicas: por exemplo, os responsáveis pela qualidade, pela segurança e pelo

meio ambiente. No sentido oposto, a direção por um lado e a equipe de produção por outro

devem integrar o conjunto das lógicas, no sentido de compromissos razoavelmente aceitáveis

por todas as partes interessadas.

11


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Organização

tagarela mas

surda = segurança

ameaçada.

Em alguns momentos, uma das lógicas – por exemplo, a dos acionistas – pode impor-se às

outras nas decisões de gestão. A lógica da segurança fica em segundo plano durante certo

período. As pessoas que dela são portadoras tornam-se pouco reconhecidas, seus alertas são

pouco ouvidos.

Outro risco é que a lógica da segurança esteja presente somente do lado da estrutura: as regras

são estabelecidas e difundidas, mas as dificuldades de sua implementação não são consideradas.

O corpo gerencial é mobilizado para realizar, de maneira descendente, as instruções formais,

mas não se encontra coletivamente engajado no tratamento de situações reais complexas nem

no levantamento de informações susceptíveis de modificar a política da direção.

Quando a estrutura organizacional é tagarela, mas surda, a segurança fica ameaçada.

Pelo contrário, a organização contribui para a segurança industrial quando ela favorece uma

articulação constante entre as regras formais, portadoras de saberes gerais e o conhecimento

das situações particulares da produção trazidas pelos operadores e os coletivos profissionais.

Os gerentes de diferentes níveis são, então, claramente encarregados de assegurar a compatibilidade,

nos dois sentidos, entre as orientações globais da empresa e a realidade do trabalho

daqueles que eles dirigem. É esse um dos fatores essenciais na cultura da segurança.

A cultura: uma

experiência

compartilhada.

Mudar a cultura?

“É preciso desenvolver uma cultura de segurança”. Essa frase é, muitas vezes, utilizada supondo-se

que a empresa e a direção seriam possuidoras dessa cultura, a qual deveria ser passada

aos operadores do campo. Campanhas de informação e de formação, são, muitas vezes, implementadas

com esse objetivo.

Entretanto, o que determina uma cultura não são mensagens e regras: ela se estabelece por meio

da experiência compartilhada de práticas repetidas e convergentes.

A cultura é construída por meio da experiência compartilhada de práticas

Cada vez que foi confrontado a uma contradição entre segurança e produção, o diretor

da usina ou arbitrou no sentido da segurança ou, pelo contrário, aceitou “distorções” da

segurança a favor da produção.

Cada vez que um operador atinge seus objetivos de produção, enfrentando riscos, o

gerente ou lhe pede que não proceda mais da mesma forma ou, pelo contrário, valoriza-o

como um herói.

As mensagens da gerência sobre a qualidade tratam da segurança e as da segurança se

referem à qualidade, ou, pelo contrário, prioridades contraditórias se propagam.

Cada vez que é impossível aplicar uma regra formal, a gerência organiza uma discussão

para ajustar a regra à realidade ou, pelo contrário, dá a entender “que ela não quer saber

disso”.

A cultura da segurança se fundamenta, assim, sobretudo, no engajamento pessoal dos membros

da direção e da gerência para favorecer a convergência entre as mensagens e as práticas: o

que é feito pelos gestores caminha no mesmo sentido do que é preconizado para os operadores

da produção. Os mensageiros portadores de más notícias ou de alertas a respeito de situações

de risco são bem-vindos, particularmente os representantes do pessoal ou os prestadores de

serviço. As situações em que o desempenho foi alcançado a um custo humano elevado se tornam

o objeto de um REX 6 coletivo para evitar sua repetição. A sinalização, feita por operador

ou por um coletivo, de um erro cometido é acolhida de maneira positiva. As subcontratadas

são consideradas como parceiras em matéria de segurança.O sistema de sanções é explícito

e considerado como legítimo por todos.As contradições entre (as) regras formais e regras de

profissão são debatidas, assim como as ideias inovadoras. Os processos de concepção integram a

consideração do trabalho real. A gestão de recursos humanos favorece a transmissão de saberes

no interior dos coletivos profissionais.

A cultura da segurança se traduz pela consciência compartilhada de que cada um tem

somente uma parte das informações e das habilidades necessárias à segurança.Trata-se,

6

REX = Retorno de Experiência (ou feedback)

12


Síntese

fundamentalmente, de uma cultura da discussão, da confrontação e da integração de diferentes

lógicas.Ela se submete, assim, não somente às prerrogativas do CHSCT 7 e dos organismos

sindicais, mas também ao diálogo social e das relações com os contratados, favorecendo um

desenvolvimento contínuo da contribuição de cada uma das partes para a prevenção. Essa

cultura, quando se desenvolve, contribui, aliás, não somente para a segurança, como igualmente

para a qualidade de produção.

A cultura da segurança implica um duplo vínculo com os escalões centrais da empresa que definem

as orientações gerais e as regras comuns e o nível das usinas e das unidades produtivas, nas

quais se vive a realidade das operações de produção, realizadas pelos assalariados da empresa

e os contratados. O grupo alimenta as usinas e as unidades de produção, mas ele é alimentado,

de volta, por informações sobre as dificuldades da implementação das regras, das trocas e dos

compromissos locais, que acontecem entre portadores de diferentes lógicas. O espírito geral do

retorno de experiência vale para a direção geral e para os especialistas da direção da empresa.

A integração dos FHO no SMS

Integrar os Fatores Humanos e Organizacionais no Sistema de Gerenciamento de Segurança em

uma empresa não consiste, portanto, em introduzir uma nova rubrica, que seria acrescentada

àquelas que compõem o referencial em uso.

Trata-se, antes de tudo, de considerar a segurança como o resultado do trabalho de todos:

trabalho de concepção, trabalho da organização, trabalho da produção, trabalho de auditoria

e de controle. Numerosos atores, em todos os níveis da empresa e entre os prestadores de

serviço, são portadores de informações e competências vitais para a segurança. Uma parte da

segurança provém do trabalho de preparação da resposta aos fenômenos previsíveis, graças aos

saberes compartilhados em escala internacional.Outra parte se baseia na capacidade humana

individual e coletiva de enfrentar situações que não são previstas.A abordagem FHO induz a

intensificar a consciência da necessidade dessas duas dimensões, a avaliar que sua compatibilidade

nunca é definitiva e a se organizar para favorecê-la.Ela supõe que todo ator no campo da

segurança identifica que seus saberes serão confrontados com outros, os quais ele não detém.

A integração dos Fatores Humanos Organizacionais da Segurança se fundamenta sempre no

engajamento das pessoas, em todos os níveis da empresa.A estrutura organizacional pode, de

acordo com a situação, tornar difícil, ou sustentar, esse engajamento.

7

O Comitê de Higiene, Segurança e Condições de Trabalho, ou CHSCT, é uma instituição representativa dos trabalhadores,

assegurada pelo Código do Trabalho francês, que possui poderes deliberativos para o conjunto de

questões relacionadas à saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho. No Brasil, o equivalente a esse comitê é

a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.

13



1

A fábrica da segurança

Em matéria de segurança industrial, aquilo a que se visa é uma ausência. Trata-se de evitar que se

produzam acontecimentos com consequências potenciais vistas como inaceitáveis. Entretanto,

essa ausência nunca foi totalmente conquistada. A segurança é “um não acontecimento dinâmico”.

Um sistema só alcança certa segurança pelo trabalho inicial daqueles que o concebem e

pelo trabalho cotidiano dos numerosos atores, que visa evitar eventos não desejáveis, limitar as

consequências desses eventos e retirar aprendizagens para quando eles ocorrerem novamente.

Como o sistema, ao longo do tempo, experimenta evoluções internas e externas, a segurança

pressupõe, também, um trabalho periódico de reconsideração de hipóteses precedentes e de

ajustamento.

Ora, os atores que contribuem para a produção da segurança não têm somente de administrar

essa única dimensão: a maior parte deles deve, igualmente, contribuir para uma produtividade

e uma qualidade de produção satisfatórias para os clientes e para os acionistas. Uma abordagem

da segurança nos termos dos Fatores Humanos e Organizacionais consiste em se interessar

por esse trabalho de geração da segurança como uma das dimensões da produção geral, em

sustentar o que a favorece e em tratar das contradições que podem prejudicá-la. Este capítulo

vai, de modo especial, introduzir a noção da “resiliência” de uma organização.

1.1 O risco aceitável

As indústrias que tratamos aqui defrontam com perigos: fenômenos físico-químicos que podem

divergir, energia cinética de um trem, alta tensão elétrica...etc. Esses perigos ocasionam riscos,

ou seja, possibilidades de danos para as pessoas, para o meio ambiente e para os bens 8 .

A segurança industrial consiste em prevenir ocorrências cuja gravidade seria alta, ainda que, a

priori, a sua probabilidade seja pequena.

O nível de risco aceitável em um lugar e em um dado momento é determinado pela sociedade.

A título de exemplo, há na França, a cada ano, aproximadamente 1.100 homicídios e 7.500

mortes por cânceres profissionais, sendo que os primeiros são considerados mais inaceitáveis

que os segundos. As sociedades dos países industrializados exigem das indústrias um nível de

risco para a população menor do que o que elas aceitam, por exemplo, do sistema de saúde (ou

dos parques de diversão). À medida que ocorreram acidentes industriais, os poderes públicos

implementaram uma regulamentação rigorosa, que, evidentemente, contribui para a segurança,

mas que, sozinha, não a garante.

8

É necessário salientar que a identificação de um risco não implica que saibamos calcular a probabilidade de sua ocorrência,

o que somente é conhecida através de eventos frequentes: os grandes acidentes são eventos cuja probabilidade

calculada a priori é ou deveria ser muita baixa.

15


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

1.2 Uma evolução do olhar

O olhar social, a regulamentação e, também, as abordagens científicas do risco industrial

foram marcadas por uma série de acidentes importantes e por lições que deles foram

extraídas.O quadro 1.1 que se segue lembra alguns desses episódios marcantes e suas

consequências, salientando algumas dimensões da abordagem dos Fatores Humanos e

Organizacionais da Segurança, que a análise destes acidentes permitiu acentuar.

Data Lugar País Tipo de

unidade

produtiva

Fenômeno Consequências Alguns riscos FHOS

1976 Seveso Itália Usina química Nuvem de

dioxina

1979 Three Mile

Island

USA Central nuclear Vazamento

primário

1984 Bhopal Índia Usina de

pesticidas

1986 Nave

Challenger

Explosão

USA Nave espacial Ruptura de

uma junta

1986 Tchernobyl URSS Central nuclear Explosão de

um reator

1987 Herald of Free

Entreprise

Mar do

Norte

Catástrofe ecológica.

70.000 cabeças de

animais abatidos

Início de fusão do reator

16.000 mortos pelo

menos

Desintegração no

momento da decolagem

- 7 astronautas mortos

Vazamento radioativo =

50.000 mortos, milhões

de pessoas afetadas

Diretiva Seveso

Complexidade dos sistemas,

IHM 9 , sala de controle,

procedimentos, efeito-túnel

(perda da visão periférica) e

organização da redundância

organizacional.

Manutenção, meio ambiente

urbano, transferência de

tecnologia, desatenção aos

alertas.

Causas organizacionais,

consequência da história

anterior da organização.

Pressões produtivas, controle,

aparecimento da noção de

cultura da segurança.

Ferry-boat Naufrágio 193 mortos Pressões produtivas,

procedimentos, lançadores

de alerta.

1988 Gare de Lyon França Trem Colisão 56 mortos Numerosos fatores de

concepção e de organização.

1992 Monte Saint-

Odile

França Avião comercial Esmagamento

1998 Longford Austrália Usina de gás Explosão 2 mortes,

8 feridos interrupção do

fornecimento de gás

2001 Toulouse França Usina química Explosão 30 mortos, 2.500 feridos,

destruição urbana

2003 Nave

Colúmbia

USA Nave espacial Deterioração

da

blindagem

térmica

87 mortos Reforço do FH em projeto.

Destruição da nave na

entrada na atmosfera,

7 mortos

Limites de uma cultura de

segurança focalizada em

acidentes leves.

Criação do ICSI

Causas organizacionais do

Challenger não tratadas.

2005 Texas City USA Refinaria Explosão 15 mortos, 170 feridos Taxas de frequência

Quadro 1.1.: Alguns acidentes industriais ampliados e implicações para a segurança

16

9

IHM - Interface Homem Máquina


1.3 Trabalho de antecipação e trabalho quotidiano

O desenvolvimento dos trabalhos científicos sobre os riscos de acidentes industriais e sua

prevenção foi marcado por esses eventos. Sem que se possa fazer uma correspondência

termo a termo entre os acontecimentos e a emergência de teorias, podem ser lembrados

alguns trabalhos cuja publicação contribuiu para fazer evoluir a abordagem FHOS. O

quadro 1.2 não é, obviamente, exaustivo, e numerosas referências serão lembradas em cada

um dos capítulos deste guia.

1947 Fitts y Jones Les erreurs de pilotage des avions militaires conduisant

à des crashes s’expliquent par la conception des

cadrans et des commandes

1968 Leplat y Cuny Recherches sur le contrôle à distance

1970 Faverge L’homme agent de fiabilité et d’infiabilité dans les

systèmes complexes

1970 INRS, Cuny L’arbre des causes

1974 Edwards y Lees The Human Operator in Process Control

1979 Weick The Social Psychology of Organizing

1981 Rasmussen Human Detection and Diagnosis of System Failures

1982 [Directiva Seveso]

1984 Perrow Normal Accidents: Living with High-Risk Technologies

1985 Leplat Erreur humaine, fiabilité humaine dans l’entreprise

1986 Beck La société du risque

1986 Daniellou L’opérateur, la vanne, l’écran, l’ergonomie des salles

de contrôle

1987 Roberts, La Porte, Todd Premier congrès sur High Reliability Organizations

1989 De Keyser Síntesis sobre el «error humano» en La Recherche

1990 Reason Human Error

1990 Leplat, De Terssac Les facteurs humains de la fiabilité dans les systèmes

complexes

1996 [Directiva Seveso 2]

1996 Amalberti La conduite de systèmes à risques (sobretudo a “gestão

de recursos cognitivos”)

1996 Vaughan The Challenger Launch Decision

1996 Llory Accidents industriels: le coût du silence

1997-2000 Simard La culture de sécurité et sa gestion

1999 Châteauraynaud, Torny Les sombres précurseurs (les lanceurs d’alerte)

1999 Bourrier Le nucléaire à l’épreuve de l’organisation

2001 Weick Managing the Unexpected

2004 Hollnagel Barriers and Accident Prevention

2006 Hollnagel, Woods,

Leveson

Resilience Engineering

Quadro 1.2.: Algumas publicações sobre a abordagem FHOS

Esses trabalhos esclarecem, sobretudo, as duas maiores contribuições para a segurança industrial:

a antecipação do que é possível prever e a capacidade de presença em face do imprevisto.

1.3 Trabalho de antecipação e trabalho quotidiano

Por ocasião da concepção de um sistema, ele é submetido a um estudo sobre os perigos e a

uma análise de riscos. Os projetistas procuram identificar as configurações do funcionamento

que conduzem ao risco. A prevenção desses riscos identificados é garantida por uma série de

barreiras:

17


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

O sistema

comporta

variabilidades.

A concepção técnica do sistema (dimensionamento, confinamento, automatismos de

segurança).

A definição de procedimentos de produção e de manutenção, visando obter a utilização

do sistema dentro de limites seguros.

A formação de operadores com relação aos procedimentos.

A implementação de uma organização e de um gerenciamento que assegure a obediência

às regras.

As auditorias periódicas que controlam o conjunto.

Supõe-se que, se as regras são respeitadas, as configurações de funcionamento não desejáveis,

que foram localizadas, têm uma probabilidade mínima de se produzirem.

Entretanto, mesmo nos primeiros tempos do funcionamento nominal da instalação, sobrevêm

numerosos eventos que não tinham sido previstos, para os quais os procedimentos não apresentam

todas as respostas e que são geridos pelos operadores de produção e manutenção, com ou

sem interação com os gestores. Duas razões principais explicam esse desvio no que diz respeito

às previsões.

De um lado, o sistema comporta variabilidades de uma granularidade muito mais fina do que o

que pode ser antecipado durante a concepção do projeto.

Variabilidade do sistema

Duas válvulas idênticas têm reações levemente diferentes, um parafuso está emperrado,

uma cobra fez seu ninho num armário elétrico, uma escada foi utilizada em outro lugar...

Os mesmos

mecanismos

podem conduzir

ao sucesso ou

a um evento

indesejável.

Os operadores presentes de campo detectam variações e adaptam seus modos operatórios. Às

vezes, a segurança implica sacrificar a produção: quando é necessária uma parada de urgência

ou no bloqueio de alguma operação. Mas, se a produção fosse parada a cada vez que aparece

uma não conformidade, a eficácia do sistema ficaria, no mínimo, fragilizada 10 . Numerosos

ajustamentos são, permanentemente, feitos para enfrentar situações que não são cobertas por

um procedimento. E, na representação daqueles que os fazem, eles são feitos de uma maneira

compatível com a segurança.

Por outro lado, os eventos previstos, cada um em um procedimento, podem se achar combinados

de uma maneira nova, ou acontecimentos previstos podem se combinar com outros

não previstos. Não é possível, nem na prática nem conceitualmente, imaginar um metaprocedimento

que cobriria todas as combinações possíveis. Os operadores presentes vão elaborar

uma resposta, original para essa situação inabitual, mobilizando os seus recursos individuais e

coletivos e eventualmente, consultando a hierarquia.

Na imensa maioria dos casos, esses ajustamentos à margem dos procedimentos asseguram, ao

mesmo tempo, a segurança e a produtividade do sistema. De maneira bastante mais rara, eles

são identificados a posteriori como um dos fatores de um incidente ou acidente. Muitas vezes, o

desvio da regra que levou ao sucesso, não será lembrado nem analisado, somente o será aquele

que provocou um incidente. Entretanto, a reflexão a respeito da segurança industrial deve

considerar que são os mesmos mecanismos que asseguram o sucesso quotidiano da produção

ou o evento não desejado.

Se ajustamentos como esses, que acabam de ser descritos, são necessários desde o início do

funcionamento nominal de um sistema, sua amplidão cresce ao longo da vida desse sistema.

1.4 As migrações do sistema

O sistema foi inicialmente concebido e projetado para certas condições de produção. No

entanto, com o passar do tempo, o sistema evolui e as condições de produção mudam.

18

10

É o princípio da segurança ferroviária (para os passageiros): um trem não pode entrar em uma plataforma ou num

“cantão” [seção de estrada de ferro cuja guarda e conservação estão a cargo de um cantoneiro. N.T.] a não ser que as

condições estejam em conformidade para tal. Se esse não for o caso, ele espera diante do sinal fechado ou avança em

marcha lenta depois de obtida a autorização. O princípio “enquanto tudo não estiver claro deve-se aguardar” assegura

um alto grau de segurança, mas favorece atrasos, que contribuem para questioná-lo por razões de produtividade. Em

compensação, a segurança do pessoal que trabalha nas vias das estradas de ferro não se apoia no princípio do tudo

ou nada. Ela se baseia, como é de praxe, nas indústrias de risco, em ajustes locais finos (evidentemente no quadro das

regras gerais) entre segurança e produtividade (Hale e Heijer, em Hollnagel et al., 2006).


1.5 A resiliência

O sistema em si evolui com o decorrer do tempo. Certos componentes envelhecem e sua

obsolescência torna difícil sua manutenção. Modificações locais foram feitas, sem que o

conjunto dos estudos de risco tenha sido retomado. A população de trabalhadores se modifica:

os mais velhos e experientes, por exemplo, são substituídos por jovens que têm mais títulos, mas

que têm menor conhecimento das instalações.

Paralelamente, as condições de produção mudam também. Novos produtos são solicitados e

procurados pelos clientes. Aumentam as exigências de produtividade, e os objetivos a curto

prazo contradizem, às vezes aqui e ali, as exigências de segurança a longo prazo. As organizações

se modificam. Camadas suplementares de procedimentos foram acrescentadas àquelas inicialmente

definidas. O formalismo, vinculado à qualidade ou à segurança, cresceu reduzindo ainda

mais as margens temporais de realização efetiva das operações de produção ou de manutenção.

O sistema migra, portanto, para uma zona de funcionamento que não é aquela que se tornou

o objeto da análise inicial dos riscos. Pode ocorrer a tendência de se aproximar de limites

aceitáveis de um funcionamento seguro, limites virtuais os quais todos sabem que existem,

mas cuja posição só é conhecida quando eles são transpostos.

Ainda assim, na vida quotidiana do sistema, tudo continua funcionando. A produção é assegurada,

e nenhum incidente maior ocorreu. Os ajustes se multiplicaram, permitindo que a quantidade

e a qualidade se situem nas faixas requeridas. Como, há muito tempo, não tem ocorrido

incidente grave, o sistema pode ser considerado tão seguro como quando do seu funcionamento

nominal inicial, a segurança se tornou rotineira. Todos os indicadores dos quadros de bordo

de gestão estão no verde, incluídas aí, eventualmente, as taxas de frequência de acidentes com

pessoas. Nada parece anunciar que essa instalação vá estar em breve nos noticiários.

Nada? Não é esse exatamente o caso. A realização das operações de produção e de manutenção

se tornou mais difícil: a performance final continua boa, mas a operação engendrou mais

dificuldades para as pessoas que as perceberam, ela exigiu mais tempo e a necessidade de

muitas tentativas. Cada vez mais, os procedimentos são frequentemente desrespeitados, sem

que se discuta sobre isso. Situações que outrora teriam interrompido a produção são toleradas.

Tornou-se maior o distanciamento entre as mensagens gerenciais descendentes e a realidade que

vive o pessoal da produção. Alguns se encontram em dificuldades em razão da sensação que têm

de que estão próximos do limite, mas não conseguem expressar esse sentimento, a não ser ao

médico do trabalho. Algumas vozes se levantam, por exemplo a da CIPA, mas são interpretadas

como sendo do domínio dos jogos habituais das relações sociais.

Esse quadro não é, evidentemente, o único. O conceito de "resiliência", que se desenvolveu

amplamente nos últimos anos, descreve a capacidade de uma organização de fazer face, ativamente,

às variações das condições do funcionamento, mais do que se deixar levar sem o saber

até o limite fatal.

O sistema e

suas condições

de produção

evoluem.

Os sinais fracos

de uma migração

do sistema.

1.5 A resiliência

Em física, a palavra resiliência designa a capacidade de um material resistir a um choque. Na

área da psicologia, trata-se da capacidade de uma pessoa viver e se desenvolver depois de ter

sofrido um choque traumático, um acontecimento grave.

No domínio da segurança e por analogia, o termo resiliência inicialmente designou “a capacidade

de uma organização de reencontrar, depois de um incidente maior, um estado dinâmico

que lhe permite se desenvolver novamente". Dito de outra maneira: se o sistema é resiliente, sua

capacidade de viver não é anulada pelo incidente.

Essa acepção da palavra resiliência surgiu de forma demasiadamente restritiva, na medida em

que ela somente qualifica a organização na sua capacidade de fazer face uma vez ocorrido o

evento. Essa capacidade de ação, no entanto, é posterior em relação à capacidade de a organização

em antecipar o evento, preparar a resposta adequada, detectar os sinais que o anunciam

e gerir sua eventual chegada. Considera-se, então, que a resiliência de uma organização é "sua

capacidade de antecipar, detectar precocemente e de responder, adequadamente, a variações

do funcionamento do sistema em relação às condições de referência, objetivando minimizar

seus efeitos sobre a estabilidade dinâmica 12 ”.

A resiliência:

antecipar,

detectar e

enfrentar

os desvios.

11

Em Hollnagel e cols., 2006.

19


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Para desenvolver sua resiliência, uma organização deve:

Ser consciente de que o nível de segurança de um momento é sempre ameaçado

pelas evoluções do sistema e suas migrações de uso, sobretudo as contradições

entre objetivos de longo prazo de segurança e objetivos de produtividade de curto

prazo;

Ser consciente de que os indícios de uma pane nas fronteiras da zona segura não

são obrigatoriamente revelados pelos indicadores de gestão habituais: muitos deles

são conhecidos pelos operadores de campo, mas não se revelam espontaneamente

pelos sistemas de informação existentes.

Favorecer, ao mesmo tempo, o retorno dos alertas e o debate sobre eles;

Reconhecer a necessidade – para definir as regras compatíveis com as evoluções

do sistema – de confrontar os conhecimentos dos especialistas e os conhecimentos

de campo. Em matéria de segurança, cada um possui somente uma parte dos

conhecimentos necessários;

Reconhecer, explicitamente, o corpo gerencial de campo e o CHSCT como os

atores essenciais ao processo de detecção e tratamento de variações de funcionamento.

Voltaremos, em detalhes, a esses pontos. Nos capítulos que se seguem, vamos discorrer, de

início, sobre a contribuição da atividade individual de cada um aos ajustamentos que permitem

o funcionamento seguro do sistema, mas que podem, igualmente, ameaçar sua segurança. As

forças e as fraquezas das propriedades dos seres humanos são dados que devem ser considerados

na reflexão sobre a segurança. Vamos, em seguida, evidenciar o papel dos coletivos e das

organizações.

20


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21



2

Dos “comportamentos”

à atividade

Neste capítulo, vamos nos interessar pela relação entre a atividade individual e a segurança

industrial. A referência ao “comportamento” dos atores está, muitas vezes, presente nas abordagens

relacionadas à segurança. Esse termo veicula, às vezes, uma abordagem do trabalho

humano mais restritiva que aquela que propõe a abordagem dos Fatores Humanos, que procura

compreender a atividade humana e o que contribui para determiná-la.

2.1 Os comportamentos: o que é observável

O comportamento de um ser vivo é a parte de sua atividade que se manifesta a um observador:

sua postura, seus movimentos, sua expressão verbal ou sua mímica, as modificações

fisiológicas visíveis (por exemplo, o suor), o uso de uma ferramenta ou de um equipamento, etc.

Quando se observa um animal, só se podem fazer hipóteses a respeito daquilo que determina

o comportamento constatado. No caso de um ser humano, pode-se ir além do comportamento

e se interrogar sobre a organização da atividade da pessoa e o que a determina. Interessa-se,

então, pelas dimensões cognitivas 12 , psíquicas e sociais que estão na origem do comportamento

observável.

As abordagens comportamentais

As abordagens comportamentais da segurança, difundidas por uma empresa multinacional

do setor químico e por escritórios de consultores, baseiam-se no modelo ABC

(Antecedents, Behavior, Consequences): o comportamento (behavior) é considerado como

resultante de certos antecedentes e de uma antecipação de possíveis consequências. O

modelo ressalta o fato de que as consequências antecipadas determinam mais o comportamento

que as causas antecedentes. Além disso, as consequências certas, imediatas e positivas

influenciariam mais os comportamentos que as consequências incertas, diferentes

ou negativas. Os programas de aperfeiçoamento contínuo da segurança, baseados nesse

modelo, compreendem campanhas de observação do comportamento dos operadores

por seus colegas ou por sua hierarquia, uma valorização imediata dos comportamentos

julgados positivos pela segurança e uma capitalização das práticas observadas. O principal

alvo desse tipo de método é a conformidade do comportamento às prescrições em matéria

de porte de meios individuais de proteção e da obediência aos procedimentos.

12

A cognição compreende a pesquisa de informação, a construção de representações, o raciocínio, a tomada de

decisão, a planificação da ação e o controle de seu resultado.

23


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

2.2 Os comportamentos de conformidade e os comportamentos de iniciativa

Comportamentos

de conformidade.

Comportamentos

de iniciativa

contribuem para

a segurança.

Certas empresas, quando se referem a "comportamentos", estão referindo-se principalmente

aos comportamentos de conformidade às regras prescritas: o porte dos EPI, o respeito aos

procedimentos, a arrumação do lugar de trabalho. Trata-se, efetivamente, de comportamentos

que podem contribuir positivamente ou negativamente para a segurança.

Mas essa abordagem deixa de lado outros numerosos comportamentos, que testemunham

iniciativas dos operadores em relação ao prescrito: levantar numerosos índices informais sobre

o funcionamento da instalação, detectar que um procedimento não é aplicável porque se está

trabalhando sobre uma parte do equipamento, assinalar um perigo, interditar uma instalação

cujo funcionamento é duvidoso, sugerir melhorias, praticar a ajuda e a vigilância mútua entre

os colegas, transmitir o savoir-faire de prudência a um novato, investir em atividades vinculadas

à prevenção. Esses são os componentes mais importantes da segurança.

As pesquisas nas empresas de risco mostram, obviamente, que existe uma correlação positiva

entre “comportamentos em conformidade” e nível de segurança, Mas elas mostram, também,

que a correlação é muito mais elevada entre as taxas “de iniciativas de segurança” e o desempenho

global de segurança 13 .

Por isso, é pouco pertinente focalizar uma política “Fatores Humanos e Organizacionais” da

segurança tão somente pela conformidade aos comportamentos. Ademais, os comportamentos

são a parte visível de uma atividade complexa. Faz-se necessário compreender o que influencia

essa atividade.

2.3 A atividade: a mobilização da pessoa para atingir objetivos

A atividade de uma pessoa é a mobilização de seu corpo e de sua inteligência para atingir

objetivos sucessivos em determinadas condições. A atividade comporta uma dimensão visível

(o comportamento) e dimensões não visíveis (as percepções, as emoções, a memória, os conhecimentos,

o raciocínio, as tomadas de decisão, o comando dos movimentos, etc.).

A atividade do trabalho, em um dado momento, é uma resposta a diversos determinantes:

Os objetivos de produção, as tarefas a realizar, as regras que as definem, a interpretação

que as pessoas fazem delas.

Os meios disponíveis, as condições de realização, as propriedades da matéria e dos

materiais, o meio ambiente, as restrições do tempo.

As características e o estado físico e psicológico da pessoa.

Suas competências, os conhecimentos que ela adquiriu em sua formação ou por experiência

em diversas situações.

Suas motivações, seus valores, os outros objetivos que ela persegue.

Os recursos coletivos disponíveis.

As formas de presença da gerência.

Os valores e as culturas dos grupos aos quais a pessoa pertence (entre os quais a cultura

de segurança da unidade).

Por sua atividade, o operador procura atingir os objetivos fixados, mas levando em consideração

as variabilidades que surgem:

Variações do contexto, do estado do processo e dos materiais, dos meios disponíveis,

dos recursos coletivos.

Variações de sua própria condição (dia/noite, fadigas, dores, etc.).

Por vezes, os diversos objetivos não são compatíveis de maneira simples. Regras que se originam

de diferentes departamentos ou setores podem se mostrar particularmente contraditórias. Uma

situação de um incidente pode comportar uma conjunção inabitual de eventos, em que há um

procedimento para cada um deles, mas não para todos em conjunto. O operador e a equipe de

24

13

Ver o estudo de M. Simard et al., Processus organisationnels et psycho-sociaux favorisant la participation des

travailleurs en santé et en sécurité du travail, Institut de Recherche en santé et sécurité du travail du Québec (IRSST),

1999, http://www.irsst.qc.ca/fr/_publication_662.html


2.4 A parte submersa do iceberg

trabalho devem fazer a triagem das prescrições, combiná-las para construir uma resposta que

seja a mais bem-adaptada, tendo em vista a situação real.

A atividade não é, portanto, a simples execução de um procedimento:

Em alguns casos, o procedimento é rigorosamente seguido, mas a atividade trouxe um

valor agregado (verificação do meio ambiente e das condições de aplicações, conhecimento

das reações dos materiais, controles intermediários não prescritos) :

Experiência e atividade

O procedimento acompanhado por um operador experiente não gera a mesma atividade

que o mesmo procedimento seguido por um trabalhador temporário.

Em outros casos, a atividade representa um desvio em relação ao procedimento.

Numerosas razões podem explicar tal fato: o procedimento não é claro; o procedimento

não corresponde exatamente à situação presente; o respeito pelo procedimento

implica uma sobrecarga para o operador, a qual ele não considera justificável; os

conhecimentos de sua profissão lhe sugerem uma forma mais pertinente de proceder,

etc. O desvio em relação ao procedimento não pode ser visto somente em termos de

“não conformidade”: isso implica compreender as razões que o explicam e talvez as

contradições que podem ter existido entre os diferentes determinantes.

O comportamento observado em um dado momento é somente o resultado da construção complexa

da atividade. Não se pode mudar o comportamento sem se agir sobre o que explica que

a atividade seja organizada de certa maneira. Se o comportamento observado não é o desejável

do ponto de vista da segurança, é preciso, então:

compreender o que condiciona a organização da atividade;

transformar alguns dos elementos que a influenciam.

Mudar os

comportamentos

implica agir sobre

as situações.

Passar de uma abordagem em termos de comportamentos a uma abordagem em termos de atividade

é dar a si mesmo a chance (e aceitar o risco) de identificar os determinantes mais numerosos,

mais profundos e mais complexos das condutas humanas, que influenciam a segurança;

é modificar os termos dos debates entre os diferentes atores que contribuem para a prevenção;

é abrir novos campos de ação para a concepção de dispositivos técnicos e de organizações mais

seguras.

Para facilitar essa análise e a escolha de ações pertinentes de prevenção, os capítulos que se

seguem voltarão a detalhar a forma como cada um dos fatores pode influenciar a atividade.

2.4 A parte submersa do iceberg

Observável

Objeto do trabalho

Não observável

Músculos

Sistema nervoso central

Experiência, Formação

Sentidos

(visão, audição,

tato, olfato, paladar,

propriocepção)

Exploração

perceptiva

Figura 4: O iceberg da atividade

25


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

O trabalho não

é nunca somente

manual.

Às vezes, trata-se do “trabalho manual”. Ora, o trabalho puramente manual não existe. Em

qualquer situação, o operador recebe informações graças a seus sentidos que são guiados, em

sua exploração, pelo cérebro, e seu sistema nervoso central dá ordens aos músculos para guiar

a ação sobre o objeto do trabalho. Chama-se “atividade cognitiva” essa atividade do cérebro que

dirige permanentemente a realização das ações.

A atividade cognitiva é parcialmente consciente, mas toda uma parte é automatizada 14 , e a

consciência só é alertada quando alguma coisa imprevista ocorre.

Automatismos e consciência

Caminhamos em um passeio sem termos a consciência do controle do andar. A consciência

é alertada no momento em que pisamos em um buraco.

Essa atividade cognitiva repousa, evidentemente, sobre a história de vida da pessoa, sobre todos

os traços que seu cérebro estocou das experiências por ela vividas (incluindo sua formação). A

experiência influencia até mesmo na procura de informações pelos órgãos sensoriais.

Influência da experiência sobre a pesquisa de informações

Um motorista novato não controla seu olhar da mesma maneira que um motorista experiente:

o primeiro olha em direção à parte dianteira do seu veículo; o segundo tem o olhar

dirigido para o que vê adiante. O motorista experimentado vai se encontrar em situação de

aprendizagem se estiver em terras britânicas.

Um operador novato de um sistema de controle não procura a mesma informação que um

experiente: esse último procura, de início, alguns parâmetros-chave, ao passo que o novato

percorre numerosas telas.

Nós voltaremos, no capítulo 4, às principais propriedades dessa atividade cognitiva.

2.5 É difícil falar de seu trabalho

Cada pessoa sabe atar o laço de seu sapato. No entanto, seria bastante difícil explicar, por

telefone, a alguém como fazer esse nó, sem poder demonstrá-lo. Trata-se de um conhecimento

incorporado, um conhecimento que está inscrito no corpo e que não é fácil explicar com

palavras.

Muitos conhecimentos aplicados ao trabalho têm essa natureza:

Não é porque o operador sabe fazer alguma coisa que ele sabe explicá-la (a sua hierarquia,

a um auditor, a um jovem contratado).

O fato de que seja difícil explicá-la não impede que ele seja detentor de um conhecimento

que é potencialmente importante para a segurança.

Nem sempre é fácil explicar o que se conhece

“O forno está bem regulado quando a chama está ligeiramente laranja e a alteração do ar

está... é complicado!"

Não existem palavras para descrever tudo. É possível, no entanto, que o operador seja portador

de um conhecimento sobre o controle do forno mais fino e profundo do que aquele que oferecem

os sensores de consumo de oxigênio. É possível, também, que a operação do forno seja

menos segura que antes, se esse operador for substituído por um novato, que não tenha esse

conhecimento, mesmo ele sendo detentor de um diploma técnico.

A possibilidade de falar de seu trabalho depende evidentemente também do contexto geral, da

imagem daquele que propõe as questões, do uso que ele pode fazer das respostas, das políticas

de REX e de sanções.

26

14

Trata-se de automatismos adquiridos e não de reflexos: esses últimos são inatos (retirar a mão de qualquer coisa

quente). Um automóvel ou uma instalação química não são conduzidos por reflexo.


2.6 O desempenho não reflete o custo humano

Levar em consideração os Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança passa sempre

pelo fato de favorecer a expressão do conhecimento que os operadores têm das situações de

produção, que contém outros aspectos de segurança além dos saberes dos especialistas.

2.6. O desempenho não reflete o custo humano

A atividade realizada por um operador visa atender a objetivos, salvaguardando, na medida do

possível, seu próprio estado (evitar posturas ou esforços intensos, por exemplo).

Quando a situação comporta margens de manobras suficientes, o operador pode elaborar

modos operatórios que são eficazes e que considerem os alertas de seu organismo.

Quando as margens de manobra diminuem, para conseguir os objetivos fixados, ele

usa um modo operatório que permanece eficaz, mas que é difícil para ele.Os custos

podem ser físicos, mas também cognitivos (raciocínio difícil, incerteza, numerosas

decisões sob a pressão do tempo), psíquicos (afetando a autoestima), sociais (tensão

com os colegas...).

Enfim, pode acontecer que, mesmo se esforçando e com custos elevados para ele,

o operador não possa fazer uso de um modo operatório que lhe permita atingir os

objetivos fixados: é o transbordamento ou ponto de saturação.

A performance

pode ter um custo

humano...

A performance atingida não reflete, portanto, o custo humano gerado por sua realização:

resultados excelentes (do ponto de vista dos critérios da empresa) podem ser atingidos a um

custo elevado para alguns operadores. O fato de que tenham chegado àquilo que era pedido

nada diz do que isso exigiu deles. Se o REX incide unicamente sobre a conformidade dos

resultados aos objetivos, “nada há a assinalar”. Entretanto, essa situação traz riscos: se, dessa vez,

a performance foi alcançada – embora os operadores tenham tido muita dificuldade para assegurá-la

– é provável que uma pequena variação do contexto ou uma troca do efetivo levassem a

um resultado diferente e não idêntico.

Uma abordagem Fatores Humanos e Organizacionais de Segurança convida sempre a avaliar a

realização de uma tarefa sob o duplo aspecto - performance e custo humano:

O resultado foi bom?

Que dificuldades a execução dessa tarefa produziu? A que custos para as pessoas e para

a segurança industrial do sistema sociotécnico?

Se o custo humano da performance é anormalmente elevado, ações corretivas tornam-se

necessárias.

Vejamos mais precisamente como as características da situação de trabalho vão influenciar a

atividade que aí se desenvolve.

27


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

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28


3

A situação de trabalho influencia

o comportamento

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Cultura de segurança

Atividade

+/- Conformidade/

Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Produção

Qualidade

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 5: Este capítulo trata da influência da situação do trabalho

O operador que intervém numa parte do processo está numa situação de trabalho que vai,

em parte, determinar sua atividade e, portanto, em relação ao que é observável: seu comportamento.

Se fazemos uma foto dessa situação, uma parte do trabalho estará visível: algumas instalações,

certos instrumentos, um colega trabalhando ao lado... Mas muitos outros componentes

da situação de trabalho não estarão na foto: a estratégia da empresa, a história das instalações

e a do operador, as relações sociais, as regras da organização, os coletivos de trabalho, o tempo

necessário para realizar uma operação, o calor e o odor presentes no local, etc. Contudo, também

esses aspectos da situação influenciam não só a atividade do operador como os lados

visíveis da imagem: se queremos compreender por que a atividade dos operadores tem certas

características, é preciso procurar as razões fora do que se pode observar de imediato.

A Figura 6 aponta os diferentes componentes da situação de trabalho que vão influenciar a

atividade

Nem todos os

componentes

da situação do

trabalho saltam

aos olhos.

29


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Diversidade

O operador

Variabilidade

Sexo

Idade

Características físicas

Formação

Experiência

Estado momentâneo

Objetivos a atingir

Prescrições de

diferentes origens

Atividade

O ambiente de trabalho

Materiais, produtos

Meios materiais

Documentação

Limitações de tempo,

de qualidade

Meio ambiente físico

e químico

Coletivos de trabalho

Organização do

trabalho

Relações sociais

Variabilidade

Saúde,

Segurança do trabalho

Segurança

Industrial

Produção,

Qualidade

Figura 6: Os componentes da situação do trabalho

O operador faz parte da situação de trabalho. Seu próprio estado é extremamente variável devido

aos ritmos biológicos, à fadiga, aos acontecimentos pessoais, como será visto no capítulo 4.

Gerir seu próprio estado faz parte da atividade.

3.1 A situação é sempre singular

Fazer face à

variabilidade

da situação.

A situação que o operador tem que gerir e controlar é sempre única: mesmo se a operação

prescrita é habitual, alguns fatores são específicos a essa manobra: a meteorologia, a hora e o

dia da semana, o estado das instalações a montante ou a jusante, materiais utilizados, uma ação

de manutenção próxima, uma composição não habitual da equipe, a mudança de um procedimento,

uma válvula emperrada, etc.

Em alguns casos, essas fontes de variabilidade não produzem efeito na operação: valendo-se de

algumas adaptações na sua maneira de trabalhar, o operador compensa uma pequena variação

do contexto e consegue garantir a operação respeitando o conjunto do procedimento.

Em outros casos, o operador ou a equipe consideram que o desvio é mais importante, que

é preciso proceder de maneira diferente. A partir de sua representação da situação e de sua

experiência, eles vão implementar um modo de operar que lhes parece adaptado. Na maioria

dos casos, esse modo de operar leva a um resultado positivo, e o desvio do procedimento não

será destacado por ninguém. Às vezes, os ajustes implementados trarão consequências desagradáveis,

porque a situação compreendia alguns aspectos que os operadores ignoravam ou não

levaram em consideração. Serão, então, censurados por terem tomado liberdades em relação

ao procedimento. Assinalamos, no capítulo 1, este paradoxo: são os mesmos tipos de desvio da

regra que asseguram a produtividade e que conduzem aos acidentes.

3.2 As instalações e a matéria

As máquinas e as ferramentas que são utilizadas no processo de produção foram concebidas

pela engenharia, que incorporou a elas numerosos conhecimentos sobre os fenômenos físicos

e químicos, a resistência dos materiais, etc. Mas uma parte de suas propriedades não pode ser

antecipada e são descobertas na atividade daqueles que as fazem funcionar (operadores) ou as

mantêm em condições de funcionamento (mantenedores).

30


3.3 As prescrições

Certas características só são descobertas pela prática

As bombas A e B são semelhantes, mas a primeira entra em cavitação mais facilmente que

a B. Essa canalização aqui, quando tudo está normal, faz um barulho de torrente, ao passo

que a outra deve fazer um barulho de vento nos ramos das árvores. Na bomba que está ali,

deve-se poder colocar a mão na parte de cima, exceto na fase de esvaziamento. Se o solo

vibra dessa maneira, é porque existe um problema no rolamento desse motor. O produto de

saída deve cheirar a maçãs maduras, se ele cheira a vinagre é que há um problema. Quando

se fabrica o produto X, não se deve exceder os dois terços do volume máximo, com o produto

Y pode-se chegar ao máximo...

Pela experiência física das operações de produção, os operadores desenvolveram indícios que

lhes permitem perceber rapidamente e de maneira sintética o estado de um material, de uma

operação ou de um produto. Essa mesma experiência, também, mostra a eles a melhor maneira

de realizar as diferentes operações. Como um criador conhece suas vacas, o operador que

entra num local detecta sinais precoces que indicam anormalidades e lhe permitem agir apropriadamente.

Quando a substituição de gerações se passa bem, esses sinais e essas regras são

transmitidos aos jovens durante o decorrer de sua aprendizagem.

Se, por razões de segurança e eficácia, decidiu-se pilotar à distância essa parte da instalação, sensores

e transmissores vão ser instalados, para levar os parâmetros a uma terminal do sistema de

controle que está longe. Mas muitas vezes os parâmetros que vão ser transportados são aqueles

que os projetistas imaginam serem necessários para supervisionar e pilotar a instalação: vazões,

pressões, temperaturas, porcentagem de oxigênio, etc.

Pode-se prescindir da experiência e da percepção humanas?

Como pilotar e controlar um forno a partir do indicador de oxigênio quando se possui, no

próprio corpo, toda a experiência de diferentes tons de cor laranja e da perturbação do ar

que indicam seu estado? É certo que o operador pode aprender, mas o seu controle será tão

preciso, tão seguro? Não seria útil também fornecer-lhe uma câmera?

As instalações se tornam, portanto, o objeto de um duplo conhecimento, e de uma dupla

ignorância: algumas de suas propriedades cotidianas são conhecidas pelos operadores por

experiência própria e muitas vezes ignoradas pelos especialistas, ao passo que algumas configurações

– que devem ser evitadas – são calculadas pelos especialistas e, felizmente, não foram

vividas pelos operadores. Prevenir catástrofes não pode, entretanto, se efetivar ignorando os

ajustes necessários à vida quotidiana.

Duplo

conhecimento,

dupla ignorância

3.3 As prescrições

Na situação de trabalho, a prescrição do trabalho provém de várias fontes:

A prescrição quotidiana feita pela hierarquia em termos de objetivos de produção;

As regras formais, os procedimentos;

As regras do ofício, que permitem ao soldador avaliar o aspecto da solda, ao caldeireiro

apreciar o estado da superfície de uma tubulação, e as regras informais dos coletivos

(ajuda-se um colega idoso a levar uma carga, não se perturba um colega que está

realizando a coleta de uma amostra que demanda atenção);

As exigências que se originam da própria matéria ou das instalações: se a válvula está

bloqueada, ela "precreve" uma operação prévia, com instrumentos específicos, antes de

poder abri-la.

Essas diferentes fontes de prescrição são, muitas vezes, parcialmente contraditórias. A atividade

humana não consiste simplesmente em executar prescrições: é preciso dar uma resposta a um

conjunto de prescrições, que não podem ser respeitadas todas ao mesmo tempo e em todo o

tempo. Trabalhar supõe, então, fazer a triagem e priorizar prescrições potencialmente contraditórias.

31


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

3.4 Os determinantes distantes

Comportamentos

“irracionais”

em aparência.

Uma parte dos determinantes da situação de trabalho está bem fora do quadro da fotografia

evocada anteriormente. A corrida do petróleo, a história e a saúde econômica da empresa, sua

política salarial e de subcontratação ou terceirização, a estrutura organizacional, as relações

sociais da unidade de produção, o estilo do gerenciamento direto fazem parte da situação do

trabalho.

De um lado, esses aspectos condicionam os objetivos produtivos e a maneira como eles vão ser

impostos. Por outro lado, eles determinam, mais ou menos diretamente, a possibilidade de o

operador obter uma ferramenta mais apropriada, de assinalar uma parte de um procedimento

que lhe parece inadequado, de descansar um pouco depois de uma manobra difícil, de parar

uma operação que ele julga perigosa ou de solicitar a ajuda de um colega experiente.

Se quisermos compreender as escolhas que orientam a atividade de um operador, procurando

explicá-las somente pelos determinantes imediatamente visíveis, é provável que algumas dessas

escolhas pareçam irracionais. Se, ao contrário, nos interessamos por determinantes mais amplos

no tempo e no espaço, as razões dessa escolha podem tornar-se claras.

Pesquisa de causas profundas

A pesquisa sobre o acidente com a nave espacial Challenger colocou em evidência uma

retenção de informação por parte das equipes ligadas à preparação do lançamento. Para

compreender essa atitude, foi necessário voltar aos anos anteriores, às reorganizações que

haviam colocado as equipes competindo entre elas, incluindo aí seus modos de avaliação.

3.5 A atividade como resposta que integra custos e benefícios

Um julgamento

de custosbenefícios.

Face a grande número de fontes de variabilidade da situação, face a uma diversidade de prescrições

parcialmente contraditórias, a atividade humana traz uma resposta: o operador faz um

diagnóstico, toma decisões, desencadeia ações, comunica-se com os outros.

Essa resposta não era a única possível. Se ela é que foi admitida, é porque os cérebros das

pessoas referidas fizeram uma análise dos custos benefícios (muito rápida e certamente amplamente

inconsciente). Sem nenhuma ordem preferencial, pode-se citar entre os custos potenciais

considerados: a fadiga, o risco de acidente, o tempo de exposição a incômodos, a reprovação de

colegas, da hierarquia, a má qualidade do trabalho, as restrições administrativas, perdas financeiras,

etc. Entre os benefícios em potencial, o menor desconforto de uma operação, o fato de

atingir rapidamente um objetivo, a qualidade do resultado, a demonstração de sua habilidade,

o reconhecimento da hierarquia, a admiração dos colegas, o fato de desenvolver novas aprendizagens,

ganhos financeiros, a segurança, o respeito pelos seus próprios valores, etc.

O peso de diferentes critérios é evidentemente variável de acordo com as pessoas, as situações

e os tipos de escolha. As teorias comportamentalistas – nós as lembramos no capítulo 2 –

afirmam que as consequências certas, imediatas e positivas pesam mais nas escolhas que as

consequências incertas, diferentes e negativas. Essa abordagem pode ser útil para guiar algumas

orientações de gerenciamento, mas não deve, certamente, ser utilizada para reconstituir em seu

lugar os mecanismos de escolha de um operador numa dada situação.

Se a resposta dos operadores, que resulta dessas "avaliações de custos-benefícios”, é considerada

pela empresa como não apropriada, só se pode modificar essa resposta modificando as características

da situação que guiam essas escolhas.

Bibliografia

Ver capítulo 2

32


4

Operadores humanos

diferentes e variados

O ser humano tem propriedades que resultam do seu funcionamento biológico e que não

podem ser facilmente modificadas. Elas devem ser consideradas na concepção dos sistemas de

trabalho da mesma maneira que as propriedades físico-químicas dos produtos e processos. Se

não for assim, o ser humano certamente vai se adaptar com alguns limites, mas sempre a um

custo elevado para ele e com um prejuízo de sua performance.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Cultura de segurança

Atividade

+/- Conformidade

/Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Produção

Qualidade

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Diversidade e

variabilidade

de pessoas

Figura 7: O objeto deste capítulo

É impossível apresentar aqui o conjunto das propriedades do funcionamento humano que

podem influenciar o trabalho. Este capítulo apresenta alguns elementos da diversidade dos

indivíduos, assim como as variações do estado do corpo em função das horas do dia e da noite.

No capítulo seguinte, serão apresentadas as principais características do cérebro e do raciocínio

humanos que devem ser consideradas na concepção de situações de trabalho.

4.1 Somos todos diferentes

As instalações industriais são operadas por pessoas com características muito diferentes. Se

o projeto se baseia em um “homem médio”, ignorando essas diferenças, podem ocorrer dificuldades

para um grande número de trabalhadores e consequências para uma boa operação do

sistema. As principais diferenças que devem ser integradas a um projeto são as seguintes.

O homem médio

não existe.

33


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

a/ Sexo

Muitas instalações foram tradicionalmente projetadas para operadores masculinos. Hoje é

indispensável integrar, desde a concepção do projeto, a possibilidade de operadoras trabalharem

nele. Isso supõe, sobretudo, prever instalações sanitárias adaptadas e integrar diferenças

antropométricas.

Em matéria de força física, é preciso desconfiar de alguns clichês: a força física média dos

homens é superior à das mulheres, mas as duas categorias podem se sobrepor, e muitas

mulheres têm uma força superior à de numerosos homens! Os esforços que trazem dificuldade

para a maioria das mulheres apresentarão problema também para muitos homens.

b/ Antropometria

A disparidade de tamanhos é considerável.

Para cobrir 98% da população masculina francesa, é preciso considerar estaturas entre

1,59m e 1,94m. As últimas estatísticas mostram o aparecimento de um grupo de jovens

homens muito altos (média de 1,91m) que não existia antes e que representa hoje 8% da

população masculina!

Para levar em conta, do mesmo modo, a população feminina, é preciso que o intervalo

utilizado comece em 1, 48m.

Além disso, os diferentes segmentos corporais não são proporcionais à estatura.

Uma distribuição como essa significa que as instalações projetadas para o homem médio

(1,76m) estarão inadaptadas, ou até mesmo serão inutilizáveis, para um grande número de

trabalhadores. As diferenças antropométricas devem ser consideradas no projeto, levando em

conta os valores locais quando se trata de instalações destinadas à exportação (50% dos vietnamitas,

por exemplo, medem menos de 1,65m).

Os canhotos.

Os daltônicos.

c/ Lateralidade

Cerca de 10% das mulheres e 13% dos homens executam todas as tarefas preferencialmente com

a mão esquerda, mas muitos mais preferem essa mão para executar tarefas específicas. Todas

as situações de trabalho devem ser concebidas de modo a permitir aos canhotos trabalhar sem

dificuldade.

d/ Visão

Há cerca de 8% de daltônicos na população masculina. Isso significa que se, numa tela, é

mostrado um bloco vermelho que se transforma num bloco verde, essa situação torna inaptos

8% dos homens (e entre eles, talvez, o operador mais competente). Se o bloco também muda de

posição ou de forma, todos podem continuar trabalhando.

Mais da metade da população ativa sofre, pelo menos, de um tipo de anomalia visual. O que

é anormal é ter olhos perfeitos. A presbiopia é a deficiência mais democraticamente compartilhada:

ela afeta quase todas as pessoas depois dos 50 anos. Todas as operações de produção

devem poder ser realizadas por operadores que usam óculos, inclusive no interior dos equipamentos

de proteção.

Envelhecimento

versus experiência.

34

e/ Envelhecimento

Em 2015, a proporção de trabalhadores com mais de cinquenta anos será entre 1/3 e 1/4 dos

trabalhadores. O envelhecimento implica, ao mesmo tempo, um aumento da experiência e

a degradação de algumas capacidades físicas. Se um trabalhador mais velho tenta realizar as

tarefas da mesma maneira que um jovem colega, ele certamente terá maiores dificuldades,

mas é possível que sua experiência lhe permita adotar um modo operatório que não lhe traga

problemas. Uma organização que não favorece essa adaptação corre um maior risco de excluir

os quinquagenários do que uma organização flexível.

As situações que colocam em dificuldade os trabalhadores mais velhos são, principalmente, a

impossibilidade de antecipar, as restrições imediatas de tempo, as múltiplas interrupções de

tarefas, a realização de muitas tarefas simultaneamente, as trocas frequentes de contexto. No

plano físico, a força muscular diminui pouco com a idade, mas os esforços rápidos e a exposição

prolongada ao calor se tornam muito difíceis. Devem ser igualmente evitadas posturas penosas


4.2 Estamos em mudança constante

e situações que exijam equilíbrio sem apoio. O trabalho noturno é, muitas vezes, a principal

causa de dificuldades depois dos 50 anos.

A situação da maior parte das empresas nos próximos anos será a coexistência de dois grupos de

população: um deles de trabalhadores com mais de 45 anos e outro de trabalhadores com menos

de 30 anos. A combinação harmoniosa de pontos fortes de uns e de outros pressupõe projetos

adaptados de gestão de recursos humanos, especialmente para antecipar as numerosas partidas

para aposentadoria e assegurar a acolhida e a formação dos jovens.

f/ Restrições médicas de aptidão

Com a idade, as principais restrições médicas de aptidão dizem respeito ao trabalho noturno,

aos esforços despendidos em ambientes com temperaturas elevadas e às exigências das costas

e das articulações. Elas podem trazer algumas dificuldades, tanto para as pessoas envolvidas,

quanto para a empresa, cuja gestão de recursos humanos se torna mais complexa. A concepção

das instalações e a organização do trabalho podem, ao mesmo tempo, limitar as situações que

colocam em dificuldade os trabalhadores com limitações físicas e evitar exclusões.

4.2 Estamos em mudança constante

O funcionamento das instalações é assegurado por pessoas que não somente são diferentes

entre si, mas que também variam em função da fadiga, dos acontecimentos da vida e dos ritmos

biológicos.

a/ A fadiga

A fadiga implica uma redução da capacidade do organismo e necessita, portanto, do desenvolvimento

de mecanismos fisiológicos diferentes, a um custo mais elevado se o mesmo nível de

atividade deve ser mantido. Estar cansado é ter de mobilizar mais recursos para chegar ao

mesmo resultado.

A fadiga muscular traduz o esgotamento de recursos energéticos internos do músculo, um

aumento de sua acidez e o fato de que a circulação sanguínea é insuficiente para expelir os

resíduos e trazer a glicose e o oxigênio necessários.

A fadiga nervosa traduz a impossibilidade de o sistema nervoso manter o tratamento da informação

no mesmo ritmo. Ela resulta num aumento de erros e omissões e numa redução da

percepção. Ela pode, também, dar lugar a sinais de irritabilidade.

Inicialmente, a fadiga não é consciente. As capacidades são afetadas, mas a pessoa não percebe

isso. Em um segundo momento, ela percebe a fadiga e poderá, eventualmente, desenvolver

algumas estratégias para administrá-la (pedir ajuda, multiplicar os controles). Do ponto de vista

da segurança, a fase inconsciente da fadiga é particularmente crítica.

b/ Os acontecimentos da vida

Os acontecimentos da vida (conflito, luto, fracasso...) e as emoções que deles resultam podem

afetar o estado físico da pessoa, sua percepção, suas tomadas de decisão. Por exemplo, a procura

de informações será mais limitada, os raciocínios integrarão um número menor de fatores, as

decisões serão menos precisas.

Se esses acontecimentos são de origem individual, os outros membros do coletivo de trabalho

poderão, em geral, compensar as variações do estado da pessoa envolvida. Se, ao contrário, a

origem é coletiva (conflito com a hierarquia, acidente de um colega), trata-se de um “modo

comum” e, então, toda a capacidade perceptiva e decisória da equipe que pode estar alterada.

c/ Os ritmos biológicos

O organismo humano, da mesma maneira que o dos animais e vegetais, tem relógios internos.

Diferentes fenômenos biológicos são periódicos, a maior parte com um período da ordem de

24 horas (existem, também, ritmos mensais e anuais). A temperatura, a secreção de numerosos

hormônios, a vigilância, a performance sensório-motriz, etc. variam, assim, no decorrer de um

dia.

Essas variações diárias resultam de dois fenômenos. De um lado, existem relógios internos que

asseguram seu funcionamento mesmo no caso de experiências ditas de “livre curso”, em que

os sujeitos se veem privados de qualquer informação exterior. Por outro lado, esses relógios

Modificações

do corpo durante

24 horas.

35


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

internos se acertam de acordo com o tempo social, em razão dos numerosos indicadores de

tempo ou “sincronizadores”: a hora oficial, a alternância dia/noite, as horas das refeições, as

horas de deitar e de acordar, etc.

No caso das experiências de “livre curso”, a periodicidade permanece, mas ela se desloca das

24 horas para se adaptar, em relação a certas funções, em torno de 26 horas. O relógio interno

de uma pessoa “isolada” fica desconectado em relação ao do mundo exterior. Para uma pessoa

que trabalha de dia e dorme à noite, o conjunto dos indicadores do tempo são sincrônicos. Os

ritmos biológicos vão combinar de maneira coerente entre eles e o tempo social. Para alguém

que viaja de Paris a Nova Iorque, o conjunto dos indicadores de tempo na chegada são sincronizados

entre eles, mesmo que eles mudem em relação aos relógios biológicos do viajante. Esses

relógios biológicos do viajante irão se adaptar em poucos dias de acordo com o novo tempo

local. Em compensação, para alguém que trabalhe à noite, ocorrem algumas contradições entre

os indicadores de tempo. Dorme-se quando é dia e trabalha-se quando é noite. Se o trabalho

noturno é contínuo durante longos períodos, a consequência disso será uma perturbação dos

ritmos biológicos, com efeitos sobre a saúde. O ritmo jamais se inverte totalmente, devido à não

sincronização dos indicadores de tempo entre eles e pelo fato de, durante as suas férias, a pessoa

retornar a uma vida diurna.

Se as alternâncias do trabalho diurno com o trabalho noturno ocorrem rapidamente (duas ou

três noites seguidas de trabalho), os ritmos biológicos permanecerão mais próximos daqueles de

alguém que trabalha de dia, mas é evidente que o estado da pessoa à noite não será o mesmo do

estado em que se encontra de dia. É ilusório esperar que o estado de alerta e a rapidez de reação

às 3 horas da manhã sejam os mesmos que às 15 horas. Isso é fisiologicamente impossível. A

concepção dos sistemas de informação e a organização devem permitir que o processo seja

mantido em limites aceitáveis, mesmo com uma capacidade de reação individual dos operadores

necessariamente reduzida no período noturno.

Bibliografia

AFNOR (2002a). Accès aux machines et installations industrielles. Règles de sécurité. AFNOR.

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Wisner, A. y Marcelin, J. (1976). À quel homme le travail doit-il être adapté? Rapport technique

22, CNAM, Laboratoire de Physiologie du Travail et d’Ergonomie, Paris.

36


5

O cérebro e o raciocínio humanos

O comportamento e o raciocínio humanos são marcados, ao mesmo tempo, pelas propriedades

biológicas do cérebro e pelas características das situações nas quais as pessoas se encontram.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Cultura de segurança

Atividade

+/- Conformidade

/Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Produção

Qualidade

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Diversidade e

variabilidade

de pessoas

Figura 8: Objeto deste capítulo

Inicialmente, apresentaremos algumas propriedades do cérebro humano e da memória. Em

seguida, destacaremos a influência que a situação pode exercer sobre o raciocínio.

5.1 Algumas propriedades do cérebro humano

Muitas analogias são feitas entre o funcionamento do cérebro humano e o de um computador.

Elas levam, muitas vezes, a conclusões falsas sobre o raciocínio em situação de trabalho.

Algumas propriedades do cérebro e do tratamento humano da informação merecem ser enfatizadas

e levadas em consideração.

a/ Uma pesquisa ativa de informações

Os sensores que permitem nossa percepção não são passivos: os olhos, por exemplo, não são

como uma câmera que se contentaria em transmitir imagens. Eles exploram o espaço, guiados

pelo cérebro. A informação é buscada de forma ativa, em função da ação que está em curso e

da experiência da pessoa. Informações que não são procuradas serão muito menos facilmente

percebidas que aquelas que o são.

37


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

A pesquisa ativa de informações favorece a percepção

Se um novo painel é colocado em uma máquina, há muitas chances de que o operador não

o veja porque ele não procura informação nesse lugar (da mesma maneira que há poucas

chances de que alguém perceba um novo painel de sentido proibido no início de uma rua).

Percebe-se menos

o que não se

procura.

Este raciocínio é o mesmo para todos os sentidos humanos: o cérebro os prepara para detectar

algumas informações. Aquelas que não são necessariamente buscadas deverão ter características

físicas muito mais expressivas para serem percebidas.

A percepção é, portanto, ao mesmo tempo, descendente (guiada pelo cérebro) e ascendente (as

informações recolhidas modificarão o seguimento da exploração).

Focalização da atenção

Quando esperamos por um ônibus, os outros veículos que passam são dificilmente percebidos.

Quando o ônibus chega, a percepção vai se modificar para focalizar o número e não

mais a forma do ônibus.

Os sentidos mais estudados são a visão e a audição, mas, nas situações de trabalho, existe,

também, um uso marcante do tato, do olfato e da propriocepção (percepção das acelerações dos

segmentos corporais, experimentada, por exemplo, quando se inicia uma esteira automática ou

quando um veículo arranca).

b/ Um funcionamento simultâneo

Todos os sentidos se tornam, assim, objeto de um tratamento simultâneo. O cérebro mobiliza o

conjunto dessas informações para integrá-las a uma representação da situação. Isso explica que,

às vezes, é muito difícil classificar cronologicamente informações de origens distintas, sobretudo

em situações de forte carga de trabalho: o sinal luminoso se acendeu antes ou depois de o motor

arrancar? Difícil responder. Quando das análises de incidentes, as pessoas que os viveram

evocam um “presente simultâneo”: nas suas lembranças, tudo aconteceu a um só tempo.

O cérebro

reconhece as

configurações.

c/ O reconhecimento das formas

As informações disponíveis para nossos sentidos são infinitamente numerosas. Seu processamento

não é efetuado de maneira analítica: nosso cérebro distingue diretamente formas e

configurações, das quais algumas são inatas (distinguir a forma de um rosto humano) e outras

adquiridas (reconhecer uma configuração de alarmes que corresponde a um estado particular de

um processo). O cérebro seleciona e combina figuras de modo a reaproximá-las em uma unidade

coerente conhecida.

Essa capacidade de identificar configurações globais permite ao ser humano “reconhecer” rapidamente

uma configuração que se “parece” com outra, sem ser, no entanto, exatamente igual.

Isso, em geral, é uma vantagem porque permite tratar situações por analogia. Mas pode também

ser um inconveniente, se o que era importante no momento era a diferença e não a semelhança.

A transmissão

das mensagens

nervosas é quimicamente

sensível

às emoções.

38

d/ Um tratamento variável, o cérebro é “uma glândula”

O sistema nervoso não é um conjunto de cabos elétricos: certamente, nos neurônios, o estímulo

nervoso (elétrico) se propaga de maneira estável, exceto em doenças neurológicas. Mas cada

neurônio está relacionado com vários outros que se encontram antes dele no sistema nervoso

e, em geral, também após ele (ele pode, também, se inserir diretamente sobre um músculo).

E os neurônios não estão conectados entre eles por terminais elétricos. Entre dois neurônios,

encontra-se um espaço chamado “fenda sináptica”. Ao chegar o estímulo nervoso, o primeiro

neurônio emite um ou muitos neurotransmissores químicos, que vão atravessar esse espaço e

se fixar na membrana do segundo neurônio, provocando a partida de um novo estímulo nervoso.

A informação nervosa é transmitida na sinapse por mensageiros químicos. No entanto,

o espaço sináptico não é vazio: ele é banhado pelo líquido extracelular que pode conter outros

neurotransmissores – sobretudo se a pessoa se encontra em situação de emoções fortes ou de

estresse – ou de derivados de medicamentos ou de drogas. A transmissão sináptica será, então,

modificada, os diferentes neurônios em aval não serão ativados da mesma maneira. A transmissão

química da mensagem se modifica de acordo com o estado da pessoa.

O cérebro não é constituído somente por neurônios. Ele comporta particularmente uma glândula

(a hipófise) e um cacho de células particulares (o hipotálamo), que secretam hormônios,


5.2 Se construir uma representação da situação

mensageiros químicos destinados a diversos órgãos. Outras glândulas, especialmente as

suprarrenais, situadas acima dos rins, secretam outros hormônios. O líquido no qual se banham

as sinapses é, portanto, variável, sensível às diferentes regulações do organismo e às emoções

(ver “o estresse” no capítulo 8). O tratamento da informação pelo cérebro humano (sua rapidez,

mas eventualmente também seus resultados) é susceptível de ser afetado por essas modificações

endócrinas.

Sabe-se que alguns medicamentos podem aumentar ou diminuir a atenção, o campo visual,

a rapidez de reação, a percepção de dor, a memória de curto prazo, etc.: o estado psíquico da

pessoa modificará as “drogas internas” do organismo com efeitos certamente comparáveis.

Esses mecanismos interferem principalmente na maneira como a pessoa vai construir uma

representação da situação, por exemplo, do processo que ela deve conduzir.

5.2 Construir para si mesmo uma representação da situação

O ser humano não constrói a sua ação a partir da “realidade da situação”, porque esta comporta,

como dissemos, uma infinidade de informações disponíveis. Ele constrói para si uma “representação

da situação”, que associa percepção e preparação para a ação.

a/ Construir uma representação é se preparar

Pela exploração perceptiva, o cérebro vai reter somente algumas informações disponíveis,

consideradas como formadoras de uma unidade coerente, característica da situação para as

necessidades da ação em curso.

A situação determina a representação

Um operador tem uma representação da situação normal na zona que ele monitora, compreendendo

o barulho, o odor, as vibrações habituais. Uma modificação dessa configuração

do conjunto irá alertá-lo.

Um instrutor de mergulho levando um grupo para passear identifica os peixes raros e os

mostra a seus companheiros. A fauna e a flora fazem parte da representação do passeio. Se

um incidente ocorre e ele deve efetuar um salvamento, a sua representação será focalizada

em elementos pertinentes para garantir a segurança da subida. Peixes raros certamente não

serão vistos.

A experiência e a formação permitiram a cada pessoa constituir um estoque de configurações

significativas (que é chamado de “modelo mental”), que serve de base para a construção de uma

representação da situação atual.

Modelo mental

O modelo mental que um operador desenvolveu a respeito de um processo compreende

um grande número de configurações normais e incidentais possíveis, vividas por ele ou

evocadas em formação. A partir dessa “reserva”, ou ele identificará imediatamente que se

trata de uma situação conhecida, para a qual está disponível uma sequência de ações, ou ele

detectará que a situação não corresponde a nada de conhecido e que se deve passar a outro

modo de raciocínio (por exemplo, abrir um procedimento).

Por essa caracterização da situação, o cérebro prepara o organismo para algumas ações e permanece

disponível para algumas informações mais que para outras.

A configuração orienta a preparação

Um automobilista que percebe um nível de combustível baixo prepara-se para ver o sinal

luminoso de capacidade e procura informações que indiquem a próxima estação para o

reabastecimento.

39


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

A representação

prepara a ação.

Construir para si mesmo uma representação da situação é reter somente alguns aspectos

característicos, que dão lugar a uma mobilização orientada do organismo: ele torna-se

disponível para realizar alguns eventos e pronto para realizar algumas ações.

A noção anglo-saxônica da “consciência situacional”, que designa a “faculdade de se estar

consciente do que se passa nas imediações e de compreender o que essas informações significam

no momento e no futuro” está muito próxima da concepção da representação como preparação

para a ação.

b/ A representação não é exata, ela é operacional

Uma representação jamais é exata, dado que é baseada em uma seleção de informações. O cérebro

seleciona as informações que parecem pertinentes segundo o que ele entende da situação e

da orientação da ação.

Uma mesma pessoa pode selecionar informações diferentes da mesma situação em

função dos objetivos que ela tem.

A percepção é orientada pelos objetivos

Quando o condutor toma o lugar do passageiro, ele não tem a mesma representação

do meio ambiente, da paisagem: ele não seleciona as mesmas informações, ele não está

preparado para as mesmas ações.

A representação

deforma e acentua o

que é significativo.

A representação não está baseada somente sobre a seleção de informações, mas também

leva a acentuar as características mais pertinentes: a representação é, assim, uma

caricatura operacional.

A representação deforma...

Os estudantes de endocrinologia que fazem moldes com base na apalpação das

tireoides dos pacientes fazem formas mais “exatas” que os médicos experientes!

Porque estes realçam as proeminências que eles detectam. Entretanto, apesar de fazerem

moldes exatos, os estudantes nada detectaram.

Dois profissionais de ofícios diferentes vão construir representações diferentes para

uma mesma situação, cada um salientando as características mais pertinentes para a

sua própria ação. Isso pode se traduzir em conflitos entre grupos profissionais.

Cada um possui sua representação

Para as equipes de manutenção da rede elétrica, a mudança das equipes às 06 horas

da manhã é um momento essencial de transmissão de informações sobre o estado

do processo. Os prestadores de serviços em manutenção que aguardam a assinatura

da permissão de trabalho podem ser considerados como “fazendo corpo mole” ou

“jogando conversa fora”.

c/ Do que depende a representação que se vai impor?

A representação da situação construída por alguém depende principalmente de quatro elementos:

A natureza das informações disponíveis.

A natureza das informações

Se o sinal luminoso enguiçou, há menos chances de o operador identificar que o

motor está superaquecido.

A experiência pessoal, que leva a modelos mentais personalizados, a estoques de

configurações que o cérebro reconhece.

A experiência do ator

Um visitante não atribui nenhum sentido a um grupo de alarmes numa sala de

controle. Seu modelo mental do quadro é muito limitado. O operador que chega a seu

posto detecta, de maneira instantânea, uma configuração particular.

40


A orientação da ação.

5.3 A memória

Se o operador está centrado na resolução de um incidente, ele vai perceber com acuidade

todas as informações que ele espera ou procura para administrar essa situação. É possível,

entretanto, que ele não perceba uma informação relativa ao início de um segundo incidente

independente do primeiro.

As interações com o coletivo do trabalho.

Em alguns casos, as interações com os outros operadores podem permitir integrar informações

que não tinham sido percebidas e modificar a representação da situação. Elas

podem, também, contribuir algumas vezes para bloquear a equipe numa representação

inapropriada (efeito túnel, ver capítulo 7).

5.3 A memória

A memória é diferenciada em três processos distintos.

A memória sensorial é uma espécie de “memória-tampão” cujas informações advindas da

percepção são estocadas em menos de um segundo antes de serem usadas. Depois desse prazo,

se não são usadas, elas vão se perder.

A memória de curto prazo é o resultado de uma primeira seleção (que depende do modelo

mental da pessoa e da orientação da ação no momento) e, portanto, de uma filtragem. É a

informação sobre a situação presente, disponível para tratá-la. Ela apresenta as seguintes características:

Possui uma capacidade muito limitada em número de unidades de informações que

pode reter.

Memória limitada em capacidade

Retemos poucos números lidos de maneira aleatória. A estruturação em blocos significativos

nos permite, entretanto, reter um maior número de informações elementares:

é mais fácil memorizar 101 202 303 que 10 12 02 30 34 04.

Ela é muito sensível às interferências.

A memória das informações de natureza linguística pode ser abastecida por autorrepetição,

mas não acontece o mesmo em relação à memória precisa de uma cor ou de uma

sensação.

A memória de curto prazo é um ponto frágil do funcionamento humano, portanto é perigoso

basear a segurança nessa função.

A memória de

curto prazo é o

ponto fraco do

ser humano.

Memória limitada em confiabilidade

Um operador que deve observar os valores de um lado de uma sala, atravessá-la e levar

esses valores para o outro lado tem muitas chances de se enganar, sobretudo se houver

interferências (conversações, telefone, alarmes).

A memória de longo prazo contém traços das situações que nós vivemos. Ela tem uma capacidade

virtualmente ilimitada, mas possui uma propriedade muito particular: é impossível saber

se alguma coisa foi memorizada.

Lembrar-se de que nos lembramos...

Onde você estava no dia 12 de julho de 1998? Se você se lembrar de que se trata da data da

final da Copa do mundo de futebol, você responderá facilmente a essa questão.

O insucesso em relembrar alguma coisa não é senão o insucesso do método utilizado. Nada

pressupõe que outro método não permitiria encontrar a informação procurada. A possibilidade

de acessar uma informação na memória de longo prazo depende, particularmente, da semelhança

entre as circunstâncias de aquisição da informação e as circunstâncias da lembrança.

41


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

O método da memorização influencia o acesso à informação memorizada

Se você procura o número de dias que tem o mês de abril, você vai encontrá-lo facilmente

com a alternância aprendida na escola: janeiro 31, fevereiro 28, março 31, abril 30.

A memória de

longo prazo

classifica as

situações.

Mas a memória de longo prazo não é simplesmente um estoque de lembranças. Os traços

memorizados são permanentemente recompostos, por comparação com as situações nas

quais nós estamos inseridos. Constroem-se, assim, “classes” de situações vizinhas, nas quais os

elementos comuns são memorizados muito intensamente, ao passo que os elementos específicos

de uma situação particular serão dificilmente reencontrados. A memória elabora, portanto,

sínteses, acessíveis à consciência, situações cujos detalhes podem ser mais facilmente acessíveis.

Os elementos assim memorizados e sintetizados têm naturezas muito diversas: lembranças perceptivas

(o cheiro de um perfume, os termos de uma conversa, uma paisagem) e sensório-motoras

(a lembrança do impulso que é preciso tomar para saltar um riacho), enunciados aprendidos

na formação (a lei dos gases perfeitos), esquemas descritivos (por exemplo, um esquema de

processo), regras formais (“se a temperatura do reator ultrapassar 250º C, faça-o parar”). Mas,

igualmente, as regras da experiência (“cada vez que faço isso, tenho tal resultado”) e os esquemas

de ação, que reúnem a percepção da situação que desencadeia a ação, a sequência de

operações e de buscas de informações para enfrentar uma determinada situação:

Um esquema de ação conhecido

O odor de gás na minha casa me leva a verificar as válvulas do fogão e, se estão fechadas, a

examinar o aquecedor de água. Se essas buscas são negativas e o odor persiste, eu chamo o

serviço de gás.

Para um operador com pouca experiência, a resposta a uma situação não habitual passará, muitas

vezes, pela aplicação de uma regra formal, aprendida ou procurada em um manual. Para os

operadores experientes, foram desenvolvidos esquemas de ação, unidades mentais que colocam

em relação os elementos percebidos e as ações a serem efetuadas. Esse funcionamento é muito

mais econômico em recursos que o primeiro (cf. seção 5-4 deste capítulo).

d/ Uma aprendizagem permanente

O ser humano está em constante aprendizado, estocando e sintetizando os traços de sua experiência.

É evidente que ele aprende também nos momentos concebidos como períodos de

formação. Mas não é garantido que os conhecimentos adquiridos na formação constituam um

todo harmonioso com aqueles resultantes da experiência prática.

O fato de que conhecimentos sejam ativados numa situação profissional depende das semelhanças

dessa situação com as circunstâncias de aquisição.

Diferenças entre situação de aprendizagem e situação real

Se a lei do Ohm foi ensinada sob a forma “U=RI”, a questão “U=?” vai provocar facilmente

a resposta “RI”. Isso não prova que, diante de um problema elétrico, a pessoa estará em

condição de utilizar a lei Ohm.

Se, em situação de formação, são recriadas situações próximas daquelas que são vividas no

ambiente profissional, os novos conhecimentos poderão ser integrados à síntese realizada pelo

cérebro em relação a essas famílias de situações. Caso contrário, é provável que elas sejam classificadas

com muitos outros enunciados, prontos a aparecer somente numa situação semelhante

àquela da formação.

O cérebro

antecipa.

e/ O cérebro voltado para o futuro e suas simulações

O cérebro, como já dissemos, não se contenta somente em esperar que as informações cheguem

até ele. A partir da antecipação das consequências da ação em curso, ele comanda a exploração

perceptiva, prediz as informações que a ação deveria fornecer e controla, por amostragem, o

que se passa como previsto.

O cérebro constantemente realiza predições, utilizando as lembranças de configurações similares.

Ele simula as consequências de diferentes ações possíveis, ativando as mesmas vias nervosas

como se a ação tivesse sido verdadeiramente efetuada: somente a realização é inibida. Ele

compara, desse modo, diferentes possibilidades de ação e suas consequências.

42


5.4 Formas de raciocínio e controle da ação

O cérebro projeta no mundo aquilo que ele sintetizou pela experiência. Essa propriedade

torna o ser humano bastante eficaz no tratamento de situações similares àquelas que ele já

viveu, embora um pouco diferentes. O risco é que uma situação seja identificada por suas

semelhanças com outras, apesar de que, nesse momento, as diferenças é que foram determinantes.

Isso dependerá, principalmente, do fato de que as classes de situações estocadas na

memória comportem ou não pistas de informações que alertem o cérebro sobre a necessidade

de passar a outro tipo de raciocínio.

Não se deixar enganar pelas similaridades

Os médicos sabem que as doenças mais graves começam pelos mesmos sintomas de uma

simples inflamação de garganta. Eles são instruídos a procurar se outros sintomas não

aparecem concomitantemente.

5.4 Formas de raciocínio e controle da ação

O que foi dito anteriormente mostra que o raciocínio analítico, baseado em conhecimentos

formais, constitui apenas uma das formas do raciocínio humano, bastante raro na maior parte

das situações de trabalho. Podemos distinguir três famílias de raciocínios.

O raciocínio

analítico é raro.

O raciocínio-ação

Quando vemos um sinal vermelho, olhamos pelo retrovisor e freamos. Nós não dissemos

“Este é um sinal de trânsito vermelho e o código de trânsito impõe que todo motorista deve

parar diante de um sinal vermelho”.

A maior parte dos “raciocínios” são, portanto, associações muito breves entre uma configuração

de informações que o cérebro reconhece e uma sequência de ações prontas para enfrentar a

situação identificada. São essas associações que nós chamamos de “esquemas”. Os experts de

uma área identificam imediatamente, dessa maneira, configurações que podem ser extremamente

complexas para um leigo. Essa identificação é bastante flexível a pequenas diferenças em

relação à configuração padrão. Esse “raciocínio-ação” tem a vantagem de ser pouco exigente em

recursos cognitivos.

O raciocínio-ação é

o mais econômico.

O raciocínio baseado nas regras

Para resolver a equação x 2 – 3x + 2 = 0, a maior parte dos alunos vai utilizar a regra do discriminante.

Um professor de matemática vai reconhecer, imediatamente, uma configuração

cujas raízes são 1 e 2.

Para enfrentar uma situação cuja configuração não é imediatamente associada a uma sequência

de ações, o ser humano pode utilizar regras, que ele aprendeu na sua formação (“se soa a sirene,

reunião no lugar do reagrupamento) ou pelos antigos na profissão (“se a tubulação estiver

quente, você deve verificar a pressão do recalque”) e, mais geralmente, as regras que ele criou

para si ao longo de sua vida (“se não sabemos alguma coisa, é melhor dizer que não sabemos”).

Esse modo de raciocinar consome mais recursos cognitivos que o raciocínio-ação, mas ele

permanece relativamente econômico se as regras são em número limitado, conhecidas ou

facilmente acessíveis e não admitem contradição.

Quando a mesma regra é utilizada muitas vezes em situações parecidas, ela acaba por ser

incorporada, como indicado anteriormente, na constituição de um esquema, de uma sequência

de tomada de informação e de ação automatizada. Isso explica que o expert não sabe necessariamente

ensinar as regras que fundamentam seu raciocínio uma vez que elas são criadas a partir

da experiência do corpo ao enfrentar uma situação.

O raciocínio baseado em conhecimentos

Numa situação para a qual não existe nenhuma resposta imediata, nenhuma regra pertinente

disponível, ou regras contraditórias, o ser humano vai mobilizar todos os seus conhecimentos

(gerais e profissionais) para tentar encontrar uma solução. Muitas descrições do problema vão

ser tentadas, de maneira a ver quais saídas o raciocínio vai encontrar; essas saídas são avaliadas,

o que conduz a desenvolver tal ou tal estratégia, a abandonar outras, e até mesmo passar para

uma fase seguinte.

O raciocínio

baseado em

conhecimentos é o

mais trabalhoso.

43


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Esse modo de raciocínio comporta um potencial criativo muito importante e permite ao ser

humano construir respostas pertinentes para situações totalmente novas. Mas ele é extremamente

exigente em recursos cognitivos, muito sensível às interrupções e não pode ser mantido

durante muito tempo se o contexto muda constantemente. É um modo de raciocínio que

somente funciona bem em situações calmas e sem pressão temporal imediata.

5.5 Os recursos humanos no tratamento da informação são limitados

Os recursos cognitivos humanos são limitados. Certas experiências de laboratório permitem

saturar a capacidade de tratamento do cérebro. Vemos, então, se multiplicarem as imprecisões

e os erros, diminuir a prudência e aumentar a irritabilidade. Além disso, se essa experiência é

feita com duas tarefas ao invés de uma, assiste-se a uma degradação mais significativa: a gestão

de recursos entre duas tarefas é, em si, consumidora de recursos. A competição entre tarefas é

particularmente forte quando elas exigem recursos do mesmo tipo. Em compensação, pode-se,

eventualmente, fazer simultaneamente tarefas que utilizam recursos diferentes.

Interferências entre tarefas

Não conseguimos, ao mesmo tempo, memorizar uma lista de números e responder ao

telefone. Conseguimos, eventualmente, responder ao telefone e desenhar.

As pessoas

experientes

controlam melhor

seus recursos

cognitivos.

Os experts de um domínio não têm uma maior capacidade do seu sistema de tratamento de

informações que os novatos. Mas eles administram melhor seus recursos cognitivos graças a

diferentes mecanismos:

Eles dispõem de sequências automáticas de “raciocínio-ação” para um grande número

de configurações, o que é muito econômico porque isso lhes permite liberar a atenção

para outras zonas do processo.

Eles administram sua atenção de forma seletiva;

Gestão seletiva da atenção

O iniciante procura informações um pouco por toda parte, o experiente verifica os

pontos-chave.

As pessoas experientes antecipam muito e dispõem de uma paleta de cenários alternativos

de acontecimentos e planos de ação para os quais elas estão preparadas, o que

lhes permite não serem apanhadas desprevenidas.

As pessoas experientes conhecem melhor os seus próprios recursos e limites: elas

os levam em consideração na construção de seus planos de ação, o que lhes evita se

engajar numa direção que vai colocá-las em dificuldade. Além disso, os mais experientes

podem identificar melhor o momento em que seus próprios recursos não serão

suficientes e onde será necessário procurar recursos externos 15 .

As pessoas experientes conhecem melhor os recursos disponíveis. Elas sabem, por

exemplo, em que assunto eles podem contar com tal colega, que serviço pode entregar

determinado documento, etc.

No que diz respeito à segurança, é preciso então levar em consideração o fato de que uma

situação que é administrada por pessoas experientes pode sobrecarregar pessoas menos

experientes, mesmo que elas tenham um nível de formação universitária muito superior: o

raciocínio pelos conhecimentos consome um número maior de recursos que o raciocínioação,

a procura de informação dispersa mais que a procura orientada, a reação mais que a

antecipação e o fato de “se mergulhar” mais que a procura de recursos.

44

15

Os efeitos sociais podem ir na direção oposta dos efeitos de experiência: uma pessoa com um posto mais alto

pode ter medo de perder a sua credibilidade se mostra aos seus subordinados que ele não sabe mais lidar com a

situação sozinho.


5.6 Alguns vieses frequentes de raciocínio

5.6 Alguns vieses frequentes de raciocínio

As pesquisas em psicologia, especialmente em psicologia social, colocaram em evidência como

o raciocínio pode ser influenciado, ou até mesmo deturpado, por algumas características da

situação. Esses vieses podem interferir no raciocínio de um operador que conduz um processo,

assim como de dirigentes que definem a política da segurança e mesmo de membros do CHSCT.

É necessário ter consciência sobre essa questão e, muitas vezes, implementar medidas organizacionais

para limitar seus efeitos.

a/ A influência da situação sobre o raciocínio

Essas pesquisas mostram a influência da “atitude”, do estado de espírito com o qual se aborda

uma situação ou o tratamento de um problema. Esse estado de espírito guia a maneira como

pesquisamos e interpretamos as informações para tirar conclusões e orientar sua ação. Serão

encontrados, a seguir, alguns exemplos que correspondem a probabilidades estatísticas.

Evidentemente outros comportamentos são também possíveis, diferentes daqueles que a experiência

coloca em evidência como sendo os mais prováveis. Mas a tendência habitual deve

alertar a organização.

O viés da ancoragem

É difícil abandonar uma primeira impressão. Na verdade, a primeira impressão influencia

a sequência de nossa percepção. Toda informação que confirma a impressão inicial é

percebida mais claramente que aquelas que viriam contradizê-la.

Num diagnóstico, as informações que confirmam as primeiras hipóteses serão privilegiadas,

aquelas que deveriam reconsiderá-las correm o risco de serem subestimadas.

Esse viés pode também dizer respeito ao julgamento que se tem de uma pessoa: uma

primeira impressão positiva sobre as características de alguém torna mais provável o

fato de que consideraremos positivos outros de seus traços (o mesmo acontece com uma

impressão negativa). Ele afeta igualmente as propriedades atribuídas a si mesmo (crenças

autolimitantes):

Um exemplo de crença autolimitante

Peso da primeira

impressão.

Um estudante que acredita ser incapaz em inglês interpretará toda má nota como uma

confirmação dessa incapacidade e toda boa nota como um “acidente”.

O viés do enquadramento ou etiquetagem

A maneira como um problema é apresentado influencia, ao mesmo tempo, o processo de

pesquisa de informação, o raciocínio e seu resultado.

Influência na apresentação do problema

Apresenta-se a algumas pessoas um filme sem o som 16 e nele se veem duas pessoas

discutindo. Pede-se a elas, em seguida, que avaliem as características do caráter das

duas pessoas filmadas. No entanto, foi dito a alguns que a pessoa A era assistente social

e B alguém com dificuldades sociais, ao passo que a outros se disse o contrário. Os

indivíduos têm a tendência de vincular os traços de personalidade “calma, profissional”

àquela pessoa que foi nomeada como assistente social e os traços “agitada, inquieta”

àquela que foi nomeada como caso social! Eles não viram o “mesmo filme”.

Na verdade, tem-se, mais espontaneamente, a tendência de “ver (ou escutar) aquilo em que

se crê” do que se crer naquilo que se vê ou escuta. Se um gerente ou um representante do

pessoal está convencido de que os incidentes se devem a erros humanos, ele não terá nenhuma

dificuldade em encontrá-los na história do acontecimento. Essa interpretação não

é a única possível e raramente é a mais pertinente em termos de prevenção (cf. capítulo 7).

Ver aquilo em que

se acredita.

Atribuição causal: causa interna ou causa externa?

Quando procuramos atribuir um acontecimento a uma causa, podemos evocar:

• causas “externas” (a situação, o contexto, a vontade divina);

• causas ditas “internas” (as competências, a personalidade de alguém).

16

Essa experiência se deve a F. Le Poultier.

45


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Atribuir os

eventos às

personalidades.

As pesquisas mostram que, nos países ocidentais hoje, quando alguém (A) procura encontrar

as causas de uma situação na qual ele não se encontra implicado, ele terá tendência a privilegiar

as explicações internas – outra pessoa, B, é a causa da situação. Ele subestimará, provavelmente,

os fatores ligados à situação. Corre-se, então, o risco de pensar que é suficiente trocar B (substituindo-o

ou mudando-o de posto), para que o acontecimento não se reproduza mais. Os fatores

situacionais, como as causas técnicas e organizacionais, serão, muitas vezes, deixados de lado.

Em compensação, se A quer explicar uma situação que diz respeito a ele próprio, é mais

provável 17 que ele invoque causas internas se a situação é positiva (graças a ele) e causas externas

se a situação é negativa (o contexto o levou a...).

Essas constatações não implicam um julgamento moral (isso significaria atribuir a pessoas

particulares propriedades sociais do raciocínio). Mas os métodos de análise de incidentes

devem levá-los em consideração, para que a noção de causa não seja confundida com a de

responsabilidade (cf. capítulo 7).

O viés de estabilidade ou de sobrevivência

As pessoas ou organizações que passaram por situações perigosas têm, nas suas experiências,

o fato de que 100% das provas foram superadas positivamente: essas experiências não são,

portanto, trágicas. As pessoas ou organizações que não sobreviveram a essas experiências não

podem testemunhar. A avaliação do risco pelos “sobreviventes” dá lugar, frequentemente, a uma

subestimação do risco.

Os efeitos do grupo

Em certos casos de reunião de grupo, pode-se notar que os membros do grupo privilegiam

a busca do consenso, o que faz com que cada um se alinhe no que ele crê ser a opinião dos

outros, perdendo parcialmente a ligação com a realidade. O grupo pode exercer uma pressão de

conformidade, que leva a afastar os avisos contrários, até mesmo os seus autores e pode terminar

numa autocensura dos participantes. Tais efeitos podem levar a uma má decisão, contrária

à posição individual de cada um dos membros! Organizações tentam se proteger de tais efeitos,

favorecendo, por exemplo, o fato de que há sempre um “advogado do diabo”, que defende uma

posição contrária àquela que é do consenso, separando o grupo em dois subgrupos que relatam

seus resultados, permitindo a expressão anônima de pontos de vista, etc.

A diluição das responsabilidades

Quanto maior o número de testemunhas de um acidente, mais fraca é a probabilidade de que

cada um chame o socorro e maior o risco do tempo de espera ser longo.

Esse fenômeno social não impede que, se cada uma das pessoas presentes tivesse sido a única

testemunha do acontecimento, ela teria imediatamente feito o necessário. Isso não se explica

pelas características das personalidades presentes, mas pelas propriedades da situação. Esse

mecanismo deve ser considerado na organização da segurança: é ilusório pensar que quanto

maior o número de operadores que passam num local maior será a certeza de que uma anomalia

será detectada. A definição das missões de cada um pode incluir, ao mesmo tempo, a responsabilidade

particular de uma zona e uma vigilância de verificação em relação a outras.

b/ A ligação entre os atos e as opiniões

Pensa-se, geralmente, que cada um age, primeiramente, em função de suas opiniões, convicções,

crenças. Para obter modificações nos atos de alguém, procura-se, assim, persuadi-lo a modificar

as suas opiniões, supondo que a mudança dos atos virá em seguida.

Entretanto, este vínculo não é o único. O ser humano age e pensa também em função de seus

atos anteriores, especialmente quando estes o comprometem com a ação: por exemplo, uma

decisão tomada em público, da qual se é livremente o autor, é muito comprometedora. Torna-se

difícil, assim, voltar atrás nessa decisão ou comportar-se contrariamente a ela. Assiste-se, portanto,

a “escaladas de compromisso” nas quais, embora numerosos sinais alertem sobre o fato

de que a decisão é ruim ou o comportamento é inapropriado, a pessoa segue numa má direção.

17

Do ponto de vista estatístico, trata-se de resultados de experimentação.

46


5.6 Alguns vieses frequentes de raciocínio

A espiral do engajamento

Essa propriedade do raciocínio humano é amplamente utilizada nas técnicas de manipulação:

faz-se alguém tomar uma decisão com base em informações parciais, e essa pessoa

continua aderindo à sua decisão, mesmo quando informações mais completas deveriam

levá-la a modificar tal decisão.

O que está em jogo é a relação que a pessoa faz entre ela e seus atos. Quando alguém tem o

sentimento de ter sido livremente o autor de um ato, o fato de ter de fazer um ato contrário é

percebido como um questionamento de sua própria pessoa, que ela tentará, de todas as maneiras,

evitar.

No entanto, nós já discutimos largamente isso, os comportamentos e os raciocínios são não

somente reflexos da personalidade dos indivíduos em questão, mas também amplamente

influenciados pelas situações nas quais esses indivíduos se encontram. Quando a situação leva,

de maneira repetida, alguém a realizar atos nos quais ele não se reconhece, ele se encontrará em

situação de “dissonância cognitiva”, extremamente penosa do ponto de vista pessoal. Nesse caso,

de duas uma. Ou a pessoa pode agir sobre a situação para torná-la mais compatível com suas

convicções e diminuir, assim, a contradição. Ou ela não tem domínio suficiente sobre a situação,

e corre-se o risco de ocorrer um fenômeno de “racionalização”: serão as atitudes, o estado de

espírito que evoluirão para diminuir a contradição.

Imaginar boas

razões para

diminuir a

contradição entre

suas convicções e

seus atos.

Ajustamento das convicções

Um operador, M. N., passa, no decurso de sua carreira, de uma usina X, onde a segurança é

gerenciada de forma bastante séria, a uma usina Y, em que algumas precauções de segurança

são criticadas pela hierarquia como perda de tempo. Se M.N não consegue convencer seus

superiores da pertinência das precauções que ele toma, é quase certo que ele acabará por

se convencer de que o processo Y é menos perigoso que o processo X. Ele ajustou suas

convicções aos comportamentos que a situação Y lhe permite ter. A dissonância cognitiva

será, assim, reduzida...

Os vínculos entre as convicções e os atos não existem, então, somente no sentido:

Opiniões,

Convicções,

Crenças,

Estado de espírito

Comportamentos

Existe, também, uma influência muito importante da situação sobre a atividade que aí é possível,

portanto sobre os comportamentos e, finalmente, pelos mecanismos da dissonância cognitiva e

da racionalização, sobre as atitudes e as opiniões.

Situação,

contexto

Atividade possível,

Comportamentos

valorizados

Opiniões,

Convicções,

Crenças,

Estado de

espírito

Quando a situação favorece comportamentos adequados às convicções, estes últimos são

reforçados:

Atividade possível

na situação,

Comportamentos

valorizados

Consistência

Opiniões,

Convicções,

Crenças,

Estado de

espírito

Reforço

47


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Quando o

pensamento se

adapta em função

da atividade

possível.

Quando a situação não permite que a atividade se desenvolva conforme as convicções, a situação

de dissonância cognitiva pode levar a uma modificação dessas últimas, para torná-las

compatíveis com o que é possível ser feito:

Dissonância

Atividade possível

na situação,

Comportamentos

valorizados

Opiniões,

Convicções,

Crenças,

Estado de espírito

Racionalização

Esses mecanismos são essenciais na definição de uma política de segurança industrial.

Mensagens visando convencer os atores da empresa sobre a importância da segurança, sendo

que sua aplicação na situação é contraditória com outras exigências, vão contribuir para que

muitos assalariados se convençam de que “isso não é tão perigoso assim”.

Ao contrário, todas as medidas relativas à situação, que permitem que uma atividade segura

seja não somente possível, mas favorecida e valorizada, contribuirão para o desenvolvimento de

atitudes favoráveis à segurança.

c/ Objetivos nos quais possamos nos reconhecer

O fato de que uma pessoa possa se reconhecer nos seus atos é essencial ao mesmo tempo para

a saúde e para a estabilidade da orientação de seus atos. Quando uma organização pretende

obter certos tipos de atos (para a segurança industrial, por exemplo), as justificativas dessa

exigência podem estar mais ou menos em ressonância com as convicções de cada um. Pode-se,

por exemplo, justificar a demanda que as situações de trabalho estejam livres de todo obstáculo

“porque o método 5S implica a ordem e a organização”. Pode-se, também, explicar a mesma

demanda “porque as situações livres tornam a produção mais segura e os acidentes mais graves

menos prováveis”. Trata-se de dois “níveis de identificação” diferentes. É provável que um

operador vá se reconhecer mais no fato de se arrumar para contribuir com a prevenção de

acidentes mais graves que para respeitar o método 5S. Mas o exemplo não é tão trivial quanto

parece: a justificativa para o “método 5S” obriga a organização unicamente a respeitar todas as

exigências desse método (caso contrário, a justificativa não pode ser tomada pelo operador).

Enquanto a justificativa para “a prevenção de acidentes graves” somente poderá ser levada a

sério se a organização implementar numerosas outras medidas de prevenção coerentes entre

elas – como aquelas que, para o operador, pareçam essenciais para garantir a segurança. Toda

falha de consistência entre as “mensagens em palavras” e as “mensagens em ato” da organização

coloca os atores da empresa em situação de dissonância cognitiva. É muito provável que eles

encontrarão, então, boas razões para justificar, a posteriori, o que a situação contraditória os

obrigou a fazer a contragosto. Criamos, assim, uma sequência de atitudes e comportamentos

pouco favoráveis para a segurança.

48


Bibliografia

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Weill-Fassina, A., Rabardel, P. y Dubois, D. (1993). Représentations pour l’action. Octarès,

Toulouse.

49



6

Os coletivos de trabalho

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Cultura de segurança

Resultados

Produção

Qualidade

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Atividade

+/- Conformidade/Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 9: O objeto deste capítulo

6.1 Cada pessoa pertence a vários grupos, que têm suas próprias normas

Uma mesma pessoa pertence sempre a diversos grupos sociais diferentes, de perímetros não

muito bem-definidos. Um mesmo trabalhador pode, ao mesmo tempo, pertencer:

A um ou muitos coletivos de trabalho.

A um grupo particular de ofício, do qual falaremos depois.

A um grupo profissional, ou seja, de pessoas que têm, mais ou menos, as mesmas

responsabilidades na função.

A grupos esportivos, associativos, sindicais, etc.

Cada um desses grupos é portador de um patrimônio coletivo, que vai influenciar as condutas

de seus membros. Até mesmo a percepção é influenciada pelo pertencimento a um grupo: este

é portador de uma sensibilidade particular para certas informações e de classes de interpretações

já prontas. O grupo é também portador de normas de ação mais ou menos implícitas.

O que valoriza um grupo esportivo não se equivale ao que valoriza um grupo sindical. Cada

pessoa deverá construir suas próprias condutas ajustando-se a um grande número de normas

de grupos. Por isso, muitas vezes, é pouco pertinente pensar que se podem prever as escolhas

de alguém, simplesmente porque identificamos o seu pertencimento a um determinado grupo.

Existem, entretanto, situações em que os diferentes grupos mencionados se correspondem de

forma marcante, o que aumenta o peso das normas coletivas sobre o funcionamento individual.

As normas

dos grupos.

51


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Os grupos podem ser mais ou menos formalmente constituídos, comportar ou não uma capacidade

de debate interno, apresentar ou não um líder, ter ou não um representante identificado.

Nem sempre os grupos mais explicitamente organizados na empresa serão aqueles com a maior

influência. Ora, um processo de mudança que não associe grupos influentes será dificilmente

bem-conduzido.

6.2 O coletivo de trabalho

Papel dos

coletivos na

segurança

industrial.

O grupo particular que constitui o coletivo de trabalho tem formas muito variáveis:

Seus membros podem ou não se encontrar no mesmo lugar (os operadores da sala de

controle e os vigilantes de segurança).

Eles podem ter ou não as mesmas funções (o condutor de trem e os controladores).

Eles podem compartilhar as mesmas tarefas imediatas (levantar juntos uma carga) ou

somente os objetivos de médio prazo (assegurar um lote de produção).

O coletivo de trabalho tem, geralmente, fronteiras variáveis (certas funções se integram em

momentos particulares) e pode comportar muitos ciclos (uma equipe de turno, as equipes). Uma

pessoa capaz de manter postos diferentes pode acabar por se inserir em diversos coletivos de

trabalho.

O coletivo de trabalho exerce papéis muito importantes no equilíbrio de um sistema de produção:

Quando a organização permite, os membros do coletivo podem se ajudar, compensando

mutuamente os limites (físicos, de competências) e as dificuldades passageiras de um ou

outro, além do único nível de colaboração prescrito pela organização;

O coletivo é um nível essencial de detecção e de recuperação de uma situação anormal

ou de um erro;

O coletivo pode ser um lugar de debate ou de construção de uma solução, quando

nenhuma regra corresponde à situação;

Um coletivo de trabalho que funciona bem é uma contribuição positiva para a saúde de

seus membros.

Certas situações organizacionais podem prejudicar os coletivos de trabalho: dispensas, sanções

ou promoções percebidas como não justificadas, competição entre os membros, circulação de

rumores... Quando os coletivos de trabalho estão deteriorados, assiste-se, às vezes, a uma degradação

rápida do nível de segurança industrial: incidentes não detectados, erros habitualmente

recuperados que não o são mais, má circulação de informação. É frequente que essa situação

seja acompanhada de um aumento de absenteísmo, especialmente por causa do aumento de

acidentes de pequena gravidade (por exemplo, quedas da própria altura).

O coletivo de trabalho é diferente do coletivo de profissão.

6.3 O coletivo de ofício

O coletivo de trabalho reagrupa pessoas do mesmo oficio, mas que não trabalham necessariamente

juntas todo o tempo (por exemplo, os eletricistas, os soldadores...).

O ofício permite

não partir do

zero.

a/ As regras do ofício

Nem todas as profissões são ofícios. A ideia de ofício corresponde à existência de uma tradição

histórica (mais ou menos extensa), que conduziu à elaboração de regras de ofício, definindo a

atitude a adotar diante de algumas situações. Quando um jovem aprende um ofício, as regras

lhe são progressivamente transmitidas, e sua aquisição é controlada pelo coletivo. As regras de

ofício permitem a cada um não partir do nada, quando se encontra numa situação que não é

totalmente definida pelas regras formais da organização. As regras de ofício têm uma natureza

diferente das regras formais: elas dão mais espaço ao corpo, à percepção física de uma situação

com todos os sentidos, à variabilidade que pode surgir quando de uma mesma operação.

52


6.3 O coletivo de ofício

As regras de ofício definem um “gênero” comum aos membros desse ofício, mas não são incompatíveis

com o fato de que cada pessoa desenvolve seu próprio “estilo”, dentro de certos limites.

Pelo contrário, o coletivo de ofício observa os “estilos” individuais, e uma ideia original e eficaz

de um de seus membros pode ser integrada às regras de ofício.

Um estilo individual pode ser generalizado no ofício

Os atletas que praticam o salto em altura utilizavam a técnica do rolo ventral. Em 1968, Dick

Fosbury implementa um estilo muito diferente, saltando de costas. Inicialmente o salto foi

recusado, mas, depois, verificou-se que ele não infringia nenhuma regra. Esse estilo pessoal

se generalizou e se tornou parte integrante do gênero “salto em altura”.

As regras do

ofício evoluem.

As regras de ofício, portanto, não são imutáveis. Elas se enriquecem com as contribuições dos

membros e devem evoluir com as mudanças tecnológicas, organizacionais e demográficas.

Mas essa evolução supõe que os “debates de ofício” sejam possíveis. Alguns ofícios organizam

congressos para isso! Outros têm pouco espaço que favoreça a atualização das regras de ofício.

Quando os debates de ofício são insuficientes, as regras de ofício podem ficar atrasadas em

relação ao desenvolvimento dos meios de produção. A “rede” que elas representam corre o

risco de se tornar impertinente em algumas configurações. Esses limites não são compensados

pelas regras formais, que não desenvolvem da mesma maneira as competências sensoriais e

motoras dos operadores.

Algumas profissões, além disso, são recentes e não têm, portanto, a tradição histórica de um

ofício. É possível acelerar a criação de um ofício, favorecendo os espaços onde os seus membros

possam debater sobre “casos” que eles encontraram e para os quais as regras formais não trazem

todas as respostas. As experiências podem, então, ser confrontadas, o que permite deduzir

certas regularidades entre as respostas que deram resultados satisfatórios e aquelas que não

tiveram sucesso. As regras de ofício começam, assim, a se elaborar.

b/ O ofício e a segurança

Nas indústrias de risco, hoje em dia, existe uma grande preocupação com a segurança pela

organização com a implementação de um Sistema de Gerenciamento de Segurança. Em alguns

casos, a instauração desse sistema deu lugar a uma discussão com os ofícios, para integrar as

práticas de segurança que aí eram tradicionalmente valorizadas. Nos casos em que essa interação

não teve lugar, os trabalhadores podem se encontrar em contradições entre as regras de

segurança de ofício e as regras de segurança da organização. Entretanto, é impossível responder,

de forma geral, à questão de saber quais são as mais pertinentes:

As regras formais se baseiam em conhecimentos gerais detidos pelos experts e integram

situações calculadas que os operadores, felizmente, jamais vivenciaram.

As regras de ofício são baseadas no conhecimento físico das instalações e das operações

e integram formas de variabilidade local das quais os experts não têm conhecimento.

O bom funcionamento do sistema de gerenciamento de segurança SGS) supõe, então, que as

regras formais sejam estabelecidas associando operadores de diferentes ofícios envolvidos.

SMS e ofícios:

contribuições

para a

segurança...

... cuja complementaridade

deve

ser organizada .

A articulação da responsabilidade da segurança pelos ofícios e pela organização é um dos

interesses da cultura de segurança (cf. capítulo 9).

c/ Grupo de ofício e grupo de projeto

Quando uma organização de um projeto é implementada, ela reagrupa, para duração em princípio

limitada, um conjunto de pessoas que pertencem a ofícios diferentes. O grupo de projeto

constitui um coletivo de trabalho, que permite a interação quotidiana entre diferentes lógicas

de ofício para a realização de um objetivo.

Um dos riscos é que os membros do grupo de projeto estejam em situação de interações insuficientes

com seu grupo de ofício. Entretanto, a precisão da resposta que eles podem dar a um

problema, a manutenção em dia de suas competências, a capacidade de afirmação da importância

da lógica profissional da qual eles são portadores dependem dessas interações com os seus

pares de ofício.

A implementação de uma organização por projeto deve, então, manter espaços de confrontação

interna aos ofícios.

53

Ruptura com

o ofício.


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

6.4 Os coletivos sindicais

Os coletivos sindicais são um lugar de articulação entre:

Preocupações do pessoal da unidade produtiva;

Orientações e recursos fornecidos pela organização sindical nos níveis federal, setor

econômico e regional;

Formas de intervenção dos representantes sindicais em relação à direção da empresa,

particularmente no centro das instâncias representativas do pessoal.

As questões colocadas em relação aos representantes sindicais são, muitas vezes, de natureza

muito próxima daquelas que dizem respeito aos empresários: em que medida sua atividade

articula, no dia a dia, um conhecimento concreto das situações de trabalho e da atividade que aí

se desenvolve com a consideração das orientações estratégicas descendentes?

As formas de prática sindical são uma das dimensões de uma cultura de segurança em um site:

elas certamente não podem ser definidas pela organização formal da empresa, que, no entanto,

pode mais ou menos contribuir para favorecer práticas sindicais positivas para a segurança (por

exemplo, por meio das “missões” do CHSCT).

6.5 E muitos outros coletivos...

Cada pessoa da empresa pode pertencer a outros coletivos: as redes pessoais que ela manteve

com os antigos colegas que, atualmente, estão em outros departamentos, com parceiros de

atividades esportivas ou culturais, etc.

Essas redes de relacionamentos não diretamente profissionais são, muitas vezes, recursos para

o trabalho.

As redes pessoais são, por vezes, alavancas para a vida profissional

Pode-se dirigir a um companheiro da equipe de futebol ou ao bibliotecário do comitê da

empresa para que ele preste uma informação a respeito de uma instalação que ele montou

há alguns anos!

Numerosas redes

informais.

Essas redes constituem, também, um imenso meio de informações, que faz com que eventuais

contradições entre as mensagens difundidas por diferentes gerentes de um site (ou pelo mesmo

responsável em diferentes ocasiões) sejam imediatamente detectadas. É possível, então, instaurar-se

uma atmosfera de incerteza e de inquietude, favorável aos rumores e à desmotivação que

pode interferir na segurança.

A coesão do conjunto de atores em torno da segurança industrial supõe a coerência dos diferentes

sinais enviados, nas suas práticas cotidianas, pelos membros da hierarquia (cf. capítulo 9).

54


Bibliografia

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de Terssac, G. (2002). Le travail, une aventure collective. Octarès, Toulouse.

55



7

O erro humano:

uma explicação insuficiente

Durante muitos anos, o “erro humano” foi o principal fator para explicar os acidentes industriais

ou de transportes. Para muitos meios de comunicação, essa abordagem ainda é válida. O modelo

subjacente é que o conjunto das situações de produção é previsto, que existem regras claras

sobre a conduta a adotar em todos os casos e que, numa circunstância particular, um indivíduo

não fez o que deveria ter feito, provocando um acidente mais ou menos grave. A análise do

acidente deve, sobretudo, evidenciar esse ato único a partir do qual a situação saiu do controle.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Cultura de segurança

Resultados

Produção

Qualidade

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Atividade

+/- Conformidade/Regras

+/- Iniciativas

Erros?

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 10: Objeto deste capítulo

Esse modelo do “erro humano” como principal fator explicativo dos acidentes foi hostilizado

por numerosas razões, que serão descritas na seção 7.1. Os erros são, na maioria das vezes, uma

consequência das situações em que se encontravam os indivíduos que os cometeram.

Um erro é, geralmente, o resultado de uma situação em que um operador e/ou uma equipe

não puderam utilizar as suas competências por razões ligadas à concepção dos sistemas, à

interface, à organização, à formação...

57


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Por essa razão, evitar situações que geram ou aumentam erros torna-se uma prioridade na

concepção e na organização de sistemas de risco. Nas seções 7.2 e 7.3, mostraremos as noções

que estão em jogo; a seção 7.4 apresentará os principais “ingredientes” que tornam o erro mais

provável. A seção 7.5 discute a pertinência de uma sanção pelos erros cometidos.

7.1 Os limites da abordagem pelo erro humano

A visão do acidente industrial baseada no “erro de um operador” (no singular) como causa

principal encontra-se, atualmente, completamente abandonada dos meios científicos. As razões

são as seguintes:

1. A focalização no erro humano conduz unicamente a que se interesse unicamente pelos

acontecimentos não desejados que tiveram consequências negativas, sem analisar todas as

regulações humanas que asseguram a confiabilidade no dia a dia (cf. capítulo 1).

2. Os erros cometidos pelos seres humanos são muito numerosos. Quem nunca esqueceu

seu telefone celular ou suas chaves? Felizmente, na maior parte dos casos, esses erros não

trazem consequências, porque eles são detectados e recuperados pela pessoa interessada

ou pelo coletivo, antes que eles tenham tido consequências graves.

A maioria dos erros não traz consequência

Num avião comercial, a observação de 44 horas de voo sucessivas permitiu levantar 162

erros dos quais 157 foram reparados pela tripulação. Somente um erro deu lugar a uma

sinalização.

Quando um erro traz consequências desagradáveis, a questão é, inicialmente, compreender

por que ele não pôde ser detectado e reparado.

O tempo do

acidente e o

tempo da

investigação.

3. Poderíamos dizer que os erros que acabam de ser mencionados são “erros não graves”,

ao passo que aqueles que provocam os acidentes são “erros graves”. Mas cada um dos

fatores que contribuem para que um acidente ocorra somente se torna grave quando está

combinado com todos os outros. O mesmo “erro” não terá, em geral, nenhuma consequência

se o contexto for levemente diferente.

4. Dizer que “alguém cometeu um erro” é considerar que ele fez alguma coisa diferente

daquela que deveria ter feito. Mas, para determinar o que ele teria de fazer, os experts

constroem uma análise a posteriori, tendo todo o tempo necessário para isso, dispondo de

informações que a pessoa que esteve na situação em tempo real não tinha (particularmente

a informação sobre o fato de que a história acabou mal).

Não há nenhuma relação entre os processos cognitivos dos experts que reconstituem a

posteriori as ações que eram desejáveis e os da pessoa que se encontrava no “presente

simultâneo” da ação.

Considerar

a limitação

dos recursos

cognitivos.

Evidentemente que, se tivesse sabido que suas ações teriam esse fim, a pessoa não as teria

realizado.

5. As análises de acidente levantam a hipótese de recursos cognitivos infinitos (cf. capítulo

5). Se uma pessoa pudesse mobilizar, à vontade, todos os seus conhecimentos para

analisar um fenômeno em curso, talvez ela tivesse identificado mais corretamente o que

estava para acontecer. Mas os recursos cognitivos não são ilimitados: a pessoa controlava,

ao mesmo tempo, outros processos, era interrompida, respondia ao telefone, etc. O

raciocínio “baseado em conhecimentos” não pode ser mantido por muito tempo nessas

condições. O tratamento da situação resulta, sempre, de um compromisso entre o número

de histórias que devem ser consideradas paralelamente, seu ritmo de evolução e a profundidade

da análise que será feita de cada uma.

6. A análise do acidente se focaliza, geralmente, no erro daquele que controla as instalações

em tempo real. Mas sua atividade é fortemente influenciada pela concepção das

instalações e da organização.

58


7.2 As paradas

Algumas configurações técnicas e organizacionais possibilitam, mais que outras, o risco de

se enganar.

Algumas configurações aumentam o risco do erro

Ao se inverterem, no seu carro, os pedais do freio e do acelerador, mesmo que você esteja

prevenido e que um letreiro relembre isso, é certo que, mais cedo ou mais tarde, você pisará

no acelerador quando quiser frear.

Os erros em tempo real da produção não são desvinculados do que chamamos de “erros de

concepção” ou “erros de organização”, que geram “erros latentes”, ou seja, que aumentam a

probabilidade de um comportamento inapropriado.

Os erros que

aguardam para

serem cometidos.

Exemplo de erro latente

No caso do acidente da estação de Lyon, em 1988, que deixou 56 mortos, um dos mecanismos

que contribuiu para a catástrofe foi o fato de uma torneira de freio ter a mesma

geometria de uma torneira de gás, mas que se fechava quando paralela ao cano e se abria em

posição perpendicular (ao passo que que uma torneira de gás se abre e se fecha nas posições

contrárias). Esse tipo de concepção aumenta consideravelmente a probabilidade de um erro.

Focalizar a análise no último elemento da cadeia, não permite tirar lições do acontecimento e

implementar medidas de prevenção susceptíveis de evitar sua reprodução.

Consideramos, atualmente, que os mecanismos que permitem a confiabilidade cotidiana de

um sistema são, na grande maioria das vezes, os mesmos que conduzem a um acidente raro.

O sistema somente funciona porque homens e mulheres controlam, através de seus mecanismos

de raciocínio-ação geralmente bastante eficazes, as variabilidades do campo de trabalho

(cf. capítulo 5), buscando uma otimização local que é diferente da execução pura dos procedimentos.

O sistema jamais funciona de maneira estritamente nominal. O processo é variável nele mesmo,

e a performance da resposta humana é inelutavelmente variável. Em certos casos, essas variações,

que podem ser insignificantes de maneira isolada, encontram-se combinadas e dão lugar

a um fenômeno de “ressonância”. Os efeitos do conjunto dessas variações são, portanto, muito

mais importantes que os efeitos de cada um dos desvios isolados.

Ressonâncias

adversas.

7.2 As paradas

O primeiro nível de parada corresponde à ideia de “barreiras”: é preciso evitar que um erro

tenha consequências nefastas e, por isso, se vão interpor diferentes barreiras individuais, coletivas,

técnicas e organizacionais. Trata-se do conhecido modelo do “queijo suíço” de Reason.

Figura 9: El modelo de seguridad del queso suizo

(adaptado de James Reason “El error humano”)

Barreiras técnicas

Procedimentos / sistemas

de gerenciamento

Atores de 1a linha

Cooperação de Atores

Acidente

Acontecimento

Incidente

Figura 11: O modelo de segurança do “queijo suíço”

Adaptado de James Reason, “O erro humano”

59


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Alguns exemplos:

Barreira individual: o operador é formado de maneira a identificar as pistas que lhe permitem

distinguir um incidente frequente de um incidente grave, mas raro, e que começam

da mesma maneira.

Barreira coletiva: o comandante de bordo verifica a ação do copiloto e vive-versa.

Barreira técnica: em um hospital, as tubulações de oxigênio e de protáxido de azoto não

aceitam os mesmos fios, o que torna impossível um erro por troca das conexões entre os

fios.

Barreira organizacional: quando de uma coleta de sangue, a correspondência entre o

doador e a etiqueta do tubo é verificada muitas vezes, de maneiras independentes.

As barreiras

não previnem

os eventos não

antecipados.

Nesse modelo, o erro inicial não dará lugar a um acontecimento não desejado, a não ser que

todas as barreiras tenham sido transpostas 18 . A análise do acidente supõe, então, compreender

não somente o acontecimento inicial, mas também a maneira como todas as barreiras falharam.

Esse modelo mantém toda a sua importância, mas sabemos, agora, que ele é insuficiente. Na

verdade, ele corresponde a cenários de acontecimentos e de propagação que puderam ser

antecipados, o que permitiu a concepção das barreiras preventivas. No entanto, produzem-se

combinações que não foram previstas e que são susceptíveis de conduzir a um efeito não

desejável. Essa situação será controlada se os coletivos de trabalho presentes na situação detectam

que a variação é perigosa e constroem uma resposta apropriada. A segurança irá progredir

se, finalmente, essa situação sem consequência grave for analisada, enriquecendo o leque dos

cenários antecipáveis para os quais foram previstas as barreiras.

Encontram-se, aqui, os “dois pilares” 19 indispensáveis da segurança:

A segurança normatizada, que permite definir, de antemão, as respostas pertinentes

para os cenários antecipáveis;

A segurança em ação, baseada na presença, em tempo real, de competências que permitem

identificar se os cenários são aqueles que haviam sido antecipados e construir

uma resposta apropriada, mesmo se não for esse o caso.

Segurança normatizada

Antecipação por meio de regras de todas as situações previsíveis

Implementação de conhecimentos científicos e técnicos

Segurança em ação

Lidar com situações não previstas através da competência dos operadores,

dos coletivos e do gerenciamento em tempo real

Figura 12: Segurança normatizada e segurança em ação

A simples coexistência dessas contribuições não é suficiente ou pode ser problemática. A cultura

da segurança supõe que elas se reencontrem e evoluam de maneira conjunta.

Desenvolvimento de uma cultura de segurança

Cada um não tem senão uma parte dos saberes necessários à

segurança.

Discussão das regras e das práticas.

Figura 13: O desenvolvimento de uma cultura de segurança

18

Esse esquema é uma imagem interessante para ilustrar a noção de barreira. Não se deve, entretanto, interpretá-lo

de maneira literal: por um lado, os diferentes “planos” de barreiras não são independentes entre si e, por outro lado,

as barreiras também podem, por si mesmas, serem geradoras de acidentes (por exemplo, um curto circuito num

motor de uma porta corta-fogo).

19

A ideia de que a segurança possa se representar por uma combinação da segurança normatizada (baseada na antecipação)

e da segurança em ação (baseada na adaptação) é originada de um artigo intitulado Articulating the Differences

Between Safety and Resilience: The Decision-Making Process of Professional Sea-Fishing Skippers, de Gaël Morel, René

Amalberti e Christine Chauvin, publicado na revista Human Factors em 2008.

60


7.3 Erros, faltas, violações

7.3 Erros, faltas, violações

Os termos erro, culpa, violação, falha são empregados indiferentemente. Para permitir intercâmbios

industriais e científicos, os termos devem estar bem-definidos.

a/ Definições

Erro

Definição

Um erro é uma situação na qual uma sequência planificada de ações não chega aos seus

objetivos. Trata-se de um desvio em relação a uma referência interna ou externa (objetivo,

modelo, norma, regra), conquanto a pessoa não tinha a intenção de se afastar dessa referência.

Um erro jamais é voluntário.

Um erro jamais

é voluntário.

Violação

Definição

Uma violação é um desvio voluntário em relação a uma referência externa. .Nem toda

violação é repreensível: se o sinal se encontra bloqueado na luz vermelha, num dado momento

iremos ultrapassá-lo (violação) com certa precaução, pois não há outra solução.

A ideia de violação não inclui a intenção de prejudicar. É preciso distinguir três tipos de violação:

Algumas correspondem a uma situação em que o respeito à regra tem um custo muito

elevado para os operadores, mas onde as consequências da violação parecem limitadas.

Estas violações são, geralmente, aprovadas pelo coletivo do trabalho. Quem ficaria

aguardando indefinidamente diante do sinal vermelho? É certo que o nível de tolerância

dos coletivos às violações depende da cultura de segurança da organização;

Outras correspondem a um “estilo” individual do operador, que toma liberdades que

os colegas não aprovam;

Outras, finalmente, se produzem quando as regras existentes se contradizem e é impossível

respeitá-las simultaneamente. De fato, esta situação não deve ser interpretada

como uma violação, mas como um caso de “raciocínio baseado em conhecimentos”

(cf. capítulo 5).

Naturalmente, se os operadores infringem uma regra por ordem da hierarquia (como no caso

de Tchernobyl) não se trata, no que lhes respeito, de uma violação.

A violação com intenção de prejudicar (por exemplo, sabotagem) é uma ação delituosa ou

criminal de uma natureza completamente diferente.

Fault

Definição

A palavra fault em inglês significa falha ou defeito (de um material). A fault-tree é uma

árvore de falhas. Fault não deve ser traduzido por culpa ou falta disciplinar, porque essa

palavra em francês (ou português) remete a questões morais, de justiça e de procedimentos

disciplinares e não àquelas relacionadas à compreensão dos fatos.

A palavra ”falta”

não faz parte do

vocabulário da

prevenção.

Saber se um operador que cometeu uma violação também cometeu uma falta disciplinar passível

de penalidade não tem a mesma natureza que a compreensão dos acontecimentos para definir as

ações de prevenção. Esse aspecto será desenvolvido na seção 7.5 deste capítulo.

b/ Principais tipos de erros

Os principais tipos de erros se vinculam às formas de raciocínio que foram apresentadas no

capítulo 5.

Alguns erros sobrevêm da execução de automatismos, de “raciocínios-ação”: são

descuidos. (acreditamos que apertamos o botão, mas isso não aconteceu, ou tocamos o

interruptor inadvertidamente), lapsos (digitamos 17236 em lugar de 17326), confusões

de percepção (percebeu-se F6 em lugar de S6).

61


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Falhas em um

« automatismo ».

Esses erros são extremamente frequentes (70 a 80% do total), mas são, na maior parte das

vezes, detectados e recuperados rapidamente pelo interessado ou pelo coletivo de trabalho.

A diminuição da probabilidade desses erros passa, primeiro, pela concepção: ela deve

evitar totalmente que esse tipo de erro resulte imediatamente em um efeito grave (testes

“tira-teima”, papel da confirmação de ordens, bloqueio de certas combinações). Ela pode,

também, basear-se em formas de controle duplo, individual ou cruzado.

Alguns erros acontecem na execução de regras.

Esses erros podem estar ligados a regras de experiência, que até então tenham sido pertinentes,

mas que encontram uma exceção pela primeira vez.

A exceção da regra da experiência

Erros ligados às

regras.

Erros que não são

verdadeiramente

erros.

Uma criança elaborou para si a regra que “para multiplicar por 10, acrescenta-se um

zero”. Ele cometerá um erro quando quiser aplicar esta regra na multiplicação de 0,5

por 10.

Pode tratar-se, também, de um erro na execução de regras formais: a situação pode estar

mal-caracterizada, induzindo a seguir uma regra que não era aplicável ou a não seguir uma

regra que era aplicável. Ou, então, a regra escolhida era a correta, mas um erro aconteceu

na sua execução (esquecimento de uma etapa, por exemplo).

Os erros relativos à execução das regras representam 15 a 20% do total. Eles são mais difíceis

de serem detectados que os anteriores, o conjunto do coletivo de trabalho às vezes se

encontra submerso numa caracterização errônea da situação, e muitas vezes, são as pessoas

externas a esse coletivo que irão detectar o erro e permitir sua caracterização. Alguns dispositivos

organizacionais podem diminuir a probabilidade desse tipo de erro: concepção

dos procedimentos, briefing coletivo antes da execução de uma operação, treinamento das

situações de campo (em simulador, por exemplo).

Alguns erros aparecem na implementação de conhecimentos.

Trata-se de um caso para o qual não existe uma regra clara e no qual os operadores devem

mobilizar todos os seus conhecimentos para analisar a situação e definir uma resposta

adaptada. Esses erros são, muitas vezes, descritos sob a forma “ele deveria saber que...”

O fato de que os conhecimentos existentes não tenham sido mobilizados pode gerar

diferenças entre as circunstâncias de sua aquisição e a circunstância real (cf. capítulo 5). Os

conhecimentos do tipo “escolar” não ocorrem necessariamente nos contextos reais. Além

disso, a limitação de recursos cognitivos deve ser considerada em relação às características

da situação.

Os erros, durante a implementação dos conhecimentos, são raros e os que trazem, potencialmente,

as consequências mais graves. Mas esses resultados traduzem simplesmente o

fato de que eles não se produzem senão nas situações de “raciocínio baseado em conhecimentos”,

ou seja, em situações não habituais para as quais não existe nenhuma regra clara.

Não são somente os conhecimentos dos operadores foram insuficientes, mas também a

capacidade de antecipação do conjunto do sistema (é normal que isso às vezes aconteça)

e os recursos (cognitivos, técnicos, organizacionais) para tratar, em tempo real, uma

situação imprevista.

A diminuição da probabilidade desse tipo de erro repousa, de um lado, na formação das

pessoas: as formas pedagógicas devem ser concebidas para que as circunstâncias de aquisição

dos conhecimentos tenham o máximo de pontos comuns com as circunstâncias em

que os conhecimentos deverão ser mobilizados (exemplo dos simuladores, dos estudos de

casos). Ela supõe, por outro lado, uma atenção global da organização para o fato de que

nem todas as situações são antecipadas: disponibilidade de recursos em tempo real (especialista

de plantão), importância dada ao retorno de experiência, análise das dificuldades

da implementação de regras formais.

62


7.4 As situações que aumentam a probabilidade de um erro

7.4 As situações que aumentam a probabilidade de um erro

A análise de acidentes ou de incidentes coloca em evidência alguns “ingredientes” que aparecem

regularmente e que contribuem para aumentar a probabilidade de que um erro seja cometido.

Revisaremos esses “precursores” clássicos.

Informação disponível

Alguma informação está ausente (uma lâmpada está queimada. Sem saber, o chefe

ordena revisar todo o equipamento). Trata-se, particularmente, de falta de uma informação

a respeito de um material consignado ou em trabalho.

Uma informação está presente, mas é falsa (alteração de um sensor).

Uma informação é correta, mas originada de um sensor não confiável e interpretada

como “novamente falsa”.

Um indicador não indica o que se acredita que ele indique.

Problema na interpretação da informação

Na Three Mile Island, o indicador da válvula de descarregamento não indicava, como

acreditavam os operadores, seu fechamento, mas simplesmente que a ordem de fechar

havia sido dada.Entretanto, ela permaneceu bloqueada e aberta.

Informação que

induz ao erro.

Informações provisórias ligadas aos trabalhos e informações permanentes coexistem

de maneira contraditória, ao passo que as informações permanentes deveriam ser

suprimidas (linhas brancas mal-apagadas numa zona de trabalho, placas de limitação

de velocidade permanentes não escondidas ao lado de painéis provisórios).

a/ Disposição das informações e dos controles

Indicadores ou etiquetagem ambíguos:

Bomba

A

Bomba

B

Bomba

C

Bomba

D

Figura 14: Etiquetagem ambígua

Controles não correspondem aos estereótipos. Um estereótipo é uma relação esperada

entre a forma ou a posição de um controle e o efeito produzido.

Exemplos de estereótipos

Quando giramos um botão de volume para a direita, esperamos que o volume aumente.

Quando giramos uma torneira de água para a esquerda, esperamos que o fluxo aumente.

Se concebermos um dispositivo invertido em relação

aos estereótipos, a probabilidade de um erro é muito

alta:

Aberto

Erros latentes

de concepção.

Fechado

Figura 15: Uma torneira de freio numa locomotiva

(acidente na estação de Lyon)

63


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Em certos casos, existem estereótipos contraditórios. O uso de tais configurações deve

ser evitado.

Figura 16: Como se obtém 45?

Na ilustração acima, o estereótipo “subir / descer”, sugere o apoio sobre a flecha do alto

para aumentar o número para 45. O estereótipo “anterior/ seguinte” convida a apoiar

sobre a flecha de baixo para passar ao seguinte!

Se as flechas são “direita/ esquerda” ao invés de “subir/ descer”, ocorrerão muito menos

erros.

Figura 17: 43 para a esquerda, 45 para a direita

Para uma torneira elétrica que controla uma vazão de água, somos pegos pela contradição

entre o estereótipo “botão de volume” e o estereótipo “torneira” mencionados

anteriormente. É melhor utilizar outro tipo de comando diferente de um botão redondo.

Figura 18: Como se aumenta a vazão?

Enfim, há configurações para as quais não existe, verdadeiramente, um estereótipo (botões

de um fogão de 4 bocas) cujos erros serão numerosos entre os novatos.

Os estereótipos têm uma dimensão cultural especialmente no sentido da leitura. A concepção

de dispositivos para países, onde o sentido da leitura não é da esquerda para a direita e do alto

para baixo, necessita de competências específicas.

64

b/ A comunicação

As dificuldades de comunicação aparecem muitas vezes nos casos em que um erro contribuiu

para um acidente.

Os operadores envolvidos não puderam se comunicar (pane de rádio, telefone, ocupado).

Os operadores se comunicaram e não foram compreendidos:

Má percepção de um dado (50 no lugar de 15)

Má interpretação de uma informação (“está tudo bem”, não designava a mesma

operação para o emissor e para o receptor).

Para prevenir esse tipo de erro de comunicação, um formalismo particular é imposto em certas

empresas (10: 2 vezes 5 ou 6: 2 vezes 3, soletrar usando o alfabeto internacional). Esse método é

útil para prevenir os erros de percepção, mas contempla apenas uma parte das dificuldades de

comunicação. Os formalismos mais sofisticados (organização obrigatória da frase, agrupamento

das informações percebidas) são muito eficazes, mas unicamente quando a estrutura da informação

trabalhada é previsível.


7.4 As situações que aumentam a probabilidade de um erro

Além disso, eles são grandes consumidores de recursos cognitivos (suponhamos que seja obrigatório

confirmar em voz alta cada painel de circulação identificado no caminho). Em situação de

incidente, geralmente os formalismos dão lugar a uma expressão mais natural.

Formações em “comunicação operacional”, que consistem em sensibilizar os coletivos de trabalho

a esses interesses de comunicação e em colocar à sua disposição uma gama de instrumentos,

são um meio termo interessante, se concebidas em função da realidade do trabalho

dos ofícios.

Na verdade, a comunicação entre duas pessoas dará lugar a um número menor de más interpretações

na medida em que um conhecer melhor o trabalho do outro e o processo envolvido.

Existem muito menos erros de comunicação no interior de uma equipe de condução de projeto,

do que entre esta e os operadores da manutenção. Sendo os formalismos de comunicação muito

exigentes do ponto de vista cognitivo, torna-se pertinente reforçar o controle, sobretudo nas

interfaces onde há maiores riscos de mal-entendidos, isto é, as que são menos permanentes. Os

briefings (reuniões preparatórias para a execução de uma tarefa) são particularmente necessários

quando a tarefa mobiliza pessoas cuja colaboração não é habitual ou diz respeito a um ambiente

variável ou a uma operação rara.

A comunicação

operacional.

c/ O estado das pessoas

O trabalho noturno leva a uma inevitável diminuição dos recursos individuais. Se

manobras difíceis devem ser feitas à noite, elas devem ser dotadas de um maior número

de condições favoráveis do que se acontecessem de dia. Manobras inabituais efetuadas

à noite aparecem entre os mecanismos de origem de vários acidentes.

O estado das pessoas pode ser influenciado pela fadiga, sobretudo quando a duração

do trabalho for inabitual.

A fadiga pode resultar, também, de um incidente anterior. O primeiro incidente mobilizou

muito esforço dos operadores, que o administraram perfeitamente, e, quando do

aparecimento de um segundo incidente, seus recursos estão esgotados.

O estado das pessoas pode ser influenciado por um acontecimento de forte carga

emocional.

Quando os

operadores não

estão no seu

estado normal.

Impacto do estado emocional

Um condutor de trem, [no sistema ferroviário francês] que é testemunha de um suicídio sob

seus trilhos é imediatamente substituído. Isso não ocorria no passado, e provavelmente os

condutores afetados tinham um risco elevado de acidente no restante da viagem.

Um acontecimento pessoal podia influenciar um indivíduo. Se o acontecimento é coletivo

(conflito com a hierarquia), é o conjunto dos recursos da equipe que é afetado.

d/ Erro por fixação, efeito túnel

A cognição humana tem uma propriedade incômoda: quando criamos uma hipótese, nossa percepção

e nosso raciocínio têm uma tendência a privilegiar todas as informações que confirmam

essa hipótese e a subestimar aquelas que deveriam nos alertar em relação ao fato de que estamos

numa pista falsa (cf. capítulo 5). Podemos, assim, seguir em uma má direção: o raciocínio habitual

privilegia sistematicamente a hipótese de um incidente frequente em relação a um incidente

raro que começa da mesma maneira.

Esse “erro por fixação” pode não ser somente individual, mas envolver toda a equipe (efeito

“túnel”). Em geral, será uma pessoa externa à situação, que não assistiu ao início do incidente

e que retoma a análise de novas perspectivas, que permitirá sair do impasse. Essa pessoa

somente poderá assumir esse papel se ela for colocada numa situação que lhe permita fazer um

“raciocínio baseado em conhecimentos”: ter acesso a todas as informações, fazer uma única

coisa a cada vez, não ser interrompida.

Mergulhar numa

má direção.

65


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

A diminuição da probabilidade do risco do erro repousa:

Na disponibilidade, em tempo real, desse tipo de expertise exterior para a equipe e na

banalização do fato de recorrer a ela (mesmo que de maneira aparentemente injustificada!).

Na identificação de cenários incidentais cujo início é semelhante e o treinamento,em

situações de formação, para desconfiar dessa semelhança enganadora.

A desmobilização

afeta a percepção.

e/ O estado dos coletivos de trabalho

As análises de acidentes, sobretudo desde o de Challenger, colocam igualmente em evidência

um efeito do estado dos coletivos de trabalho com o risco de erro.

Os coletivos podem ser fragilizados, como já dissemos, por conflitos com a hierarquia,

sanções ou promoções percebidas como injustas, mensagens gerenciais não aceitas.

Quando é o caso, a desmobilização afeta até mesmo a percepção: pessoas desmobilizadas

percebem menos os detalhes, levam em consideração menos fatores no desenvolvimento

do seu raciocínio, verificam menos o resultado de sua ação, detectam menos

o erro de um colega. Em geral, não se trata somente de uma atitude de desenvoltura

voluntária: a cognição em si é afetada.

Os coletivos podem ser prejudicados por mudanças brutais em sua composição (por

exemplo, muitas saídas por aposentadoria e, simultaneamente, muitos recrutamentos de

jovens). As referências comuns são enfraquecidas, os riscos de uma pior sincronização

aumentam. Quando é inevitável que haja mudanças de composição do coletivo, os

tempos mínimos de constituição de uma referência comum são necessários.

Ter o tempo necessário de construir referências comuns

O comandante de bordo de um avião comercial faz um “teste de segurança” a cada vez que

ele muda de tripulação.

Quando a

organização

aumenta o risco.

O conflito

produtividadesegurança.

Os lançadores de

alertas.

f/ Os efeitos da organização

A análise do acidente da nave espacial Challenger, em 1986, evidenciou o papel das mudanças

organizacionais que ocorreram com a NASA nos anos anteriores. Desde então, numerosos

conhecimentos foram produzidos a respeito das características organizacionais que aumentam

a probabilidade de um erro e diminuem a da sua recuperação. Eis aqui alguns dos

sintomas dessa degradação da organização.

As pressões produtivas (exercidas internamente e pelos clientes) levam o sistema para

mais perto de seus limites de funcionamento. Contradições aparecem entre as regras

de segurança e as exigências de produção, mas geralmente elas são arbitradas a favor

da produtividade.

O fato de um trabalhador alertar sobre essa situação é interpretado como um sinal de

má vontade em melhorar a produtividade. A dúvida é tratada como sinal de falta de

profissionalismo, ao passo que é valorizado o fato de “não existir um problema”. Os

trabalhadores e os prestadores de serviço que constatam internamente uma “pequena”

anomalia não a declaram e inventam uma solução. Os “desvios” são banalizados.

Os alertas que, apesar de tudo, chegam a ser expressados são negligenciados, pois são

atribuídos “a pessoas que nunca estão satisfeitas”.

Os serviços e as equipes são colocados em concorrência internamente e com os prestadores

de serviços. A retenção da informação torna-se um meio de ser mais eficaz

que a equipe “adversária”. Os relatos de intervenção de manutenção mencionam quase

sempre “N.A.R. 20 ”.

O discurso formal sobre a segurança permanece imutável ou se reforça, mas as formas

de troca de experiências que poderiam acontecer mais próximas do campo (retorno

coletivo de experiência sobre incidentes, elaboração dos procedimentos pelas equipes)

são suspensas, pois não têm valor agregado imediato.

As campanhas gerenciais de comunicação são desconectadas da realidade do campo e

a interpretação do seu sentido é duvidosa, mesmo para os supervisores próximos do

campo que deveriam difundi-las e se responsabilizar por sua implementação. A equipe

de supervisores duvida da pertinência das orientações fixadas.

20

N.A. R: Nada a relatar.

66


7.5 A atitude diante do erro: impor ou não sanções

Em alguns casos, os próprios representantes dos trabalhadores, convencidos de que

há um interesse na sobrevida do site ou da empresa e mobilizados pelo mal-estar

dos assalariados devido às reorganizações, não percebem a degradação do sistema

de segurança em relação à situação anterior que eles julgavam boa e não consideram

prioritário se preocupar com a segurança nessas circunstâncias.

Os coletivos de trabalho são desestabilizados tendo em vista a desorientação da sua

hierarquia, as mudanças organizacionais constantes e a multiplicação de ordens

contraditórias.

Quando muitos desses sintomas aparecem, a segurança está fortemente ameaçada. A

prevenção dessa situação revela a construção de uma “cultura de segurança” sólida, objeto

do capítulo 10.

Quando as

mensagens

gerenciais estão

desconectadas.

7.5 A atitude diante do erro: impor ou não sanções

O fato de impor sanções (ou penalidades) sistematicamente aos erros cometidos pelos operadores

(aqueles que, em todo caso, são visíveis porque contribuíram para um evento não

desejável), é muitas vezes contraprodutivo do ponto de vista da segurança:

O erro é apontado como o principal fator explicativo do evento não desejado, a organização

se desobriga assim de uma análise de fatores que aumentariam a probabilidade

de que o erro seja cometido e, portanto, não os trata.

O coletivo que percebe a sanção como injusta sente-se prejudicado e suas propriedades

de “rede de segurança” acabam diminuindo.

A pessoa envolvida pode ser afetada, trazendo consequências para as suas performances

profissionais.

Uma empresa de riscos deve ter uma política explícita de gestão de erros e violações, que

integra os seguintes elementos:

Um erro é, por definição, involuntário. Não faz sentido penalizar um erro isolado.

Torna-se necessário verificar se eles são cometidos por muitos operadores com a

mesma função:

Se sim, “erros latentes” técnicos ou organizacionais estão presentes.

Se não, a formação do operador envolvido pode ser questionada e pode-se

perguntar à medicina do trabalho se não existiriam explicações médicas (surdez

não detectada, por exemplo).

Qual a política

de sanção?

Se essas precauções são tomadas, o coletivo de trabalho irá, sem dúvida, considerar como justo

que seja repreendida a negligência de um operador que comete erros repetidos de “desatenção”.

A questão das violações é diferente. A violação é voluntária, mas nem sempre

repreensível. O sistema funcionaria muito mal se não houvesse nenhum tipo de violação

às regras. Portanto, as violações não podem ser tratadas da mesma maneira.

Algumas regras são incontornáveis. Não se deve fumar numa refinaria, jamais.

Se essas regras são apresentadas como tais e não existe nenhuma situação em

que é necessário ou valorizado infringi-las, todos os trabalhadores considerarão

como justo penalizar tal violação. Evidentemente, à organização cabe

implementar todos os meios para que jamais seja necessário infringir esse

tipo de regra.

Outras regras foram constantemente violadas ao longo do tempo, sem que

isso jamais tenha se tornado um problema até agora. Um dia, elas se tornam

incontornáveis. Um processo de informação, de explicação e um pré-aviso são

necessários, antes que penalidades sejam aplicadas.

Algumas regras são regularmente transgredidas pelo conjunto do coletivo,

porque o custo de levá-las em consideração é muito alto, tendo em vista as

exigências da situação. Se um dos trabalhadores é punido por transgredir

esse tipo de violação, é provável que ocorra uma forte reação do grupo, seja

sob a forma de conflito explícito se a organização é tolerante para tal, seja de

Somente

algumas regras

são absolutas.

67


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

As regras

contraditórias.

maneira invisível, mas muito mais negativa para a segurança (greve do zelo

latente, por exemplo).

Há casos de “violação obrigatória”, isto é, casos em que as diferentes regras são

incompatíveis entre elas (ordens contraditórias). Aplicação de uma sanção,

nesse caso, tira todo o crédito da organização, da hierarquia e das regras.

Enfim, existem casos em que o “estilo” casual ou perigoso de um operador é

desaprovado pelo grupo, mas em que o coletivo de trabalho não é suficientemente

influente para fazer esse trabalhador ver a razão. Nesse caso, é a

ausência de sanção que descredibiliza a hierarquia.

As violações com intenção de prejudicar (por exemplo, sabotagem) exigem não somente

uma punição disciplinar, mas, eventualmente, um processo criminal.

Se a hierarquia decide implantar uma penalidade devido a uma violação ou a erros repetidos,

isso deve ser feito em forma de “instrução”, para esclarecer a decisão. A consideração,

ao mesmo tempo, das regras formais da organização e das regras de experiência do coletivo

de trabalho é indispensável para originar uma decisão que contribua positivamente para

a segurança. O trabalhador penalizado pode ser assistido por um representante dos trabalhadores

ou um colega de sua escolha. Isto é não somente uma obrigação definida pelas

leis trabalhistas, mas também uma possibilidade para a hierarquia de enriquecer a sua

compreensão do contexto no qual se passaram os fatos e de trazer as respostas apropriadas.

Bibliografia

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68


8

Saúde das pessoas e

saúde da organização

O presente documento não está centrado na prevenção de acidentes de trabalho e de doenças

profissionais, mas, sim, na prevenção de acidentes industriais. Existem, entretanto, numerosos

vínculos entre a saúde das pessoas e o funcionamento da organização que trazem danos à saúde

dos trabalhadores desprotegidos pela organização que podem afetar o funcionamento da

empresa e da segurança industrial.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Cultura de segurança

Organização e

Gerenciamento

S

Resultados

Produção

Qualidade

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

A

Ú

D

E

Atividade

+/- Conformidade/

Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 19: A saúde das pessoas, determinante e consequência dos FHOS

8.1. Numerosos vínculos

A saúde das pessoas e o funcionamento da organização são mutuamente ligados.

a/ A saúde das pessoas é um desafio para a organização

Os danos à saúde dos trabalhadores têm, certamente, consequências dolorosas ou dramáticas

para eles e os que lhes são próximos. Seus efeitos sobre a organização também são numerosos:

O absenteísmo, e especialmente o absenteísmo de longa duração, tem um custo econômico

considerável e é evidenciado pelos estudos de custos implícitos. A substituição

das pessoas ausentes engendra uma atividade importante por parte da chefia imediata

para encontrar soluções apropriadas. Essa substituição pode ser feita internamente,

geralmente com consequências sobre as horas suplementares trabalhadas ou com

69


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

posteriores gozo de férias dos outros trabalhadores, ou mesmo externamente, com um

custo salarial mais elevado e, por vezes, com uma perda de competência ou de coesão

da equipe.

As restrições médicas de aptidão são difíceis de administrar, principalmente quando

se trata de indústrias que produzem 24 horas por dia e com a necessidade que os operadores

possuam habilitações médicas para o trabalho, como, por exemplo, em casos

de incêndio.

As doenças profissionais e os acidentes de trabalho têm um custo direto devido ao

aumento das cotas de seguros. Os estudos microeconômicos mostram que os custos

indiretos são cerca de dez vezes mais elevados (desorganização, tempo gasto pela hierarquia

para administrar as ausências, perdas de competência num ofício, dificuldade

na gestão da readaptação...). A multiplicação dos processos por “culpa injustificável

do empregador” – e julgamentos que implicam indenizações mais elevadas que pelo

mecanismo de seguro – aumentou, consideravelmente, o risco jurídico e financeiro das

doenças profissionais.

O desgaste profissional ou o envelhecimento precoce relacionado às condições de

trabalho foram, durante décadas, administrados sob a forma de saídas para a aposentadoria

antecipada. A atual elevação da idade para aposentadoria torna inviável essa

solução. As empresas serão obrigadas a manter os trabalhadores no emprego até que

eles atinjam a idade da aposentadoria com salário integral, que continua a aumentar.

É importante, portanto, que a organização garanta não somente condições para que

os trabalhadores sejam produtivos até a partida para a aposentadoria, mas também a

gestão correta na transição de gerações.

A imagem de uma empresa em termos de saúde e segurança do trabalho é um dos

fatores que condicionam a escolha de jovens qualificados que entram no mercado

de trabalho. As empresas de menor reputação terão um leque de recrutamento mais

limitado.

Através de mecanismos diversos que serão descritos adiante, podemos chegar a uma

desmobilização dos trabalhadores (inclusive da hierarquia) em relação ao trabalho.

Os efeitos podem ser um aumento de problemas de saúde e de absenteísmo individuais,

aumento de acidentes sem perda de tempo, menor vigilância e deterioração das

decisões dos indivíduos e dos coletivos, diminuição da comunicação com a hierarquia,

multiplicação de conflitos aparentemente pouco compreensíveis. Em alguns contextos,

observam-se também situações de sabotagens, que ameaçam ainda mais a segurança

quando são executadas por pessoas de grande competência profissional. A sabotagem

de instalações não pode ser justificada pelas disfunções da organização, mas deve

servir como um alerta importante para ela.

Alguns vícios (álcool, drogas) podem ter consequências diretas sobre a segurança dos

interessados, de seus colegas e das instalações.

Os suicídios de trabalhadores que, de uma ou de outra maneira, estabelecem uma

relação entre seu ato e seu trabalho, têm consequências importantes para a empresa:

trazem dificuldades para os colegas e a hierarquia, bem como tensões sociais e repercussão

midiática.

Saúde dos

assalariados:

questão para

a segurança

industrial.

70

O conjunto desses fatores indica que a saúde dos trabalhadores é um dos principais desafios da

organização, e os prejuízos à primeira enfraquecem a segunda. Evidentemente, a organização

não é responsável por todos os danos à saúde dos seus trabalhadores, mas ela tem um papel

importante em alguns deles.

b/ A organização tem efeitos sobre a saúde dos trabalhadores

Os acidentes constituem um prejuízo imediato para a saúde. Os danos progressivos da saúde

ligados ao trabalho passam por quatro mecanismos principais: a intoxicação, as solicitações

excessivas do organismo, a perturbação dos ritmos biológicos e a degradação na relação psíquica

com o trabalho.

O risco de intoxicação por tóxicos químicos, físicos (radioatividade) ou biológicos

depende não somente da presença desses no meio ambiente, mas também da exposição

dos trabalhadores. A organização tem um grande papel nessa exposição: concepção

dos meios de trabalho, duração prevista e duração real da intervenção, fornecimento

de ferramentas e equipamentos adaptados, repasse de informações pertinentes à distância,

conhecimento do perigo pelos operadores.


8.2 O estresse no trabalho

As solicitações excessivas do organismo estão relacionadas, por exemplo, ao transporte

manual de cargas pesadas, às posturas extremas, à repetitividade de certas operações,

ao calor ambiente.

A perturbação dos ritmos biológicos 21 resulta dos horários modificados pelo trabalho

noturno e pode afetar significativamente a expectativa de vida desses trabalhadores.

Podemos, também, classificar, nessa categoria, os efeitos dos horários frequentes modificados

pelas viagens profissionais. Nas indústrias aqui mencionadas, não é possível

extinguir o trabalho noturno, mas a organização pode limitar seus efeitos sobre a

saúde: escolhas da organização dos horários de trabalho e das folgas, fornecimento de

refeição quente, períodos de repouso durante a noite.

Os danos na relação psíquica com o trabalho se tornaram o objeto de numerosas

pesquisas, que correspondem a diferentes modelos teóricos e níveis de abordagem.

Apresentamos abaixo duas maneiras complementares de abordar essa questão: uma

em termos de estresse e a outra em termos de mobilização subjetiva.

8.2 O estresse no trabalho

a/ O estresse, uma resposta biológica

O estresse é, antes de mais nada, uma resposta do organismo a uma situação suscetível de ameaçar

sua integridade: recursos biológicos excepcionais são mobilizados para poder enfrentá-lo.

su integridad: se movilizan entonces recursos biológicos excepcionales para poder afrontarla.

Recursos insospechados

Uma pessoa perseguida por um cão que a ameaça correrá particularmente rápido.

A resposta biológica se faz em dois ou três tempos:

Primeiro tempo: o alerta. O sistema nervoso age sobre a parte central das glândulas

suprarrenais, que secretam as catecolaminas (adrenalina, noradrenalina). Estas vão

provocar a mobilização de recursos no organismo: a pressão arterial aumenta, o sangue

se dirige preferencialmente em direção aos músculos e ao cérebro, o açúcar disponível

no fígado é colocado em circulação no sangue. Essa rápida reação leva a uma mobilização

de energia em curto prazo, que permite fazer face à situação imediata, mas que

esgota os recursos energéticos habituais.

Pode-se, também, notar que, em pequenas doses, a noradrenalina favorece um

raciocínio elaborado, ao passo que, em doses altas, ela leva o cérebro a privilegiar

respostas estereotipadas aprendidas há muitos anos, e a preservação imediata ao invés

da preservação em médio prazo.

Segundo tempo: a resistência. Se a fonte do estresse persiste, o organismo deve procurar

outros recursos. O hipotálamo, seguido pela hipófise, envia mensagens químicas

que ordenam a porção periférica das glândulas suprarrenais a secretação do cortisol.

O cortisol permite a produção de açúcares a partir de gorduras e de proteínas. Ele

também possui efeitos anti-inflamatórios.

Mas a manutenção de taxas elevadas de cortisol tem efeitos tóxicos para o organismo:

ele ocasiona perturbações metabólicas geradoras de arteriosclerose (obstrução das artérias)

e de doenças cardiovasculares, além de uma diminuição das defesas imunológicas.

Terceiro tempo: o esgotamento. Se a fonte do estresse se torna crônica, chega um

momento em que o organismo deixa de reagir. As regulações biológicas (especialmente

as que ajustam a produção de cortisol) tornam-se sobrecarregadas, e numerosas patologias

podem aparecer (alterações cardiovasculares, doenças infecciosas e alérgicas,

cânceres). Uma consequência possível para o ser humano é a depressão. Esta se traduz

sobretudo por uma percepção negativa indiferenciada das situações e uma “sobregeneralização”,

ou seja, uma tendência excessiva em atribuir traços comuns a situações

diferentes, a qual impede o tratamento diferenciado de contextos distintos. O risco

final é o suicídio.

Estresse:

o organismo

mobiliza as

suas reservas.

A recuperação

tem efeitos

secundários.

Um estresse

permanente

exaure o

organismo.

21

Que também podem ser classificados na categoria anterior.

71


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Situação

percebida

ultrapassa os

recursos dos

indivíduos.

b/ A dimensão psicológica: o enfrentamento

Os conhecimentos sobre a biologia do estresse provêm amplamente de experiências com animais.

A percepção e a gestão da situação estressante pelo ser humano vão ter, evidentemente,

um papel essencial.

Para o ser humano, o estresse está ligado às exigências de uma situação que ele percebe estar

provavelmente além das suas capacidades. Sem saber se está suficientemente preparado, ele

tentará enfrentar a situação utilizando recursos cognitivos e implementando ações. Ele pode

procurar agir combinando dois tipos de resposta:

Uma resposta “centrada na emoção”: acalmar-se para não se assustar, colocar suas ideias

em ordem, relembrar a regra.

Uma resposta “centrada no problema”: diante do início de um incêndio, pegar o extintor

e apagar o fogo.

O estresse torna-se, assim, objeto de uma gestão ativa. Os resultados positivos ou negativos

dessa gestão terão grande influência no aparecimento eventual de consequências patológicas.

c/ Capacidade de influenciar a situação

Experiências com animais

Uma importante experiência, realizada por Weiss, coloca em evidência que os efeitos do estresse

não dependem somente das características físicas da situação estressante, mas também do

potencial de resposta ativa da pessoa envolvida.

Controle dos choques pela

ação sobre a roda

Ausência de controle

Sofre os mesmos choques

que o vizinho

Testemunha sem

choque

Controle de

choques elétricos

Fonte de choques elétricos

Nenhuma conexão

Figura 20: Esquema da experiência de Weiss

Poder agir sobre

a situação limite

dos efeitos do

estresse.

O rato da direita é um controle, que não recebe nenhum choque elétrico. O rato da esquerda

recebe choques que são modulados em função da sua ação sobre a roda. A roda do meio está

inativa, ainda que o rato receba os mesmos choques que o da esquerda, apesar de não exercer

nenhuma influência sobre a situação. Constata-se que os danos à saúde são muito mais importantes

para o rato central, embora ele tenha recebido os mesmos choques que o da esquerda.

Isso é explicado pelo fato de que o rato no qual as ações sobre a roda produzem efeito está

numa situação onde ele secreta mais adrenalina, ao passo que aquele que não exerce nenhuma

influência sobre a situação secreta maciçamente cortisol.

Outras experiências mostram que um comportamento ativo de exploração do meio ambiente

e de procura de informação tem um efeito protetor, ao passo que a renúncia a essa pesquisa

favorece as patologias ligadas ao estresse.

Essas experiências com animais evidenciam a importância para o indivíduo explorar e influenciar

a situação estressante. O fato de sofrer passivamente a agressão é que leva à patologia.

Outras pesquisas sobre o ser humano confirmam essas relações .

72


8.3 A mobilização no trabalho

d/ O modelo de Karasek

Um célebre questionário (Karasek) propõe a avaliação de três variáveis que caracterizam a

situação do trabalhador:

A demanda psicológica, que pode ser associada à carga de trabalho.

A latitude da decisão, que corresponde à autonomia de que dispõe a pessoa para

enfrentar essa carga.

E o apoio social (apoio da hierarquia, dos colegas).

Um grande número de pesquisas mostra que, em relação à “demanda psicológica” equivalente,

os danos à saúde são mais importantes quando a latitude da decisão é mais fraca e quando o

apoio social diminui. Portanto, não é a quantidade de trabalho em si que é patogênica, mas a

ausência de margens de manobra e de apoio social para o trabalhador realizar suas tarefas. A

autonomia corresponde, ao mesmo tempo, a margens de manobras que permitem a boa realização

do trabalho, apesar das variabilidades do contexto, e à possibilidade de uma exploração

ativa, de expressão pessoal e desenvolvimento. O apoio social (por exemplo, do coletivo de

trabalho e do coletivo de ofício, acrescentando-se a estes o apoio da família) ajuda a evitar que

ele seja confrontado sozinho com situações difíceis de controlar.

Ausência de

autonomia é

patogênica.

e/ A resposta da organização

Se um nível permanente de estresse elevado é constatado num grupo de trabalho, as únicas

transformações da situação que terão um efeito positivo serão aquelas em que os interessados

terão um papel ativo. Uma melhora parcial não oferece proteção se ela é vivida passivamente.

Para tratar o problema, será necessário permitir às pessoas envolvidas trabalhar coletivamente

para identificar, de modo preciso, as situações particularmente difíceis de gerir, a elaborar

proposições de transformação e a colocá-las em debate na organização.

Se o nível de gravidade é tal que uma parte significativa dos trabalhadores em questão manifesta

alguma forma de depressão, essa medida poderá necessitar, paralelamente, um acompanhamento

médico individual apropriado dessas pessoas, que lhes permita retomar as rédeas da

situação, sair das “sobregeneralização” e poder refletir sobre as situações concretas difíceis com

as quais eles são confrontados, a fim de trazer suas contribuições para a transformação de tais

situações.

8.3 A mobilização no trabalho

Outra abordagem da relação psíquica no trabalho consiste em se interessar pela mobilização da

subjetividade na atividade profissional. O que faz uma pessoa em particular encontrar satisfação

na situação de trabalho e mobilizar altos níveis de recursos para isso? Quais mecanismos,

ao contrário, podem levar à desmobilização?

a/ Cada um é portador de uma história própria

Cada pessoa é, a todo o momento, portadora de sua história, inscrita no seu corpo. Essa história,

e, sobretudo, a história de suas relações com os outros, lhe confere uma sensibilidade e uma

resposta emotiva particular a certos acontecimentos, uma capacidade de detecção de certas

configurações, de valores e normas pessoais e uma capacidade de se engajar por determinados

motivos.

O engajamento no trabalho é sempre um engajamento do corpo, uma mobilização pela pessoa

e seus recursos físicos, perceptivos, cognitivos e de interação social.

Quando dos primeiros meses de trabalho, é possível que a principal fonte de engajamento do

corpo no trabalho seja o benefício econômico que dele resulta e que permite realizar, fora do

trabalho, projetos pessoais e familiares. Mas, pouco a pouco, para muitas pessoas, descobre-se

uma ressonância entre as características dos objetos do trabalho e seus próprios traços de personalidade.

Fazer bem seu trabalho traz, assim, não somente um benefício econômico, mas

também um benefício subjetivo: a aprovação do outro contribui para a autoestima.

A mobilização da pessoa no trabalho estará na medida dessa ressonância entre os objetos de

trabalho, suas características e valores pessoais e o olhar do outro cujo julgamento importa:

os clientes, os colegas, a hierarquia, os familiares. Quando esses critérios estão em harmonia,

a pessoa pode se mobilizar fortemente e extrair disso um benefício para sua saúde. Algumas

Engajamento

do corpo no

trabalho.

73


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Benefícios do

trabalho bem

feito.

situações muito rígidas, como os corpos de elite militares, oferecem essa ressonância a pessoas

cuidadosamente selecionadas e que têm personalidades parecidas. Outras situações que admitem

mais graus de liberdade podem oferecer os mesmos benefícios a pessoas com personalidades

diversificadas. Essa ressonância positiva pode aparecer inclusive nas situações em que o

trabalho é considerado como difícil ou penoso.

b/ As defesas

Algumas situações no trabalho podem ser difíceis de serem vividas subjetivamente: presença

permanente de um perigo em uma indústria de riscos ou na construção civil, sofrimento dos

pacientes num hospital, repetitividade de um trabalho nas linhas produtivas, agressividade de

clientes nos serviços de teleatendimento, etc.

Quando o ser humano se encontra numa situação difícil de ser vivida e que ele não consegue

modificar esta realidade, seu inconsciente vai construir uma defesa que consiste em modificar

a percepção da situação (ver também o capítulo 5).

Quando o medo

é mais perigoso

que o perigo.

A impossibilidade

de agir bloqueia

o pensamento.

c/A defesa diante do perigo

Em situações de risco, um tipo de defesa consiste em se convencer de que a situação não é

tão perigosa assim. Na verdade, não se trata de uma defesa contra o perigo, mas sim contra o

medo: não é possível trabalhar todos os dias tendo medo, pois há um risco de perda do próprio

emprego. A sensação de medo, susceptível de produzir efeitos imediatos, é erroneamente percebida

como mais ameaçadora que o risco estatístico e longínquo ligado ao perigo. O inconsciente

vai, então, organizar-se para afastar o medo pela redução da percepção do perigo.

Não se trata unicamente de uma construção individual: desde o recrutamento, o jovem trabalhador

é, muitas vezes, submetido pelo grupo a formas de trote, em que ele é exposto a situações

perigosas e não deve manifestar seu medo. A construção rápida das defesas individuais é

apoiada pelo coletivo.

Como todos os tipos de defesas, aquelas contra o medo têm uma vertente positiva e uma

vertente negativa. De um lado, elas permitem aos trabalhadores envolvidos continuar a trabalhar.

Por outro lado, elas minimizam a percepção do perigo e levam a situações de risco.

Alguns comportamentos aparentemente irracionais se explicam se levarmos em consideração

essa defesa: um comportamento de risco ou a recusa a um equipamento de proteção individual

são maneiras de provar para si mesmo e para os outros que não temos medo.

Salientemos, de passagem, que, se a organização procura agir diretamente sobre os comportamentos

de risco de forma unicamente individual, há poucas chances de que a consequência

seja positiva: é o coletivo que é o guardião das defesas. Para modificar os comportamentos que

acabam de ser citados, é necessário que o coletivo possa desenvolver novas possibilidades de

ação em relação ao risco, ao invés de preocupar-se em reduzir o medo.

d/ As defesas e a limitação da ação

As defesas desenvolvidas pelos trabalhadores limitam sua capacidade de ação sobre a situação,

de manifestação dos problemas encontrados, de elaboração coletiva de soluções e de discussão

de sua implementação. Mas, ao contrário, as defesas nascem a partir de uma limitação da ação:

quando não é possível agir sobre uma situação difícil, as defesas aparecem para permitir às

pessoas a “aguentar firme”.

Não é possível desbloquear tal situação agindo somente sobre as defesas: a possibilidade de

começar a agir concretamente sobre as situações difíceis é necessária para o desenvolvimento

do pensamento crítico e criativo. As capacidades de reflexão, de debate e de ação estão estreitamente

ligadas entre si e o bloqueio de uma implica a blocagem de todas.

e/ O afastamento

Algumas pessoas não encontram, no seu trabalho, a ressonância positiva com sua personalidade

e suas motivações, que foi descrita anteriormente. Pode-se assistir, então, a um afastamento

subjetivo, uma desmobilização em relação ao trabalho, estando em outro lugar a “vida real”.

Algumas dessas pessoas compensam a ausência profissional com um forte investimento social

ou esportivo, mas colocar “entre parênteses” o tempo de trabalho (que é a maior parte do tempo

produtivo) conduz raramente a um equilíbrio pessoal e familiar satisfatório. O afastamento

fragiliza psíquica e socialmente.

74


8.3 La movilización en el trabajo

Esse desinvestimento profissional pode afetar a performance das pessoas referidas em relação

a outras mais mobilizadas. As posições de afastamento são evidentemente combatidas pela

organização, e pressões serão exercidas sobre essas pessoas, que se encontrarão assim em

dificuldade.

f/ A depressão

A depressão ameaça as pessoas que investem muito no próprio trabalho e que, devido a mudanças

técnicas ou organizacionais, não conseguem mais, por mais que tentem, encontrar uma

maneira de realizar seu trabalho de forma a ser avaliado positivamente por elas mesmas, por

seus “clientes”, por seus colegas, por sua hierarquia e pelos seus familiares. Em um grupo de

trabalhadores submetidos às mesmas exigências, alguns estarão, em razão de sua personalidade,

mais em situações de perigo do que outros.

g/ O assédio moral

Desde os fins dos anos 1990, a noção de “assédio moral” se tornou uma “explicação” frequente

para as dificuldades encontradas por um trabalhador: a causa de seu mal-estar estaria na atitude

perversa de uma pessoa, em geral seu chefe, em relação a ele. Esse tipo de análise culmina com

a partida do trabalhador e/ou sua reclamação, inclusive legal, ao “assediador”.

A clínica médica do trabalho mostra que, na realidade, em um grande número de casos, a

reclamação sobre a personalidade do chefe é injustificada. Existem, mais frequentemente, por

detrás do mal-estar do assalariado, causas ligadas à organização do trabalho. Mais precisamente,

o “trabalho bem-feito” visto pelo trabalhador não é o “trabalho bem-feito” visto por seu interlocutor:

mais do que um problema de conflito entre pessoas, há um conflito de lógicas em relação

aos objetos do trabalho.

Assédio

moral ou lógicas

contraditórias?

h/ Não poder fazer bem o seu trabalho

O sentimento de não poder fazer bem seu trabalho – ainda que se tente – é, na verdade, uma

das principais fontes de prejuízo para a saúde mental no trabalho.

Depois de diversas tentativas e fracassos, o indivíduo desiste e o desenvolvimento da depressão

é acompanhado das explicações genéricas anteriormente descritas. Para algumas pessoas, o

risco de tentativa de suicídio é real. Mas de onde vem esse sentimento de não poder fazer um

trabalho de qualidade?

i/ O conflito de lógicas

Exemplo no centro de teleatendimento

Em alguns centros de teleatendimento, a qualidade que cada teleoperadora gostaria de

oferecer é trazer uma resposta satisfatória à demanda do cliente. Para algumas chamadas

isso acontece rápido, ao passo que para outras isso exige uma longa conversação. Para a

hierarquia, em compensação, a medida da qualidade é estatística: trata-se da porcentagem

de clientes que tiveram suas respostas rapidamente. O gerente vai, portanto, pressionar a

teleoperadora para que ela abrevie as conversações longas e possa, ao mesmo tempo, satisfazer

estatisticamente um maior número de clientes.

Tais conflitos de lógicas são muito frequentes nas situações de trabalho. O que é considerado

como trabalho bem feito é diferente de acordo com os pontos de vista.

Diferença de pontos de vista

Alguns atores podem considerar como trabalho bem-feito uma performance produtiva

muito elevada, apesar de que algumas liberdades sobre as regras de segurança tenham sido

tomadas. Um operador que se precipitou para fechar uma válvula com vazamento sem

utilizar seu aparelho respiratório, será felicitado ou repreendido pela sua hierarquia?

75


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

As diferentes lógicas em jogo são legítimas, pois são necessárias para o funcionamento da

empresa. Mas os seus critérios diferentes devem ser explicitados, debatidos e tornar-se objeto

de uma arbitragem explícita.

Poder expressar

sua visão

de trabalho

bemfeito.

O que as situações interpretadas em termos de “assédio moral” geralmente escondem são

situações em que uma lógica elimina a outra. Os trabalhadores são, consciente ou inconscientemente,

detentores de informações e de critérios do trabalho bemfeito, em função do que lhes

parece importante. Mas a organização não permite que eles defendam esse critério em relação às

outras lógicas. Não estão em condição psicológica de analisar e de formular esse fato em relação

a situações precisas. As explicações generalistas tais como “o chefe não faz senão...” levam a

interpretar a situação como assédio moral, o que não permitirá agir sobre a organização.

j/ A resposta da organização

Seja pela abordagem da relação psíquica em termos de estresse ou pela abordagem em termos

de mobilização subjetiva, chegamos a conclusões semelhantes: gerir o mal-estar dos trabalhadores

e sua eventual desmobilização passa pela restauração de suas capacidades coletivas de

análise, de debate e de ação sobre as situações.

Competências especializadas serão, em geral, necessárias para ajudar os atores da empresa nessa

tentativa.

8.4 O reconhecimento, combustível da mobilização subjetiva

Reconhecimento

da parte dos

clientes, dos

pares, da

hierarquia.

A mobilização de uma pessoa em relação ao seu trabalho depende do quanto sua contribuição

é reconhecida pelo outro (a hierarquia, os clientes, os colegas, os familiares). Cada um espera

que se lhe manifeste que ele contribui para um trabalho de qualidade.

Dos clientes (quaisquer que sejam), o trabalhador espera que a manifestação de que ele soube

dar a devida atenção às suas necessidades específicas, ou seja, que ele lhes forneceu mais do que

um serviço padrão.

Dos colegas e do coletivo de ofício, ele espera o reconhecimento pelo fato de que foi um bom

profissional, que respeitou as regras comuns do ofício e que contribuiu para promovê-las.

Da hierarquia, cada um espera que ela seja portadora do reconhecimento da empresa em relação

ao investimento profissional individual. Uma parte desse reconhecimento é, evidentemente,

a questão salarial. Mas várias outras dimensões estão em jogo. Um gerente que manifesta saber

que a performance foi atingida em detrimento de um custo pessoal elevado, que analisa com

elas o que se passou – a fim de melhorar o desenvolvimento da operação no futuro – é portador

de um reconhecimento para a realidade do trabalho efetuado. Um gerente que “não quer saber

disso” priva o trabalhador desse reconhecimento.

O mesmo ocorre em relação à implementação – ou ausência – de debates sobre a elaboração de

procedimentos, sobre a concepção ou a escolha de ferramentas de trabalho, sobre os conflitos

de lógicas que podem sobrevir, sobre a elaboração dos planos de formação, sobre a avaliação

anual, etc.

Toda intervenção da hierarquia, que abre uma possibilidade de debate sobre as condições de

execução das orientações da empresa, as dificuldades encontradas ou prováveis, as medidas

a tomar e as evoluções a prever, é uma forma de reconhecimento da contribuição específica

dos trabalhadores.

Isso é verdadeiro mesmo quando o objeto da intervenção do gerente é manifestar ao trabalhador

que alguma coisa não foi feita corretamente.

Para alguns trabalhadores, especialmente os de nível gerencial, as exigências a considerar

são tão complexas que eles podem procurar obter mais tempo para elaborar uma resposta de

qualidade, levando trabalho para casa. A partir de um determinado momento, serão os parentes

próximos que manifestarão a rejeição a essa estratégia. Pode ocorrer, então, que o interessado

não veja mais uma solução e que sua saúde esteja ameaçada.

A organização da empresa não pode, sozinha, fornecer todas as formas de reconhecimento das

quais os trabalhadores necessitam para sua saúde e mobilização no trabalho. Mas ela tem um

papel essencial na consideração dessa questão pela hierarquia.

76


Bibliografia

Bibliografia

Bruchon-Schweitzer, M. y Dantzer, R. (1994). Introduction à la psychologie de la santé. PUF,

Paris.

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Davezies, P. (2008). “Stress, pouvoir d’agir et santé mentale”. Archives des Maladies Professionnelles

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Weiss, J. (1968). “Effects of Coping Responses on Stress”. Journal of Comparative & Physiological

Psychology, 65(2), p. 251-260.

77



9

A organização, suas forças

e suas fraquezas

A dimensão organizacional da segurança industrial apareceu de modo acentuado especialmente

na análise do acidente da nave espacial Challenger. Hoje, é amplamente reconhecido que as

características de uma organização podem acentuar ou diminuir os riscos de acidente industrial.

Este capítulo apresenta os diferentes componentes que constituem qualquer organização, o

papel do gerenciamento na vida da organização, os sinais que podem marcar o mau funcionamento

organizacional e as características conhecidas das organizações que são mais favoráveis

à segurança industrial.

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Cultura de segurança

Resultados

Produção

Qualidade

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Atividade

+/- Conformidade/Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 21: O objeto deste capítulo

9.1 As diferentes dimensões da organização

A ideia de organização é muitas vezes assimilada à de um organograma, que define as funções

e as responsabilidades de cada um na empresa. Essa imagem é demasiado simples para permitir

a consideração dos FHOS na empresa. Mesmo a analogia com um complicado mecanismo

de relojoaria é enganadora: a organização não é simplesmente um dispositivo sofisticado de

transmissão ou de amplificação.

Figura 22: Imagens demasiado simples da organização

79


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Toda organização

tem diferentes

dimensões.

A estrutura é

um conjunto de

restrições.

Toda organização é um sistema complexo, dotado de muitos motores. Uma organização é

sempre constituída indissociavelmente de uma estrutura que define seu quadro, de um conjunto

de interações entre as pessoas e os coletivos que a fazem viver e de culturas e identidades

coletivas que existem em seu interior. Toda organização está também inserida em um ambiente

mais amplo (contexto econômico, jurídico, regulamentar e social) que a influencia fortemente.

a/ A estrutura organizacional

A estrutura organizacional é o que se pode conceber e decidir implementar: os efetivos de diferentes

ofícios, o organograma, a definição do processo de produção, os diversos tipos de regras

formais e procedimentos, o sistema de informação... A estrutura tem também uma dimensão

material: a disposição dos edifícios define as proximidades e barreiras arquiteturais, o controle

de acesso a zonas ou a dados que permitem ou interditam certas colaborações...

A estrutura organizacional reflete a maneira como a empresa se coloca para fazer face aos diferentes

interesses de seu ambiente socioeconômico, para responder às expectativas de diversos

atores que a avaliam e para reagir às variações de contexto.

Diferentes modelos de organização

Os diferentes modelos de organização dão uma boa indicação das opções privilegiadas.

Assim, um modelo vertical (modelo A) favorece uma organização dividida em diferentes

departamentos funcionais, onde a coordenação é centralizada no seio de uma estrutura

hierárquica poderosa, que assegura uma planificação de alto a baixo. Esse tipo de estrutura

valoriza a redução dos acasos, a coordenação e a rotinização do trabalho, essencialmente

por meio de regras e da linha hierárquica. Ela é adaptada a um ambiente bastante estável em

que a prioridade reside na produção em massa de um produto bem-definido.

Organização vertical

funcional

Organização matricial

Organização horizontal

baseada em processos

A B C

No outro extremo, uma organização horizontal (modelo C) favorece uma divisão de trabalho

em função de processos orientados para os clientes ou em torno de projetos. O objeto

desse tipo de estrutura transversal é favorecer a reatividade e a inovação em um ambiente

competitivo e em acelerada evolução

A força de cada um dos modelos é a fraqueza do outro: uma estrutura vertical é rígida e

sofre para se adaptar rapidamente, tendo em vista as evoluções de um mercado; a estrutura

horizontal é mais leve, mas a coordenação dos atores é mais difícil, na falta de hierarquia

bem-estabelecida. Daí o aparecimento mais recente de um terceiro modelo, uma estrutura

“matricial”, (modelo B), onde coexistem uma autoridade transversa encarregada da coordenação

do projeto / processo e uma autoridade mais hierárquica encarregada da gestão das

equipes.

A estrutura organizacional define um quadro de exigências que pesam sobre o conjunto dos

assalariados Mas a organização não vive senão pela atividade das pessoas e dos coletivos que a

compõem.

b/ As relações, as interações

Se a atividade dos atores, as interações entre eles são muito diferentes daquilo que a estrutura

organizacional prevê, a organização fica fragilizada. A estrutura não pode permanecer estável

longo tempo a não ser que ela seja mantida pela atividade quotidiana dos atores da organização,

o que supõe que esteja razoavelmente compatível com os outros determinantes dessa atividade.

80


9.1 As diferentes dimensões da organização

O duplo gerenciamento nas organizações matriciais

Vimos que as organizações matriciais se apoiam em um duplo gerenciamento (hierárquico

e transversal) a fim de acumular reatividade e coordenação. Por falta de divisão equilibrada

dos poderes, esse modelo de organização muito atual pode gerar tensões. Imaginemos,

assim, uma situação em que alguém fosse formalmente o responsável hierárquico de uma

equipe, cujos membros, no entanto, iriam se dirigir sempre a um outro gerente, para obter

recursos ou solicitar uma arbitragem: estaríamos numa situação em que a atividade dos

atores não faz viver a estrutura organizacional formal, mas, pelo contrário, prejudica-a.

Necessária

compatibilidade

entre estrutura

e atividade.

Para compreender uma organização, é necessário, portanto, identificar a natureza das relações

– especialmente de cooperação e / ou de conflito – que se desenvolvem entre os atores. Essas

relações não se explicam somente pela personalidade de uns e outros: elas refletem estratégias,

largamente inconscientes, dirigidas, em parte, para o alcance de propósitos comuns e, em parte,

para a obtenção de poder e autonomia de cada pessoa ou grupo social.

Essas estratégias se estruturam, inicialmente, em torno de grandes interesses os quais a empresa

deve enfrentar e de espaços de incerteza que existem em cada área. O quadro abaixo (cf. Quadro

9.1) apresenta alguns exemplos.

Interesses Incertezas Exemplos de grupos relacionados

Mercado

Qualidade

Instalações eficientes

e confiáveis

Disponibilidade das

instalações

Imagem da marca

Opinião pública

Segurança industrial

Clima social

Sucesso no lançamento de um

produto

Variações da qualidade de um

produto

Incerteza tecnológica

Panes, imprevistos

Mídias, boicotes

Licença de operação

Incidentes, acidentes

Absenteísmo, dificuldade de

recrutamento, greves

Marketing

Direção comercial

Serviço qualidade

Produção

Engenharia, P&D, produção,

Manutenção

Manutenção, produção

Direção geral

Comunicação

Direção geral, diretoria de

Segurança, produção,

Comunicação externa

Diretoria de RH, hierarquia,

Organizações sindicais, instâncias

Representativas, grupos profissionais

Figura 23: Alguns exemplos de incertezas

As estratégias dos atores dependem, também, das cartas que eles têm em mãos para se posicionar

frente aos conflitos de interesses na empresa.

Toda pessoa ou grupo que possui recursos necessários a uma redução de incerteza detém

um certo poder, que não se traduz necessariamente no organograma.

Um recurso importante para ganhar poder reside, por exemplo, nos saberes de que os atores

dispõem.

81


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

O poder do expert

No chão-de-fábrica, pode acontecer que o agente de manutenção tenha um poder superior

ao do contramestre. Isso pode se traduzir por relações muito tensas entre esses dois atores,

ao passo que normalmente o contramestre dispõe de uma autoridade oficial. Essa situação

se explica, muitas vezes, pelo fato de que a principal fonte de incerteza na unidade se

relaciona à pane que pode atingir os equipamentos de produção. Ora, é o técnico de manutenção

que detém o monopólio da competência para reparar a pane: ele detém, portanto, o

recurso essencial para reduzir a incerteza nas instalações de produção. Daí seu poder.

Diferentes fontes

de poder.

Outros recursos, como o controle das regras e a posição na organização (por exemplo: ser uma

passagem obrigatória na cooperação entre dois departamentos), são fontes de poder. O controle

de informação também: muitos outros além dos membros de um departamento de qualidade

– por exemplo – detêm informações a respeito do que influencia a qualidade do produto. A

maneira como essas pessoas vão colaborar com o serviço de qualidade será decisiva para a

obtenção de uma boa performance.

A compreensão de uma organização não se pode limitar àquela da estrutura e das interações que

aí se desenvolvem em um dado momento. A história da organização se traduz pelas culturas e

identidades coletivas que devem ser consideradas.

c/ As culturas, as identidades coletivas

A cultura

Definição.

Em seu sentido mais amplo, a cultura pode hoje ser considerada como o conjunto dos traços

distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam uma sociedade

ou um grupo social. Ela engloba, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos

fundamentais do ser humano, o sistema de valores, as tradições e as crenças (UNESCO).

A repetição de

práticas forja a

cultura.

O compartilhamento

de valores

é uma fonte de

coesão.

Muitos elementos dessa definição podem ser aplicados à cultura de uma empresa ou à de um

grupo profissional.

A cultura comum de um grupo social resulta da experiência reiterada de comportamentos

convergentes nas famílias em dadas situações. Por exemplo, a experiência repetida das maneiras

de celebrar o Natal ou os aniversários vão inscrever esses elementos de cultura nos meninos, que

vão reproduzi-las, pelo menos em parte, no curso de sua vida. Da mesma forma, a experiência

repetida em relação ao modo como a organização trata de um problema de qualidade contribui

para estruturar a cultura-qualidade de um assalariado.

Essa dimensão da experiência reiterada implica que não é suficiente decidir uma mudança de

cultura para que ela se modifique rapidamente. É a repetição de novas práticas convergentes

(sobretudo as de gerenciamento) que vai forjar a nova cultura e não o anúncio de uma mudança

de direção. Mas as culturas anteriores têm uma meia vida: se os elementos de contexto que lhes

deu nascimento desaparecem, elas continuam a existir durante um longo período. Por exemplo:

no caso de uma fusão de empresas, a cultura de cada uma continua a coexistir com a cultura

do novo grupo, embora vá se atenuando progressivamente. A cultura de um estabelecimento é,

pois, frequentemente constituída de diferentes estratos culturais, que coexistem e influenciam

diversamente os comportamentos dos atores.

Existem culturas nacionais, culturas de grupo industrial, culturas de estabelecimento, de serviço,

de coletivos profissionais. Essas diferentes culturas são, de modo particular, portadoras de

valores, em parte, convergentes e, em parte, distintos. Os valores compartilhados no centro de

uma organização são uma poderosa fonte de coesão, que pode servir de base para o tratamento

de inevitáveis conflitos de lógicas entre os diferentes interesses aos quais as empresas deve fazer

face. De maneira oposta, as organizações em que poucos valores são compartilhados pelos

diferentes grupos sociais são bastante fragilizadas.

A identidade de um grupo profissional comporta uma dupla dimensão:

O fato de se perceber como idêntica a si mesma no curso do tempo, ou seja, a percepção

de uma continuidade nos vínculos que unem os membros do grupo.

E o fato de se sentir idêntica a nenhuma outra.

82


9.1 Las diferentes dimensiones de la organización

Uma das dimensões da cultura de um coletivo é constituída pelos saberes dos ofícios: como

relatado no capítulo 6, as regras de ofícios são de uma natureza diferente das regras formais,

mas trazem uma contribuição essencial para a produção e a segurança. Se o contexto evolui,

a estrutura organizacional e os coletivos profissionais evoluem seguindo dinâmicas distintas.

Quando há um desvio importante entre a identidade de um ofício, tal como o grupo a percebe,

e os critérios definidos pela estrutura organizacional, disso podem resultar tensões graves.

O trabalho de manutenção do ponto de vista dos técnicos e da organização

Seguindo-se à sua reorganização, uma empresa de telecomunicação redefiniu o ofício dos

técnicos de manutenção encarregados de intervir nas linhas e nos cabos conectando os

clientes. Um folheto e uma campanha interna de comunicação insistiam nas diferentes

facetas desse novo ofício: daqui em diante, a organização pedia a seus técnicos propor

serviços comerciais aos clientes encontrados, agir à discrição de uma central coordenando

à distância suas intervenções em função da importância dos clientes (lógica do mercado), ao

mesmo tempo melhorando sua reatividade e sendo polivalentes nos tipos de equipamento a

reparar. Ora, essa nova forma de ver se opunha, ponto a ponto, à cultura de profissão vivida

pelos técnicos que valorizavam, ao contrário, sua tecnicidade, sua autonomia (liberdade

de escolher a ordem das intervenções), o tratamento igual de clientes (lógica do serviço

público), a virtuosidade técnica e a “bela obra”, diferenciando o ofício dos técnicos de linha

em relação àqueles que se ocupam dos cabos.

Técnica

Autonomia

Lógica do

serviço público

Habilidade

Comercial

Discrição

Lógica do

mercado

Reatividade

Distância entre

organização e

cultura

profissional:

risco de tensões

Especialização das

comunidades profissionais

Polivalência

Do ponto de vista dos

técnicos de manutenção

Do ponto de vista da

organização

Essa tensão entre a versão oficial do ofício de manutenção e a dos técnicos pode ter impactos

sobre a segurança. Com efeito, o desvio era vivido pelos agentes como uma falta flagrante de

reconhecimento de seu trabalho, gerando uma profunda desmobilização que está na origem

de uma explosão de acidentes de circulação.

O ambiente

Além de seu funcionamento interno, a empresa deve viver e se desenvolver em um contexto

dinâmico, onde numerosos atores têm um julgamento sobre seu funcionamento e seus resultados:

Os acionistas e a Bolsa.

O ambiente geopolítico.

Os clientes e mais geralmente o mercado.

O legislador, a administração, as autoridades de regulação ou de controle (ver, por

exemplo, a obrigação de implementar um SGS, fazê-lo viver e considerá-lo).

A opinião pública, as comunidades locais.

E, internamente, os trabalhadores e seus representantes.

83


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Acionistas

Clientes

Mercado

Fornecedores

Contexto Externo

Administração

Autoridade de

regulação

Tutelas

Opinião pública,

comunidades

vizinhas

Direção

Segurança DRH Engenharia

...

Linha

hierárquica

Departamentos

operacionais

Produção

Trabalhadores

Instânciasrepresentativas

Organizações sindicais

Contexto Interno

Figura 24: A influência do contexto

Para atingir os objetivos fixados, a empresa é dotada, além da linha hierárquica, de serviços

funcionais, portadores cada um de lógicas que devem ser compatibilizadas (A Figura 22 dá uma

visão simplificada disso, os serviços funcionais sendo eles mesmos disponíveis em diferentes

níveis hierárquicos. O mesmo esquema pode ser declinado em diferentes níveis). Esses serviços,

cada qual em seu próprio campo, declinam os objetivos fixados pela direção geral (em matéria

de segurança, por exemplo) e organizam o retorno de informações (reporting). A integração

entre todas as lógicas especializadas se faz na esfera da direção geral, que define as orientações,

e pelos serviços operacionais.

Em conclusão, a organização deve fazer face não somente às situações que ela soube antecipar,

mas também às contingências do ambiente que acontecem de maneira imprevista. A organização

deve, então, ao mesmo tempo, preparar sua resposta às situações previsíveis e implementar

permanentemente recursos e margens de manobra para enfrentar aquelas que não o são. Para

isso, ela dispõe de diferentes motores internos (estrutura, relações, culturas) que estão ligados

entre eles e cujas interações podem constituir forças de coesão ou forças suscetíveis de ameaçar

essa coesão. As regras de mobilidade, por exemplo, podem facilitar ou dificultar as interações

e o desenvolvimento de uma cultura comum no seio de um ateliê segundo os ciclos de

turn-over do pessoal do ateliê sejam longos ou curtos. Relações informais entre departamentos

podem reforçar uma nova organização, compensando suas insuficiências ou fragilizá-la criando

um modo paralelo de funcionamento. Da mesma forma, os coletivos fortes, estruturados em

torno de uma cultura de ofício, podem, ao contrário, gerar oposições entre diferentes ofícios

(manutenção e produção, por exemplo).

Por fim, a organização aparece como um sistema sociotécnico complexo e dinâmico, que

pode ser definido como o processo pelo qual se mantêm juntos os interesses que não são

espontaneamente compatíveis de modo simples.

9.2 O papel do gerenciamento na organização

a/ Os ajustamentos na organização

Diante dos diferentes interesses da organização, o papel do gerenciamento é, de início, produzir,

de maneira constantemente atualizada, compromissos razoavelmente aceitáveis pelos

diferentes atores, que têm o poder de sustentar ou prejudicar a empresa.

84


9.2 O papel do gerenciamento na organização

Há, na organização, muitas fontes de regras (regras formais, regras de ofício), muitos tipos de

saberes e de poder. O bom funcionamento global repousa em dois tipos de ajustamentos:

Negociações

formais

Modificações de regras

Estrutura

Regras formais

Interações

Regras de ofício

Ajustamentos

cotidianos

Regras efetivas

Figura 25: Os ajustamentos na organização

De um lado, numerosos ajustamentos diários ocorrem entre operadores e equipes e o seu gerenciamento.

Quando as regras formais estão em contradição entre elas ou com as regras de ofício,

quando as regras formais são lacunares para permitir a consecução dos objetivos, quando os

objetivos e os recursos parecem incompatíveis, tem lugar uma discussão no decurso da realização

do trabalho para que se chegue a um acordo sobre a conduta a tomar. As regras formais não

são modificadas, mas interpretações sobre elas são definidas com precisão, até mesmo exceções

são decididas: uma regra efetiva é definida. Esses ajustamentos cotidianos dizem respeito a

todas categorias profissionais da empresa. Eles permitem o funcionamento do conjunto, mas

podem representar um custo ao mesmo tempo para os assalariados, que hesitam em relação à

aplicabilidade de regras, e para os gestores que devem administrar as exceções.

Quando essas exceções se multiplicam ou quando um acontecimento exterior (por exemplo,

uma lei) o impõe, é necessário recorrer a outro tipo de ajustamento, visando redefinir as regras

formais. Trata-se de fazer passar à estrutura o que não era até agora regulado a não ser nas práticas

cotidianas. Ocorre, então, uma discussão formalizada, que congrega membros da hierarquia

e os representantes do pessoal e dos ofícios em questão. Disso resulta um acordo para uma

modificação das regras formais, destinada a torná-las mais adaptadas à situação real.

Entretanto, o fato de se chegar a um acordo sobre as novas regras não implica obrigatoriamente

que os ajustamentos diários e seu custo humano diminuem. Se os participantes na negociação

não estão suficientemente em contato com o campo, eles podem ter definido o novo quadro a

partir de sua visão da realidade, sem informação suficiente sobre o que constitui efetivamente

problema no quotidiano. Nesse caso, novas tensões correm o risco de aparecer quando da realização

das operações. É, portanto, essencial que a renegociação das regras formais seja sempre

alimentada por um bom conhecimento do campo.

Ajustamentos

no cotidiano.

Adaptação

das regras.

Custo humano e

tensões possíveis.

b/ Ser gerente: definir o quadro e enquadrar

O gerenciamento (hierarquia de proximidade, gerências de serviços de apoio e operacionais)

desempenha o papel maior nesses ajustamentos que permitem à organização viver:

Os gerentes contribuem para a definição prévia da estrutura e particularmente das

regras formais (eles “definem o quadro”).

Eles asseguram, no quotidiano, os ajustamentos necessários entre as regras formais e

outras fontes de saberes e regras, sobretudo os ofícios (eles “enquadram”).

Eles participam da renegociação periódica das regras formais quando isso se mostra

necessário.

Essa contribuição dos gerentes, que consiste em tornar compatíveis os diferentes “motores”

da organização (as regras formais, os saberes, as culturas de ofício...), supera muito amplamente

uma função de transmissão:

O gerente assegura a tradução nos dois sentidos das informações que ele transmite.

85


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Ele inicia os projetos locais refletindo sua compreensão sintética dos diferentes interesses.

Ele relata aos seus superiores elementos de síntese.

Ele negocia a relação entre objetivos e recursos.

Ele prioriza e assegura a compatibilidade das regras emanando da estrutura.

Ele antecipa contradições entre as diferentes fontes de regras e de saberes, anima e

arbitra as condições de sua articulação.

Ele participa da avaliação de trabalho dos agentes, que deveria ser, também, uma

avaliação das dificuldades que eles têm para exercer suas missões.

Negociação dos

objetivos e recursos

Orientação da ação

Objetivos

Alocação de recursos

Tradução

Declinação

Priorização

Gerente

Tradução

Síntese

Antecipação

Retorno de experiência

Relatos

Alertas

Sugestões

Compatibilização

Animação

Arbitragem

Figura 26: O papel do gerente

A posição dos gerentes em relação à articulação dos fluxos descendentes e ascendentes da

organização não acontece sem tensão:

Gerente

As informações e instruções provenientes de diferentes serviços do corporativo podem

ser mais ou menos contraditórias entre elas (multiplicação das “prioridades”), até

mesmo obscuras.

As informações provenientes da realidade da equipe ou do serviço não são sempre

compatíveis, de maneira simples, com os objetivos e recursos fixados pela direção.

Não é sempre fácil para o gerente levar à sua própria hierarquia as contradições encontradas,

sobretudo quando a organização valoriza o fato de que o “bom gerente é aquele

que não tem problema”.

Quando um gerente se encontra sob fogo cruzado entre os fluxos de informação contraditórios,

uma maneira de se proteger pode consistir em limitar a nova subida da informação

que vem do campo.

Gerente

86


9.2 O papel do gerenciamento na organização

O gerente continua, então, a transmitir as informações e diretrizes provenientes da direção, mas

não se ocupa mais com as informações que remontam da realidade do campo. Essa proteção é,

por vezes, o resultado de uma decisão explícita, mas pode também ser uma defesa inconsciente

(cf. capítulo 8): um gerente sobrecarregado, constantemente em reunião ou em trânsito, não

é mais “perturbado” pelas informações do campo. Essa defesa protege sua saúde, mas deixa o

problema para o escalão inferior na hierarquia.

c/ O trabalho da negociação

Uma situação muito próxima da dos gerentes é aquela dos representantes do pessoal. Eles

também devem assegurar a confrontação, a tradução e a compatibilização entre as informações

“descendentes” provenientes das estruturas de sua organização e aquelas que remontam dos

diferentes grupos de assalariados. Eles participam, igualmente, da negociação de regras da

organização. Podem ter, também, um papel maior no levantamento das informações sobre as

disfunções ou bloqueios organizacionais susceptíveis de afetar a segurança.

Como para os gerentes, a legitimidade de sua função ou de seu mandato não implica, automaticamente,

o conhecimento preciso de todas as situações das quais eles têm de tratar: as maneiras

como eles se informam da realidade do trabalho dos assalariados – ou, ao contrário, delas se

protegem – têm um papel essencial.

Algumas negociações nas empresas têm ligação com a segurança industrial (efetivos, reestruturações).

Outras podem ter consequências mais indiretas em termos de mobilização ou

de desmobilização dos assalariados (negociações salariais). A qualidade das interações entre

parceiros sociais é uma componente da segurança industrial.

As negociações são um verdadeiro trabalho, que implica custos pessoais para os negociadores:

estes devem, ao mesmo tempo, interagir com a outra parte e relatar a seus mandantes, que têm

menos informações que eles, para avaliar o caráter realista de suas reivindicações ou proposições.

A organização das negociações influencia, ao mesmo tempo, o custo humano dessas e seus

resultados. As reuniões preparatórias, a programação da ordem do dia, as suspensões de sessão

permitem aos negociadores interagir melhor com seus mandantes. O acordo a respeito dos

valores comuns (a segurança industrial, por exemplo), dos conceitos comuns (por exemplo,

em matéria de FHOS), dos métodos de trabalho (como a análise das tarefas críticas) facilita o

trabalho dos negociadores que representam diferentes partes.

O gerente que se

protege transfere

o problema.

A segurança

industrial

repousa, também,

em boas

interações entre

parceiros sociais.

d/ Tensões e crises na organização

Quando os diferentes “motores” da organização agem em sentidos diferentes, resultam disso

tensões e crises, que podem ameaçar a segurança industrial. Um conjunto de sintomas dessas

disfunções é clássico. Se forem identificados quando ainda são “sinais fracos”, eles podem permitir

uma resposta adaptada, que vai evitar uma crise perigosa.

Esses sintomas são, por exemplo, os seguintes:

Uma deterioração do clima social, a difusão de rumores inclusive no exterior, violências

entre assalariados e entre assalariados e suas hierarquias, o questionamento do

comportamento dos gerentes.

A multiplicação de acidentes pouco graves (queda, pequenos cortes).

Aumento do absenteísmo, licenças-saúde de longa duração (lombalgia, problemas

cardiovasculares, depressões...), rumores ou tentativas de suicídio.

A multiplicação de partidas ou demandas de mutação, um turn-over elevado (inclusive

de prestadores de serviços), dificuldades de recrutamento.

Multiplicação de movimentos sociais levando a reivindicações pouco definidas.

Os sintomas abaixo não são típicos de indústrias de risco, mas nela adquirem uma dimensão

particularmente crítica.

A retenção de informação, uma transmissão insuficiente da substituição de postos,

problemas de colaboração entre equipes, nenhuma referência sobre as informações

de produção ou de manutenção (sintoma “NAS” 22 ), ignorância ou colocação à parte

dos lançadores de alertas, colocação em circulação de informações falsas (“balões de

ensaio”). O conjunto do processo de REX está, então, ameaçado.

22

Nada a assinalar.

87


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Atitudes de retração, ausência de voluntários para as formações ou grupos de trabalho

que torna difícil a adaptação da organização às evoluções de seu ambiente.

Sabotagens mais ou menos graves das instalações de produção e dispositivos de segurança.

...

Sintomas

dificilmente

acessíveis à

direção.

Muitos desses sinais, que deveriam alertar a direção da unidade produtiva, não lhe são diretamente

acessíveis. Muitos canais de informação devem ser ativados para que as advertências

cheguem a tempo: a linha gerencial, as instâncias representativas do pessoal, as organizações

sindicais, a DRH, o serviço de saúde no trabalho, o serviço social.

9.3 Organizações que colocam em perigo ou favorecem a segurança

A análise de diversos acidentes industriais de grandes proporções colocou em evidência fatores

organizacionais frequentemente presentes na sua gênese.

a/ Estruturas inadaptadas, relações tensas

Entre os problemas estruturais colocados em questão nos acidentes, nota-se, por exemplo:

A valorização exclusiva de certos interesses e de certas lógicas (por exemplo, financeiras)

e a desvalorização de atores portadores de outras lógicas (por exemplo, a segurança).

As pressões produtivistas, que fazem migrar o sistema para fora da zona de funcionamento

para a qual ele foi projetado.

A ausência de reexame de hipóteses de funcionamento quando ocorria uma evolução

de uso das instalações.

Processos de concepção ou de mudança centralizados ou externalizados, sem interface

com os responsáveis locais da produção.

Falha dos organismos de controle.

As mensagens gerenciais artificiais, elaboradas por “comunicadores”, e que não fazem

sentido para os operadores e a hierarquia de proximidade.

Prioridades contraditórias provenientes de diferentes serviços corporativos, sem serem

compatibilizadas pela direção da unidade produtiva.

Organizações tão complexas ou que mudam tantas vezes que os atores não sabem mais

nelas se posicionar e nem a quem procurar para encontrar um recurso.

Uma prescrição de objetivos sem ligação com a alocação de recursos para um setor

particular do sistema (organização do tipo “não quero nem saber, virem-se”).

A multiplicação de formalismos de segurança/qualidade, sem prazos complementares,

conduzindo a uma diminuição do tempo efetivo de realização de tarefas de produção

e a um relaxamento de ações ligadas à segurança.

Formas de subcontratação não asseguram a transferência de informações e de competências

nos dois sentidos.

Fazer pessoas e equipes competirem entre elas, levando à falta de cooperação.

Processos de avaliação de pessoas, de equipes ou de unidades de produção baseados

em critérios não compartilhados.

Relações tensas ou uma separação entre gerentes e operadores de suas equipes.

O enfraquecimento dos coletivos de trabalho, uma fraqueza do espírito de equipe.

88


b/ Os fatores de sucesso

9.3 Organizações que colocam em perigo ou favorecem a segurança

Da mesma maneira, um conjunto de fatores que contribuem para tornar as organizações mais

confiáveis foi identificado.

Centralização ou descentralização.

As organizações de alta confiabilidade (HRO) 23 têm uma capacidade de funcionar

quer de modo centralizado, quer de modo descentralizado de acordo com as circunstâncias.

Algumas crises, por exemplo, são melhor administradas de uma maneira

centralizada (em coordenação com a prefeitura ou o governo), outras de uma maneira

descentralizada (quando as comunicações são cortadas, pelo fato, por exemplo, de uma

tempestade ou uma inundação).

Essa flexibilidade supõe a existência de poderes, de competências e de recursos técnicos

descentralizados. Ela supõe, também, a existência de regras de basculamento de

um modo de funcionamento ao outro e um treino regular.

O acordo em relação aos fins.

Nas organizações muito confiáveis, certos objetivos-fins –particularmente os da segurança

industrial – são compartilhados por todos os atores da empresa. Uma cultura

de segurança forte (capítulo 10) decorre do fato de que o comportamento da direção

e do gerenciamento integra sempre a questão da segurança nas arbitragens e arranjos

necessários para assegurar a produção diária.

A consciência de um possível fracasso.

As organizações de alta confiabilidade desenvolvem uma consciência de sua complexidade

e de acidente maior sempre possível apesar de todas as precauções. Elas

proíbem todo discurso de autossatisfação dogmático e toda improvisação em matéria

de segurança. As hipóteses e o processo sobre os quais repousam a segurança são

regularmente reexaminadas. Os canais REX são múltiplos, e os alertas são tratados.

O direito e o dever de parar uma operação, quando as condições são duvidosas, são

efetivamente manifestados.

A atenção à realidade das operações (sensitivity to operations).

A organização é consciente de que a realização das operações de produção não é

simplesmente colocar em aplicação regras pré-definidas. Essa realização implica uma

detecção e gestão local de variabilidades ligadas às condições específicas de produção.

A hipótese de que as coisas podem não se passar como previsto está presente e recursos

estão disponíveis (os recursos possíveis em tempo real são claramente identificados).

O gerenciamento e os experts aceitam ser “incomodados” quando um operador vive

uma situação de incerteza.

A procura da resiliência.

A organização está consciente da necessidade de combinar segurança normatizada

(baseada em conhecimentos de experts) e segurança em ação (baseada em conhecimentos

dos operadores, coletivos e gerentes de campo). A articulação dessas duas

contribuições é uma missão explícita dos gerentes (ver capítulo 10).

Flexibilidade.

Objetivos

de segurança

presentes por

toda parte e no

quotidiano.

Questionamento

permanente.

Disponibilidade

de recursos.

Segurança

normatizada

segurança

em ação.

A redundância do controle.

A redundância do controle entre atores é generalizada, às vezes pelas medidas formais

(dupla assinatura, por exemplo), e pela cooperação no interior dos coletivos de trabalho.

A preparação do trabalho e o controle de seu resultado são valorizados e contam

com os recursos temporais necessários.

Formação e treinamento.

O conjunto de atores operacionais se beneficia de formações regulares e discussões

em caso de incidentes e de acidentes simulados. O balanço das sessões é utilizado para

fazer evoluir, se necessário, os dispositivos técnicos ou a organização.

23

High Reliability Organisations: aquelas que têm, nitidamente, menos acidentes que a média.

89


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

c/ Nada de modelo único

Toda organização é uma ponte entre os processos técnicos e o contexto sociocultural. Não

se pode pensar, portanto, em termos de one best way 24 organizacional: o mesmo processo

técnico pode reclamar organizações diferentes em ambientes sociais diferentes.

É perigoso considerar que uma organização, métodos ou ferramentas que funcionam bem

em um dado contexto serão também eficazes para o mesmo processo empregado em um

contexto diferente.

As proporções dos efetivos

As proporções de efetivos por serviços utilizados em escala internacional, por exemplo,

podem ser enganadoras: um serviço de manutenção em um país onde o clima deteriora

constantemente as instalações não pode ser dimensionado do mesmo modo que em um

país de clima temperado.

Cada estrutura organizacional apresenta forças e vulnerabilidade que devem ser diagnosticadas

e administradas.

Organizações diversas para paradas de manutenção

M. Bourrier estudou as paradas anuais para manutenção em muitas empresas nucleares no

mundo.

Em um caso (A), o tempo de preparação é relativamente fraco, e a engenharia é pouco

disponível em tempo real. Os imprevistos encontrados se tornam objeto de uma sinalização,

mas as soluções são definidas localmente por operadores e por um gerenciamento engenhoso

e mobilizado.

Em outro caso (B), meios consideráveis são concedidos para a preparação e a assistência no

campo. Todo imprevisto se torna objeto de um tratamento pelos experts, permanentemente

disponíveis. Toda iniciativa dos operadores é proscrita.

A organização (A) tem uma grande adaptabilidade e uma boa capacidade de enfrentar um

imprevisto, mas gera bolsões de informações subterrâneas e uma fraca rastreabilidade da

realidade das operações. A organização (B) é muito explícita, ela aperfeiçoa constantemente

seus procedimentos, mas é difícil e gera certa apatia dos operadores de execução, limitando

a capacidade de enfrentamento em caso de urgência.

d/ O diagnóstico de uma organização

Cada gerente, diante de uma nova função, tem interesse em fazer um diagnóstico da organização

à qual ele se filia. Ele pode fazer esse diagnóstico sozinho ou recorrer a um especialista.

O diagnóstico de uma organização tem como objeto o conjunto das dimensões mencionadas

no § 9.1: a estrutura, os coletivos, as relações, as culturas e identidades coletivas, as formas de

ajustamento que acontecem em seu interior e os eventuais sinais de disfunção que devem ser

colocados em perspectiva com a história da organização.

Uma descrição da estrutura: o organograma, o processo técnico, o conjunto de regras

internas e externas que definem o funcionamento. O conjunto é colocado em uma

perspectiva histórica (evoluções recentes e futuras).

Uma identificação dos coletivos existentes (coletivos profissionais e equipes de trabalho,

capítulo 6), características de seus membros (sexo, idade, antiguidade, formação,

trajetória profissional, dados coletivos de saúde), de sua história, das culturas e

identidades que aí dominam.

Uma identificação das relações existentes entre os grupos: as cooperações e conflitos

são interpretados não como vinculados à personalidade, mas como resultado de jogos

de atores, ligados a interesses de poder, de detenção de informações, de domínio de

recursos e de autonomia.

90

24

“Uma única e melhor maneira de se trabalhar” [Princípio taylorista que pretende definir um único padrão para se

realizar uma tarefa]


9.3 Organizações que colocam em perigo ou favorecem a segurança

Os ajustamentos diários: dificuldade de aplicação de regras, exceções administrativas

pela hierarquia de proximidade.

Os ajustamentos formais periódicos: procedimentos de modificação de instalações,

de organizações, de regras, negociações sociais.

Os eventuais sinais de disfunção são pesquisados pelos indicadores (ver § 9.2 e § 9.3

acima). A qualidade de articulação entre as mensagens gerenciais gerais e os interesses

específicos do setor em questão é avaliada.

O capítulo seguinte (capítulo 10) apresenta meios de avaliar e de desenvolver a cultura da

segurança.

Bibliografia

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Biarritz, SELF, Octarès, Toulouse.

91



10

A cultura da segurança

FHOS

Atividade

Humana

Efeitos

Organização e

Gerenciamento

Cultura de segurança

Resultados

Produção

Qualidade

Coletivo de

Trabalho

Situação de

Trabalho

Indivíduo

Atividade

+/- Conformidade/Regras

+/- Iniciativas

Resultados

Segurança

Industrial

Resultados

Saúde e Segurança

do Trabalho

Figura 27: Objeto deste capítulo

10.1 O que é cultura da segurança?

A denominação Cultura da segurança é recente. Ela tem uma vintena de anos e, inicialmente,

foi definida e usada na indústria nuclear, depois da catástrofe de Chernobyl, ocorrida em 1986.

Com efeito, a comissão de investigação atribuiu, como causa fundamental para esse acidente,

uma cultura de empresa amplamente enfraquecida em todos os níveis no que diz respeito à

segurança industrial.

Prioridade da produção em detrimento da segurança.

Tolerância de não conformidades técnicas e de procedimentos em segurança.

Deficiências na formação e na comunicação de segurança.

Clima de trabalho deteriorado etc.

A cultura da segurança

Definição

O termo Cultura de segurança é utilizado para designar esse componente de cultura da

empresa, que diz respeito às questões de segurança nos meios de trabalho que comportam

riscos significativos.

Com maior precisão, pode-se definir a cultura de segurança como sendo o conjunto de práticas

desenvolvidas e repetidas pelos principais atores envolvidos, para diminuir os riscos de seus

trabalhos.

Essa definição incorpora os dois aspectos mais importantes da cultura da segurança:

a/ São as práticas dos atores que fazem a cultura de segurança de uma empresa

Essas práticas, no entanto, consistem tanto em maneiras de pensar como em maneiras de agir em

matéria de segurança.

93


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Pesos das crenças

Assim, a crença ou a convicção de que todos os acidentes podem ser evitados é uma maneira

de pensar que orienta em direção ou predispõe a maneiras de agir tais como carregar seus

equipamentos de proteção individual ou aplicar instruções de segurança, esperando, assim,

evitar se ferir.

Em poucas palavras, no que diz respeito às maneiras de pensar em relação à segurança, a cultura

refere-se a coisas como o valor ou a importância relativa que os atores dão à segurança (por

exemplo: Segurança antes de mais nada!), às crenças, às convicções e princípios que as pessoas

desenvolvem no que diz respeito às “boas práticas” de se ocupar da segurança (aplicar as regras

de segurança estabelecidas é o melhor meio de evitar os acidentes, por exemplo), e, enfim, às

normas formais ou informais, que são estabelecidas no meio como devendo ser aplicadas em tal

ou tal situação concreta (por exemplo, a instrução de usar a proteção auditiva desde a entrada de

tal zona de trabalho. Todos esses elementos (valores, crenças, normas) formam um dispositivo

coletivo que fornece aos indivíduos esquemas de orientação, de representação e de ação para

determinar suas condutas habituais nas diversas situações percebidas como de risco. Entretanto,

as maneiras de agir não são influenciadas somente pelos valores, crenças e normas. Elas são

influenciadas, também, pelas características das situações.

Influência do contexto

Os assalariados podem ter sido convencidos pela hierarquia de que seguir as regras de

segurança é a “boa maneira de fazer o trabalho” e o melhor meio de prevenir os acidentes.

Mas, se frequentemente a insuficiência de pessoal nas equipes, devido, por exemplo, à não

substituição dos ausentes ou à falta de reforço em certos momentos-chave, faz com que

algumas regras sejam transgredidas para manter a produção, então a situação é que será

mais determinante nas maneiras de agir que as convicções.

Como explicado no capítulo 5, essas situações, que forçam os assalariados a agir de encontro a

suas convicções, criam nas pessoas referidas um estado mental de “dissonância cognitiva” que

é malsão se ele perdura. Ele é também desfavorável para a empresa no tocante à sua cultura

de segurança, porque, para eliminar essa dissonância e restabelecer a coerência, as pessoas

acabarão por se convencer de que é “normal” contornar as regras de segurança para assegurar

a produção. A fim de evitar o enfraquecimento de sua cultura de segurança, algumas empresas

implementam diversas práticas para favorecer a informação ascendente e o tratamento dessas

situações desfavoráveis à adesão dos assalariados à sua política de segurança.

Gerentes e

operadores:

os 2 atores-chave

da cultura de

segurança.

b/ São os atores coletivos que constroem sua cultura

É comum dizer-se que, em uma empresa, “a segurança é problema de todos”. Entretanto, alguns

são mais diretamente solicitados pelos interesses de segurança de seu trabalho ou da empresa,

nessas circunstâncias os gerentes e os empregados vinculados à produção. Esses dois atoreschave

são geralmente os principais artesãos da cultura de segurança em uma unidade industrial.

Por consequência, é um erro reduzir os problemas da cultura de segurança somente ao comportamento

dos operadores. De fato, as práticas de gerenciamento relativas à segurança são, muitas

vezes, mais determinantes para a cultura, porque esse gerente dispõe do status de autoridade e

de um poder de decisão muito maior para agir sobre os diferentes fatores em jogo no domínio

dos riscos. Por outro lado, é pelas relações entre os atores que se constrói a cultura. É a dinâmica

dessas relações que permite às maneiras de pensar e de agir se tornarem coletivas, vale dizer,

compartilhadas ou recíprocas e aceitas como “normais” por uma larga fração da hierarquia e

dos assalariados. Evidentemente, não é fácil construir essa unidade, porque tanto a hierarquia

quanto os assalariados são atores complexos, quer dizer com muitos níveis e componentes. Por

exemplo: para a hierarquia, pode-se pensar nas diferenças entre a alta direção de uma unidade

produtiva e a chefia imediata, entre os gerentes funcionais e a hierarquia superior, etc. Existem

diferenças também entre os empregados em nível operacional, por exemplo, entre os agentes de

produção e aqueles que se ocupam com a manutenção, entre as gerações quando dos períodos

de significativa substituição de mão de obra como atualmente com as aposentadorias em massa.

É por isso que esses desafios na construção de uma cultura comum de seguridade exigem uma

verdadeira abordagem cultural no gerenciamento da segurança industrial.

94


10.1 O que é cultura da segurança?

Aspecto coletivo e recíproco em cultura de segurança

A transgressão de procedimentos de segurança por parte dos operadores somente pode se

tornar “uma maneira de fazer” habitual e considerada “normal” quando essa prática é aceita

pelo coletivo de trabalho e se beneficie com uma tolerância entre aqueles que comandam

os operadores.

Mas para que serve ou quais são as funções da cultura de segurança?

c/ As funções da cultura de segurança

Para a organização, uma primeira função da cultura de segurança é a de impactar seus resultados

nesse campo. Esse efeito se liga ao fato de que a cultura é constituída de práticas reais

dos atores em matéria de segurança. Por consequência, o efeito da cultura sobre os resultados

pode ser mais ou menos positivo conforme a qualidade das práticas de segurança em vigor na

empresa.

Uma segunda função da cultura é, quando o gerenciamento consegue a adesão de um maior

número (de pessoas) a maneiras comuns e convergentes de pensar e de agir em matéria de segurança,

fornecer à empresa um mecanismo efetivo de coordenação entre os atores envolvidos.

Esse mecanismo de coordenação é complementar e indispensável à estrutura de autoridade,

para que essa última seja eficaz. Não se pode colocar um supervisor atrás de cada operador para

lhe dizer o que fazer e verificar que ele o faça. É, pois, a cultura de segurança que sucede à estrutura

da autoridade assegurando uma regulação e um controle informal dos comportamentos

individuais para mantê-los na norma admitida pelo grupo ou a organização, segundo o caso.

A cultura de segurança, quadro implícito

Por exemplo, um assalariado, cuja prática de trabalho importante é percebida por seus pares

como perigosa ou contrária às boas práticas de ofício, estará sob pressão para se corrigir,

caso contrário ele será mal-visto, desvalorizado, até mesmo punido mais severamente pelo

coletivo de trabalho.

Daí a importância para o sistema de gestão em integrar os coletivos de trabalho na abordagem

da segurança adotada na empresa.

Mas o indivíduo é também beneficiário da cultura ambiente de seu trabalho.

Em primeiro lugar, ela lhe permite desenvolver e afirmar sua identidade profissional.

Transmissão de saberes

Desse modo, o novo contratado aprende uma boa parte de seu ofício graças aos pares e ao

supervisor, que lhe transmitem os elementos-chave do saber, da habilidade e do saber ser

necessários para ser aceito no coletivo e na empresa, e zelam para que se aproprie desses

elementos. Nessa transmissão de saberes, aqueles que dizem respeito à segurança são geralmente

importantes nas profissões de risco elevado.

Depois, os indivíduos que adotam as maneiras de pensar e de agir consideradas como normais

pelo coletivo e pela organização obtêm com isso certo reconhecimento social no ambiente

profissional. Isso os leva a perseverar nesse sentido e a contribuir, assim, na preservação dessa

cultura.

Enfim, uma cultura de segurança forte contribui para a saúde mental dos indivíduos expostos

aos riscos, fornecendo-lhes esquemas de percepção e de ação e, sobretudo, tornando relativamente

previsíveis os comportamentos de seus colaboradores.

Uma cultura de segurança forte reduz o estresse nos indivíduos expostos aos perigos porque

ela diminui a incerteza, permitindo-lhes antecipar os esquemas mentais e comportamentais

que serão “normalmente” utilizados pelos outros atores para dominar os riscos da situação.

Entretanto, a contrapartida dessa vantagem pode ser favorecer certos tipos de erros, por exemplo,

o erro na implementação de regras ou o efeito túnel analisados no capítulo 7.

95


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

10.2 A diversidade de cultura da segurança

Acontece que uma empresa procura copiar o sistema de gerenciamento da segurança (SGS) de

outra organização ou adotar um sistema comercializado por uma firma de consultores, mas ela

não poderá fazer o mesmo com sua cultura da segurança. Com efeito, o que vai constituir sua

cultura é aquilo que os atores internos chegarão a construir juntos como práticas de segurança

duráveis. Daí a observação de diferenças culturais algumas vezes importantes entre as empresas,

até mesmo no interior de um mesmo setor de atividade.

A tipologia que se segue permite apreender essa diversidade definindo quatro grandes tipos

de cultura de segurança. Ela é construída a partir da ideia desenvolvida na seção precedente

em vista de que, em matéria de segurança, a cultura é uma construção humana edificada principalmente

por dois atores coletivos em interação, gerenciamentos gestores e os empregados

operacionais. Ora, ainda que teoricamente interessado, cada um desses atores, na prática, pode

estar mais ou menos implicado, ativo e responsabilizando-se pela segurança, portanto na sua

construção cultural. Os graus (+/-) de implicação desses dois atores são, portanto, os parâmetros

utilizados para estabelecer a tipologia ilustrada pela figura 25.

Implicação da hierarquia

Tipo B (+/-)

Tipo D (+/+)

Implicação dos empregados

Cultura do Ofício

Tipo A (-/-)

Cultura Fatalista

Cultura Integrada

Tipo C (-/+)

Cultura Gerencial

Figura 28: Tipos de cultura de segurança

Cultura gerencial

dominante nos

setores de risco.

As diferentes culturas representadas na figura 25 são típicas, quer dizer, depuradas e fixadas. Na

realidade de uma empresa, a cultura de segurança é dinâmica, em evolução e pode, portanto,

ser uma mistura de elementos que pertencem a diversos tipos. Entretanto, a tipologia é útil

porque ela fornece pontos marcados para identificar a dominante, dado que há sempre uma, de

uma cultura concreta. Ele o é também para compreender a evolução histórica das culturas em

matéria de segurança e para ver em que direção elas podem se desenvolver no futuro.

A cultura gerencial (Tipo C), cujas principais forças e fraquezas são abordadas na próxima

seção, é a dominante nas culturas de segurança nas grandes empresas de setores de risco elevado.

Mas a tipologia propõe outro tipo em que o gerenciamento está também fortemente

implicado – a cultura integrada de segurança (tipo D). Esta também será apresentada numa

seção ulterior, porque muitas empresas evoluíram em direção a esse tipo de cultura no curso

dos últimos decênios e conseguiram melhorar, sensivelmente, sua performance no controle de

riscos.

Os dois tipos que correspondem a uma situação em que o gerenciamento é pouco ou não

envolvido em segurança – a cultura fatalista (tipo A) e a cultura de ofício (tipo B) – têm certa

atualidade para as grandes empresas de setores de risco. Vejam-se algumas ilustrações.

a/ A cultura fatalista de segurança

A crença na base dessa cultura é que os acidentes que acontecem são uma fatalidade, um

golpe de má sorte. Numa palavra, são inevitáveis. Em consequência disso, os atores optam por

nada fazer para evitá-los, convencidos de que os acidentes acontecerão de qualquer modo.

Historicamente, esse tipo de cultura prevaleceu no Ocidente até o século XVII, em razão de

uma cultura religiosa do ambiente, que privilegiava as explicações sobrenaturais para os acontecimentos

da vida quotidiana. Com o desenvolvimento dos conhecimentos científicos e a revolução

industrial, a cultura do tipo fatalista vai ser marginalizada, mas ela é ainda viva em certos

96


10.3 A cultura gerencial de segurança

ofícios ou contextos. Em relação aos transportes rodoviários, por exemplo, estudos mostram

que perto da metade dos motoristas aderem a crenças fatalistas, que explicam os acidentes

pela má sorte ou fatalidade. Nos países emergentes ou em vias de desenvolvimento, é frequente

que a cultura seja, sobretudo, fatalista em matéria de prevenção de acidentes rodoviários ou

domésticos. Esse contexto apresenta desafios difíceis, ainda que superáveis, para as empresas

que implantam e operam, nesses países, instalações industriais de alto risco.

b/ A cultura da segurança do ofício

Esse tipo de cultura de segurança se caracteriza por um fraco envolvimento da hierarquia,

que considera que as questões de prevenção de acidentes de trabalho são da competência dos

assalariados. Em consequência disso, estes se tornam o ator mais implicado na segurança.

Historicamente, essa cultura foi predominante no Ocidente na época pré-industrial e no início

da era industrial. Com efeito, durante esses períodos, os patrões se imiscuíram pouco no gerenciamento

dos métodos de trabalho, que eram, então, desenvolvidos sobretudo pelas pessoas do

ofício. Em geral, nos ofícios de risco, muitos elementos desses métodos de trabalho eram práticas

informais de segurança visando evitar que se ferissem ou se protegerem dos acidentes. Por

exemplo: uma prática de segurança desenvolvida pelos mineradores de carvão a partir do século

XVII, consistia em fazer descer canários nas galerias subterrâneas. A morte do canário permitia-lhes

serem alertados do risco de explosão e, portanto, fugirem antes que ela acontecesse. Os

mineiros não conheciam absolutamente a explicação científica para as explosões (como, por

exemplo, a natureza do gás liberado, ignição, etc.), mas eles sabiam que essas explosões estavam

vinculadas a uma mudança de atmosfera na galeria, que levava à morte dos canários.

Com o crescente controle da organização do trabalho pela administração, que, desde a segunda

metade do século XIX, desenvolve a organização científica do trabalho, a padronização das

tarefas e métodos, e o taylorismo, a importância da cultura do ofício, inclusive a da segurança,

vai diminuir, mas sem desaparecer. Em muitas indústrias, as pessoas ligadas ao ofício, supervisores

e também operadores, usam de práticas informais de ofício, que eles aplicam em algumas

situações não ou malbalizadas pelas regras formais de segurança. Nos ofícios de manutenção, a

cultura de segurança do ofício é ainda muitas vezes predominante apesar do desenvolvimento

de sistemas de gerenciamento da segurança.

10.3 A cultura gerencial de segurança

Esse tipo de cultura de segurança se desenvolve quando a hierarquia se ocupa do dossiê da

segurança industrial e do posto de trabalho, exercendo um papel de tal forma preponderante

na elaboração e no desenvolvimento de medidas de segurança, técnicas e de procedimentos,

que a implicação dos operadores, muitas vezes, se limita à sua responsabilidade de aplicar essas

medidas na execução do trabalho.

Historicamente, foi no setor de mineração que a cultura de gerenciamento da segurança se

desenvolveu e, progressivamente, marginalizou a cultura de segurança do ofício, que, no

entanto, era forte. Essa mudança aconteceu, de início, na Inglaterra, que foi o primeiro país a

fazer a sua revolução industrial.

Em direção a uma cultura gerencial

A revolução industrial na Inglaterra estimulou o crescimento da produção nas minas de

carvão de modo extraordinário durante todo o século XIX. Infelizmente, o balanço dos

acidentes mortais estava à altura. Assim, durante todo o século XIX, as explosões de gás

liberado nas galerias subterrâneas mataram 35.000 mineradores. Essas catástrofes repetidas,

a cada dia mais relatadas e denunciadas nos jornais, e a presença de uma fração progressista

entre os membros do patronato minerador, levaram o governo inglês a legislar, regulamentar

e inspecionar para forçar as empresas mineradoras a se ocupar com a segurança, começando

pela ventilação das minas subterrâneas. Em seguida a essa implicação da hierarquia

na segurança, as taxas de frequência de acidentes mortais nas minas de carvão passou de 6%

em 1850 a 1,3% em 1913. Desde os anos 2000, essa taxa é de 0,2%.

97


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

O caso das minas é um bom exemplo, porque ele é o precursor da emergência da cultura

gerencial em segurança e tem a vantagem de ser documentado durante um longo período. Mas

todos os setores de risco com uma frequência elevada de acidente grave e ainda mais aqueles

com risco de acidente catastrófico (por exemplo, química, petróleo e gás, nuclear, aviação civil

e transporte em grande velocidade, aeronáutica...) evoluíram no mesmo sentido. E os mesmos

fatores de evolução estão, muitas vezes, presentes: pressões externas do público e do Estado

depois de catástrofes, mas também demanda de atores internos (patronato e sindicatos),

alguns dos quais desejam o enquadramento estatal, para evitar que a concorrência se faça em

detrimento da segurança, percebida como elemento vital da perenidade da indústria.

a/ As orientações distintivas

A cultura gerencial da segurança se distingue por três grandes orientações, cuja implementação

contribui, muitas vezes de maneira positiva, para o desenvolvimento da segurança.

Dinâmica de

melhoria

contínua.

1. Uma preocupação constante com a melhoria dos resultados em segurança.

De modo geral, a preocupação de sempre melhorar a performance é um ponto forte da

cultura gerencial. Sua aplicação no domínio da segurança pode conhecer desvios e falhas,

mas, no conjunto, trata-se antes de um ponto positivo.

O caso das minas anteriormente exposto ilustra uma real melhora da ação no que

concerne aos acidentes mortais. Essa melhoria não teria sido possível sem uma grande

vontade de progresso contínuo nos resultados.

A grande vantagem desse traço cultural é que ele favorece uma dinâmica de questionamento

e de inovação dos meios, mais que de autossatisfação do status quo. Os dois

aspectos seguintes dizem respeito precisamente a esses meios.

2. Uma forte valorização da segurança técnica.

A cultura gerencial da segurança é que permitiu a eclosão e a expansão da engenharia de

segurança.

A origem da engenharia de segurança

Nos Estados Unidos, a existência da profissão de engenheiro em segurança (com a exigência

de formação e diploma de especialista) remonta a 1912, com a criação da Sociedade

Americana de Engenheiros de Segurança.

Focalização

na técnica.

Até os anos 70, essa abordagem, tendo como eixo a segurança técnica, muito contribuiu

para reduzir os acidentes industriais e do trabalho porque ela desenvolveu conceitos (por

exemplo, os conceitos de defesa em profundidade, as redundâncias etc.) e as técnicas para

identificar e avaliar os riscos e para contê-los, reduzi-los e eliminá-los na fonte. Ela deu

origem às práticas que se tornaram referências para a indústria e também para os Estados,

que as incorporaram na regulamentação. Graças a essa abordagem, o investimento econômico

de segurança também se desenvolveu em um nível totalmente impensável no

contexto de uma cultura de segurança de ofício, o que explica a eficácia nitidamente

superior da cultura gerencial da segurança.

Aumento da

formalização.

3. A propensão a formalizar as práticas de gerenciamento da segurança e do trabalho.

Essa é uma característica-chave da cultura gerencial que é mais recente. De fato, depois de

ter feito progredir muito a segurança relacionada aos elementos técnicos do sistema sociotécnico

da organização, era previsível que, para continuar melhorando a performance no

controle dos riscos, se ocupasse mais dos aspectos sócio-humanos, ou seja, das práticas e

dos comportamentos dos atores. Paralelamente, a partir dos anos 70, a legislação e a jurisprudência

relacionadas às responsabilidades dos empregadores em matéria de segurança

evoluíram com força no Ocidente. A resposta a essa evolução consistiu em desenvolver

a formalização de práticas em matéria de gerenciamento da segurança e da execução do

trabalho Essa duas direções da formalização são geralmente valorizadas e decididas pela

direção superior das empresas.

98


10.3 A cultura gerencial de segurança

No caso de práticas de gerenciamento geral da segurança, a direção recorre, quase sempre,

a três modos principais para operar a formalização das práticas:

O primeiro é a adoção de uma política formal, escrita e anunciada de segurança.

Trata-se de um documento breve no qual a direção enuncia as orientações e os princípios

que ela se propõe implementar em matéria de segurança industrial e do trabalho.

O segundo meio consiste em dotar a empresa de um Sistema de Gerenciamento de

Segurança (SGS). UM SGS é, de fato, um manual de gestão, que precisa as atividades

de gerenciamento da segurança a serem efetuadas, em que frequência, por quem e

como. É um meio que visa, ao mesmo tempo, desenvolver novas práticas (por exemplo,

atividades visíveis de leadership dos quadros superiores) e a padronizar aquelas que

existem, especialmente as da linha hierárquica, cujos diferentes níveis têm a responsabilidade

de vários elementos do SGS.

Enfim, o terceiro meio é a criação ou o reforço da função segurança para aconselhar a

direção geral e o conselho de administração, a formar e ajudar os atores a se apropriarem

dos padrões de atividades e métodos dos quais eles são responsáveis, organizar e

conduzir auditorias internas e/ou externas do SGS etc.

Além disso, a formalização dos aspectos da segurança nas práticas de trabalho dos operadores

é, muitas vezes, favorecida pelo SGS.

O SGS ajuda na formalização de tarefas críticas

A maior parte dos SGS prescrevem fazer a análise da segurança de tarefas, prioritariamente

aquelas que são críticas ou importantes para a segurança, e estabelecer os procedimentos

e as instruções de prevenção detalhadas aplicáveis a essas tarefas. Esses procedimentos

servem, também, para levar os operadores a uma execução mais rigorosa e padronizada.

Do mesmo modo, a observação de tarefas ou as visitas hierárquicas de segurança são muitas

vezes recomendadas pelo SGS: elas consistem, em grande parte, em controlar a sequência

dos procedimentos de segurança e discutir com os operadores os problemas de aplicação

a fim de diminuir a frequência e a gravidade de acidentes que resultam do não respeito aos

procedimentos.

Embora a formalização anteriormente descrita possa, às vezes, ter efeitos perversos, ela apresenta,

também, efeitos positivos.

b/ Os benefícios

Para começar, o lançamento e a implementação de um processo de formalização de práticas de

gerenciamento necessitam que a direção e os quadros superiores se envolvam com a segurança

muito mais ativamente e visivelmente que antes. Dizendo de outra maneira, isso exige que eles

exerçam um leadership mais afirmativo que, se mantido, é uma força positiva de mudança na

mentalidade e nas práticas do restante de estrutura de gerenciamento e também dos assalariados.

Além disso, o desenvolvimento de um SGS, a formação apropriada dos gerentes, a avaliação

fechada da performance individual das atividades, a sustentação da função segurança, tudo isso

contribui para criar, com solidez, maneiras comuns de pensar (referencial, por exemplo) e de

agir em segurança. Logo, isso ocasiona uma maior coesão e unidade de ação da hierarquia que

antes, o que diminui o risco de enfraquecimento no dispositivo de gerenciamento da segurança.

Quanto à formalização da segurança dos procedimentos de trabalho, ela é muito útil se tem

como alvo as tarefas de risco de acidente grave e se é feita em comum com os operadores

envolvidos. Ela permite, então, desenvolver percepções comuns de riscos em discussão, assim

como maneiras de trabalhar que são compartilhadas, portanto previsíveis e aprovadas quanto à

sua eficácia para dominar os riscos. Em resumo, ela revigora o espírito e o trabalho em equipe,

assim como a vigilância compartilhada no centro dos coletivos de trabalho. Ele permite,

também, melhorar a formação de novos operadores e facilita sua aprendizagem e a integração

na equipe.

Numerosas observações tendem a mostrar que, quando ela é implantada com seriedade,

constância e perseverança e que o contexto de relações sociais é, de preferência, cooperativo,

essa cultura gerencial da segurança chega a suscitar a colaboração de setores mais interessados

Implicação mais

permanente dos

gerentes.

Criação de

um referencial

comum e de

uma coesão da

hierarquia.

Práticas

compartilhadas.

99


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

da hierarquia e igualmente dos operadores. Isso favorece uma diminuição considerável das

taxas de acidente. Mas em muitas empresas, nota-se, após certo tempo, uma estabilidade na

melhora dos resultados e infelizmente também, por vezes, a ocorrência de acidentes graves,

até mesmo catastróficos, dos quais se pensava ter dominado os riscos. Daí a importância de

igualmente tomar consciência de certos limites, fraquezas ou descaminhos dessa cultura. Eis

aqui alguns.

c/ Os limites

A ilusão do controle dos riscos

O caso do acidente da usina de gás natural da companhia ESSO em Longford, na Austrália,

ilustra infelizmente o limite de uma cultura gerencial eficiente em termos de melhoria dos

resultados de segurança, mas demasiadamente focalizada em acidentes sem gravidade.

O acidente de Longford

No dia 25 de setembro de 1998, uma grande explosão, seguida de um incêndio, aconteceu

na usina ocasionando a morte de dois operadores e ferindo gravemente outros oito. Além

disso, o acidente provoca o fechamento da usina que é o primeiro fornecedor de gás natural

do estado de Vitória, privando assim de gás, durante vinte dias, uma larga clientela de

empresas e particulares, causando-lhes perdas ou prejuízos econômicos, justificando as

demandas de compensação de muitas centenas de milhões. A comissão pública de investigação

concluiu pela inteira responsabilidade da empresa no acidente. Ela, com efeito, revela

não somente defeitos de projeto da instalação, mas igualmente o efeito perverso de uma

“cultura de segurança” demasiadamente orientada para a melhoria da taxa de frequência

pela prevenção de acidentes leves em detrimento de um cuidado prioritário para identificar

e dominar os riscos maiores da instalação. De fato, a usina seguia, há muitos anos, um

vigoroso programa de gerenciamento técnico e comportamental em segurança de trabalho

que lhe havia permitido atingir acidente ZERO, mas a enquete mostrou que os esforços de

segurança industrial eram nitidamente menos intensos.

Esse caso ilustra um duplo fenômeno muito frequente nos indivíduos, do mesmo modo que nos

grupos e nas organizações, a saber, a ilusão de controle e o viés do otimismo.

Ilusão de controle, viés do otimismo

Definição

A ilusão de controle é a tendência a superestimar suas capacidades de dominar os acontecimentos,

ao passo que o viés do otimismo é a tendência a subestimar os riscos e, notadamente,

a gravidade das consequências, de acontecimentos que podem acontecer.

A ilusão do

controle alimenta

o viés do

otimismo.

A cultura gerencial de segurança é propícia a esse duplo fenômeno porque ela valoriza a performance

e, portanto, os seus indicadores. Entretanto, em segurança há um risco de simplificação

porque o indicador de performance mais utilizado é a taxa de frequência de acidentes.

Entretanto, esse último é constituído quase que exclusivamente de acidentes leves que são mais

frequentes. Em consequência disso, esse indicador não reflete corretamente o domínio dos

riscos tecnológicos, e poucas empresas fazem esforço de desenvolver, utilizar, seguir e reagir

a indicadores específicos ao domínio desses riscos menos frequentes, mas nitidamente mais

graves. O risco real, portanto, é que, quando os esforços para melhorar a taxa de frequência

parecem gerar seus frutos, o indicador se aproxima ou mesmo atinge ZERO Acidente, a hierarquia

passe a crer que ela controla enfim os riscos de acidente: é a ilusão do controle. Por sua vez,

essa ilusão nutre o viés do otimismo.

O viés do otimismo

Na usina de Longford, um incidente semelhante àquele que provocou a explosão havia

acontecido algumas semanas antes, e os operadores o relataram aos supervisores. Entretanto,

estes tinham minimizado o potencial do incidente e não informaram a hierarquia superior.

Outro caso que ilustra o viés do otimismo é a tendência de rejeitar o limite do “risco administrável”

porque se pensa que a performance passada do SGS mostra que ele é cada vez mais

vigoroso, em uma palavra capaz de gerir riscos maiores. Essa tendência existe nos trabalhos

maiores de manutenção de equipamentos em funcionamento a fim de reduzir as paradas e as

perdas de produção.

100


10.3 A cultura gerencial de segurança

Para reduzir a probabilidade de serem vítimas desse duplo fenômeno, algumas empresas muito

eficazes no controle de riscos graves cultivam o pessimismo de preferência a deixar vencer a

tendência “natural” do otimismo. Elas recompensam os assalariados e os superiores que identificam

falhas no sistema e desenvolvem indicadores de performance específicos para o controle

de riscos tecnológicos.

A normalização do desvio

A normalização do desvio acontece quando a transgressão de regras importantes de segurança

é não somente amplamente conhecida, mas também tolerada e aceita pelos pares e pela hierarquia

como um comportamento normal ou aceitável tendo em vista as circunstâncias.

O caso da Challenger

A análise do acidente da nave espacial Challenger em 1986 revelou que praticamente todos

os atores implicados no processo de decisão da decolagem não tinham respeitado a norma

de avaliação de risco aceitável da NASA, avaliação cujos resultados autorizam ou não o

lançamento. A análise mostrou, também, que essa tendência à transgressão dessa norma

e de muitas outras se desenvolveu, sobretudo desde que o Congresso, muitos anos antes,

havia reduzido o financiamento público do programa de naves. Em consequência disso,

esse programa deveria, em grande parte, se autofinanciar graças a um ritmo sustentado de

voos comerciais.

Diversos fatores podem favorecer uma normalização do desvio. O exemplo do Challenger

ilustra um: aquele de uma tensão importante entre as pressões econômicas e as exigências de

segurança. Os atores “administram” essa tensão, desviando-se regularmente de certas normas

de segurança, porque eles estimam ou se dizem que sua aplicação rigorosa seria nefasta para a

performance econômica da empresa. Nesse tipo de situação, é a direção geral que pode agir a

fim de prevenir esse desvio de diversos atores. Assim, ela tem a possibilidade de, inicialmente,

buscar os meios de ser informada sobre os casos de tensão que impactam negativamente a segurança,

depois integrar bem a segurança à gestão de prioridades e, finalmente, de implementar

um protocolo de gestão de exceções.

Outro fator favorece o desvio e sua normalização: quando as regras e os procedimentos formais

de segurança são estabelecidos sem consulta suficiente aos usuários. Essa falta de diálogo traz,

muitas vezes, problemas de aplicação e, se não houver mecanismo eficaz para fazer superar os

problemas e corrigir os defeitos iniciais, é provável que os supervisores e operadores achem

“normal” transgredir essas regras para continuar a fazer o trabalho. Esse fator existe também no

nível da hierarquia, quando o SGS é implantado sem uma verdadeira consulta aos interessados.

Os supervisores, por exemplo, julgam que a carga adicional de trabalho vinculada à realização

das atividades de gestão previstas é substancial, mas eles não podem discutir sobre isso com os

patamares superiores ou esses últimos respondem simplesmente que eles devem agir de modo

a integrar a gestão da segurança à sua gestão operacional diária. Dois cenários de desvio são

então frequentes: ou certas atividades simplesmente não são realizadas, por exemplo, quando o

controle das realizações é fraco, ou certas atividades são efetuadas para atingir a quota imposta,

por exemplo, no caso de reuniões mensais de segurança, observações de tarefas ou inspeções

planejadas.

O desvio normalizado é também quase assegurado quando os procedimentos existentes de

segurança não são revistos e atualizados regularmente, de modo que aumenta o afastamento

entre as normas e a realidade das práticas que evolui. Algumas empresas têm, também, a

tendência de abusar do poder de regulamentação interna e a usar de tal modo dos procedimentos

que se torna quase impossível para um operador aprendê-las em sua totalidade e ainda

menos controlá-las e aplicá-las. Às vezes, os dois problemas se somam, criando-se, então, um

ambiente normativo desordenado.

Enfim, um clima social tenso nas unidades de produção é propício ao desvio normalizado ou

pelo menos tolerado. Enquetes mostram que esse clima leva os supervisores a não insistirem

junto a seus empregados para que eles apliquem rigorosamente os procedimentos de segurança

onerosas em tempo ou em esforços, a fim de não descontentá-los e conservar sua cooperação

para o alcance dos objetivos de produção. Em resumo: os supervisores agem conforme o ditado:

“Entre dois males, escolhe-se o menor”, isto é, entre um desvio tolerado, que pode aumentar a

probabilidade de acidente ou a quase certeza de uma diminuição de produção, os supervisores

escolhem o primeiro termo da equação que lhes parece um mal menor, tendo em vista que o

acidente pode não ocorrer.

Tensão entre

interesses

econômicos e

de segurança.

Ausência

de consulta

quando do

estabelecimento

de regras.

Atualização

irregular de

procedimentos.

Acumulação de

procedimentos.

Tensões sociais.

101


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

10.4 A cultura integrada da segurança

Esse tipo de cultura – a cultura integrada – corresponde a uma situação em que o gerenciamento

continua a assumir o leadership da ação em matéria de segurança, desenvolvendo diversas práticas

para favorecer uma forte implicação dos operadores em muitas atividades de gerenciamento

da segurança e na aplicação rigorosa de medidas de segurança.

Os limites e as fraquezas da cultura gerencial da segurança, a complexidade e o perigo crescentes

de alguns sistemas sociotécnicos, as estratégias de negócios de algumas empresas são

fatores contextuais que empurram, cada vez mais, as organizações a evoluir em direção a uma

cultura integrada de segurança. Um número ainda limitado, contudo muito considerável de

estudos, permite documentar casos reais de organizações que têm esse tipo de cultura, assim

como suas práticas comuns.

Para ficar coerente com a definição dada anteriormente, podem ser apresentadas algumas de

suas práticas, seja relacionada ao tema do leardership do gerenciamento, seja aquela da participação

dos operadores. Esses dois temas permitem caracterizar o perfil e a dinâmica dos dois

atores-chave que são os artesãos dessa cultura.

a/ O leadership segurança do gerenciamento

Na cultura gerencial, o leadership do gerenciamento é, em matéria de segurança, em geral bastante

diretivo/descendente (top down). Ele se exerce dos gerentes aos operadores de produção,

mas igualmente no centro mesmo da estrutura de gerenciamento (da direção à hierarquia

intermediária e dessa em direção ao nível de supervisão). Concretamente, as equipes operacionais

(supervisores e operadores) devem trabalhar conforme diretrizes, regras, procedimentos

e instruções, para os quais eles pouco ou nada contribuíram no elaborar ou decidir. Esse estilo

de leadership pode ser eficaz para impulsionar rapidamente uma mudança de abordagem de

segurança nas organizações de tipo hierárquico. Mas, em um período mais longo, seu ponto

fraco é que o gerenciamento superior e intermediário se priva de muitos dos conhecimentos

sobre as realidades do campo. Ora, esses conhecimentos são essenciais para estabelecer e manter

medidas de segurança (técnicas ou de procedimento) plenamente eficazes e, desse modo, assegurar

um nível muito alto de controle de riscos, especialmente tecnológicos).

A cultura integrada da segurança evita esse ponto fraco graças a uma evolução do gerenciamento

em direção a um leadership de segurança, que se exerce, ao mesmo tempo, de modo

diretivo e participativo/ascendente (bottom up). Pode-se descrever o tipo desse leadership

diretivo-participativo acentuando algumas maneiras de pensar e de agir que o caracterizam.

As maneiras de pensar

Entre os modos de pensar típicos do leadership diretivo/participativo, algumas crenças ou

convicções são importantes.

Uma primeira convicção é que, nas indústrias de processo em particular, a tecnologia

não é jamais plenamente controlada e pode sempre reservar más surpresas. Isso

conduz a práticas, ao mesmo tempo diretivas e participativas, para se opor à ilusão de

controle e ao viés do otimismo e manter um alto nível de vigilância da hierarquia e do

assalariados.

Manter a vigilância

... organizando a caça às anomalias, o levantamento e a análise de incidentes, a presença no

campo...

Essa convicção leva a uma outra, a de que o controle de riscos não é jamais perfeito e

que tornar confiável um sistema é um processo de melhoria contínua que deve ser

administrado como tal.

Lógica do processo contínuo

Os padrões ou procedimentos operacionais e de segurança são, por definição, perfectíveis

e evolutivos, sendo preciso que as práticas de gerenciamento mantenham e favoreçam sua

melhora contínua.

102


10.4 A cultura integrada da segurança

Enfim, última convicção: a colaboração de dois atores (hierarquia e operadores) é

a chave para que esse processo de aperfeiçoamento contínuo produza os ganhos de

eficácia em segurança e confiabilidade exigidos para prevenir todo acidente industrial

grave e mesmo chegar a Zero Acidente de trabalho. Os atores têm funções e conhecimentos

que são diferentes, portanto limitados, mas complementares e essenciais para

assegurar o controle de riscos. As partes têm, então, um interesse mútuo em favorecer

essa colaboração. Entretanto, é a hierarquia que tem o poder de mudar as regras do

jogo para desenvolver essa colaboração. Daí a importância de adotar um novo estilo

de leadership ao mesmo tempo diretivo e participativo.

E as ações que resultam disso

Algumas maneiras de agir decorrem de seus princípios. Dentre elas, muitas são documentadas

por numerosos estudos feitos nos Estados Unidos e no Canadá, na Europa e na Ásia (Japão e

Austrália) e em diferentes setores de atividades (nuclear, aviação civil, química, petróleo e gás,

petroquímica, metalurgia, fabricação de automóveis e de outros equipamentos, hospitais). Disso

resulta que o leadership de segurança típica de uma cultura integrada é exercido, geralmente,

por práticas de gerenciamento sobre os seguintes pontos:

A atribuição de um status muito elevado acordado à segurança nos valores e nas

prioridades afixadas pela empresa.

A segurança como valor

A segurança é colocada entre os três ou quatro valores fundamentais, isto é, aqueles

que caracterizam intrinsecamente o modo de operar os negócios e o trabalho na

empresa. Ela pode, ainda, ser vista como prioridade preponderante, como nesse slogan

de uma grande empresa canadense: “Nenhum trabalho tem uma importância ou

urgência que justifique não fazê-lo em segurança”.

A exemplaridade do leadership

Reforçar a exemplaridade na aplicação da política de segurança, na arbitragem das

situações em que a segurança poderia ser comprometida pela busca de outros objetivos,

no cuidado de fornecer aos operadores os meios de aplicar as regras e os procedimentos

de segurança, na implementação de meios privilegiados para suscitar a

participação dos colaboradores (hierarquia ou assalariados).

A exemplaridade para o leadership diretivo é essencial, a fim de construir a credibilidade da

administração, a qual é necessária para convencer os operadores de participar e, assim, poder

desenvolver um leadership participativo importante.

Ilustração no transporte de combustível

Por exemplo, no comércio de entrega por caminhão do combustível doméstico na

França, algumas empresas têm agora, como política de segurança, interromper o

fornecimento a um cliente, cuja instalação apresenta um risco elevado para funcionar

e que se recusa a modificá-la para melhorar a sua segurança.

A implementação de meios para suscitar a participação dos operadores.

Um eixo de práticas muito valorizado é o reforço da presença da gerência operacional e de

proximidade no campo ao lado dos operadores. Isso permite observar a conduta das operações

ou tarefas efetuadas, informar-se sobre as dificuldades encontradas, suscitar o levantamento

de anomalias e desvios de funcionamento, estimular a vigilância dos riscos, dialogar com os

operadores e escutá-los. As modalidades de presença são variáveis (solo, duo, formal, informal,

duração, frequência...). Outro eixo igualmente usual favorece os meios de acrescentar a detecção

e o reporting de riscos. Esses meios variam (por exemplo, caça às anomalias, campanha de

identificação e avaliação de riscos-alvos, detecção de sinais fracos etc.), mas os ingredientes

do sucesso podem torná-lo uma atividade valorizada e organizada, formar os operadores para

sua realização, anunciar um processo de acompanhamento dos levantamentos e comunicar

seus resultados. Um terceiro eixo diz respeito à participação dos operadores nos processos de

Reforçar a

presença da

hierarquia no

campo.

Valorizar o

retorno de

informação.

103


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Favorecer a

participação dos

operadores na

elaboração de

regras.

melhoria contínua das regras e procedimentos de segurança e operacionais: elaboração inicial,

validação, revisão. Aqui também a organização da participação é importante (por exemplo,

grupos de trabalho, tarefas e procedimentos-alvo, métodos etc.), mas ela deve prever meios para

envolver, em diferentes etapas dos processos, os coletivos ou equipes de trabalho interessados.

A implementação de meios para reforçar a aplicação rigorosa de regras e procedimentos.

A participação de operadores na melhoria das regras e procedimentos visa não somente favorecer

a aplicabilidade delas, mas concorre, também, para desenvolver sua apropriação pelos

operadores. Isso aumenta sua motivação intrínseca a aplicá-las, com o suporte e a ajuda da

equipe. Em consequência disso, quando o plano participativo é bem feito, ele contribui para

reforçar o rigor da aplicação. O mesmo vale para a presença da hierarquia no campo já descrita

como prática de leadership participativo, mas que deve também ser utilizada para fazer algumas

verificações de conformidade de aplicação de procedimentos pela hierarquia (por exemplo,

observação de tarefas) completados por um diálogo de segurança positivo, favorecendo certas

melhorias.

b/ A implicação dos operadores

Na sua base, a implicação dos operadores de segurança se manifesta, geralmente, sob duas

formas: o fato de se conformar, aplicando regras de segurança estabelecidas e o fato de tomar

iniciativas para sua segurança e a de outros. Nesse sentido, os operadores participam, à sua

maneira, do acoplamento dinâmico entre a segurança normatizada e de segurança em ação,

presente em toda empresa de risco.

Na cultura gerencial de segurança, essas duas modalidades de implicação de operadores são,

muitas vezes, dissociadas. Antes de mais nada, o gerenciamento procura a conformidade, não

se interessando, ou até mesmo desencoraja, a capacidade de iniciativa dos operadores. Assim,

o nível de iniciativas direcionadas para a hierarquia, (por exemplo, reporting, sugestões de

segurança, participação em atividades de prevenção) é muito fraco. A direção lamenta, às vezes,

essa fraca participação, mas, na realidade, pouco faz para valorizá-la e organizá-la.

A iniciativa

reforça a

conformidade.

Na cultura integrada de segurança, a orientação do gerenciamento consiste, ao contrário, em

estimular e canalizar a capacidade de iniciativa dos operadores como alavanca para aumentar

seu nível de conformidade às regras. Com efeito, graças aos meios como aqueles indicados

anteriormente, o gerenciamento favorece uma participação dos operadores (iniciativas), que

permite melhorar continuamente a aplicabilidade e a apropriação das regras por esses últimos.

Isso aumenta sua propensão a se conformar com as regras que se tornam suas. Em geral, os operadores

são muito mais motivados por essa abordagem do que pela da cultura gerencial. Com

efeito, ela responde não só à sua necessidade de segurança, mas também a outras necessidades

de nível superior, como aquelas de reconhecimento e de apreciação pela hierarquia, de participação

nas decisões, de aquisição de novas competências, que contribuem para a satisfação e

para a cooperação no trabalho.

É por isso que o envolvimento nessas duas modalidades é geralmente mais elevado numa

cultura integrada de segurança que numa cultura gerencial.

104


Bibliografia

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105



11

Os pontos-chave FHOS da política

de segurança industrial

Neste último capítulo, nós apresentamos os pontos-chave da ação na empresa em matéria de

Fatores Humanos Organizacionais de Segurança Industrial. Os grandes interesses e áreas de

uma política FHOS são, aqui, descritos.

Os métodos e as ferramentas que podem ser implementados para cada uma dessas áreas e os

indicadores correspondentes são ou serão objeto de outros guias de I’ICSI ou da FonCSI.

11.1 Segurança industrial, segurança de trabalho: duas áreas complementares

A direção geral afirma seus objetivos de segurança em duas áreas complementares e articuladas,

mas distintas:

A prevenção dos riscos tecnológicos.

A prevenção de acidentes do trabalho.

Existe, aliás, uma separação legal de fato entre essas duas áreas complementares, para as quais

as autoridades de controle não são as mesmas.

A avaliação da política de segurança de uma unidade produtiva não é baseada somente nas taxas

de frequência de acidentes (TRIR 25 ou TF 26 ), mas em um conjunto de dimensões apresentadas

abaixo.

A vontade mostrada de prevenir os riscos tecnológicos pode permitir a obtenção de um forte

consenso na empresa.

11.2 O reconhecimento do papel do ser humano

A direção geral:

Mostra uma visão da contribuição humana para a segurança industrial;

Afirma a necessidade de favorecê-la por meio de condições técnicas e organizacionais

adequadas;

Identifica a responsabilidade do gerenciamento no campo da segurança industrial;

E reconhece que nenhum nível da empresa dispõe sozinho de todos os conhecimentos

e informações necessárias à segurança.

25

Total recordable injury rate (ou taxa total de lesões registradas) é o equivalente à taxa de frequência.

26

Taxa de frequência = número de acidentes de trabalho com perda de tempo por um milhão de horas trabalhadas.

107


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

Ela constrói a política de segurança industrial com base na articulação equilibrada de duas

dinâmicas:

Uma dinâmica descendente (top down) de orientação da ação, de definição de objetivos

e alocação de recursos;

Uma dinâmica ascendente (bottom up) de retorno de informação proveniente da realidade

do campo, que vem irrigar a política de segurança industrial: REX em relação aos

incidentes e acidentes, alerta relacionado às ações de risco e às regras difíceis de aplicar,

contradições organizacionais, etc.

Esse retorno de informação é organizado ao mesmo tempo:

Na vida rotineira;

Por ocasião de incidentes ou de acidentes;

Por diagnósticos periódicos.

A política da

segurança industrial

Estratégia da empresa

Restrições externas

Conhecimentos especializados

Orientação da ação

Objetivos

Alocação de recursos

Retorno da experiência

Relatórios

Alertas, sugestões

A realidade do campo

Performance e custo humano

Conformidade e iniciativas

Saberes dos ofícios

Figura 29: Articulação da informação descendente e ascendente

a/ A abordagem FHOS é considerada em todas as áreas

Os Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial não compõem uma área particular,

que poderia ser considerada tão somente pela direção da segurança. Da mesma maneira

que a segurança em geral, trata-se de uma dimensão de cada uma das políticas da empresa.

GRH

Relações sociais

Concepção

técnica,

projetos e

mudanças

Condução das

mudanças

organizacionais

FHOS

Compras

SMS, regras e

procedimentos

Estilo de

gerenciamento

Política industrial

de terceirização

Figura 30: Áreas relacionadas com os FHOS 27

27

Os componentes de um “estilo de gerenciamento” favorável à implementação dos FHOS serão definidos na seção

abaixo.

108


11.3 O leadership da segurança do gerenciamento

Isso supõe que o conjunto dos membros do Comitê de direção seja formado de acordo com os

interesses da implementação dos Fatores Humanos, e até mesmo que as mulheres e os homens

que o compõem sejam escolhidos também em função de sua sensibilidade nessa área.

As ações seguintes detalham as condições da implementação dos FHOS em diferentes campos.

b/ A integração do FHOS nas relações com as autoridades de controle

As indústrias classificadas Seveso, nucleares e de transporte têm de prestar contas a uma autoridade

de controle em matéria de segurança industrial. As diversas autoridades de controle

estão, atualmente, em diferentes fases em matéria de implementação das FHOS, e algumas

contam com experts nessa área. Mesmo quando a autoridade de controle não o exija, é útil que

a empresa valorize e lhe mostre as diligências que ela implementa nos domínios dos Fatores

Humanos e Organizacionais.

c/ A convergência dos sinais emitidos

O desenvolvimento de uma cultura de segurança repousa não somente sobre uma organização e

as interações entre atores facilitando a aprendizagem, mas também sobre a experiência repetida

de comportamentos convergentes: os diferentes sinais (mensagens, formas de escuta e REX,

decisões, alocação de recursos), emitidos pela direção e a hierarquia em todos os níveis vão num

mesmo sentido (na mesma direção). É isso que dá sentido (significação) à política de segurança

industrial.

Ora, a convergência de sinais jamais é espontânea e a empresa deve conciliar os interesses

parcialmente contraditórios: produtividade, qualidade, segurança. A cultura da segurança supõe

que as contradições possam ser enunciadas e debatidas e que as arbitragens sejam explícitas e

periodicamente reexaminadas.

Essa convergência deve acontecer não somente nas grandes orientações, mas no detalhe da vida

quotidiana. Os dirigentes e a hierarquia aplicam a si mesmos as regras que eles definem para

os outros.

Uma dissonância entre as mensagens oficiais e as decisões do dia a dia coloca em xeque o

próprio sentido da política de segurança. Ela abre a porta à ideia do que cada um pode dar um

jeito nas orientações de segurança e fazer arranjos locais e não discutidos.

11.3 O leadership da segurança do gerenciamento

Cada gerente (em nível de direção, gerência de serviços, chefia de proximidade) tem um papel

essencial na articulação das dinâmicas descendente e ascendente da segurança industrial, como

indicado no capítulo 9.

Negociação de

objetivos e de recursos

Orientação da ação

Objetivos

Alocação de recursos

Tradução

Declinação

Priorização

Gerente

Tradução

Síntese

Antecipação

Retorno de experiência

Relatórios

Alertas

Sugestões

Compatibilização

Animação

Arbitragem

Cada gerente contribui, em seu nível, para a articulação entre a segurança normatizada (definição

descendente da regra) e a segurança em ação (que leva em consideração as especificidades

locais).

O “leardership segurança” 28 do gerenciamento comporta, sobretudo, os seguintes aspectos:

A expressão de uma visão da segurança, compatível, ao mesmo tempo, com a política

da empresa e com as especificidades do departamento.

28

Ver grupo de trabalho Leardership in safety do I’ICSI (2010), Leardership en sécurité: praticques industrielles. Numéro

2010-1 des Cahiers de Sécurité Industriel, Institut pour une Culture de Sécurité Industrielle, Toulouse, France (ISSN

2100 -3874)

109


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

A negociação com superiores hierárquicos dos meios necessários à realização das

operações de segurança.

O fato de compartilhar essa visão da segurança, articulando orientações descendentes

e o retorno da experiência em um clima de escuta e de confiança:

A difusão / tradução de regras de segurança, o controle de sua aplicação, a

organização e a animação dos debates em torno da formulação de regras e de

sua implementação, a priorização dos objetivos, a arbitragem das contradições.

A exigência de uma formação de segurança pertinente para todos os atores;

A organização e a transmissão do retorno da experiência (sobretudo a análise

dos incidentes e acidentes).

A organização da identificação de situações de risco, inclusive dos sinais

fracos.

O fato de integrar a segurança em todas as dimensões da condução do serviço ou de

equipe.

O fato de favorecer o envolvimento de todos por meio da atividade de dinâmicas

coletivas em torno da segurança:

Considerando as habilidades e as culturas do ofício.

Favorecendo a articulação mais aproximada do campo entre (elementos)

funcionais e operacionais da segurança.

Dando todo seu lugar às instâncias representativas do pessoal.

A exemplaridade em matéria de segurança:

O respeito pelo próprio gerente às regras das quais ele é o guardião, inclusive

nas ocasiões perturbadas.

A evocação da dimensão segurança por ocasião das arbitragens vinculando

objetivos e recursos.

A possibilidade de reconsiderar as decisões se o contexto exige isso.

A presença no campo, a atenção às dificuldades encontradas pelos trabalhadores na

execução das tarefas e ao custo humano da performance:

A presença no campo passa, ao mesmo tempo, pelas visitas hierárquicas de

segurança.

E por uma atenção mais quotidiana para as dificuldades encontradas pelos

operadores da produção.

A gestão local dos recursos humanos, materiais e financeiros, a atenção aos sinais

relacionados ao estado da saúde dos indivíduos e dos coletivos, a antecipação dos

componentes da equipe (gestão previsível das idades e das competências), a organização

do desenvolvimento das competências.

O reconhecimento das boas práticas, das ações de operação que contribuíram para

evitar um acidente.

E uma medida imparcial e transparente vis-à-vis dos comportamentos não desejáveis:

110

Nada da alusão imediata a um “erro humano” antes da compreensão aprofundada

do contexto (ver capítulo 7).

E uma implementação de uma tentativa de análise antes de qualquer sanção

(ver capítulo 7.5).


11.4 Política social e instâncias representativas do pessoal

O dever de alerta direcionado à hierarquia do nível superior quando a segurança se

mostra fragilizada.

Cada gerente tem o direito de esperar de sua hierarquia a mesma atenção que lhe é pedida em

relação à sua equipe. A ideia de que um “bom gerente” é alguém que não tem (ou que não relata)

problema é contrária a uma cultura de segurança positiva.

11.4 A participação do pessoal

O pessoal está associado:

Ao retorno da experiência sobre a segurança do dia a dia e no momento de incidentes;

À formalização de instruções para as operações que lhe dizem respeito;

À avaliação das soluções propostas pelos engenheiros quando há projetos de trabalhos

novos ou modificações importantes (ver seção 11.7);

À avaliação de efeitos das transformações organizacionais sobre a segurança.

As iniciativas individuais e coletivas de segurança são favorecidas de forma explícita.

As dificuldades mencionadas pelo pessoal e as sugestões emitidas se tornam o objeto de uma

avaliação, de uma resposta (positiva ou negativa) e de um registro.

11.5 Política social e instâncias representativas do pessoal

As instâncias representativas do pessoal são parceiras da direção em matéria de segurança

industrial. Isso é evidente para o CHSCT, em razão de sua missão, mas também é válido para

o CE (Comitê de Empresa), que pode desenvolver relações entre as orientações econômicas, os

projetos, a organização, a evolução da população de trabalhadores e a segurança, e para o DP

(Departamento Pessoal), que pode alertar, sobretudo, sobre os prejuízos à saúde das pessoas e

dos coletivos que fragilizam a organização.

As dinâmicas que visam favorecer a implicação de todo o pessoal são credíveis somente se

aceitas e apoiadas pelas instâncias representativas.

Comportamento em espelho

Assiste-se, muitas vezes, a comportamentos em espelho entre os representantes da direção

e os representantes dos assalariados no que diz respeito à segurança:

Vontade compartilhada de fazer avançar a segurança de maneira construtiva.

Ou encadeamento de denúncias reivindicativas e de recusas categóricas.

Não é interessante, no segundo caso, procurar qual é o ovo, qual é a galinha. Uma

modificação nas ações é que fará evoluir as relações e não o contrário.

Os representantes do pessoal e os representantes da direção compartilham o fato de que a legitimidade

de sua função ou mandato não implica, automaticamente, um conhecimento detalhado

da realidade das situações de que se trata. A humildade que consiste em instruir o problema,

indo ver e escutar o que se passa efetivamente no campo, é uma ferramenta de trabalho útil para

todas as partes.

A direção da empresa não pode, evidentemente, determinar as posições dos representantes do

pessoal e das organizações sindicais. Ela pode favorecer as negociações construtivas em torno

da segurança, sustentando a participação dos representantes do pessoal em formações sobre os

FHOS, dando meios para uma verdadeira presença dos representantes do CHSCT no campo,

respondendo precisamente às questões levantadas, associando as instâncias representativas aos

contatos com a autoridade e fornecendo uma informação completa sobre as evoluções técnicas

e organizacionais previstas.

111


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

11.6 A gestão de recursos humanos

A Direção de Recursos Humanos anima a reflexão a respeito da população de trabalhadores

e sua evolução. Ela antecipa as questões vinculadas à gestão das idades por setor, por estabelecimento,

por departamento e por ofício, à transmissão das habilidades e à construção das

competências. Ela contribuiu para a consideração dessas preocupações em todos os níveis da

hierarquia.

Em conexão com o departamento de saúde no trabalho e o serviço social, ela coleta e trata as

informações não confidenciais sobre o estado de saúde dos agentes (sobretudo o absenteísmo)

e dos coletivos (tensões, conflitos). Ela percebe os “sinais fracos” susceptíveis de testemunhar

uma fragilização da segurança, alerta e elabora uma resposta com o respectivo gerente. Ela zela

pela prevenção da exclusão, por restrição médica de aptidão, dos operadores portadores de

conhecimentos úteis à segurança.

Ela apoia os gerentes na sua gestão local de recursos humanos (ver seções 11.3 acima) e mais

geralmente no exercício de suas missões.

Ela está presente nos projetos de investimentos e de reorganização para trazer e discutir particularmente

essas questões.

Ela contribui para favorecer as abordagens da segurança implicando o pessoal.

Ela favorece a implementação dos FHOS pela política de formação de operadores e de gestores.

Ela contribui para o reconhecimento do papel dos ofícios na segurança industrial.

Ela favorece o diálogo social em torno das questões da segurança. Ela favorece as ações de

desenvolvimento da cultura de segurança e a participação do pessoal.

11.7 A concepção das novas instalações e modificações

Por ocasião de todo projeto de novas instalações ou de modificação importante, a dimensão

FHOS é considerada.

Uma gestão de contratos (Maîtrise d’ouvrage), representando a produção, a manutenção, os

Recursos Humanos, a qualidade, o ambiente, a segurança, etc., é instituída com um responsável

identificado (por exemplo, o diretor da unidade). Ela define os objetivos da produção, vela

pela compatibilidade dos objetivos e das soluções nos domínios técnico, organizacional, de

formação, da gestão do start-up.

A empresa de projetos (Maîtrise d’oeuvre, ou engenharia), encarregada da definição de soluções,

interage regularmente, ao longo do projeto, com o representante da contratante e integra, a

partir dos estudos preliminares e ao longo do projeto, os impactos sócio-organizacionais e

humanos das soluções estudadas.

As instâncias representativas do pessoal são informadas do projeto nas fases iniciais da concepção.

O projeto dá lugar à análise da atividade pelo menos em dois tipos de situação de referência:

Situação atual que deve ser ampliada, mudada, modernizada.

Situação apresentando certas características de novos processos previstos (unidade

produtiva piloto, outro unidade produtiva).

As tarefas críticas e as formas de variabilidade são analisadas nessas situações por meio de

observações, entrevistas e análise de documentos.

A identificação de perigos e a análise de riscos integram as variabilidades de condições de produção

assim detectadas. As interações com o conjunto das partes interessadas (representantes

eleitos, administração, associações de ribeirinhos) são integradas, é claro, à gestão do projeto.

112


11.8 As compras

Essas análises do existente servem, em seguida, para definir cenários de simulação de uso da

nova instalação. As simulações dizem respeito não só às situações normais de produção, mas

também às atividades de abastecimento, de manutenção, de limpeza, de gestão de incidentes,

etc.

As simulações permitem avaliar:

A adaptação dos novos meios de trabalho do ponto de vista de dimensões, de acessibilidade,

de esforços, de postura, da apresentação da informação, do controle das ações

efetuadas...

As dificuldades de realização de algumas tarefas, os riscos de acidente, a necessidade

de ferramentas, procedimentos, planos de formação específicos.

As modificações necessárias são levadas ao estágio de estudos, sem esperar o início da produção.

O pessoal das instalações em questão (ou uma parte) é associado à análise das situações

existentes e às simulações de novos processos. A formação necessária à condução das novas

instalações é feita o mais cedo possível para favorecer essa participação.

O start-up dá lugar a uma avaliação FHOS (sobretudo as dificuldades encontradas) e, eventualmente,

a medidas corretivas. Uma nova avaliação é feita três ou seis meses depois da partida.

11.8 As compras

Para os produtos, materiais e equipamentos, que comportam questões de segurança, o caderno

de encargos traz uma rubrica “Fatores Humanos” ou “Ergonomia” redigida pelo contratante, às

vezes com um apoio FHOS. Esses critérios são considerados pelo setor de Compras na identificação

do fornecedor.

Por exemplo, será assegurada a compatibilidade dos equipamentos com as características dos

usuários (tamanho, óculos...), a clareza da apresentação de informações, a disponibilidade de

notícias na língua dos usuários, a facilidade de troca de insumos, a manutenabilidade, etc.

A informação do pessoal interessado, dos representantes dos assalariados é prevista antes do

comissionamento, e a formação dos futuros usuários, se necessária, faz parte da prestação (de

serviços) do fornecedor.

11.9 A definição de regras e procedimentos

Uma reflexão global a respeito do nível de regras necessário é conduzida na empresa. Existe,

no nível de cada unidade produtiva, uma descrição do processo de execução das regras e dos

procedimentos e do processo de anulação de uma regra. O processo de produção de regras,

definido em nível de unidade produtiva, é apresentado em cada unidade pela hierarquia em

função das especificidades locais.

As palavras “regras”, “procedimentos” e “instruções” não têm definição estabilizada nos

domínios da segurança. Aqui, chamamos “regra” um enunciado que define os princípios

gerais, “procedimento” um texto permanente que enquadra toda a realização de uma operação

e “instrução” um documento específico de um contexto particular de produção.

A definição de regras e procedimentos de uma produção associa os experts das especialidades

envolvidas e os operadores encarregados da realização das operações em questão. As tarefas

críticas são identificadas. Realiza-se uma análise das práticas existentes e de suas explicações.

113


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

As regras fazem a ponte entre pontos de passagens incontornáveis e os modos operacionais

sugeridos para atingi-las. Elas incluem o enfoque das variabilidades mais frequentes.

As instruções são redigidas de modo concreto e realista. Elas estão disponíveis próximas aos

lugares de realização das operações, assim como como os meios materiais necessários. Elas são

avaliadas em uma fase de experimentação e de ajuste.

As regras e os procedimentos são reexaminados periodicamente para considerar as avaliações

do processo e outras regras, assim como os retornos de experiência internas e auditorias.

11.10 A política industrial de terceirização

Os terceirizados são parceiros essenciais na segurança industrial, tanto na realização de suas

atividades como na sua contribuição ao retorno da experiência. As condições de sua contratação

favorecem para que eles possam serenamente alertar sobre os riscos de segurança encontrados

no campo.

O grupo de discussão 32 “Terceirização” do ICSI redigiu um guia de ajuda na decisão 29 ao qual

remetemos os interessados.

11.11 A organização do retorno de experiência (REX)

114

O retorno da experiência a respeito das atividades do campo toma diversas formas.

a/ A análise de incidentes e de acidentes

A análise de incidentes e acidentes é bem-sucedida com pessoas formadas em conceitos e

métodos FHOS e visa buscar as causas técnicas organizacionais profundas sem parar no “erro”

do operador que estava presente no dia.

b/ A análise das dificuldades quotidianas da produção

A análise das dificuldades diárias da produção repousa na presença do gerente no campo (para

as visitas hierárquicas de segurança, mas não somente), na sua escuta das equipes e dos ofícios,

nas reuniões de preparação (briefings) a respeito das atividades que apresentaram dificuldades

específicas, e, mais geralmente, na participação do pessoal.

c/ O retorno pelas instâncias representativas do pessoal

Ver seção 11.5 acima.

d/ Os diagnósticos ou auditorias periódicas

Os diagnósticos periódicos são efetuados pelas equipes de produção e pela hierarquia sobre as

condições de realização de tarefas críticas.

As auditorias externas comportam não somente uma avaliação de conformidade às regras,

como também uma atenção à maneira como as iniciativas da segurança são favorecidas e formalizadas.

São analisados os diferentes processos de prevenção aqui descritos.

As forças e as fraquezas da organização são periodicamente examinadas com apoio externo, a

fim de detectar as evoluções que testemunham uma migração do sistema fora da sua zona de

funcionamento seguro.

e/ A atenção aos que lançam alertas

Os alertas em relação à segurança que retornam por todos os mecanismos acima são analisados

e tratados em cada nível de gerenciamento.

Existe um mecanismo anônimo e independente da hierarquia que permite a todo assalariado

ou prestador (de serviço) (re)conhecer uma situação que lhe pareça fragilizar a segurança. Os

alertas correspondentes, sua análise e as medidas eventualmente tomadas se tornam públicos

na empresa.

29

Groupe d’Échange Sous-traitance, La sous-traitance, guide d’aide à La décision, Cahiers de La sécurité industrielle.

no 2008-04, Toulouse: ICSI, http://www.icsi-eu.org/francais/dev_cs/cahiers/


11.12 Diagnósticos organizacionais e condução das mudanças de organização

Esses diferentes elementos do REX estão integrados ao sistema de pilotagem em diferentes

níveis de decisão na empresa.

O ICSI e a FonCSI organizaram um trabalho importante de REX a respeito das formas da REX

implementadas nas empresas-membro. Informações atualizadas são encontradas no site 30 .

11.12 Diagnósticos organizacionais e condução das mudanças de organização

Como descrito no capítulo 9.3, os diagnósticos organizacionais são regularmente conduzidos

em nível de estabelecimentos e de departamentos, a fim de localizar as forças e as fraquezas

vinculadas à articulação das estruturas organizacionais, das culturas e das formas de interação.

As mudanças organizacionais são susceptíveis de modificar o equilíbrio de um sistema e de

fragilizar sua segurança 31 . Quando uma mudança organizacional é necessária, ela é definida, de

início, em termos de objetivos e não de soluções. Uma condução de projeto é implementada,

em um nível de decisão (comitê da direção) e em nível de instrução das escolhas que agrupam

os membros da hierarquia dos setores envolvidos.

Muitas soluções organizacionais de estrutura são explicitadas no “grupo de instrução das escolhas”

o objeto de uma simulação de seus efeitos em diferentes momentos críticos da vida do

processo (partidas, paradas, incidentes...). As vantagens e os inconvenientes de cada uma das

soluções são descritas, para esclarecer a arbitragem na instância da decisão. As transformações

pretendidas são apresentadas às instâncias representativas dos trabalhadores antes da decisão

final.

A informação e a formação relativas à nova organização são difundidas claramente antes da

implementação. A disponibilidade de meios materiais e de informação necessários para o novo

funcionamento é antecipada. As administrações e partes vinculadas ao risco são informadas

previamente da mudança se esta tem como objeto uma organização descrita no dossiê que levou

à autorização de funcionamento.

É prevista uma fase de observação da nova organização, com um conjunto de “sensores” e de

indicadores que permitam detectar rapidamente as dificuldades que poderiam surgir em termos

de performances, de segurança ou de custos para os agentes.

11.13 Concluindo: SMS/ SGS e FHOS

Os conhecimentos propostos neste guia visam reforçar a pertinência do Sistema de

Gerenciamento da Segurança, permitindo que este repouse não somente sobre os conhecimentos

dos experts, mas também sobre os das pessoas e coletivos profissionais que realizam as

operações no cotidiano.

A segurança industrial é buscada, ao mesmo tempo, pela antecipação de situações não desejáveis,

pela definição de regras que permitem evitá-las e a administrá-las, pelo desenvolvimento

de uma cultura de segurança que marca as práticas quotidianas, pela implementação de condições

técnicas e organizacionais que favorecem condições reais de operações seguras e por um

retorno de informações sobre a realidade da produção.

A noção de “tarefa crítica” é um excelente ponto de articulação entre a estruturação do SGS

e a abordagem FHOS. O acento é colocado sobre as tarefas a realizar (e não somente sobre o

comportamento), sobre as variabilidades susceptíveis de acontecer, sobre os recursos humanos,

materiais e sobre as regras que favorecem a realização da tarefa, sobre a necessidade de um

envolvimento do pessoal na reflexão sobre a segurança. As empresas que se engajam, ao mesmo

tempo, numa iniciativa de FHOS e em auditorias ISRS® podem fazer desse elemento uma

garantia de coerência de conjunto. 32

Os membros do pessoal, os ofícios, as instituições representativas e os prestadores (de serviços)

são os parceiros da política de segurança, por sua capacidade de detectar no campo as situações

30

http://www.icsi-eu.org.

31

É a razão pela qual a International Atomic Energy Agency produziu o documento INSAG-18: Managing Change in

the Nuclear Industry, the Effects on Safety.

32

Na versão 6 do ISRS ® , o elemento 4 “Análise das tarefas críticas e procedimentos” não é obrigatório, a não ser a partir

do nível 9, e o elemento 6 “Observação das tarefas” o é somente a partir do nível 10. É vivamente recomendado escolher,

desde o nível 7 ou 8, os elementos facultativos para favorecer a compatibilidade entre a abordagem ISRS e a FHOS.

115


Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança Industrial

de risco e de sugerir evoluções. Sua contribuição é reconhecida, assim como as dificuldades

que eles encontram para operar o sistema. A compatibilidade entre os objetivos e os recursos é

periodicamente reavaliada o mais perto possível do campo.

A hierarquia é um ator essencial na articulação da “segurança em ação” e da “segurança normatizada”.

Sua preparação para esse papel e o apoio que ela recebe para exercê-lo são os componentes

maiores do Sistema de Gerenciamento da Segurança.

116


Glossário

Glossário

CE

CHSCT

DP

DRIPE/DRIPH

DRH

EPI

ERPT/ARPT

FHO

FHOS

HSE

HRO

INRS

ISRS®

OHSAS

REX

SGS

SMS

TRIR

Comitê de Empresa

Comitê de Higiene, de Segurança e de Condições de

Trabalho (equivalente à CIPA)

Delegado de Pessoal

Direção Regional da Indústria da Pesquisa

e do Ambiente

Direção de Recursos Humanos

Equipamento de Proteção Individual

Avaliação dos Riscos no Posto de Trabalho

Fatores Humanos e Organizacionais

Fatores Humanos e Organizacionais de Segurança

Higiene da Segurança do Ambiente

High Reliability Organizations/

Organizações de Alta Fiabilidade

Instituto Nacional de Pesquisa em Segurança

Internacional Safety Rating System:

Sistema Internacional de Avaliação de Segurança,

marca registrada da DNV

Ocupacional Health and Safety Assessment Series

Retorno de Experiência

Sistema de Gestão de Segurança

Sistema de Gerenciamento de Segurança

Total Recordable Injury Rate,

equivalente à taxa de frequência (Tf)

117



A edição brasileira dessa obra, em versões impressa e digital, é do “Fórum Acidentes do

Trabalho: Análise, Prevenção e Aspectos Associados” e foi financiada com apoio do

Ministério Público do Trabalho da 15ª Região, Campinas, São Paulo (Ação civil Pública

n°. 0000221-37.2011.5.15.007).

O Fórum é atividade conjunta de docentes da Faculdade de Saúde Pública, FSP-USP e

da Faculdade de Medicina de Botucatu, FMB-UNESP de livre acesso na página

www.forumat.net.br

São Paulo, Maio de 2014.


Reprodução deste documento

Este documento é divulgado de acordo com os termos da licença BY-NC-ND do

Criative Commons. Reproduzir, distribuir e comunicar esta criação ao público

está liberado conforme as seguintes condições:

Paternidade. Você deve citar o nome do autor original da maneira

indicada pelo autor da obra ou pelo titular dos direitos, que lhe confere

esta autorização (mas não de uma maneira que pudesse sugerir que

eles apoiam ou aprovam a sua utilização da obra).

Nenhuma atualização comercial. Você não tem o direito de utilizar

esta obra com finalidades comerciais.

Nenhuma modificação. Você não tem o direito de modificar, de transformar

ou de adaptar esta obra.

Você pode baixar este documento (e outras versões dos Cahiers de la Securité

Industrielle) em formato PDF pelo site web da FonCSI. FonCSI.

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vert foncé : C100 M45 J100 N30

vert clair : C100 M0 J100 N20

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6 allée Émile Monso – BP 34038

31029 Toulouse cedex 4

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Fax: +33 (0) 534 32 32 01

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http://www.icsi-eu.org/



ISSN 2100-3874

6 allée Émile Monso

ZAC du Palays — BP 34038

31029 Toulouse cedex 4

www.foncsi.org

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