CONTRA TURNO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO NA INSTITUIÇÃO ...
CONTRA TURNO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO NA INSTITUIÇÃO ...
CONTRA TURNO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO NA INSTITUIÇÃO ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
RESUMO<br />
<strong>CONTRA</strong> <strong>TURNO</strong> <strong>ESCOLAR</strong>: <strong>UMA</strong> <strong>REFLEXÃO</strong> <strong>NA</strong> <strong>INSTITUIÇÃO</strong><br />
CEMIC<br />
VERA APARECIDA ANGER 1<br />
Este artigo tem a finalidade de refletir a educação no contexto das políticas educacionais<br />
e suas implementações, através de programas e projetos sociais. As abordagens deste<br />
texto buscam pensar em que medidas essas ações são qualitativas ou meramente<br />
paliativas. Apresenta uma descrição no CEMIC (Centro de Estudos do Menor e<br />
Integração na Comunidade), considerado um projeto social de contra turno escolar, com<br />
caráter assistencialista, que busca em sua prática redimensionar o trabalho pedagógico,<br />
para além do assistencialismo, apesar dos limites impostos pelas Políticas Educacionais.<br />
A metodologia utilizada consiste na análise de documentos legais da própria instituição<br />
e referenciais bibliográficos que tratam sobre as políticas educacionais. O estudo<br />
evidenciou que historicamente, as políticas e ações do governo, são articuladas de forma<br />
a garantir os interesses econômicos e políticos despreocupados de uma condição que<br />
ofereça oportunidade real de crescimento pessoal e profissional dos indivíduos, pois<br />
isto, é contraditório a um sistema que prima pela manutenção da desigualdade social,<br />
mesmo que de forma mascarada. Enquanto não se repensar uma forma de justa<br />
distribuição de renda, estará estabelecida esta contradição social. Entretanto, o CEMIC,<br />
com profissionais envolvidos com a transformação social e com competência técnica,<br />
poderão dentro de limites, naturalmente, procurar desenvolver um trabalho que caminhe<br />
para além do assistencialismo.<br />
PALAVRAS CHAVES: Contra Turno Escolar – Políticas Educacionais –<br />
Assistencialismo.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Este trabalho tem por finalidade abordar o tema contra turno escolar, em uma instituição<br />
filantrópica, o CEMIC – Centro de Estudos do Menor e Integração na comunidade. O<br />
1 Coordenadora Pedagógica da Instituição CEMIC. Pedagoga e Especialista em Fundamentos da<br />
Educação pela UNIOESTE – CASCAVEL. Rua Maringá, 1719. Cascavel – PR (45) 227-1613.
trabalho da instituição tem como filosofia a prevenção da marginalidade e a<br />
“integração” da criança e do adolescente carente na comunidade.<br />
Para tanto a entidade dispõe de uma infra-estrutura diferenciada da escola formal, com<br />
suporte de atividades diversificadas, que possibilitam o despertar das habilidades<br />
artísticas, culturais, esportivas e o aprendizado em relação ao trabalho com caráter<br />
educativo.<br />
O enfoque central do trabalho é o contra turno escolar, na perspectiva de subsidiar o<br />
processo de aquisição do ensino-aprendizagem, possibilitando o acesso a programas de<br />
informática, artesanato, musicalização, capoeira, recreação, oficinas de trabalho<br />
educativo em panificadora e marcenaria, em sistema de rotatividade.<br />
Compreendendo a família como extensão da qualidade deste trabalho, a instituição<br />
desenvolve atividades com as mães através do clube de mães, possibilitando<br />
aprendizado de artesanato, corte e costura, pintura, entre outros, proporcionando<br />
geração de renda, melhora da auto-estima e crescimento pessoal. As famílias também<br />
são acompanhadas através de visitas periódicas pela assistente social, bem como através<br />
de encontros mensais para reuniões.<br />
O direcionamento do trabalho vem ao encontro da filosofia da entidade que é de caráter<br />
assistencialista, voltada para a resolução de um problema da área social, que é a<br />
prevenção a marginalidade, retirando estas crianças e adolescentes das ruas e do<br />
trabalho infantil, oferecendo o que a família dentro de um quadro de pobreza e de<br />
marginalidade social, não tem condições de oferecer, alimentação, vestuário, cuidados<br />
médicos entre outros.<br />
Neste contexto esta presente a preocupação pedagógica no sentido de contribuir com a<br />
formação do conhecimento, porém efetiva-se mais ações assistencialistas, em função de<br />
não ocorrer uma articulação entre o trabalho desenvolvido pela escola formal e o<br />
trabalho desenvolvido pelo CEMIC.<br />
A minha preocupação enquanto educadora se fundamenta na defesa de que a escola<br />
pública, deveria estar contemplando a educação formal e o contra turno escolar, com<br />
atividades diversificadas, proporcionando assim uma ação global e dinâmica, no aspecto<br />
pedagógico, uma vez que os profissionais envolvidos, docentes da sala de aula e<br />
docentes do contra turno escolar, estariam em constante troca de experiências, podendo<br />
efetivar um planejamento mais adequado com as necessidades de aprendizado.
Entretanto, o que ocorre é a fragmentação. Esta, de certa forma, dificulta o trabalho,<br />
porque a realidade objetiva da escola e dos projetos assistenciais são diferenciados, na<br />
sua origem, na filosofia e no encaminhamento do trabalho.<br />
Essas relações se estabelecem em funções de políticas educacionais, que se fortalecem<br />
através da criação de programas e projetos sociais, em prol da educação de qualidade,<br />
com incentivos de bolsa auxílio, cestas básicas entre outros, como estratégia de<br />
mascarar o caos social que está posto, sensibilizando a sociedade civil a cumprir com<br />
sua parcela de benevolência, ou seja, assumindo uma obrigação que é do setor público.<br />
Essa relação favorece a manutenção do poder, na medida em que convence uma grande<br />
massa popular que lhe são dadas as oportunidades, por várias iniciativas do setor<br />
público e privado, mas que não são capazes, pois não progridem em sua escolaridade,<br />
tendo como conseqüência dificuldade de ingresso no mercado de trabalho, cada vez<br />
mais competitivo e seletivo.<br />
Neste contexto, projetos como CEMIC, dentre outros, ganham uma identidade de<br />
caráter educativo, assistencialista e de iniciativas profissionalizantes, configurando o<br />
discurso de qualificação no mercado de trabalho. É conveniente ressaltar porém, que<br />
estas instituições não conseguem qualificar e proporcionar o ingresso no mercado de<br />
trabalho, por que as condições objetivas não permitem um aprimoramento teórico e<br />
prático das atividades propostas, que acompanhem a evolução do mercado de trabalho.<br />
As condições do funcionamento dos projetos sociais ou instituições, de maneira geral<br />
não contam com profissionais habilitados e atividades de trabalho educativo, compatível<br />
com a exigência de mercado. Em relação às dificuldades de aprendizagem, também não<br />
“dão conta” de equacioná-los, pois estas são advindas de uma totalidade estrutural, de<br />
políticas imediatistas, sociais e educacionais, que mascaram uma sociedade desigual,<br />
em prol da manutenção de um sistema capitalista, onde o poder é para uma minoria e<br />
esta relação precisa ser garantida.<br />
Nesta estrutura social, entidades como o CEMIC, cumprem um papel ideológico.<br />
Entretanto compreendo que a luta pela transformação social, pode ocorrer na<br />
ocupação/controle desses espaços, na tentativa de extrapolar o assistencialismo,<br />
perseguindo ações que possibilitem as famílias, crianças, adolescentes e demais<br />
envolvidos refletirem sobre sua atuação enquanto integrantes desta sociedade, numa
perspectiva de construção de seus conhecimentos, valores e posicionamentos, frente ao<br />
contexto social real.<br />
A metodologia para elaboração deste trabalho se fundamenta nos pontos principais<br />
abordados, em meu trabalho de monografia “Contra Turno Escolar: Uma Reflexão na<br />
Instituição CEMIC”, pautado em análises documentais da instituição e dentre outros dos<br />
referenciais teóricos de Saes (2001), Cunha (1991) e Vieira (2000).<br />
1 AS POLÍTICAS EDUCACIO<strong>NA</strong>IS: UM PANORAMA HISTÓRICO<br />
Para articular o trabalho desenvolvido no CEMIC, enquanto espaço de assistência e<br />
formação educacional de crianças e adolescentes carentes, comentarei sobre algumas<br />
políticas educacionais e sociais e que se fortalecem nos anos 90, mais direcionadas a<br />
projetos e programas da assistência no contexto educacional.<br />
O resultado das políticas implantadas e implementadas ao longo dos anos promoveram<br />
o dualismo do ensino: ensino para ricos e ensino para pobres. Tal dualismo oportuniza a<br />
elite a ascensão do conhecimento e aos menos favorecidos uma educação direcionada,<br />
onde estes recebem formação mínima para ofertar mão-de-obra barata ao mercado e os<br />
que dispõem de recursos financeiros buscam a formação escolar, para comandar essas<br />
classes. Os menos favorecidos são cerceados pelo sistema de fazer uma opção em<br />
progredir em sua escolaridade. Dentre outros, este é um fator que estabelece a divisão<br />
de classes e determina a condição sócio-econômica, pois restringe aos menos<br />
favorecidos a ascensão a cultura, e conseqüentemente ao mercado de trabalho<br />
competitivo.<br />
As preocupações dos governos durante a 1º República no tocante a educação centraramse<br />
basicamente no ensino fundamental, na erradicação do analfabetismo e na garantia do<br />
ensino público, sempre voltado a atender as necessidades do mercado de trabalho, ou<br />
seja, dos interesses do capital, numa perspectiva conservadora.<br />
No início dos anos 80 do século XX, as políticas educacionais assumem um novo foco,<br />
devido ao avanço tecnológico, a informatização, a mundialização da economia e novos<br />
padrões de organização social, centrados na melhoria da qualidade de vida, se<br />
contrapondo ao modelo econômico conservador, que priorizava componentes da infraestrutura,<br />
para o investimento em inteligência, criatividade, capacidade de solução de
problemas, adaptação e mudança no processo produtivo, e acima de tudo capacidade<br />
para guiar, selecionar e interpretar informações.<br />
No período de 1985 a 1995, sob a visão da autora Sofia Leche Vieira, aponta para a<br />
política educacional definindo-a por um momento de transição, que saindo de um<br />
período histórico ditador e repressor, vislumbra a Nova República com propostas de<br />
democratização e participação social.<br />
Em 1984, com a morte de Tancredo Neves, assume o governo José Sarney, definindo<br />
uma proposta política de universalização da educação básica, discutindo amplamente os<br />
problemas da educação nas escolas, envolvendo professores, pais, alunos e funcionários,<br />
na perspectiva de melhorar a qualidade de ensino, criar mais escolas, investir na<br />
educação e garantir a participação efetiva da comunidade visando a descentralização de<br />
gestão, entre outros.<br />
O PND - Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, destacava o<br />
crescimento econômico, combate à pobreza, compromisso em ofertar escola pública a<br />
todas as crianças de 7 a 14 anos, garantindo a permanência na escola, no período de<br />
educação fundamental, bem como concessão de bolsas de estudos, aperfeiçoamento do<br />
magistério entre outros.<br />
Entre as prioridades sociais do governo, destacava-se a garantia da merenda escolar para<br />
a rede do ensino fundamental.<br />
As intenções do plano de governo explicita um componente novo no quadro histórico: a<br />
participação social nas tomadas de decisões, porém mantém como foco central a<br />
quantidade nas ofertas de expansão, sem esclarecer metas e recursos para efetivação dos<br />
programas<br />
Percebe-se uma distribuição e cooperação de recursos entre as três esferas do governo,<br />
porém na prática se evidencia uma certa transferência de responsabilidades do setor<br />
público para o privado.<br />
O caráter assistencialista da gestão do governo se manifesta em 1986, quando a merenda<br />
escolar, passa a beneficiar também os irmãos dos estudantes, tendo início o ingresso de<br />
crianças de 4 a 6 anos nas escolas; além dos livros, materiais didáticos e bolsas de<br />
estudos distribuídos.<br />
No período de 1990, em relação à política educacional, giram muitos discursos, porém<br />
sem ações na prática. Uma das propostas do governo é a criação do Programa CIACs
(Centros Integrados de Atendimento a Criança), centros educativos, integrando saúde e<br />
educação, que não possibilita mudanças educacionais, devido ao descompromisso do<br />
governo com objetivos propostos.<br />
Na tendência de transformação produtiva, a educação é uma das linhas estratégicas do<br />
Plano Plurianual, para o período de 1993-1995, sendo considerado fundamental para o<br />
processo de crescimento. Neste momento a política educacional se volta para a ciência,<br />
tecnologia para o desenvolvimento, modernização da produção e do Estado. A<br />
articulação Educação, Ciência e Tecnologia visa estar direcionando um ensino que<br />
possibilite a qualificação de recursos humanos, para atender as exigências de um<br />
mercado moderno de produção.<br />
Neste contexto se pretende com a universalização da educação básica “pelo menos, a<br />
aquisição de competências mínimas necessárias à qualificação para o trabalho numa<br />
economia complexa” e a “universalização da cidadania e da convivência democrática”<br />
(VIEIRA, 2000:119).<br />
Enquanto política assistencial, como nos governos anteriores se garante o fornecimento<br />
de merenda escolar e material didático.<br />
É importante ressaltar que o governo pretende manter a política de descentralização para<br />
os estados, municípios, iniciativa privada e comunidade, no sentido de cooperação,<br />
porém, mantendo o poder de Estado no sentido de regulamentação, fiscalização e até<br />
mesmo de penalização. Define-se, neste período o caráter regulador do Estado.<br />
O destaque especial do governo federal se refere a “atenção integral à criança e ao<br />
adolescente”. Nesta gestão o PRO<strong>NA</strong>ICA (Programa Nacional de Atenção a Criança e<br />
ao Adolescente), tem uma atenção especial.<br />
Em 1994, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em relação à educação estabelece<br />
um projeto político ligado as diretrizes estabelecidas em governos anteriores, pela<br />
conferência Mundial sobre Educação para Todos, LDB – Lei nº 9.394/96, Fundo de<br />
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, valorização do Magistério e<br />
no Plano Nacional de Educação – PNE.<br />
Para inserir-se no novo modelo de desenvolvimento, o país precisa de uma educação<br />
voltada a Ciência e a Tecnologia com caráter de qualidade, eficiência e competitividade,<br />
exigidas pelo mercado internacional.
O governo preconiza a geração de empregos adequados e permanentes, vislumbrando<br />
transformar o quadro de misérias e desigualdades, instaurados em um país de grande<br />
riqueza. Esta proposta se orienta por dois princípios básicos: a descentralização das três<br />
esferas do poder político e novas formas de articulação com a sociedade civil e o setor<br />
privado.<br />
A educação de qualidade está posta como medida para reversão deste quadro, pois ainda<br />
persiste problemas educacionais no ensino fundamental, tais como: repetência, evasão,<br />
acesso, analfabetismo entre outros.<br />
Outro aspecto preocupante se revela na seletividade do ensino brasileiro para o acesso<br />
ao ensino Médio e ensino Superior. A proposta do governo consiste em incentivar a<br />
universalização do acesso ao primeiro grau e melhorar a qualidade do atendimento<br />
escolar, buscando garantir aos menos favorecidos a oportunidade de que as crianças<br />
completem as oito séries de ensino obrigatório.<br />
Quanto à distribuição de recursos para o ensino, a União estabelece que para fazer jus<br />
aos recursos federais, se faz necessário que os Estados e Municípios apresentem planos<br />
de melhoria do sistema escolar, de atualização dos professores e de aumento salarial.<br />
Diante destes argumentos e exigências, o governo federal manifesta a desobrigação de<br />
suas atribuições, assumindo um papel de formulador e coordenador das políticas<br />
educacionais. Neste contexto a idéia de autonomia da escola se expressa inclusive no<br />
que diz respeito aos repasses automáticos de recursos.<br />
A exigência de qualidade se articula com a avaliação de desempenho e o controle de<br />
resultados, definido para o governo o papel de coordenador e avaliador; o que lhe<br />
assegura a garantia das estatísticas, para manutenção de financiamentos, convênios e<br />
demais acordos financeiros.<br />
A idéia de cursos profissionalizantes no Ensino Médio para a aproximação do mercado<br />
de trabalho e ensino a distância como forma de apoio a estados, municípios e setor<br />
privado, está atrelado à necessidade do MEC, de buscar parcerias e financiamentos; o<br />
que valerá para o discurso de expansão do ensino superior como um todo tanto público<br />
quanto privado.<br />
Outras questões relevantes, neste contexto de transferências de responsabilidades do<br />
Estado no que diz respeito a recursos, são as estratégias de política de controle,<br />
fundamentadas no discurso de qualidade de ensino, são os programas de valorização
profissional, ofertando treinamento de professores e diretores à distância, propostas de<br />
plano de carreira e valorização do magistério.<br />
Surgem também, vinculadas a essas medidas, preocupações curriculares em relação ao<br />
ensino fundamental, com redefinição de sua estrutura através dos parâmetros<br />
curriculares mínimos estabelecidos pelo MEC, para todo o país, englobando conteúdos<br />
habilidades e valores, que precisam ser adquiridos, como bases para formação da<br />
cidadania. Em contrapartida para a garantia da implementação da política, a Secretaria<br />
de Ensino fica incumbida de produzir os materiais de apoio sobre as novas diretrizes<br />
curriculares e distribuir para a escola e os professores, bem como coordenar as<br />
discussões.<br />
Alguns programas foram implementados pelos governos a partir do período de 1980,<br />
objetivando atingir a totalidade dos sistemas escolares, tendo como alvo as primeiras<br />
séries do ensino básico, onde incidem as altas taxas de repetência e evasão. Eles<br />
demonstram como centro de suas preocupações a melhoria de duas naturezas, as que se<br />
voltam para o aspecto pedagógico e aquelas de caráter mais assistencialista, por<br />
compensar, via escola em tempo integral, as carências sócio-econômicas do seu<br />
alunado. Dentre os programas implantados estão o Ciclo Básico, Jornada Única, CIEPs<br />
(Centros Integrados de Educação Pública), PROFIC (Programa de Formação Integral da<br />
Criança) e CIACs (Centros Integrados de Atendimento a Criança).<br />
A concepção educacional de tais programas levou a escola a ser considerada de certa<br />
forma como protetora, suprindo as necessidades de segurança, alimentação, cuidados e<br />
saúde, deixando as crianças a salvo da violência.<br />
A descontinuidade e ineficiência dos programas ocorrem porque cada administração<br />
quer distinguir-se por suas próprias iniciativas. Uma nova escola construída leva o nome<br />
do dirigente político do período, sua marca, seu carimbo. Programas de melhoria<br />
qualitativa, por outro lado, sempre são menos palpáveis e, neste sentido, não oferecem<br />
espaço político para que distintas administrações se diferenciem.<br />
A autora Lízia Helena Nagel (2001) analisa a educação na década de 90, pautada em um<br />
contexto histórico de anos anteriores, que vão construindo a história da educação no<br />
Brasil. Segundo a autora a política educacional é um conjunto de medidas agilizadas e<br />
sistematizadas pelo governo, para atuar com maior eficiência, nos mecanismos de<br />
produção, distribuição e consumo de bens já instituídos ou em constante renovação.
Essas medidas são estrategicamente pensadas, avaliadas e modificadas ao longo dos<br />
anos para atender este objetivo.<br />
As políticas educacionais como por exemplo: redução do analfabetismo, investimento<br />
em educação, implantação do Ciclo Básico, de projetos sociais com bolsas auxílios,<br />
projeto Amigo da Escola, ensino a distância, preparação para o mercado de trabalho<br />
competitivo e outros, são articuladas com eficiência pelo governo, para garantir os<br />
mecanismos de produção e as relações de trabalho que definem o sistema capitalista. No<br />
âmbito da educação os programas, projetos e leis são mascarados e contraditórios, na<br />
busca de minimizar os conflitos sociais, advindos da diferença de classes.<br />
A classe hegemônica, visando a manutenção do poder, articula as idéias de forma tão<br />
convincente, que as pessoas passam a acreditar na sua incapacidade, quando não<br />
conseguem se promover socialmente.<br />
Para elas as oportunidades estão postas, mas pelo seu fracasso não tem sucesso. Esse<br />
discurso também passa pelos bancos escolares, através dos educadores. Na verdade, a<br />
educação, na maioria das vezes, não prepara as pessoas para a leitura da realidade posta,<br />
tornando-se apenas um ensino institucionalizado, repassando conteúdos programáticos e<br />
formando e ou preparando os homens, para as exigências da sociedade, conforme vão<br />
ocorrendo modificações, para manter o mercado de trabalho.<br />
Ao longo dos anos a escola vem assumindo diversas funções, na área da saúde,<br />
alimentação, lazer e outros, suprindo uma necessidade que é de ordem social, que não é<br />
atendida nas classes menos favorecidas ou explorada pelo sistema.<br />
Com isso a escola vai se tornando mais limitada no sentido do conhecimento e sendo<br />
mais um aparato de status do governo, onde se garante através do discurso: educação,<br />
saúde, alimentação e lazer. Neste contexto podemos salientar as entidades assistenciais,<br />
que complementam o período escolar, tirando as crianças das ruas, oferecendo<br />
segurança, alimentação, cuidados de higiene, saúde, esportes, etc., subsidiando as<br />
Políticas Educacionais e Sociais, dando sustentação para os discursos do governo.<br />
2. O CEMIC<br />
O bairro São Cristóvão, em Cascavel (PR), contava nas décadas de 1960 e 1970<br />
basicamente com famílias pobres (migrantes de várias regiões), cujos pais, para<br />
trabalhar, deixavam as crianças sozinhas e estas mendigavam para saciar a fome. Diante
desta realidade, o Centro Social Beneficente da Paróquia São Cristóvão resolveu dar<br />
assistência às famílias, criando em 3 de outubro de 1977, o Centro de Estudos do Menor<br />
e Integração na Comunidade Renato Festugato (CEMIC), sob a presidência do padre<br />
Armando De Costa.<br />
O CEMIC surgiu para atender o menor marginalizado ou em vias de marginalização em<br />
suas necessidades básicas, como educação integral, reforço escolar, lazer, alimentação,<br />
vestuário, atendimento médico e odontológico, preparação cristã, artesanato,<br />
encaminhamento de documentação, emprego, cursos para os pais e visitas às famílias,<br />
objetivando melhorar o relacionamento familiar e as condições de vida da família.<br />
A entidade iniciou com 110 crianças e adolescentes, sob a direção da Irmã Edi Censi,<br />
durante dois meses passando em seguida a função à senhora Iracy Ceni, que dirigiu a<br />
entidade até 10 de dezembro de 2002, ano do seu jubileu de prata.<br />
Atualmente é presidente da Instituição o empresário Hylo Francisco Bresolin, tendo<br />
como vice o Padre Olívo Baldi.<br />
O CEMIC atende hoje aproximadamente 338 crianças e adolescentes carentes, com a<br />
finalidade de possibilitar o atendimento integral aos menores, favorecendo o seu<br />
crescimento saudável seu desenvolvimento criativo, motor, afetivo e social, ampliando e<br />
estendendo múltiplas ações sócio-educativas, através de programas e atividades<br />
diversificadas, contemplando as áreas de reforço escolar, informática, socialização,<br />
artesanato, recreação, esportes, oficinas ocupacionais (marcenaria, padaria, cozinha<br />
alternativa, jardinagem, horticultura, salão de beleza e musicalização).<br />
A entidade recebe crianças e adolescentes na faixa etária de 04 a 14 anos, sendo que as<br />
crianças de 04 a 06 anos freqüentam a educação infantil em tempo integral 2 , e as demais<br />
freqüentam a entidade no contra turno escolar; ou seja, quem estuda de manhã freqüenta<br />
a tarde e vice-versa. As crianças e adolescentes do contra turno são vinculadas a escola<br />
formal do município ou do estado.<br />
O critério básico para freqüentar a entidade é estar regularmente matriculado na escola,<br />
respeitando a renda familiar que seja no máximo, igual ou inferior a dois salários<br />
mínimos, de acordo com a lei federal que estabelece esta condição, para que se<br />
considere uma entidade beneficente.<br />
2 A Educação Infantil funciona no próprio CEMIC, com caráter de creche, por não estar enquadrada nas<br />
exigências legais. No entanto, se não houver a normalização, enquanto escola de Educação Infantil, não<br />
poderá funcionar a partir de 2007, conforme a nova LDB 9. 394/96.
Em relação ao trabalho de assistência e acompanhamento as famílias, realiza-se visitas<br />
periódicas, reuniões e atendimento no clube de mães (criado em março de 2001, para o<br />
aprendizado e corte e costura, pintura, abrolho e artesanato em geral), para orientação as<br />
famílias quanto ao acompanhamento dos filhos, na escola, na entidade e no dia-a-dia,<br />
bem como são orientadas em relação aos aspectos de relacionamento com os filhos,<br />
higiene, bons hábitos e outros.<br />
A entidade conta com uma equipe própria de funcionários e faz parceria com o Centro<br />
de Voluntários de Cascavel, recebendo auxílio desses profissionais nas diferentes áreas<br />
de atendimento.<br />
Trata-se de uma entidade, não governamental, mantida por recursos provenientes de<br />
doações de repartições/órgãos públicos e privados.<br />
A entidade é dirigida por uma diretoria voluntária, que delibera sobre as questões<br />
internas e viabiliza recursos de natureza financeira, matéria prima e outros, necessários<br />
à execução dos seus objetivos. Existe uma Coordenação Pedagógica, e uma<br />
Administrativa, diretamente responsáveis pelas atividades desenvolvidas na Instituição.<br />
Todas as atividades desenvolvidas na entidade são subsidiadas por um planejamento,<br />
elaborado juntamente com os funcionários e avaliado mensalmente através de reuniões.<br />
Semestralmente é realizado uma avaliação escrita de cada setor de trabalho, que<br />
posteriormente é socializada para discussão, com a finalidade de repensar os pontos<br />
falhos, para uma somativa maior de ações positivas.<br />
O planejamento é organizado por áreas de atendimento, onde constam as atividades a<br />
serem desenvolvidas nos respectivos setores, finalizando com o encaminhamento da<br />
avaliação. As áreas de atendimento encontram-se assim divididas: Área Educacional;<br />
Área Educacional Complementar (Informática); Área Sócio-Recreativa; Área de<br />
Trabalho Educativo; Área de Saúde, Área Familiar e Trabalho Voluntário.<br />
Numa perspectiva de educação social e familiar, realiza-se bazares de roupas, calçados e<br />
produtos confeccionados no CEMIC, com custo irrisório, para que as famílias sintam-se<br />
valorizadas, podendo adquirir os produtos e conseqüentemente ter maior zelo e<br />
aproveitamento dos mesmos. Dependendo da necessidade da família as doações são<br />
repassadas independente do bazar e sem custos. Estes casos normalmente são avaliados<br />
pela assistente social. Os bazares são destinados para as famílias e a renda é revertida na
compra de material pedagógico, alimentos e quando necessário para a aquisição de<br />
produtos no clube de mães.<br />
CONCLUSÃO<br />
A minha preocupação esteve centrada em refletir se o trabalho no CEMIC pode ir além<br />
do assistencialismo, pois oferta contra turno escolar com esse caráter, cumprindo com<br />
sua filosofia e com os objetivos a que se destina, porém um pouco desvinculada da<br />
preocupação pedagógica, devido aos limites já descritos no decorrer do trabalho. Como<br />
o CEMIC, existem diversas instituições, que assumem a responsabilidade da família,<br />
tiram as crianças das ruas e oferecem os “cuidados básicos”. Integram o quadro<br />
profissional destas entidades, pessoas de todas as áreas, sem exigência de formação na<br />
área da educação ou específica na área de atuação.<br />
Isso nos leva a acreditar que o CEMIC, enquanto instituição se atrela as políticas<br />
sociais, permanecendo com caráter assistencialista, porém em sua organização tem<br />
algumas ações no sentido de romper com essa estrutura. Em contrapartida essas ações<br />
como: reorganização do trabalho pedagógico e qualificação do quadro de funcionários<br />
está de acordo com exigências pensadas e estabelecidas pelas políticas educacionais.<br />
Esta articulação das políticas não permite um avanço qualitativo, para além do<br />
assistencialismo, porque há um confronto direto no sentido da manutenção de<br />
programas de assistência.<br />
A Instituição mantém o atendimento, sem o planejamento de uma ação que rompa<br />
efetivamente com essa prática, levando em consideração que há 25 anos o trabalho é<br />
mantido enquanto assistência. Esta relação demonstra que paralelo a algumas ações no<br />
sentido de extrapolar com o assistencialismo, se estabelecem outras mais marcantes no<br />
sentido de manter, como por exemplo: a atuação do trabalho voluntariado, basicamente<br />
compatível com o número de pessoas que integram o quadro de funcionários,<br />
contribuindo com uma tendência neoliberal que não prevê trabalho remunerado a estas<br />
pessoas.<br />
Outro apontamento é em relação ao trabalho com a família, que além das visitas, ocorre<br />
através do clube de mães, também com profissionais voluntários, o que não garante a<br />
qualificação da mão-de-obra para o mercado de trabalho, devido uma exigência de
padrão de qualidade. Esta ação contribui no sentido de geração de renda, mas de forma<br />
autônoma, o que não garante salário, trabalho e conseqüentemente é uma tendência de<br />
permanência, ou seja, de ligação a instituição devido a necessidade que permanece. Não<br />
existe através da instituição nenhuma medida no sentido de contribuir, para que as<br />
famílias possam se desligar, tendo uma possibilidade de trabalho e sustento próprio.<br />
Considero conveniente ressaltar, que as oficinas de marcenaria que atuam como<br />
trabalho educativo para os menores, talvez pudesse ser pensada no sentido de uma<br />
cooperativa para as famílias, assim como o clube de mães, ou outra atividade<br />
compatível com a necessidade do mercado, para possibilitar profissionalização e<br />
trabalho remunerado.<br />
O trabalho da instituição contribui parcialmente para a integração das crianças e<br />
adolescentes na sociedade, mas não efetivamente, porque não propicia continuidade no<br />
atendimento, uma vez que há o limite da faixa etária e não tem subsídios para oferecer<br />
programas de continuidade e inserção no mercado de trabalho. Este limite é real e nos<br />
leva a refletir o caráter ilusório da formação, que se fundamenta na inserção destes<br />
menores na comunidade. Neste sentido, compreende-se que a ação da instituição é<br />
necessária, mas cumpre parcialmente sua finalidade.<br />
Atendimentos deste nível cumprem com sua especificidade, porém poderiam num outro<br />
contexto, nem existirem ou direcionarem o trabalho em parceria com as escolas, com<br />
uma visão educacional articulada, que viesse a complementar e fazer a diferença no<br />
processo de ensino-aprendizagem, o que não vem ocorrendo. Se olharmos para a escola:<br />
os programas de ciclo básico, correção de fluxo, PACs, contra turno e outros, surgiram<br />
como medidas paliativas e provisórias, para resolverem problemas de correção<br />
idade/série, melhorando as estatísticas, não reprovando; fazendo com que a maioria dos<br />
educandos, já com dificuldades específicas, avançassem, carregando essas dificuldades<br />
e chegando ao ensino médio ou ensino superior semi-alfabetizados.<br />
Outra preocupação hoje é a implantação da escola integral no nosso município que<br />
almeja oferecer o contra turno e atividades diversificadas na área de: esporte, cultura e<br />
educação; contando com estagiários para o desenvolvimento do projeto e com os<br />
recursos financeiros e materiais da SEMED (Secretaria Municipal de Educação de<br />
Cascavel). Até o momento esta é uma ação que está sendo efetivada gradativamente e<br />
do meu ponto de vista, mais uma política de promoção dos nossos governantes, porque
não garante, o que defendo para a educação de boa qualidade: garantia de profissionais<br />
com formação e competência, para atuarem nas escolas. O estagiário pode ser<br />
fundamental neste processo, mas atuando e discutindo junto com o profissional e não<br />
assumindo na íntegra a função.<br />
Se analisarmos a questão da formação dos educadores, que pela exigência da LDB (Lei<br />
de Diretrizes e Bases), obrigou os docentes a buscarem o curso superior, vamos<br />
perceber que infelizmente os educadores da rede pública de ensino, por não terem<br />
acesso a Universidade Pública, estão recebendo formação na instituição privada, o que<br />
dá a esta formação um caráter elitista, vinculada a uma ideologia de manutenção do<br />
sistema vigente.<br />
Com base nas leituras realizadas, percebe-se que historicamente, as políticas e ações do<br />
governo, são articuladas de forma a garantir os interesses econômicos e políticos<br />
despreocupados de uma condição que ofereça oportunidade real de crescimento pessoal<br />
e profissional dos indivíduos, pois isto, é contraditório a um sistema que prima pela<br />
manutenção da desigualdade social, mesmo que de forma mascarada.<br />
Enquanto não se repensar uma forma de justa distribuição de renda, estará estabelecida<br />
esta contradição social.<br />
Entretanto, o CEMIC, com profissionais envolvidos com a transformação social e com<br />
competência técnica, poderão dentro de limites, naturalmente, procurar desenvolver um<br />
trabalho que caminhe para além do assistencialismo.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9. 394/96), 20 de<br />
dezembro de 1996.<br />
CUNHA, L. A. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, 1991.<br />
ESTATUTO DO CEMIC, 1977 (mimeo).<br />
GHIRALDELLI, P. J. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990.<br />
<strong>NA</strong>GEL, L. H. O Estado Brasileiro e as Políticas Educacionais nos Anos Oitenta. In<br />
NOGUEIRA, F. M. G. (org.) Estado e políticas sociais no Brasil. Cascavel, PR:<br />
Edunioeste, 2001. 292 p.
SAES, D. República do Capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo:<br />
Boi Tempo, 2001.<br />
SILVA, R.N.; et al. O descompromisso das políticas públicas com a qualidade do<br />
ensino. Caderno de Pesquisa nº 84; 1993. São Paulo.<br />
VIEIRA, S.L. Política Educacional em tempos de Transição. Brasília: Plano, 2000.