Como vamos ouvir música no futuro - Fonoteca Municipal de Lisboa
Como vamos ouvir música no futuro - Fonoteca Municipal de Lisboa
Como vamos ouvir música no futuro - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Música<br />
FOTOGRAFIAS DE MARIO ANZUONI/REUTERS<br />
“A voz”, como ficou conhecida nas<br />
décadas <strong>de</strong> 80 e 90, não precisou <strong>de</strong><br />
cantar uma única <strong>no</strong>ta para ser aplaudida<br />
<strong>de</strong> pé pela plateia <strong>de</strong> figuras públicas<br />
e jornalistas. Whitney Houston,<br />
cuja carreira <strong>de</strong> sucesso como cantora<br />
e actriz foi ensombrada <strong>no</strong>s últimos<br />
a<strong>no</strong>s por vários escândalos, entrou<br />
muito sorri<strong>de</strong>nte na sala, dirigiu algumas<br />
palavras à assistência, abraçou-se<br />
ao seu mentor, Clive Davis, emocio<strong>no</strong>u-se<br />
e <strong>de</strong>sapareceu. Foi há semanas,<br />
em Londres, numa sessão <strong>de</strong><br />
audição do <strong>no</strong>vo álbum, “I Look To<br />
You”. É natural que tenha sido assim.<br />
Havia expectativa em saber se conseguiria<br />
regressar com dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois<br />
do insucesso, há seis a<strong>no</strong>s, do último<br />
álbum e, sobretudo, <strong>de</strong>pois das histórias<br />
sobre a vida privada com alegações<br />
<strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> aditivos e um<br />
casamento tumultuoso.<br />
Depois <strong>de</strong> ouvido o disco, os admiradores<br />
na sala respiraram <strong>de</strong> alívio.<br />
Os que não estavam na sala também<br />
parecem ter gostado do que <strong>ouvir</strong>am,<br />
14 • Sexta-feira 18 Setembro 2009 • Ípsilon<br />
porque entretanto “I Look To You” já<br />
está nas lojas e trepou pelas tabelas<br />
<strong>de</strong> vendas <strong>de</strong> todo o mundo, com <strong>de</strong>staque<br />
para o primeiro lugar do po<strong>de</strong>roso<br />
top america<strong>no</strong>.<br />
Uma hora e meia antes, à porta do<br />
Mandarin Oriental Hotel, em Knightsbridge,<br />
já se percebia que andava estrela<br />
pop à solta pelas redon<strong>de</strong>zas,<br />
com uma pequena mole humana à<br />
entrada. Lá <strong>de</strong>ntro, outro tipo <strong>de</strong> multidão<br />
circulava <strong>de</strong> champanhe na<br />
mão, sorri<strong>de</strong>nte, esperando ansiosamente.<br />
Mas primeiro, o homem que<br />
<strong>de</strong>scobriu Whitney Houston ocupou<br />
o palanque.<br />
Clive Davis, produtor, executivo,<br />
fundador da Arista, um dos homens<br />
mais influentes da indústria, veio para<br />
apresentar o disco e falar da sua<br />
protegida. Foi inteligente. Começou<br />
por afirmar que, ao longo dos a<strong>no</strong>s,<br />
não havia <strong>de</strong>scoberto apenas Houston<br />
– <strong>no</strong>mes como a já falecida Janis Joplin<br />
ou Bruce Springsteen também constavam<br />
da sua lista <strong>de</strong> achados – mas<br />
“Agora estou outra<br />
vez em casa, on<strong>de</strong><br />
pertenço. Este disco<br />
diz tudo o que quero<br />
dizer agora”. Depois<br />
Whitney foi-se,<br />
acenando,<br />
verda<strong>de</strong>iramente<br />
emocionada.<br />
O regresso<br />
a casa<br />
<strong>de</strong> Whitney Houston<br />
A reabilitação está em marcha e com o álbum “I Look To You” o<br />
sucesso volta a bater à porta <strong>de</strong> Whitney Houston. Em Londres,<br />
afirmou que se sente outra vez em casa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a<strong>no</strong>s nas<br />
primeiras páginas dos tablói<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escândalos. Vítor Belancia<strong>no</strong><br />
que em termos <strong>de</strong> voz, ninguém se<br />
comparava a ela.<br />
Ouviu-a, pela primeira vez, num<br />
clube <strong>no</strong>ctur<strong>no</strong>, tinha ela 17 a<strong>no</strong>s, e<br />
intuiu logo que havia ali qualquer coisa.<br />
Essa coisa, disse, era uma voz inigualável<br />
e uma atitu<strong>de</strong> em palco autêntica.<br />
Depois tratou <strong>de</strong> enquadrá-la<br />
num contexto – o das gran<strong>de</strong>s vozes<br />
negras. Não os compositores, os produtores,<br />
os instrumentistas. Mas vozes<br />
como Sarah Vaughan, Lena Horne<br />
ou Ella Fitzgerald.<br />
Davis veio reafirmar aquilo que já<br />
se sabia, mas fê-lo <strong>de</strong> forma astuta<br />
perante uma plateia <strong>de</strong> profissionais.<br />
Disse-<strong>no</strong>s: Houston<br />
não po<strong>de</strong> ser enquadrada<br />
na hegemónica tradição<br />
da cultura rock.<br />
Antes <strong>de</strong> mais, é uma<br />
intérprete <strong>de</strong> reportório<br />
que, hoje em<br />
dia, se divi<strong>de</strong> entre o<br />
apelo a um público<br />
maduro que se revê na<br />
tradição das gran<strong>de</strong>s<br />
vozes negras, e um público<br />
mais jovem que consome<br />
soul ou R&B e guarda <strong>de</strong>la uma imagem<br />
i<strong>de</strong>alizada.<br />
O álbum, que segundo Clive Davis<br />
começou a ser pensado há três a<strong>no</strong>s,<br />
também respira essa ambivalência.<br />
As letras são genéricas, focando temáticas<br />
“adultas” como a <strong>de</strong>terminação<br />
ou o triunfo sobre a adversida<strong>de</strong>,<br />
naquilo que parecem referências subtis<br />
à reabilitação da sua vida privada.<br />
A <strong>música</strong> divi<strong>de</strong>-se entre baladas, canções<br />
R&B <strong>de</strong> batida sincopada e temas<br />
<strong>de</strong> dinamismo dançante, com um naipe<br />
<strong>de</strong> colaboradores, entre compositores<br />
e produtores, como Alicia Keys,<br />
Diana Warren, Akon, R. Kelly, Stargate<br />
ou Danja, a contribuir para um resultado<br />
final dig<strong>no</strong>.<br />
Inevitavelmente o regresso <strong>de</strong> Withney<br />
Houston faz eco com a morte<br />
recente <strong>de</strong> Michael Jackson. Ambos<br />
se afirmaram globalmente <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s<br />
80, em gran<strong>de</strong> parte graças à MTV.<br />
Reabilitação<br />
Os dois experimentaram, também, o<br />
outro lado <strong>de</strong> ser estrela planetária,<br />
com a vida privada esmiuçada ao porme<strong>no</strong>r.<br />
Ambos tentavam agora reabilitar-se.<br />
No caso <strong>de</strong> Houston as dúvidas<br />
prendiam-se, em parte, com a sua<br />
voz. Estará me<strong>no</strong>s elástica, mas nada<br />
<strong>de</strong> mais. Há quem argumente mesmo<br />
que essas restrições são positivas, impedindo-a<br />
<strong>de</strong> laivos histriónicos, como<br />
acontecia <strong>no</strong> mega-sucesso<br />
“Always love you”, e não estarão longe<br />
da razão.<br />
Quando Clive Davis <strong>de</strong>u por encerrada<br />
a sessão <strong>de</strong> audição do disco lá<br />
surgiu ela, polida, sorrindo, uma senhora.<br />
Abraçou Clive, como quem<br />
abraça o seu salvador. Ele retribui,<br />
com palavras, como se ela ainda fosse<br />
a sua menina. “Conhecemo-<strong>no</strong>s há<br />
26 a<strong>no</strong>s, agora vais voltar a cantar,<br />
estás preparada?” lançou-lhe.<br />
Por momentos ainda se pensou que<br />
fosse mesmo cantar, ali. Mas não. Sorriu<br />
apenas. A pergunta era genérica,<br />
como quem interroga se está preparada<br />
para enfrentar o mundo do espectáculo,<br />
outra vez. Virando-se para<br />
plateia disse que os a<strong>no</strong>s em que havia<br />
estado perdida tinham acabado. “Agora<br />
estou outra vez em casa, on<strong>de</strong> pertenço”,<br />
e olhou na direcção <strong>de</strong> Davis.<br />
“Este disco diz tudo o que quero dizer<br />
agora”, termi<strong>no</strong>u. Depois foi-se, acenando,<br />
parecendo verda<strong>de</strong>iramente<br />
emocionada.<br />
Foi curto, mas ninguém se importou<br />
muito. Os que ali estavam já haviam<br />
confirmado que a “A voz”, apesar<br />
<strong>de</strong> não ter cantado, ainda sabia<br />
cantar.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 42 e segs<br />
Em Londres,<br />
foi Clive<br />
Davis,<br />
produtor,<br />
executivo,<br />
fundador da<br />
Arista, um dos<br />
homens mais<br />
influentes da<br />
indústria, que<br />
apresentou o<br />
disco da sua<br />
protegida