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Muriel Bulsing - UFSM

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fornece a grade interpretativa que permite enquadrar um evento fortuito (um<br />

infortúnio qualquer), que tem causas naturais, em um sentido mais tolerável para a<br />

existência de quem sofre o infortúnio. Considerando isso, quando nós pesquisadores<br />

tentamos compreender a simbologia à qual o nativo recorre para interpretar e<br />

compreender o evento sofrido, parece-nos que ocorre uma superposição de sentido,<br />

mas esta superposição é ilusória, ou quando muito, unilateral, pois para o nativo o<br />

sentido é um só. Os antropólogos, no exercício da profissão, deslocam a própria<br />

grade de interpretação para situarem-se diante a grade interpretativa do nativo, pois<br />

só assim podem ultrapassar a mera descrição de coisas, fatos e relações para<br />

captarem o ethos no qual o sentido mesmo se insere.<br />

Num exercício constante de observar e abstrair, Evans-Pritchard fornece aos<br />

seus leitores e estudiosos das culturas humanas em geral uma monografia teórica e<br />

descritiva que nos ajuda a despir-nos de preconceitos e pré-noções ao mostrar-nos<br />

que o trabalho do antropólogo nem sempre é estudar somente aquilo que ele deseja,<br />

mas, principalmente, aquilo que o próprio objeto de estudo (no caso dele a tribo dos<br />

Azande) acredita e vivencia. Assim o autor explica que a questão principal do por<br />

que os Azande acreditam na bruxaria reside no fato de que é a bruxaria que explica<br />

a questão dos infortúnios para as pessoas daquela tribo e da mesma forma oferece<br />

meios para combater esses infortúnios. Essa crença pode até nos parecer “infantil”,<br />

primitiva e/ou irracional, mas ao deslocarmos a nossa lógica pessoal e<br />

historicamente determinada para a lógica do indivíduo pertencente a aldeia dos<br />

Azande, logo compreendemos que mesmo na superstição existe uma razão, existe<br />

uma racionalidade, pois os Azande não desprezam as causas físicas do infortúnio,<br />

eles apenas conjugam uma variedade de causas possíveis que foram determinantes<br />

para um determinado evento ocorrer e é essa conjugação de causar que pode ser<br />

influenciada, quando não determinada, pela bruxaria.<br />

Juntamente com a bruxaria e os oráculos, a magia completa o sistema de<br />

crenças dos Azande:<br />

“Assim, a morte evoca a noção de bruxaria; os oráculos<br />

são consultados para determinar o curso da vingança; a magia<br />

é feita para executar essa vingança; os oráculos decidem se a<br />

magia executou a vingança; depois da tarefa cumprida, as<br />

drogas mágicas são destruídas” (EVANS-PRITCHARD, 2005 p.<br />

228).<br />

A contribuição de Evans-Pritchard vai ainda além de fornecer-nos<br />

fundamentos empíricos para a reiteração dessa grade interpretativa dos significados<br />

para a qual a religião fornece-nos modelos de compreensão da cultura. O próprio<br />

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