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CONTRA TURNO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO NA INSTITUIÇÃO ...

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RESUMO<br />

<strong>CONTRA</strong> <strong>TURNO</strong> <strong>ESCOLAR</strong>: <strong>UMA</strong> <strong>REFLEXÃO</strong> <strong>NA</strong> <strong>INSTITUIÇÃO</strong><br />

CEMIC<br />

VERA APARECIDA ANGER 1<br />

Este artigo tem a finalidade de refletir a educação no contexto das políticas educacionais<br />

e suas implementações, através de programas e projetos sociais. As abordagens deste<br />

texto buscam pensar em que medidas essas ações são qualitativas ou meramente<br />

paliativas. Apresenta uma descrição no CEMIC (Centro de Estudos do Menor e<br />

Integração na Comunidade), considerado um projeto social de contra turno escolar, com<br />

caráter assistencialista, que busca em sua prática redimensionar o trabalho pedagógico,<br />

para além do assistencialismo, apesar dos limites impostos pelas Políticas Educacionais.<br />

A metodologia utilizada consiste na análise de documentos legais da própria instituição<br />

e referenciais bibliográficos que tratam sobre as políticas educacionais. O estudo<br />

evidenciou que historicamente, as políticas e ações do governo, são articuladas de forma<br />

a garantir os interesses econômicos e políticos despreocupados de uma condição que<br />

ofereça oportunidade real de crescimento pessoal e profissional dos indivíduos, pois<br />

isto, é contraditório a um sistema que prima pela manutenção da desigualdade social,<br />

mesmo que de forma mascarada. Enquanto não se repensar uma forma de justa<br />

distribuição de renda, estará estabelecida esta contradição social. Entretanto, o CEMIC,<br />

com profissionais envolvidos com a transformação social e com competência técnica,<br />

poderão dentro de limites, naturalmente, procurar desenvolver um trabalho que caminhe<br />

para além do assistencialismo.<br />

PALAVRAS CHAVES: Contra Turno Escolar – Políticas Educacionais –<br />

Assistencialismo.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Este trabalho tem por finalidade abordar o tema contra turno escolar, em uma instituição<br />

filantrópica, o CEMIC – Centro de Estudos do Menor e Integração na comunidade. O<br />

1 Coordenadora Pedagógica da Instituição CEMIC. Pedagoga e Especialista em Fundamentos da<br />

Educação pela UNIOESTE – CASCAVEL. Rua Maringá, 1719. Cascavel – PR (45) 227-1613.


trabalho da instituição tem como filosofia a prevenção da marginalidade e a<br />

“integração” da criança e do adolescente carente na comunidade.<br />

Para tanto a entidade dispõe de uma infra-estrutura diferenciada da escola formal, com<br />

suporte de atividades diversificadas, que possibilitam o despertar das habilidades<br />

artísticas, culturais, esportivas e o aprendizado em relação ao trabalho com caráter<br />

educativo.<br />

O enfoque central do trabalho é o contra turno escolar, na perspectiva de subsidiar o<br />

processo de aquisição do ensino-aprendizagem, possibilitando o acesso a programas de<br />

informática, artesanato, musicalização, capoeira, recreação, oficinas de trabalho<br />

educativo em panificadora e marcenaria, em sistema de rotatividade.<br />

Compreendendo a família como extensão da qualidade deste trabalho, a instituição<br />

desenvolve atividades com as mães através do clube de mães, possibilitando<br />

aprendizado de artesanato, corte e costura, pintura, entre outros, proporcionando<br />

geração de renda, melhora da auto-estima e crescimento pessoal. As famílias também<br />

são acompanhadas através de visitas periódicas pela assistente social, bem como através<br />

de encontros mensais para reuniões.<br />

O direcionamento do trabalho vem ao encontro da filosofia da entidade que é de caráter<br />

assistencialista, voltada para a resolução de um problema da área social, que é a<br />

prevenção a marginalidade, retirando estas crianças e adolescentes das ruas e do<br />

trabalho infantil, oferecendo o que a família dentro de um quadro de pobreza e de<br />

marginalidade social, não tem condições de oferecer, alimentação, vestuário, cuidados<br />

médicos entre outros.<br />

Neste contexto esta presente a preocupação pedagógica no sentido de contribuir com a<br />

formação do conhecimento, porém efetiva-se mais ações assistencialistas, em função de<br />

não ocorrer uma articulação entre o trabalho desenvolvido pela escola formal e o<br />

trabalho desenvolvido pelo CEMIC.<br />

A minha preocupação enquanto educadora se fundamenta na defesa de que a escola<br />

pública, deveria estar contemplando a educação formal e o contra turno escolar, com<br />

atividades diversificadas, proporcionando assim uma ação global e dinâmica, no aspecto<br />

pedagógico, uma vez que os profissionais envolvidos, docentes da sala de aula e<br />

docentes do contra turno escolar, estariam em constante troca de experiências, podendo<br />

efetivar um planejamento mais adequado com as necessidades de aprendizado.


Entretanto, o que ocorre é a fragmentação. Esta, de certa forma, dificulta o trabalho,<br />

porque a realidade objetiva da escola e dos projetos assistenciais são diferenciados, na<br />

sua origem, na filosofia e no encaminhamento do trabalho.<br />

Essas relações se estabelecem em funções de políticas educacionais, que se fortalecem<br />

através da criação de programas e projetos sociais, em prol da educação de qualidade,<br />

com incentivos de bolsa auxílio, cestas básicas entre outros, como estratégia de<br />

mascarar o caos social que está posto, sensibilizando a sociedade civil a cumprir com<br />

sua parcela de benevolência, ou seja, assumindo uma obrigação que é do setor público.<br />

Essa relação favorece a manutenção do poder, na medida em que convence uma grande<br />

massa popular que lhe são dadas as oportunidades, por várias iniciativas do setor<br />

público e privado, mas que não são capazes, pois não progridem em sua escolaridade,<br />

tendo como conseqüência dificuldade de ingresso no mercado de trabalho, cada vez<br />

mais competitivo e seletivo.<br />

Neste contexto, projetos como CEMIC, dentre outros, ganham uma identidade de<br />

caráter educativo, assistencialista e de iniciativas profissionalizantes, configurando o<br />

discurso de qualificação no mercado de trabalho. É conveniente ressaltar porém, que<br />

estas instituições não conseguem qualificar e proporcionar o ingresso no mercado de<br />

trabalho, por que as condições objetivas não permitem um aprimoramento teórico e<br />

prático das atividades propostas, que acompanhem a evolução do mercado de trabalho.<br />

As condições do funcionamento dos projetos sociais ou instituições, de maneira geral<br />

não contam com profissionais habilitados e atividades de trabalho educativo, compatível<br />

com a exigência de mercado. Em relação às dificuldades de aprendizagem, também não<br />

“dão conta” de equacioná-los, pois estas são advindas de uma totalidade estrutural, de<br />

políticas imediatistas, sociais e educacionais, que mascaram uma sociedade desigual,<br />

em prol da manutenção de um sistema capitalista, onde o poder é para uma minoria e<br />

esta relação precisa ser garantida.<br />

Nesta estrutura social, entidades como o CEMIC, cumprem um papel ideológico.<br />

Entretanto compreendo que a luta pela transformação social, pode ocorrer na<br />

ocupação/controle desses espaços, na tentativa de extrapolar o assistencialismo,<br />

perseguindo ações que possibilitem as famílias, crianças, adolescentes e demais<br />

envolvidos refletirem sobre sua atuação enquanto integrantes desta sociedade, numa


perspectiva de construção de seus conhecimentos, valores e posicionamentos, frente ao<br />

contexto social real.<br />

A metodologia para elaboração deste trabalho se fundamenta nos pontos principais<br />

abordados, em meu trabalho de monografia “Contra Turno Escolar: Uma Reflexão na<br />

Instituição CEMIC”, pautado em análises documentais da instituição e dentre outros dos<br />

referenciais teóricos de Saes (2001), Cunha (1991) e Vieira (2000).<br />

1 AS POLÍTICAS EDUCACIO<strong>NA</strong>IS: UM PANORAMA HISTÓRICO<br />

Para articular o trabalho desenvolvido no CEMIC, enquanto espaço de assistência e<br />

formação educacional de crianças e adolescentes carentes, comentarei sobre algumas<br />

políticas educacionais e sociais e que se fortalecem nos anos 90, mais direcionadas a<br />

projetos e programas da assistência no contexto educacional.<br />

O resultado das políticas implantadas e implementadas ao longo dos anos promoveram<br />

o dualismo do ensino: ensino para ricos e ensino para pobres. Tal dualismo oportuniza a<br />

elite a ascensão do conhecimento e aos menos favorecidos uma educação direcionada,<br />

onde estes recebem formação mínima para ofertar mão-de-obra barata ao mercado e os<br />

que dispõem de recursos financeiros buscam a formação escolar, para comandar essas<br />

classes. Os menos favorecidos são cerceados pelo sistema de fazer uma opção em<br />

progredir em sua escolaridade. Dentre outros, este é um fator que estabelece a divisão<br />

de classes e determina a condição sócio-econômica, pois restringe aos menos<br />

favorecidos a ascensão a cultura, e conseqüentemente ao mercado de trabalho<br />

competitivo.<br />

As preocupações dos governos durante a 1º República no tocante a educação centraramse<br />

basicamente no ensino fundamental, na erradicação do analfabetismo e na garantia do<br />

ensino público, sempre voltado a atender as necessidades do mercado de trabalho, ou<br />

seja, dos interesses do capital, numa perspectiva conservadora.<br />

No início dos anos 80 do século XX, as políticas educacionais assumem um novo foco,<br />

devido ao avanço tecnológico, a informatização, a mundialização da economia e novos<br />

padrões de organização social, centrados na melhoria da qualidade de vida, se<br />

contrapondo ao modelo econômico conservador, que priorizava componentes da infraestrutura,<br />

para o investimento em inteligência, criatividade, capacidade de solução de


problemas, adaptação e mudança no processo produtivo, e acima de tudo capacidade<br />

para guiar, selecionar e interpretar informações.<br />

No período de 1985 a 1995, sob a visão da autora Sofia Leche Vieira, aponta para a<br />

política educacional definindo-a por um momento de transição, que saindo de um<br />

período histórico ditador e repressor, vislumbra a Nova República com propostas de<br />

democratização e participação social.<br />

Em 1984, com a morte de Tancredo Neves, assume o governo José Sarney, definindo<br />

uma proposta política de universalização da educação básica, discutindo amplamente os<br />

problemas da educação nas escolas, envolvendo professores, pais, alunos e funcionários,<br />

na perspectiva de melhorar a qualidade de ensino, criar mais escolas, investir na<br />

educação e garantir a participação efetiva da comunidade visando a descentralização de<br />

gestão, entre outros.<br />

O PND - Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, destacava o<br />

crescimento econômico, combate à pobreza, compromisso em ofertar escola pública a<br />

todas as crianças de 7 a 14 anos, garantindo a permanência na escola, no período de<br />

educação fundamental, bem como concessão de bolsas de estudos, aperfeiçoamento do<br />

magistério entre outros.<br />

Entre as prioridades sociais do governo, destacava-se a garantia da merenda escolar para<br />

a rede do ensino fundamental.<br />

As intenções do plano de governo explicita um componente novo no quadro histórico: a<br />

participação social nas tomadas de decisões, porém mantém como foco central a<br />

quantidade nas ofertas de expansão, sem esclarecer metas e recursos para efetivação dos<br />

programas<br />

Percebe-se uma distribuição e cooperação de recursos entre as três esferas do governo,<br />

porém na prática se evidencia uma certa transferência de responsabilidades do setor<br />

público para o privado.<br />

O caráter assistencialista da gestão do governo se manifesta em 1986, quando a merenda<br />

escolar, passa a beneficiar também os irmãos dos estudantes, tendo início o ingresso de<br />

crianças de 4 a 6 anos nas escolas; além dos livros, materiais didáticos e bolsas de<br />

estudos distribuídos.<br />

No período de 1990, em relação à política educacional, giram muitos discursos, porém<br />

sem ações na prática. Uma das propostas do governo é a criação do Programa CIACs


(Centros Integrados de Atendimento a Criança), centros educativos, integrando saúde e<br />

educação, que não possibilita mudanças educacionais, devido ao descompromisso do<br />

governo com objetivos propostos.<br />

Na tendência de transformação produtiva, a educação é uma das linhas estratégicas do<br />

Plano Plurianual, para o período de 1993-1995, sendo considerado fundamental para o<br />

processo de crescimento. Neste momento a política educacional se volta para a ciência,<br />

tecnologia para o desenvolvimento, modernização da produção e do Estado. A<br />

articulação Educação, Ciência e Tecnologia visa estar direcionando um ensino que<br />

possibilite a qualificação de recursos humanos, para atender as exigências de um<br />

mercado moderno de produção.<br />

Neste contexto se pretende com a universalização da educação básica “pelo menos, a<br />

aquisição de competências mínimas necessárias à qualificação para o trabalho numa<br />

economia complexa” e a “universalização da cidadania e da convivência democrática”<br />

(VIEIRA, 2000:119).<br />

Enquanto política assistencial, como nos governos anteriores se garante o fornecimento<br />

de merenda escolar e material didático.<br />

É importante ressaltar que o governo pretende manter a política de descentralização para<br />

os estados, municípios, iniciativa privada e comunidade, no sentido de cooperação,<br />

porém, mantendo o poder de Estado no sentido de regulamentação, fiscalização e até<br />

mesmo de penalização. Define-se, neste período o caráter regulador do Estado.<br />

O destaque especial do governo federal se refere a “atenção integral à criança e ao<br />

adolescente”. Nesta gestão o PRO<strong>NA</strong>ICA (Programa Nacional de Atenção a Criança e<br />

ao Adolescente), tem uma atenção especial.<br />

Em 1994, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em relação à educação estabelece<br />

um projeto político ligado as diretrizes estabelecidas em governos anteriores, pela<br />

conferência Mundial sobre Educação para Todos, LDB – Lei nº 9.394/96, Fundo de<br />

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, valorização do Magistério e<br />

no Plano Nacional de Educação – PNE.<br />

Para inserir-se no novo modelo de desenvolvimento, o país precisa de uma educação<br />

voltada a Ciência e a Tecnologia com caráter de qualidade, eficiência e competitividade,<br />

exigidas pelo mercado internacional.


O governo preconiza a geração de empregos adequados e permanentes, vislumbrando<br />

transformar o quadro de misérias e desigualdades, instaurados em um país de grande<br />

riqueza. Esta proposta se orienta por dois princípios básicos: a descentralização das três<br />

esferas do poder político e novas formas de articulação com a sociedade civil e o setor<br />

privado.<br />

A educação de qualidade está posta como medida para reversão deste quadro, pois ainda<br />

persiste problemas educacionais no ensino fundamental, tais como: repetência, evasão,<br />

acesso, analfabetismo entre outros.<br />

Outro aspecto preocupante se revela na seletividade do ensino brasileiro para o acesso<br />

ao ensino Médio e ensino Superior. A proposta do governo consiste em incentivar a<br />

universalização do acesso ao primeiro grau e melhorar a qualidade do atendimento<br />

escolar, buscando garantir aos menos favorecidos a oportunidade de que as crianças<br />

completem as oito séries de ensino obrigatório.<br />

Quanto à distribuição de recursos para o ensino, a União estabelece que para fazer jus<br />

aos recursos federais, se faz necessário que os Estados e Municípios apresentem planos<br />

de melhoria do sistema escolar, de atualização dos professores e de aumento salarial.<br />

Diante destes argumentos e exigências, o governo federal manifesta a desobrigação de<br />

suas atribuições, assumindo um papel de formulador e coordenador das políticas<br />

educacionais. Neste contexto a idéia de autonomia da escola se expressa inclusive no<br />

que diz respeito aos repasses automáticos de recursos.<br />

A exigência de qualidade se articula com a avaliação de desempenho e o controle de<br />

resultados, definido para o governo o papel de coordenador e avaliador; o que lhe<br />

assegura a garantia das estatísticas, para manutenção de financiamentos, convênios e<br />

demais acordos financeiros.<br />

A idéia de cursos profissionalizantes no Ensino Médio para a aproximação do mercado<br />

de trabalho e ensino a distância como forma de apoio a estados, municípios e setor<br />

privado, está atrelado à necessidade do MEC, de buscar parcerias e financiamentos; o<br />

que valerá para o discurso de expansão do ensino superior como um todo tanto público<br />

quanto privado.<br />

Outras questões relevantes, neste contexto de transferências de responsabilidades do<br />

Estado no que diz respeito a recursos, são as estratégias de política de controle,<br />

fundamentadas no discurso de qualidade de ensino, são os programas de valorização


profissional, ofertando treinamento de professores e diretores à distância, propostas de<br />

plano de carreira e valorização do magistério.<br />

Surgem também, vinculadas a essas medidas, preocupações curriculares em relação ao<br />

ensino fundamental, com redefinição de sua estrutura através dos parâmetros<br />

curriculares mínimos estabelecidos pelo MEC, para todo o país, englobando conteúdos<br />

habilidades e valores, que precisam ser adquiridos, como bases para formação da<br />

cidadania. Em contrapartida para a garantia da implementação da política, a Secretaria<br />

de Ensino fica incumbida de produzir os materiais de apoio sobre as novas diretrizes<br />

curriculares e distribuir para a escola e os professores, bem como coordenar as<br />

discussões.<br />

Alguns programas foram implementados pelos governos a partir do período de 1980,<br />

objetivando atingir a totalidade dos sistemas escolares, tendo como alvo as primeiras<br />

séries do ensino básico, onde incidem as altas taxas de repetência e evasão. Eles<br />

demonstram como centro de suas preocupações a melhoria de duas naturezas, as que se<br />

voltam para o aspecto pedagógico e aquelas de caráter mais assistencialista, por<br />

compensar, via escola em tempo integral, as carências sócio-econômicas do seu<br />

alunado. Dentre os programas implantados estão o Ciclo Básico, Jornada Única, CIEPs<br />

(Centros Integrados de Educação Pública), PROFIC (Programa de Formação Integral da<br />

Criança) e CIACs (Centros Integrados de Atendimento a Criança).<br />

A concepção educacional de tais programas levou a escola a ser considerada de certa<br />

forma como protetora, suprindo as necessidades de segurança, alimentação, cuidados e<br />

saúde, deixando as crianças a salvo da violência.<br />

A descontinuidade e ineficiência dos programas ocorrem porque cada administração<br />

quer distinguir-se por suas próprias iniciativas. Uma nova escola construída leva o nome<br />

do dirigente político do período, sua marca, seu carimbo. Programas de melhoria<br />

qualitativa, por outro lado, sempre são menos palpáveis e, neste sentido, não oferecem<br />

espaço político para que distintas administrações se diferenciem.<br />

A autora Lízia Helena Nagel (2001) analisa a educação na década de 90, pautada em um<br />

contexto histórico de anos anteriores, que vão construindo a história da educação no<br />

Brasil. Segundo a autora a política educacional é um conjunto de medidas agilizadas e<br />

sistematizadas pelo governo, para atuar com maior eficiência, nos mecanismos de<br />

produção, distribuição e consumo de bens já instituídos ou em constante renovação.


Essas medidas são estrategicamente pensadas, avaliadas e modificadas ao longo dos<br />

anos para atender este objetivo.<br />

As políticas educacionais como por exemplo: redução do analfabetismo, investimento<br />

em educação, implantação do Ciclo Básico, de projetos sociais com bolsas auxílios,<br />

projeto Amigo da Escola, ensino a distância, preparação para o mercado de trabalho<br />

competitivo e outros, são articuladas com eficiência pelo governo, para garantir os<br />

mecanismos de produção e as relações de trabalho que definem o sistema capitalista. No<br />

âmbito da educação os programas, projetos e leis são mascarados e contraditórios, na<br />

busca de minimizar os conflitos sociais, advindos da diferença de classes.<br />

A classe hegemônica, visando a manutenção do poder, articula as idéias de forma tão<br />

convincente, que as pessoas passam a acreditar na sua incapacidade, quando não<br />

conseguem se promover socialmente.<br />

Para elas as oportunidades estão postas, mas pelo seu fracasso não tem sucesso. Esse<br />

discurso também passa pelos bancos escolares, através dos educadores. Na verdade, a<br />

educação, na maioria das vezes, não prepara as pessoas para a leitura da realidade posta,<br />

tornando-se apenas um ensino institucionalizado, repassando conteúdos programáticos e<br />

formando e ou preparando os homens, para as exigências da sociedade, conforme vão<br />

ocorrendo modificações, para manter o mercado de trabalho.<br />

Ao longo dos anos a escola vem assumindo diversas funções, na área da saúde,<br />

alimentação, lazer e outros, suprindo uma necessidade que é de ordem social, que não é<br />

atendida nas classes menos favorecidas ou explorada pelo sistema.<br />

Com isso a escola vai se tornando mais limitada no sentido do conhecimento e sendo<br />

mais um aparato de status do governo, onde se garante através do discurso: educação,<br />

saúde, alimentação e lazer. Neste contexto podemos salientar as entidades assistenciais,<br />

que complementam o período escolar, tirando as crianças das ruas, oferecendo<br />

segurança, alimentação, cuidados de higiene, saúde, esportes, etc., subsidiando as<br />

Políticas Educacionais e Sociais, dando sustentação para os discursos do governo.<br />

2. O CEMIC<br />

O bairro São Cristóvão, em Cascavel (PR), contava nas décadas de 1960 e 1970<br />

basicamente com famílias pobres (migrantes de várias regiões), cujos pais, para<br />

trabalhar, deixavam as crianças sozinhas e estas mendigavam para saciar a fome. Diante


desta realidade, o Centro Social Beneficente da Paróquia São Cristóvão resolveu dar<br />

assistência às famílias, criando em 3 de outubro de 1977, o Centro de Estudos do Menor<br />

e Integração na Comunidade Renato Festugato (CEMIC), sob a presidência do padre<br />

Armando De Costa.<br />

O CEMIC surgiu para atender o menor marginalizado ou em vias de marginalização em<br />

suas necessidades básicas, como educação integral, reforço escolar, lazer, alimentação,<br />

vestuário, atendimento médico e odontológico, preparação cristã, artesanato,<br />

encaminhamento de documentação, emprego, cursos para os pais e visitas às famílias,<br />

objetivando melhorar o relacionamento familiar e as condições de vida da família.<br />

A entidade iniciou com 110 crianças e adolescentes, sob a direção da Irmã Edi Censi,<br />

durante dois meses passando em seguida a função à senhora Iracy Ceni, que dirigiu a<br />

entidade até 10 de dezembro de 2002, ano do seu jubileu de prata.<br />

Atualmente é presidente da Instituição o empresário Hylo Francisco Bresolin, tendo<br />

como vice o Padre Olívo Baldi.<br />

O CEMIC atende hoje aproximadamente 338 crianças e adolescentes carentes, com a<br />

finalidade de possibilitar o atendimento integral aos menores, favorecendo o seu<br />

crescimento saudável seu desenvolvimento criativo, motor, afetivo e social, ampliando e<br />

estendendo múltiplas ações sócio-educativas, através de programas e atividades<br />

diversificadas, contemplando as áreas de reforço escolar, informática, socialização,<br />

artesanato, recreação, esportes, oficinas ocupacionais (marcenaria, padaria, cozinha<br />

alternativa, jardinagem, horticultura, salão de beleza e musicalização).<br />

A entidade recebe crianças e adolescentes na faixa etária de 04 a 14 anos, sendo que as<br />

crianças de 04 a 06 anos freqüentam a educação infantil em tempo integral 2 , e as demais<br />

freqüentam a entidade no contra turno escolar; ou seja, quem estuda de manhã freqüenta<br />

a tarde e vice-versa. As crianças e adolescentes do contra turno são vinculadas a escola<br />

formal do município ou do estado.<br />

O critério básico para freqüentar a entidade é estar regularmente matriculado na escola,<br />

respeitando a renda familiar que seja no máximo, igual ou inferior a dois salários<br />

mínimos, de acordo com a lei federal que estabelece esta condição, para que se<br />

considere uma entidade beneficente.<br />

2 A Educação Infantil funciona no próprio CEMIC, com caráter de creche, por não estar enquadrada nas<br />

exigências legais. No entanto, se não houver a normalização, enquanto escola de Educação Infantil, não<br />

poderá funcionar a partir de 2007, conforme a nova LDB 9. 394/96.


Em relação ao trabalho de assistência e acompanhamento as famílias, realiza-se visitas<br />

periódicas, reuniões e atendimento no clube de mães (criado em março de 2001, para o<br />

aprendizado e corte e costura, pintura, abrolho e artesanato em geral), para orientação as<br />

famílias quanto ao acompanhamento dos filhos, na escola, na entidade e no dia-a-dia,<br />

bem como são orientadas em relação aos aspectos de relacionamento com os filhos,<br />

higiene, bons hábitos e outros.<br />

A entidade conta com uma equipe própria de funcionários e faz parceria com o Centro<br />

de Voluntários de Cascavel, recebendo auxílio desses profissionais nas diferentes áreas<br />

de atendimento.<br />

Trata-se de uma entidade, não governamental, mantida por recursos provenientes de<br />

doações de repartições/órgãos públicos e privados.<br />

A entidade é dirigida por uma diretoria voluntária, que delibera sobre as questões<br />

internas e viabiliza recursos de natureza financeira, matéria prima e outros, necessários<br />

à execução dos seus objetivos. Existe uma Coordenação Pedagógica, e uma<br />

Administrativa, diretamente responsáveis pelas atividades desenvolvidas na Instituição.<br />

Todas as atividades desenvolvidas na entidade são subsidiadas por um planejamento,<br />

elaborado juntamente com os funcionários e avaliado mensalmente através de reuniões.<br />

Semestralmente é realizado uma avaliação escrita de cada setor de trabalho, que<br />

posteriormente é socializada para discussão, com a finalidade de repensar os pontos<br />

falhos, para uma somativa maior de ações positivas.<br />

O planejamento é organizado por áreas de atendimento, onde constam as atividades a<br />

serem desenvolvidas nos respectivos setores, finalizando com o encaminhamento da<br />

avaliação. As áreas de atendimento encontram-se assim divididas: Área Educacional;<br />

Área Educacional Complementar (Informática); Área Sócio-Recreativa; Área de<br />

Trabalho Educativo; Área de Saúde, Área Familiar e Trabalho Voluntário.<br />

Numa perspectiva de educação social e familiar, realiza-se bazares de roupas, calçados e<br />

produtos confeccionados no CEMIC, com custo irrisório, para que as famílias sintam-se<br />

valorizadas, podendo adquirir os produtos e conseqüentemente ter maior zelo e<br />

aproveitamento dos mesmos. Dependendo da necessidade da família as doações são<br />

repassadas independente do bazar e sem custos. Estes casos normalmente são avaliados<br />

pela assistente social. Os bazares são destinados para as famílias e a renda é revertida na


compra de material pedagógico, alimentos e quando necessário para a aquisição de<br />

produtos no clube de mães.<br />

CONCLUSÃO<br />

A minha preocupação esteve centrada em refletir se o trabalho no CEMIC pode ir além<br />

do assistencialismo, pois oferta contra turno escolar com esse caráter, cumprindo com<br />

sua filosofia e com os objetivos a que se destina, porém um pouco desvinculada da<br />

preocupação pedagógica, devido aos limites já descritos no decorrer do trabalho. Como<br />

o CEMIC, existem diversas instituições, que assumem a responsabilidade da família,<br />

tiram as crianças das ruas e oferecem os “cuidados básicos”. Integram o quadro<br />

profissional destas entidades, pessoas de todas as áreas, sem exigência de formação na<br />

área da educação ou específica na área de atuação.<br />

Isso nos leva a acreditar que o CEMIC, enquanto instituição se atrela as políticas<br />

sociais, permanecendo com caráter assistencialista, porém em sua organização tem<br />

algumas ações no sentido de romper com essa estrutura. Em contrapartida essas ações<br />

como: reorganização do trabalho pedagógico e qualificação do quadro de funcionários<br />

está de acordo com exigências pensadas e estabelecidas pelas políticas educacionais.<br />

Esta articulação das políticas não permite um avanço qualitativo, para além do<br />

assistencialismo, porque há um confronto direto no sentido da manutenção de<br />

programas de assistência.<br />

A Instituição mantém o atendimento, sem o planejamento de uma ação que rompa<br />

efetivamente com essa prática, levando em consideração que há 25 anos o trabalho é<br />

mantido enquanto assistência. Esta relação demonstra que paralelo a algumas ações no<br />

sentido de extrapolar com o assistencialismo, se estabelecem outras mais marcantes no<br />

sentido de manter, como por exemplo: a atuação do trabalho voluntariado, basicamente<br />

compatível com o número de pessoas que integram o quadro de funcionários,<br />

contribuindo com uma tendência neoliberal que não prevê trabalho remunerado a estas<br />

pessoas.<br />

Outro apontamento é em relação ao trabalho com a família, que além das visitas, ocorre<br />

através do clube de mães, também com profissionais voluntários, o que não garante a<br />

qualificação da mão-de-obra para o mercado de trabalho, devido uma exigência de


padrão de qualidade. Esta ação contribui no sentido de geração de renda, mas de forma<br />

autônoma, o que não garante salário, trabalho e conseqüentemente é uma tendência de<br />

permanência, ou seja, de ligação a instituição devido a necessidade que permanece. Não<br />

existe através da instituição nenhuma medida no sentido de contribuir, para que as<br />

famílias possam se desligar, tendo uma possibilidade de trabalho e sustento próprio.<br />

Considero conveniente ressaltar, que as oficinas de marcenaria que atuam como<br />

trabalho educativo para os menores, talvez pudesse ser pensada no sentido de uma<br />

cooperativa para as famílias, assim como o clube de mães, ou outra atividade<br />

compatível com a necessidade do mercado, para possibilitar profissionalização e<br />

trabalho remunerado.<br />

O trabalho da instituição contribui parcialmente para a integração das crianças e<br />

adolescentes na sociedade, mas não efetivamente, porque não propicia continuidade no<br />

atendimento, uma vez que há o limite da faixa etária e não tem subsídios para oferecer<br />

programas de continuidade e inserção no mercado de trabalho. Este limite é real e nos<br />

leva a refletir o caráter ilusório da formação, que se fundamenta na inserção destes<br />

menores na comunidade. Neste sentido, compreende-se que a ação da instituição é<br />

necessária, mas cumpre parcialmente sua finalidade.<br />

Atendimentos deste nível cumprem com sua especificidade, porém poderiam num outro<br />

contexto, nem existirem ou direcionarem o trabalho em parceria com as escolas, com<br />

uma visão educacional articulada, que viesse a complementar e fazer a diferença no<br />

processo de ensino-aprendizagem, o que não vem ocorrendo. Se olharmos para a escola:<br />

os programas de ciclo básico, correção de fluxo, PACs, contra turno e outros, surgiram<br />

como medidas paliativas e provisórias, para resolverem problemas de correção<br />

idade/série, melhorando as estatísticas, não reprovando; fazendo com que a maioria dos<br />

educandos, já com dificuldades específicas, avançassem, carregando essas dificuldades<br />

e chegando ao ensino médio ou ensino superior semi-alfabetizados.<br />

Outra preocupação hoje é a implantação da escola integral no nosso município que<br />

almeja oferecer o contra turno e atividades diversificadas na área de: esporte, cultura e<br />

educação; contando com estagiários para o desenvolvimento do projeto e com os<br />

recursos financeiros e materiais da SEMED (Secretaria Municipal de Educação de<br />

Cascavel). Até o momento esta é uma ação que está sendo efetivada gradativamente e<br />

do meu ponto de vista, mais uma política de promoção dos nossos governantes, porque


não garante, o que defendo para a educação de boa qualidade: garantia de profissionais<br />

com formação e competência, para atuarem nas escolas. O estagiário pode ser<br />

fundamental neste processo, mas atuando e discutindo junto com o profissional e não<br />

assumindo na íntegra a função.<br />

Se analisarmos a questão da formação dos educadores, que pela exigência da LDB (Lei<br />

de Diretrizes e Bases), obrigou os docentes a buscarem o curso superior, vamos<br />

perceber que infelizmente os educadores da rede pública de ensino, por não terem<br />

acesso a Universidade Pública, estão recebendo formação na instituição privada, o que<br />

dá a esta formação um caráter elitista, vinculada a uma ideologia de manutenção do<br />

sistema vigente.<br />

Com base nas leituras realizadas, percebe-se que historicamente, as políticas e ações do<br />

governo, são articuladas de forma a garantir os interesses econômicos e políticos<br />

despreocupados de uma condição que ofereça oportunidade real de crescimento pessoal<br />

e profissional dos indivíduos, pois isto, é contraditório a um sistema que prima pela<br />

manutenção da desigualdade social, mesmo que de forma mascarada.<br />

Enquanto não se repensar uma forma de justa distribuição de renda, estará estabelecida<br />

esta contradição social.<br />

Entretanto, o CEMIC, com profissionais envolvidos com a transformação social e com<br />

competência técnica, poderão dentro de limites, naturalmente, procurar desenvolver um<br />

trabalho que caminhe para além do assistencialismo.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9. 394/96), 20 de<br />

dezembro de 1996.<br />

CUNHA, L. A. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, 1991.<br />

ESTATUTO DO CEMIC, 1977 (mimeo).<br />

GHIRALDELLI, P. J. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990.<br />

<strong>NA</strong>GEL, L. H. O Estado Brasileiro e as Políticas Educacionais nos Anos Oitenta. In<br />

NOGUEIRA, F. M. G. (org.) Estado e políticas sociais no Brasil. Cascavel, PR:<br />

Edunioeste, 2001. 292 p.


SAES, D. República do Capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo:<br />

Boi Tempo, 2001.<br />

SILVA, R.N.; et al. O descompromisso das políticas públicas com a qualidade do<br />

ensino. Caderno de Pesquisa nº 84; 1993. São Paulo.<br />

VIEIRA, S.L. Política Educacional em tempos de Transição. Brasília: Plano, 2000.

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