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1 Gileno de Carli e suas memórias sobre os trabalhadores dos ...

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<strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> e <strong>suas</strong> <strong>memórias</strong> <strong>sobre</strong> <strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong> d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> açucareir<strong>os</strong>,<br />

Pernambuco 1940.<br />

Maria Emília Vasconcel<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong>. 1<br />

Nesse texto, procuram<strong>os</strong> expor em forma <strong>de</strong> síntese, às preocupações que norteiam<br />

parte <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa pesquisa <strong>sobre</strong> as consequências sociais <strong>de</strong>correntes da Abolição da escravidão<br />

para a vida d<strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong> d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> açucareir<strong>os</strong> <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

“Que haveriam <strong>de</strong> fazer o negro, o mulato quando, perplex<strong>os</strong>, in<strong>de</strong>cis<strong>os</strong>, se viram<br />

diante do Treze <strong>de</strong> Maio?” Escrito em 1940 pelo agrônomo <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong>, no livro<br />

intitulado Aspect<strong>os</strong> açucareir<strong>os</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, publicado pelo Instituto do Açúcar e do<br />

Álcool 2 , tal afirmação apresentava-se como um questionamento <strong>sobre</strong> o <strong>de</strong>stino d<strong>os</strong> ex-<br />

cativ<strong>os</strong> após a Abolição em Pernambuco. Embora não se tratasse <strong>de</strong> um livro a respeito da<br />

escravidão nem da abolição, o autor lançou <strong>os</strong> seus olh<strong>os</strong> em direção o passado para discutir,<br />

entre outras, questões relativas às usinas açucareiras e seus <strong>trabalhadores</strong>. 3 Ao adotar uma<br />

perspectiva histórica para abordar a questão, tomou a Abolição como ponto <strong>de</strong> partida para as<br />

<strong>suas</strong> explicações. O fim do trabalho servil foi um processo que legalmente findou com o<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888. Desse modo, <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> traçou uma genealogia d<strong>os</strong><br />

<strong>trabalhadores</strong> das usinas com uma origem marcada no 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888. Essa data<br />

estabeleceu-se como um marco na memória social daqueles que a viveram, notadamente, para<br />

<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> e seus proprietári<strong>os</strong>. Para o autor, a Lei Áurea aparece como um evento brusco e<br />

que <strong>de</strong>ixou <strong>os</strong> ex-cativ<strong>os</strong> chei<strong>os</strong> <strong>de</strong> dúvidas e atônit<strong>os</strong>, como se não esperassem por este<br />

<strong>de</strong>sfecho.<br />

Com o avanço atual da investigação histórica, notadamente no campo da historiografia<br />

da escravidão, sabem<strong>os</strong> que a Abolição do cativeiro fazia parte do horizonte <strong>de</strong> previsões <strong>de</strong><br />

muit<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> e senhores <strong>de</strong> engenho n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> an<strong>os</strong> do Império. 4 Mas o estado da arte<br />

1<br />

Doutoranda em História Social da Cultura da Unicamp. Bolsista Fapesp.<br />

2<br />

Órgão criado em 1933.<br />

3<br />

De <strong>Carli</strong>, <strong>Gileno</strong>. Aspect<strong>os</strong> açucareir<strong>os</strong> <strong>de</strong> Pernambuco. Rio <strong>de</strong> Janeiro, s.n., 1940. Em sua atuação<br />

profissional <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> Carlí foi Agrônomo, presi<strong>de</strong>nte do Instituto do Açúcar e do Álcool e foi Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral. O seu livro estaria situado no gênero informativo, não é um livro <strong>de</strong> <strong>memórias</strong> nem um livro técnico, em<br />

n<strong>os</strong>so ponto <strong>de</strong> vista mescla estas duas características narrativas. Do modo em que foi escrito fica claro que o<br />

autor agencia um conhecimento com origem ora em sua memória individual e ora na memória compartilhada<br />

coletivamente, <strong>de</strong> sua formação técnica e <strong>de</strong> sua atuação profissional. Nesse texto não há nenhuma referência<br />

bibliográfica nem notas <strong>de</strong> citação. É um livro comp<strong>os</strong>to <strong>de</strong> 16 capítul<strong>os</strong> que p<strong>os</strong>suem como cenário <strong>os</strong> engenh<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> Pernambuco e seus <strong>trabalhadores</strong>.<br />

4<br />

Machado, Maria Helena. O Plano e o pânico: <strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> sociais na década da abolição. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Editora da UFRJ, EDUSP, 1994. Chalhoub, Sidney. Visões da liberda<strong>de</strong>. Uma história das últimas décadas da<br />

escravidão na Corte. São Paulo, Companhia das Letras. 2003.Albuquerque, Wlamyra R. O Jogo da<br />

1


não era esse no período em que o agrônomo construiu o seu relato. Em função do contexto no<br />

qual foi escrito, em seu texto <strong>os</strong> libert<strong>os</strong> aparecem sem ação ante um momento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição<br />

das relações sociais, parecendo alhei<strong>os</strong> a<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> <strong>de</strong> contestação à escravidão das duas<br />

últimas décadas do século XIX e sem participação alguma no <strong>de</strong>sfecho ocorrido em 1888. Ou<br />

pelo men<strong>os</strong> é assim que ele g<strong>os</strong>taria que esse evento tivesse ocorrido.<br />

Após tecer algumas consi<strong>de</strong>rações <strong>sobre</strong> a escolha <strong>de</strong> negr<strong>os</strong> e <strong>de</strong> mulat<strong>os</strong> para<br />

emprego na lavoura açucareira e da exploração da sua força <strong>de</strong> trabalho d<strong>os</strong> mesm<strong>os</strong> como<br />

cativ<strong>os</strong>. Foram <strong>os</strong> eles consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> pelo autor, como pouco submiss<strong>os</strong> <strong>de</strong>vido ao surgimento<br />

<strong>de</strong> “rebeldias, revoltas e quilomb<strong>os</strong>”, mas ainda assim <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> <strong>os</strong> consi<strong>de</strong>rava<br />

conformad<strong>os</strong> à condição <strong>de</strong> escravizad<strong>os</strong>. Em outra passagem do seu texto o autor disse o<br />

seguinte:<br />

Passava a rebelião e o negro continuava a trabalhar. E assim trabalhavam,<br />

alimentad<strong>os</strong> pelo senhor <strong>de</strong> engenho, o negro e o mulato, vivendo a vida da<br />

senzala, a miséria do cativeiro e a tragédia do <strong>de</strong>sbravamento,<br />

Quando chegou o Treze <strong>de</strong> Maio, o negro e o mulato se entreolharam: que<br />

fazer da liberda<strong>de</strong>?<br />

Curvaram a cabeça para a terra, recomeçaram o trabalho. 5<br />

As consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> constituem num bom ponto <strong>de</strong> partida para a<br />

discussão que preten<strong>de</strong>m<strong>os</strong> <strong>de</strong>senvolver ao longo da tese. Estimulam-n<strong>os</strong> a refletir <strong>sobre</strong> <strong>os</strong><br />

significad<strong>os</strong> do 13 <strong>de</strong> maio na vida d<strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong> d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> e a elaborar <strong>os</strong> seguintes<br />

questionament<strong>os</strong>: Como <strong>os</strong> homens e mulheres <strong>trabalhadores</strong> da área rural experimentaram a<br />

liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong>? E em que condições podiam exercê-la? Para o autor a Abolição não<br />

apresentou mudanças na vida d<strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong> d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> e este evento não teria sido um<br />

marco <strong>de</strong>finidor <strong>de</strong> fronteiras entre a escravidão e a liberda<strong>de</strong>. Assim, torna-se fundamental<br />

analisar, junto a outr<strong>os</strong> document<strong>os</strong> e fazer uma releitura lenta <strong>de</strong>ste livro e repensar o <strong>de</strong>stino<br />

das populações <strong>de</strong> <strong>trabalhadores</strong> libert<strong>os</strong>.<br />

O gênero <strong>memórias</strong> era compartilhado em Pernambuco por muit<strong>os</strong> e já existia certa<br />

tradição <strong>de</strong>sse estilo narrativo entre eles: Joaquim Nabuco, Júlio Bello, Mário Sette, Gilberto<br />

Freyre, entre outr<strong>os</strong> que <strong>de</strong>vem estar no anonimato. Os autores citad<strong>os</strong> legaram <strong>memórias</strong> que,<br />

em linhas gerais, versaram a respeito d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> finais da escravidão e do imediato pós-<br />

Dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil. Companhia das Letras. São Paulo, 2009. Fraga Filho,<br />

Walter. Encruzilhadas da Liberda<strong>de</strong>: Histórias <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong> e libert<strong>os</strong> na Bahia (1870-1910). Campinas, SP:<br />

Editora da Unicamp, 2006.<br />

5 De <strong>Carli</strong>, <strong>Gileno</strong>. Aspect<strong>os</strong> açucareir<strong>os</strong> <strong>de</strong> Pernambuco. Rio <strong>de</strong> Janeiro, s.n., 1940.<br />

2


abolição 6 . E é exatamente nesse universo que se insere a escrita <strong>de</strong> <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong>. Segundo o<br />

historiador catalão Tarrés <strong>os</strong> relat<strong>os</strong> memorialístic<strong>os</strong> sofrem influência recíproca porque se<br />

encontram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto literário-cultural do momento em que foram escrit<strong>os</strong> 7 .<br />

Entre as fontes que tratam <strong>de</strong> relat<strong>os</strong> pessoais tem<strong>os</strong> <strong>os</strong> diári<strong>os</strong>, <strong>os</strong> livr<strong>os</strong> <strong>de</strong> notas e <strong>de</strong><br />

viagens, as autobiografias, as crônicas e as <strong>memórias</strong> tod<strong>os</strong> eles comuns no Brasil d<strong>os</strong> sécul<strong>os</strong><br />

XIX e XX. Po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> afirmar, que o registro <strong>de</strong> memória produzido por <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> e por<br />

ex-senhores e ex-senhoras esteve marcado pela discussão do Regionalismo. Nesse sentido,<br />

Maciel Carneiro 8 salienta que:<br />

Alguns memorialistas, todavia, nem escritores são no sentido estrito da<br />

palavra, mas, imbuíd<strong>os</strong> <strong>de</strong> sentimento regionalista e tradicionalista sorvido<br />

na experiência <strong>de</strong> uma classe em <strong>de</strong>cadência, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m registrar fat<strong>os</strong><br />

emblemátic<strong>os</strong> <strong>de</strong> seu passado, constituir um quadro histórico das<br />

transformações <strong>de</strong> uma época 9 .<br />

Na seleção <strong>de</strong> <strong>suas</strong> lembranças às quais foram preservadas em papel e com a égi<strong>de</strong> da<br />

autorida<strong>de</strong> intelectual/técnica o autor constitui como disse Hobsbawn no livro Sobre História,<br />

um passado social formalizado. 10<br />

Neste passado <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> e <strong>os</strong> mulat<strong>os</strong>, term<strong>os</strong> que po<strong>de</strong>m ser lid<strong>os</strong> como ex-escrav<strong>os</strong>,<br />

após o 13 <strong>de</strong> maio, nas impressões contidas, n<strong>os</strong> breves trech<strong>os</strong> aqui apresentad<strong>os</strong>, <strong>os</strong> homens<br />

e mulheres escravizad<strong>os</strong> viviam em estado <strong>de</strong> submissão e passivida<strong>de</strong> com alguns rompantes<br />

<strong>de</strong> rebeldia. O autor apresenta uma <strong>de</strong>terminada leitura do processo abolicionista construída<br />

num processo <strong>de</strong> enquadramento <strong>de</strong>sta memória Não po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> esquecer que a memória<br />

pessoal e social estão intrinsecamente articuladas. Nesse sentido, enten<strong>de</strong>m<strong>os</strong> que o relato <strong>de</strong><br />

memória registra algo tomando por base as referências do seu produtor. Ou seja, a partir das<br />

experiências acumuladas interage-se com o mundo ao seu redor. A memória não se opera<br />

6 Nabuco, J. Minha formação. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2004, p. 182. Texto escrito originalmente entre<br />

1893-1899; Bello, J. Memórias <strong>de</strong> um senhor <strong>de</strong> engenho. 3ª ed. Recife: FUNDARPE, 1985; Sette, M. Memórias<br />

íntimas: caminh<strong>os</strong> <strong>de</strong> um coração. Recife: Fundação <strong>de</strong> Cultura Cida<strong>de</strong> do Recife, 1980; Freyre, G. O velho<br />

Félix e <strong>suas</strong> Memórias <strong>de</strong> um Cavalcanti. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria J<strong>os</strong>é Olympio Editora, 1959; Freyre, G.<br />

Tempo morto e outr<strong>os</strong> temp<strong>os</strong>: trech<strong>os</strong> <strong>de</strong> um diário <strong>de</strong> adolescência e primeira mocida<strong>de</strong> (1915-1930), 2.ed.,<br />

São Paulo, Global, 2006.<br />

7 Tarrés, Antonio Simón. Memorias y Diari<strong>os</strong> Personales <strong>de</strong> Cataluña Mo<strong>de</strong>rna. Revista Historia Social,<br />

Valencia, vol 2, 1998, Fundacions Instituto <strong>de</strong> Historia Social, pg-131.<br />

8 Silva, Maciel Henrique Carneiro da. Domésticas criadas entre text<strong>os</strong> e práticas sociais: Recife e Salvador<br />

(1870-1910). Tese <strong>de</strong> Doutorado UFBA, Salvador, 2011. O estudo versa <strong>sobre</strong> as criadas (escravas domésticas,<br />

libertas, livres pobres) e as senhoras e senhores que foram afetad<strong>os</strong> pelas mudanças políticas e sociais das<br />

últimas décadas da escravidão, na Bahia e em Pernambuco, e que se tornaram personagens <strong>de</strong> registr<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>memórias</strong>.<br />

9 I<strong>de</strong>m. pg- 118.<br />

10 Hobsbawn, Eric J. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.<br />

3


como mero registro, se narra <strong>de</strong> uma maneira constituída no presente, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r. Memória não é registro, memória é construção é elaboração. 11<br />

Ana Ri<strong>os</strong> observou nas entrevistas com <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> libert<strong>os</strong>, do su<strong>de</strong>ste brasileiro,<br />

no pós-abolição que alguns marc<strong>os</strong> <strong>de</strong> memória familiar estavam centrad<strong>os</strong> na passagem da<br />

escravidão para a liberda<strong>de</strong> com referências, por exemplo, a lei do ventre livre 12 . Esse evento<br />

simbolizava um marco familiar, aqueles nascid<strong>os</strong> após a lei Rio Branco passaram a ser<br />

chamad<strong>os</strong> <strong>de</strong> “ventre-livre”. Esse novo termo era muito utilizado pel<strong>os</strong> entrevistad<strong>os</strong> para<br />

<strong>de</strong>marcar um status diferenciado com relação ao seu ancestral <strong>de</strong>ntro da escravaria. Do<br />

mesmo modo ocorreu com <strong>os</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> proprietári<strong>os</strong> <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong> embora as<br />

rememorações concentraram-se no dia 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888 e n<strong>os</strong> dias seguintes a esse evento.<br />

Situação difícil para muit<strong>os</strong> <strong>de</strong>les que viram sua autorida<strong>de</strong> senhorial e fortunas ruírem 13 . No<br />

texto <strong>de</strong> <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> estão registradas as representações <strong>de</strong> um homem da elite, que inseriu<br />

em sua narrativa a memória social <strong>de</strong> seu grupo acerca <strong>de</strong> quem eram <strong>os</strong> homens e as<br />

mulheres que trabalharam n<strong>os</strong> canaviais.<br />

Depois <strong>de</strong>stas explicações e seguindo <strong>os</strong> indíci<strong>os</strong> apresentad<strong>os</strong> pela narrativa do autor<br />

parece que nada mudou na vida d<strong>os</strong> homens e mulheres outrora escravizad<strong>os</strong>. Esse ponto <strong>de</strong><br />

vista é reforçado com a constatação <strong>de</strong> que <strong>os</strong> ex-escrav<strong>os</strong> vendo-se livres continuaram como<br />

<strong>trabalhadores</strong> d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> e <strong>de</strong>pois nas usinas em condições semelhantes às d<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> da<br />

escravidão. Se bem que, <strong>de</strong>vem<strong>os</strong> matizar a idéia <strong>de</strong> que ficar na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ex-senhor<br />

representa indício <strong>de</strong> submissão d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>. A pesquisa empírica po<strong>de</strong> relativizar <strong>os</strong> reais<br />

motiv<strong>os</strong> da permanência do ex-escravo na proprieda<strong>de</strong> senhorial. Entretanto não po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> ver<br />

esses libert<strong>os</strong> como submiss<strong>os</strong>, eles po<strong>de</strong>m ter adotado um comportamento mais obediente<br />

para acionar benesses e direit<strong>os</strong>. É claro que homens e mulheres escrav<strong>os</strong> adotaram p<strong>os</strong>turas<br />

que misturavam comportament<strong>os</strong> d<strong>os</strong> mais ousad<strong>os</strong> a<strong>os</strong> passiv<strong>os</strong>, isso <strong>de</strong>ntro das limitações<br />

<strong>de</strong> sua condição, tanto para alcançar a liberda<strong>de</strong> como para fazer uso <strong>de</strong>la (vivenciá-la).<br />

A permanência po<strong>de</strong>ria representar uma nova etapa na vida do liberto, que visava<br />

preservar <strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> pessoais e <strong>os</strong> bens materiais que reuniu durante a vida em cativeiro. 14<br />

Alguns trabalh<strong>os</strong> mais recentes vêm reavaliando o significado que a aquisição <strong>de</strong> incentiv<strong>os</strong><br />

11 Montenegro, Antônio Torres. Memórias, percurs<strong>os</strong> e reflexões: Com Antônio Torres Montenegro. Saeculum –<br />

Revista <strong>de</strong> História [18]; João pessoa, Jan/Jun. 2008.<br />

12 Matt<strong>os</strong>, Hebe Maria. & Ri<strong>os</strong>, Ana Lugão. Memórias do Cativeiro: Família, Trabalho e Cidadania no Pós-<br />

Abolição. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.<br />

13 Albuquerque, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2009. Ver o tópico – “Conserve-se a Palavra Senhor!”.<br />

14 Ver introdução <strong>de</strong>: Slenes, Robert. Na Senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família<br />

escrava, Brasil Su<strong>de</strong>ste, século XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1999.<br />

4


senhoriais – como a roça <strong>de</strong> subsistência, a venda <strong>de</strong> exce<strong>de</strong>ntes ou a formação <strong>de</strong> família – tinha<br />

para a organização da economia e da cultura doméstica d<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>; que estes benefíci<strong>os</strong> eram<br />

conquistad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> quase sempre antes da alforria 15 .<br />

<strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong>, provavelmente, foi leitor <strong>de</strong> historiadores e sociólog<strong>os</strong> que<br />

escreveram <strong>sobre</strong> a escravidão no Brasil n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> <strong>de</strong> 1930 e 1940. Inspirado pelo contexto<br />

historiográfico no qual viveu, <strong>Carli</strong> consi<strong>de</strong>rou que <strong>os</strong> ex-cativ<strong>os</strong> seriam incapazes <strong>de</strong><br />

integrarem-se plenamente numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homens livres, pois traziam as marcas herdadas<br />

da escravidão. Por isso em sua percepção eles são caracterizad<strong>os</strong> pelas cabeças p<strong>os</strong>tadas para<br />

baixo.<br />

Passad<strong>os</strong> alguns an<strong>os</strong> a historiografia da escravidão empreen<strong>de</strong>u uma revisão das teses<br />

ora da benevolência ora da cruelda<strong>de</strong> da escravidão brasileira. Os <strong>de</strong>bates historiográfic<strong>os</strong><br />

entre as décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980, sob a influência da produção norte-americana e pelas<br />

pesquisas <strong>de</strong> E. P. Thompson favoreceram o aparecimento <strong>de</strong> estud<strong>os</strong> que se preocupavam em<br />

observar <strong>os</strong> cativ<strong>os</strong> como sujeit<strong>os</strong> históric<strong>os</strong> e não em produzir vítimas in<strong>de</strong>fesas e nem<br />

inventar heróis. Os pesquisadores, ao incorporarem novas fontes e metodologias, encontraram<br />

múltiplas formas <strong>de</strong> negociação e conflito no mundo do cativeiro. Esta literatura <strong>de</strong>ixa<br />

entrever relações <strong>de</strong> luta, resistência, solidarieda<strong>de</strong>s e coloca as experiências d<strong>os</strong> escravizad<strong>os</strong><br />

entre <strong>os</strong> pont<strong>os</strong> <strong>de</strong> discussão. 16<br />

Ocorreram mudanças entre as impressões <strong>de</strong> <strong>Gileno</strong> <strong>de</strong> <strong>Carli</strong> em 1940 e a história da<br />

Abolição escrita pel<strong>os</strong> historiadores em Pernambuco n<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> 20 an<strong>os</strong>. Se para o agrônomo<br />

<strong>os</strong> ex-escrav<strong>os</strong> eram visíveis; eles ficaram praticamente <strong>de</strong> fora da memória e do olhar d<strong>os</strong><br />

últim<strong>os</strong>. Ao estudarem a Abolição <strong>os</strong> historiadores pernambucan<strong>os</strong>, do final do século XX,<br />

partiram inicialmente da idéia <strong>de</strong> que o 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888 foi um evento <strong>de</strong> pouca<br />

expressão. Tal evento foi resultado d<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> finais do regime escravista em<br />

Pernambuco, tido nesta localida<strong>de</strong> como um acontecimento gradual e quase imperceptível.<br />

Esta sup<strong>os</strong>ição, logo tomada como uma verda<strong>de</strong> direcionou a pesquisa levada a cabo pelo<br />

programa <strong>de</strong> pós-graduação da UFPE. Em virtu<strong>de</strong> da comp<strong>os</strong>ição do corpo docente e da<br />

influência do Professor Marcus Carvalho, a partir da década <strong>de</strong> 1990, muit<strong>os</strong> estudantes<br />

começaram a se <strong>de</strong>dicar ao estudo do período das chamadas revoluções liberais e <strong>sobre</strong> as<br />

15 Slenes, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil<br />

Su<strong>de</strong>ste, século XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Ferreira, Roberto Gue<strong>de</strong>s. Pard<strong>os</strong>: trabalho, família,<br />

aliança e mobilida<strong>de</strong> social. Porto Feliz, c. 1798- c.1850. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em História),<br />

UFRJ.<br />

16 Lima, Luciano Mendonça <strong>de</strong>. Cativ<strong>os</strong> da “Rainha da Borborema”: Uma história social da escravidão em<br />

Campina Gran<strong>de</strong> – século XIX. Recife, Tese <strong>de</strong> doutorado, UFPE, 2008. Ver também: Eduardo Silva & Joao<br />

J<strong>os</strong>e Reis. Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo, Companhia das Letras.<br />

2005.<br />

5


experiências escravas durante o século XIX até o marco do ano <strong>de</strong> 1888. Os temas abordad<strong>os</strong><br />

pel<strong>os</strong> estudantes também acompanharam a historiografia da escravidão no Brasil. Contudo, é<br />

fato que são pouc<strong>os</strong> <strong>os</strong> estud<strong>os</strong> acadêmic<strong>os</strong> voltad<strong>os</strong> para compreen<strong>de</strong>r o período da Abolição e<br />

as experiências <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> a ela relacionadas na área rural produzid<strong>os</strong> neste programa. 17<br />

Prevaleceu a imagem <strong>de</strong> senhores <strong>de</strong> engenho que n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> finais do século XIX<br />

tinham substituído a<strong>os</strong> pouc<strong>os</strong> seus <strong>trabalhadores</strong>. Tal percepção foi cunhada na análise feita<br />

por Peter Eisenberg <strong>sobre</strong> a Zona da Mata pernambucana. Para ele a presença <strong>de</strong><br />

<strong>trabalhadores</strong> livres cresceu ao longo das décadas 1870 e 1880 e isso sem alterar<br />

significativamente a dinâmica <strong>de</strong> trabalho da lavoura <strong>de</strong> açúcar. Essa situação teria acabado<br />

por beneficiar <strong>os</strong> senhores, que racionalizaram <strong>os</strong> cust<strong>os</strong> <strong>de</strong> manutenção d<strong>os</strong> seus engenh<strong>os</strong>,<br />

ao eliminar <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong>snecessárias com <strong>os</strong> cativ<strong>os</strong>, pagar baix<strong>os</strong> salári<strong>os</strong> a<strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong><br />

livres e utilizar mão-<strong>de</strong>-obra sazonal, empregada somente no período da safra da cana. 18 Com<br />

isso a Abolição e o pós-abolição não se constituiriam como um campo historiográfico <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque. Pouco se sabe <strong>sobre</strong> este período <strong>de</strong>vido ao vazio da literatura especializada local.<br />

Embora a preocupação com o pós-abolição como uma temática a ser estudada é, po<strong>de</strong>-se<br />

dizer, relativamente recente no Brasil.<br />

A Abolição era vista também como um evento político vazio, sem maior expressão já<br />

que se acreditava estar gran<strong>de</strong> parte da população livre, ou seja, a província pernambucana<br />

p<strong>os</strong>suía pouc<strong>os</strong> cativ<strong>os</strong>. Tal afirmativa, acreditam<strong>os</strong>, <strong>de</strong>ve ser mais acertada para a capital e<br />

para as áreas urbanizadas. E não para as áreas rurais voltadas para a plantation açucareira<br />

on<strong>de</strong> a escravidão significava algo.<br />

Não po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> negar que ao longo do século XIX houve uma diminuição da população<br />

escrava na província pernambucana e que esse fato esteve relacionado a <strong>de</strong>cisões políticas e a<br />

contestações <strong>sobre</strong> a continuida<strong>de</strong> do cativeiro no Brasil. A <strong>de</strong>sarticulação do sistema<br />

escravista começou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mead<strong>os</strong> do século XIX, com a interrupção do tráfico africano, em<br />

1850. O fim do comércio ilegal <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong> provocou nas décadas <strong>de</strong> 1850 e <strong>de</strong> 1860, o<br />

aumento do preço d<strong>os</strong> cativ<strong>os</strong> e uma concentração da proprieda<strong>de</strong> escrava que saiu das mã<strong>os</strong><br />

d<strong>os</strong> pequen<strong>os</strong> senhores para <strong>os</strong> gran<strong>de</strong>s; da cida<strong>de</strong> para o campo e do Norte para o Sul. Essa é<br />

uma realida<strong>de</strong> que <strong>de</strong> acordo com Glauber Lima não afetou a<strong>os</strong> senhores <strong>de</strong> engenho da Mata<br />

17 Hoffnagel, Marc Jay. 30 an<strong>os</strong> <strong>de</strong> história: consi<strong>de</strong>rações <strong>sobre</strong> a produção historiográfica a respeito da<br />

escravidão no programa <strong>de</strong> pós-graduação em história da UFPE. Clio Revista do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em História da UFPE, nº 22, Recife, UFPE, 2004, Ed. Universitária da UFPE, 2006.<br />

18 Eisenberg, Peter L. Op. Cit.<br />

6


Sul <strong>de</strong> Pernambuco. Para o autor, <strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> comercializad<strong>os</strong> com direção ao centro Sul<br />

saíam em sua gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> áreas alheias a economia açucareira. 19<br />

A legitimida<strong>de</strong> da proprieda<strong>de</strong> escrava vem a ser questionada com maior intensida<strong>de</strong> a<br />

partir d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 1870. As discussões políticas a respeito do elemento escravo, neste período,<br />

culminaram na lei <strong>de</strong> 1871 que previa a liberda<strong>de</strong> das crianças nascidas <strong>de</strong> mãe escrava a<br />

partir daquela data, entretanto, previa a in<strong>de</strong>nização a<strong>os</strong> senhores que criassem as crianças até<br />

<strong>os</strong> 8 an<strong>os</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. A in<strong>de</strong>nização, caso esta f<strong>os</strong>se a opção escolhida, seria pago pel<strong>os</strong> serviç<strong>os</strong><br />

prestad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> ingênu<strong>os</strong> até completarem 21 an<strong>os</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. A outra opção era receber a<br />

in<strong>de</strong>nização em títul<strong>os</strong> concedida pelo Estado. Com esta medida <strong>os</strong> contemporâne<strong>os</strong> tinham a<br />

certeza <strong>de</strong> que não nasceriam mais escrav<strong>os</strong> no Brasil. Além da liberda<strong>de</strong> do ventre escravo a<br />

aprovação <strong>de</strong>sta lei reconhecia o direito do escravo a fazer seu próprio pecúlio e comprar a<br />

sua liberda<strong>de</strong> com valor arbitrado pela justiça. Foi instituído também a matricula geral e o<br />

fundo <strong>de</strong> emancipação. 20<br />

Por conta da matricula geral, ficam<strong>os</strong> sabendo que a província pernambucana em 1872<br />

p<strong>os</strong>suía uma população escrava <strong>de</strong> 89.028 pessoas, sendo que 50.050 <strong>de</strong>las estavam<br />

concentradas na Zona da Mata. Pernambuco, no ano <strong>de</strong> 1887, p<strong>os</strong>suía cerca <strong>de</strong> 41.122<br />

escrav<strong>os</strong>, <strong>de</strong>ntre <strong>os</strong> quais 2.036 encontravam-se na cida<strong>de</strong> do Recife e quase tod<strong>os</strong><br />

empregad<strong>os</strong> no serviço doméstico; o restante aproximadamente 39.086 escrav<strong>os</strong>, estavam<br />

espalhad<strong>os</strong> pela Zona da Mata e no interior da província. O tráfico interprovincial atingiria<br />

<strong>sobre</strong>tudo <strong>os</strong> pequen<strong>os</strong> proprietári<strong>os</strong>; as gran<strong>de</strong>s lavouras localizadas na Zona da Mata Sul,<br />

mesmo que diminuindo o número <strong>de</strong> sua escravaria ao longo das décadas <strong>de</strong> 1870 e 1880,<br />

continuavam a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da mão-<strong>de</strong>-obra escrava. 21<br />

Para Celso Castilho <strong>os</strong> senhores <strong>de</strong> engenho pernambucan<strong>os</strong>, a exemplo da família<br />

Souza Leão, ainda estavam ligad<strong>os</strong> fortemente a mão-<strong>de</strong>-obra escrava para dar continuida<strong>de</strong><br />

a<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> n<strong>os</strong> seus empreendiment<strong>os</strong> agrícolas e nelas a escravidão <strong>de</strong>sapareceu<br />

lentamente. O autor argumenta que a escravidão era uma instituição com muita força na<br />

província pernambucana, ao fazer comparações com <strong>os</strong> dad<strong>os</strong> retirad<strong>os</strong> d<strong>os</strong> relatóri<strong>os</strong> d<strong>os</strong><br />

presi<strong>de</strong>ntes da província e do ministério da agricultura para o ano <strong>de</strong> 1887. Ali Pernambuco<br />

19 Lima, Glauber Gue<strong>de</strong>s Ferreira <strong>de</strong>. As Elites Açucareiras em Pernambuco: Um estudo <strong>sobre</strong> a<br />

heterogeneida<strong>de</strong> da açurocracia pernambucana nas últimas décadas do Império. Brasília, dissertação <strong>de</strong><br />

mestrado, UnB, 2007.<br />

20 Chalhoub, Sidney. Op.Cit.<br />

21 Castilho, Celso Thomas. Abolitionism Matters: The politics of antislavery in Pernambuco, Brazil, 1869-1888.<br />

Tese <strong>de</strong> Doutorado da University of California, Berkeley, 2008.<br />

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aparece como a 5ª maior localida<strong>de</strong> do país proprietária <strong>de</strong> cativ<strong>os</strong> e que <strong>os</strong> mesm<strong>os</strong> estavam<br />

reunid<strong>os</strong> em maior número na zona açucareira. 22<br />

Após a Abolição as elites rurais da região citada acima tiveram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar<br />

mecanism<strong>os</strong> para manter <strong>os</strong> libert<strong>os</strong> sob a disciplina do trabalho. Pois, alguns libert<strong>os</strong><br />

afastaram-se d<strong>os</strong> lugares on<strong>de</strong> tinham sido escrav<strong>os</strong> e <strong>de</strong> toda uma memória que <strong>os</strong> colocasse<br />

no lugar da subalternida<strong>de</strong> para tentar empreen<strong>de</strong>r novas relações. A situação correspon<strong>de</strong> ao<br />

espírito do período, caracterizado <strong>de</strong> um lado por um movimento <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

circulação e por outro lado por parte d<strong>os</strong> senhores <strong>de</strong> engenho foi necessário criar um novo<br />

conjunto <strong>de</strong> estratégias para impor o controle e a permanência d<strong>os</strong> <strong>trabalhadores</strong> n<strong>os</strong><br />

engenh<strong>os</strong>. Entre as astúcias empregadas <strong>os</strong> arrendament<strong>os</strong> e as vilas <strong>de</strong> <strong>trabalhadores</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

d<strong>os</strong> engenh<strong>os</strong> foi uma das saídas encontradas e esse ato visava fixar o trabalhador e sua<br />

família no local <strong>de</strong> trabalho 23 .<br />

A Abolição da escravidão foi um processo que teve a<strong>de</strong>são e repercusão durante toda a<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Desse modo, constituiu-se como um marco na memória d<strong>os</strong><br />

homens e mulheres que viveram nessa época, notadamente, para senhores e libert<strong>os</strong> e também<br />

para seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. O texto/narrativa do autor n<strong>os</strong> p<strong>os</strong>sibilita a apreensão <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong> social e histórica. O sistema escravista propunha uma hierarquia<br />

i<strong>de</strong>alizada entre senhores e escrav<strong>os</strong>, com <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> <strong>de</strong>sempenhando seu direito <strong>de</strong> mando<br />

e <strong>os</strong> últim<strong>os</strong> submetid<strong>os</strong> a uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfortuni<strong>os</strong> como proprieda<strong>de</strong>s que eram. Romper<br />

essa hierarquia no pós-abolição não foi tão fácil já que este tipo <strong>de</strong> organização social<br />

pretendia ser mantido por várias gerações. Com o advento da Abolição alguns ex-senhores e<br />

seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes colocaram em prática algumas estratégias para manter/prolongar condições<br />

<strong>de</strong> trabalho do tempo da escravidão. Para alguns elas foram eficazes para outr<strong>os</strong> resultaram<br />

em escritas cheias <strong>de</strong> ressentimento.<br />

22 I<strong>de</strong>m.<br />

23 Rogers, Thomas D. Deepest Wounds – A Labor and environmental history of sugar in Northeast Brazil. The<br />

University of North Carolina Press, 2010.<br />

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