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fornece a grade interpretativa que permite enquadrar um evento fortuito (um<br />
infortúnio qualquer), que tem causas naturais, em um sentido mais tolerável para a<br />
existência de quem sofre o infortúnio. Considerando isso, quando nós pesquisadores<br />
tentamos compreender a simbologia à qual o nativo recorre para interpretar e<br />
compreender o evento sofrido, parece-nos que ocorre uma superposição de sentido,<br />
mas esta superposição é ilusória, ou quando muito, unilateral, pois para o nativo o<br />
sentido é um só. Os antropólogos, no exercício da profissão, deslocam a própria<br />
grade de interpretação para situarem-se diante a grade interpretativa do nativo, pois<br />
só assim podem ultrapassar a mera descrição de coisas, fatos e relações para<br />
captarem o ethos no qual o sentido mesmo se insere.<br />
Num exercício constante de observar e abstrair, Evans-Pritchard fornece aos<br />
seus leitores e estudiosos das culturas humanas em geral uma monografia teórica e<br />
descritiva que nos ajuda a despir-nos de preconceitos e pré-noções ao mostrar-nos<br />
que o trabalho do antropólogo nem sempre é estudar somente aquilo que ele deseja,<br />
mas, principalmente, aquilo que o próprio objeto de estudo (no caso dele a tribo dos<br />
Azande) acredita e vivencia. Assim o autor explica que a questão principal do por<br />
que os Azande acreditam na bruxaria reside no fato de que é a bruxaria que explica<br />
a questão dos infortúnios para as pessoas daquela tribo e da mesma forma oferece<br />
meios para combater esses infortúnios. Essa crença pode até nos parecer “infantil”,<br />
primitiva e/ou irracional, mas ao deslocarmos a nossa lógica pessoal e<br />
historicamente determinada para a lógica do indivíduo pertencente a aldeia dos<br />
Azande, logo compreendemos que mesmo na superstição existe uma razão, existe<br />
uma racionalidade, pois os Azande não desprezam as causas físicas do infortúnio,<br />
eles apenas conjugam uma variedade de causas possíveis que foram determinantes<br />
para um determinado evento ocorrer e é essa conjugação de causar que pode ser<br />
influenciada, quando não determinada, pela bruxaria.<br />
Juntamente com a bruxaria e os oráculos, a magia completa o sistema de<br />
crenças dos Azande:<br />
“Assim, a morte evoca a noção de bruxaria; os oráculos<br />
são consultados para determinar o curso da vingança; a magia<br />
é feita para executar essa vingança; os oráculos decidem se a<br />
magia executou a vingança; depois da tarefa cumprida, as<br />
drogas mágicas são destruídas” (EVANS-PRITCHARD, 2005 p.<br />
228).<br />
A contribuição de Evans-Pritchard vai ainda além de fornecer-nos<br />
fundamentos empíricos para a reiteração dessa grade interpretativa dos significados<br />
para a qual a religião fornece-nos modelos de compreensão da cultura. O próprio<br />
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