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cecilia rebelo de oliveira matos - XI Encontro Nacional de História Oral

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A MEMÓRIA DAS MULHERES QUE FICARAM NO BRASIL – UMA<br />

ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DAS MILITANTES POLÍTICAS JESSIE JANE<br />

VIEIRA DE SOUZA E MARIA AMÉLIA TELES<br />

Cecília Rebelo <strong>de</strong> Oliveira Matos 1<br />

A Ditadura Militar brasileira produziu uma estrutura oficial <strong>de</strong> repressão<br />

bastante burocratizada, ao contrário do que ocorreu na maioria dos outros países latino-<br />

americanos on<strong>de</strong> também houve golpes militares, o que resultou num vasto espólio<br />

documental, cujo acesso é problemático ainda hoje.<br />

As principais instituições criadas para sustentar essa estrutura foram: o Serviço<br />

<strong>Nacional</strong> <strong>de</strong> Informação (SNI), os Centros <strong>de</strong> Informação do Exército (CIEX), da<br />

Marinha (CENIMAR) e da Aeronáutica (CISA), os Destacamentos <strong>de</strong> Operações e<br />

Informações e Centros <strong>de</strong> Operações <strong>de</strong> Defesa Interna (DOI-CODI) e, em São Paulo,<br />

havia ainda a Operação Ban<strong>de</strong>irantes (OBAN), ligada ao Exército. Esses órgãos<br />

<strong>de</strong>veriam assegurar o cumprimento da Lei <strong>de</strong> Segurança <strong>Nacional</strong> 2 e, para isso, a prática<br />

da tortura foi amplamente utilizada, havendo relatos legais que comprovam sua<br />

existência. 3<br />

Em 1975, com a morte do jornalista Wladimir Herzog, houve uma intensificação<br />

dos movimentos que pediam anistia para os presos políticos. Essas organizações<br />

também reivindicavam: a volta dos exilados; a reintegração profissional <strong>de</strong> todos os que<br />

haviam sido expurgados <strong>de</strong> seus empregos por razões políticas; a averiguação das<br />

1<br />

Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em <strong>História</strong> Social da UFRJ.<br />

2<br />

A Doutrina <strong>de</strong> Segurança <strong>Nacional</strong> e Desenvolvimento foi elaborada no Brasil após o término da<br />

segunda guerra mundial, sob influência norte-americana, e consiste em um abrangente corpo teórico<br />

formado por elementos i<strong>de</strong>ológicos e diretrizes <strong>de</strong> manutenção da segurança interna em face à ameaça <strong>de</strong><br />

ação indireta comunista. Vinculada às teorias geopolíticas, ao antimarxismo e às tendências<br />

conservadoras do pensamento social católico, a Doutrina <strong>de</strong> Segurança <strong>Nacional</strong> priorizava o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um corpo orgânico <strong>de</strong> pensamento para o planejamento <strong>de</strong> Estado e as políticas <strong>de</strong><br />

segurança e <strong>de</strong>senvolvimento. Ver GURGEL, José Alfredo Amaral. Segurança e <strong>de</strong>mocracia: Uma<br />

reflexão política sobre a doutrina da Escola Superior <strong>de</strong> Guerra. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Biblioteca do<br />

Exército e Livraria José Olympio Editora, 1975, passim.<br />

2<br />

FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar, Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong>,<br />

São Paulo, v. 24, n. 47, p. 38.<br />

3<br />

FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Record, 2001, p. 62-63.


circunstâncias <strong>de</strong> mortes e <strong>de</strong>saparecimentos; a responsabilização das Forças Armadas<br />

por estes crimes e o julgamento dos torturadores e assassinos ligados ao regime.<br />

A criação do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), dos Comitês<br />

Brasileiros pela Anistia (CBAs), que tinham se<strong>de</strong> em vários estados, e da Associação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa dos direitos e pró-anistia ampla dos atingidos por atos institucionais (AMPLA)<br />

possibilitou a difusão do <strong>de</strong>bate pela socieda<strong>de</strong> civil.<br />

Em 1978, durante o primeiro Congresso Brasileiro pela anistia, o lema “Anistia<br />

ampla, geral e irrestrita” ganhou força. Decidiu-se que a luta <strong>de</strong>veria se aproximar dos<br />

<strong>de</strong>mais movimentos sociais em curso no país, como, por exemplo, o sindicalismo e os<br />

grupos ligados aos trabalhadores rurais. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB),<br />

partido <strong>de</strong> oposição ao governo, li<strong>de</strong>rou o movimento no Congresso <strong>Nacional</strong> e insistiu<br />

para que o caráter amplo do projeto <strong>de</strong> lei fosse respeitado. 4<br />

No entanto, a resposta indireta do governo não <strong>de</strong>ixava margem para esperanças:<br />

para que os presos e exilados que haviam participado da luta armada fossem<br />

inocentados, os torturadores também o <strong>de</strong>veriam ser. Esses guerrilheiros, até o<br />

momento, eram chamados <strong>de</strong> terroristas e as acusações que pairavam sobre eles se<br />

referiam a “crimes <strong>de</strong> sangue”. Já os militares envolvidos em mortes ou<br />

<strong>de</strong>saparecimentos eram tratados apenas como participantes <strong>de</strong> crimes conexos 5 .<br />

A greve <strong>de</strong> fome dos presos políticos ocorrida em todo o Brasil, no mês <strong>de</strong> julho<br />

<strong>de</strong> 1979, contra esse projeto <strong>de</strong> anistia parcial que tramitava no Congresso, através da<br />

cobertura maciça da imprensa e repercussão internacional, fez com que a expressão<br />

“terroristas” fosse substituída por “presos políticos”. Em agosto do mesmo ano, quando<br />

a Lei foi aprovada, os exilados pu<strong>de</strong>ram voltar e os presos foram soltos gradativamente.<br />

A questão da reparação, no entanto, foi mencionada <strong>de</strong> forma pouco significativa e não<br />

se falou em in<strong>de</strong>nização para os familiares dos <strong>de</strong>saparecidos, tampouco em punição<br />

para os abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cometidos durante a repressão.<br />

Após a aprovação da lei, a esquerda se dividiu e se engajou em outros objetivos.<br />

As eleições diretas e a criação <strong>de</strong> novos partidos políticos foram alguns <strong>de</strong>les.<br />

Organizações não-governamentais (ONGs) foram criadas, surgiram novos institutos <strong>de</strong><br />

4 RODEGHERO, Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel e TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral e<br />

irrestrita: história <strong>de</strong> uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.<br />

5 Há duas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> crimes conexos, uma dos militares, que diz serem os crimes <strong>de</strong> tortura, conexos<br />

aos da luta armada, por isso não sendo passiveis <strong>de</strong> julgamento, já que a anistia vale para ambos. E a<br />

segunda <strong>de</strong>finição é comum entre os juristas e diz que crimes conexos são as infrações menores,<br />

cometidas para fazer acontecer um gran<strong>de</strong> crime, como por exemplo: o roubo <strong>de</strong> um veículo para assaltar<br />

um banco.<br />

2


pesquisa, a questão da censura ganhou importância e o movimento pela anistia acabou<br />

ficando restrito aos familiares <strong>de</strong> mortos e <strong>de</strong>saparecidos e a alguns poucos ativistas.<br />

(RODERGHERO, 2011)<br />

Em 1985, houve a publicação do livro “Brasil: nunca mais” (ARQUIDIOCESE DE<br />

SÂO PAULO, 1985), uma reunião <strong>de</strong> documentos oficiais copiados clan<strong>de</strong>stinamente<br />

por membros progressistas da igreja católica que con<strong>de</strong>navam a prática da tortura. Tal<br />

fato trouxe <strong>de</strong> volta à tona a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a anistia obtida não dava conta das <strong>de</strong>mandas<br />

dos grupos que pretendia contemplar. Era necessário que a Lei <strong>de</strong> 79 fosse atualizada e<br />

se tornasse mais abrangente. O Estado <strong>de</strong>veria reconhecer a existência <strong>de</strong> mortos e<br />

<strong>de</strong>saparecidos, assumir a responsabilida<strong>de</strong> por esses crimes e pela tortura e in<strong>de</strong>nizar<br />

vítimas e familiares.<br />

Em 1985, foi feita a primeira modificação da lei original, que consistiu na<br />

inclusão <strong>de</strong> trabalhadores das empresas <strong>de</strong> capital privado e misto que tivessem sido<br />

<strong>de</strong>mitidos, no montante que tinha direito à anistia, <strong>de</strong>vendo, portanto, ser reintegrados<br />

ao antigo trabalho. Na prática, contudo, isso nunca aconteceu.<br />

Nesse mesmo ano, houve uma reunião entre a Comissão <strong>Nacional</strong> <strong>de</strong><br />

levantamento <strong>de</strong> mortos e <strong>de</strong>saparecidos e Tancredo Neves, quando este era candidato à<br />

presidência, na qual se <strong>de</strong>terminou que, caso ele fosse eleito, os crimes cometidos pelos<br />

militares seriam apurados. Após sua morte, entretanto, José Sarney, que assumiu a<br />

presidência, não falou mais sobre o assunto.<br />

Durante as discussões para elaboração da Constituição <strong>de</strong> 1988, falou-se em<br />

pagar uma in<strong>de</strong>nização progressiva tanto para os funcionários públicos e militares,<br />

quanto para os da iniciativa privada que tivessem sido perseguidos. Tendo sido<br />

encaminhado, no entanto, um pedido que beneficiaria apenas os expurgados da<br />

Aeronáutica, o governo não legislou nem sobre eles, postergando ainda mais a causa. 6<br />

Em 1992, já no governo Collor, com a criação do Instituto <strong>Nacional</strong> <strong>de</strong><br />

Segurida<strong>de</strong> Social (INSS), <strong>de</strong>cretou-se uma lei que permitia aposentadoria para os<br />

trabalhadores vitimas da repressão, mas, após a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s em seu<br />

cumprimento, rapidamente se interrompeu o cumprimento da mesma.<br />

Somente no primeiro governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso, a discussão<br />

acerca da revisão da Lei da Anistia ganhou apelo social novamente. Houve uma forte<br />

pressão para que o Estado se <strong>de</strong>clarasse culpado pelas mortes e <strong>de</strong>saparecimentos e para<br />

6 SUSSEKIND, Elizabeth (org.). “Memória e Justiça”, RJ, Museu da República, 2009.<br />

3


que tais casos fossem apurados. O segundo ponto permaneceu não sendo atendido, mas<br />

houve mudanças importantes: FHC liberou in<strong>de</strong>nizações (entre cem e cento e cinquenta<br />

mil reais) para os parentes das vítimas e o Estado brasileiro reconheceu formalmente a<br />

existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecidos.<br />

Essa lei ficou conhecida como Lei dos Desaparecidos e, posteriormente a ela,<br />

fundou-se uma Comissão especial no Ministério da Justiça para tratar <strong>de</strong>sse assunto. Os<br />

integrantes seriam: um membro das Forças Armadas; um do Ministério Público; um do<br />

Itamaraty; um da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos do governo e um da Comissão<br />

nacional <strong>de</strong> familiares <strong>de</strong> mortos e <strong>de</strong>saparecidos. Tal iniciativa pretendia investigar as<br />

circunstâncias das mortes e julgar pedidos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização. Punições aos torturadores, no<br />

entanto, não estavam na pauta. Até 2008, 284 <strong>de</strong>saparecidos haviam sido reconhecidos<br />

pelo Estado.<br />

Em 2001, foi criada a Comissão <strong>de</strong> Anistia, o que intensificou ainda mais a<br />

pressão junto ao governo, mas somente em 2002 a Lei passou, <strong>de</strong> fato, a ser ampla,<br />

como pedia o slogan <strong>de</strong> 1979. Foram incluídas na folha <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizações as questões<br />

trabalhistas dos funcionários expurgados, além da reparação financeira para estudantes e<br />

exilados. Convencionou-se que pessoas que tivessem vínculo empregatício receberiam<br />

uma prestação mensal <strong>de</strong> acordo com a posição que ocupassem progressivamente no<br />

local on<strong>de</strong> trabalhavam. Já os que não tinham vínculo, receberiam uma só prestação<br />

como reparação simbólica pelos danos causados pela repressão.<br />

Atualmente, a Comissão funciona com três câmaras: uma que julga os pedidos<br />

<strong>de</strong> reparação <strong>de</strong> servidores públicos, outra <strong>de</strong> militares e uma terceira, que analisa os<br />

processos <strong>de</strong> estudantes e trabalhadores autônomos. Assim, muitos dos perseguidos<br />

políticos pu<strong>de</strong>ram ter, mesmo que <strong>de</strong> maneira incompleta, uma resposta do Estado em<br />

relação aos erros cometidos durante o regime autoritário.<br />

Em 2007, já no governo Lula, a Comissão da anistia passou a enfocar o pedido<br />

mais caro, e também mais <strong>de</strong>licado, dos movimentos ligados à causa: o direito à<br />

memória e à verda<strong>de</strong>, que se encaixam numa perspectiva <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> transição 7 entre a<br />

Ditadura e a Democracia.<br />

Dessa forma, a ênfase que a Comissão dá atualmente aos processos <strong>de</strong> reparação<br />

vai além da questão financeira. Assim, o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas do Estado não se reduz<br />

7 Para Glenda Mezarobba, Justiça <strong>de</strong> transição são as atitu<strong>de</strong>s tomadas por um país, após o término <strong>de</strong> um<br />

governo autoritário, a fim <strong>de</strong> organizar uma forma <strong>de</strong> estratégia para lidar com a herança <strong>de</strong> violência<br />

<strong>de</strong>ixada. (Mezarobba, 2009)<br />

4


apenas a uma quantia em dinheiro, e o problema <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser tratado como uma questão<br />

isolada, passível <strong>de</strong> ser resolvida <strong>de</strong> forma particular (Greco, 2009).<br />

As primeiras iniciativas na direção <strong>de</strong> aproximar a socieda<strong>de</strong> civil do direito à<br />

verda<strong>de</strong> foram as Caravanas da Anistia. Trata-se <strong>de</strong> cerimônias públicas itinerantes, que<br />

julgam pedidos <strong>de</strong> reparação e homenageiam perseguidos políticos históricos, como<br />

Leonel Brizola e Carlos Marighela. Ao final da leitura do processo <strong>de</strong> cada um dos<br />

casos <strong>de</strong> anistiados julgados pela Comissão, é feito um pedido oficial <strong>de</strong> perdão em<br />

nome do Estado brasileiro à pessoa em questão.<br />

Além disso, há projetos como a construção do Memorial da Anistia, em Belo<br />

Horizonte, que abrigará toda a documentação referente aos processos <strong>de</strong> reparação e<br />

in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1979. É importante ressaltar que a in<strong>de</strong>nização é apenas uma etapa<br />

<strong>de</strong>ssa reparação, mas não é a única. O reconhecimento pelo Estado <strong>de</strong> sua<br />

responsabilida<strong>de</strong> em relação à tortura e às mortes do período militar, a apuração das<br />

circunstâncias <strong>de</strong>sses acontecimentos e o julgamento dos autores <strong>de</strong>sses crimes<br />

constituem a parte mais importante e menos avançada do processo no Brasil. A luta pela<br />

criação da Comissão da Verda<strong>de</strong>, que investigaria e julgaria, sem caráter punitivo,<br />

apenas tornando públicos os nomes <strong>de</strong> torturadores, é uma das mais importantes em<br />

curso no Brasil atualmente.<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que, no último mês <strong>de</strong> setembro, o Congresso <strong>Nacional</strong><br />

aprovou a instalação da Comissão da Verda<strong>de</strong>, mas não autorizou a abertura da maioria<br />

dos arquivos que po<strong>de</strong>riam elucidar as múltiplas interrogações que pairam sobre os anos<br />

em que o Brasil esteve sob a tutela do regime militar.<br />

No presente momento, com a discussão sobre a criação <strong>de</strong> uma Comissão<br />

instituída pelo governo, que se propõe a revelar a verda<strong>de</strong> sobre o regime militar, os<br />

estudos sobre esse período ganham ainda mais importância.<br />

As questões que envolvem a Ditadura ocupam um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nos<br />

estudos da <strong>História</strong> do tempo presente. Historiadores como Carlos Fico, Daniel Aarão<br />

Reis, Denise Rolemberg, Samantha Quadrat, Maria Paula Araújo, Carla Ro<strong>de</strong>ghero,<br />

entre outros, são alguns dos principais nomes que têm se <strong>de</strong>bruçado a respeito do tema,<br />

levantando novos olhares e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investigação e interpretação sobre o<br />

período. Para esse trabalho, nos interessam particularmente as discussões propostas pro<br />

Daniel Aarão Reis e Carla Ro<strong>de</strong>ghero.<br />

5


Aarão Reis, em seu livro “Ditadura militar, esquerdas e socieda<strong>de</strong>”, argumenta<br />

que a Ditadura não teria durado tanto tempo, sem nenhum período <strong>de</strong> ruptura, se não<br />

tivesse havido apoio da socieda<strong>de</strong> civil (AARÃO REIS, 2000 p 69 a 71).<br />

Essa concordância com o regime, segundo o autor, teria se dado em razão do<br />

crescimento econômico e da sensação <strong>de</strong> segurança que os setores médios nacionais<br />

experimentaram durante a primeira meta<strong>de</strong> da Ditadura. No entanto, quando o país<br />

entrou em crise, a inflação voltou a crescer e o arrocho salarial reapareceu, o regime<br />

teria começado a se encaminhar para o fim. Foi nesse contexto que a questão da anistia<br />

ganhou importância.<br />

Para o autor, nesse momento, são cometidas duas reconstruções históricas: uma<br />

que afirma que as organizações <strong>de</strong> esquerda teriam sempre sido favoráveis à<br />

Democracia – na medida em que a maioria das organizações não lutavam pela<br />

restituição do presi<strong>de</strong>nte eleito, João Goulart, mas sim por uma Revolução Socialista –<br />

e a outra, que trata da Ditadura militar como um corpo estranho à socieda<strong>de</strong>, que nunca<br />

teria estado ao seu lado. Desprezam-se, <strong>de</strong> súbito, as Marchas da Família com Deus pela<br />

Liberda<strong>de</strong> e a conivência das pessoas que seguiam suas vidas, não se importando com o<br />

que acontecia nos quartéis e prisões brasileiros. É como se toda a socieda<strong>de</strong> civil sempre<br />

tivesse sido <strong>de</strong> esquerda e fosse combativa à repressão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início.<br />

Sendo assim, a luta pela anistia não seria uma causa a ser abraçada por esta<br />

mesma socieda<strong>de</strong>, já que <strong>de</strong>nunciar as torturas é também falar do silêncio com o qual a<br />

mesma compactuou. Ao julgar os abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos militares, os brasileiros estariam<br />

também se julgando. Portanto, o esquecimento seria a melhor saída.<br />

Nessa mesma corrente <strong>de</strong> pensamento, Helena Greco usa, em seu artigo “Anistia<br />

anamnese vs Anistia amnésia: A dimensão trágica da luta pela anistia”, publicado no<br />

volume 2 do livro “Desarquivando a Ditadura”, organizado por Cecília Mcdowell,<br />

Janaína Teles e Edson Teles, afirma que o projeto <strong>de</strong> anistia vitorioso no Brasil é o que<br />

trata da causa como esquecimento, e não como reminiscência. Para a autora, a socieda<strong>de</strong><br />

não se i<strong>de</strong>ntifica com a anistia anamnese porque quer esquecer o que é inesquecível:<br />

sua própria responsabilida<strong>de</strong> em relação às torturas, às mortes e ao <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong><br />

pessoas que não se restringiu ao período da Ditadura, mantendo-se como assunto<br />

irresoluto até os dias atuais.<br />

Para a autora, ainda se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>stacar que houve um erro das organizações<br />

ligadas à anistia, que foi a propagação da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> havia conquistado<br />

esse direito, quando essa não seria a realida<strong>de</strong>. A anistia teria sido conduzida pelos<br />

6


militares, que, ainda segundo os argumentos <strong>de</strong> Daniel Aarão, tratou <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sfecho<br />

como um armistício pós-guerra, on<strong>de</strong> ambos os lados tiveram <strong>de</strong> se ren<strong>de</strong>r. Munidas<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> argumento, as Forças Armadas se inocentam da maioria das acusações que<br />

lhes são feitas.<br />

Glenda Mezarobba, em artigo publicado no mesmo livro citado acima, sustenta<br />

que, para os militares e familiares das vitimas da repressão, não foi possível esquecer a<br />

Ditadura. Por esse motivo, a disputa em torno da criação da Comissão da verda<strong>de</strong> e da<br />

abertura dos arquivos relacionados ao assunto é contínua. A seu ver, apenas a socieda<strong>de</strong><br />

civil se mantém alheia ao <strong>de</strong>bate.<br />

Mezarobba afirma ainda que Justiça <strong>de</strong> transição é o termo usado para se referir<br />

às providências a serem tomadas pela socieda<strong>de</strong> para lidar com o legado <strong>de</strong> violência<br />

<strong>de</strong>ixado pelos regime autoritário. Se a socieda<strong>de</strong> não se volta para essa questão, será<br />

para sempre permissiva a abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Já Carla Ro<strong>de</strong>ghero, Gabriel Dienstmann e Tatiana Trinda<strong>de</strong>, no livro “Anistia<br />

Ampla Geral e Irrestrita”, lançado este ano, tratam da questão da anistia como um<br />

assunto que teria causado comoção na socieda<strong>de</strong> civil, mas que, após a volta dos<br />

exilados políticos e com a divisão da esquerda, que se seguiu ao fim do bipartidarismo<br />

obrigatório, per<strong>de</strong>ria o apelo para com a socieda<strong>de</strong>.<br />

Os autores explicam que, especialmente o retorno <strong>de</strong> Leonel Brizola, tanto<br />

satisfez boa parte da opinião pública, quanto colaborou para que seus apoiadores se<br />

voltassem para as questões referentes à disputa pela sigla do PTB e pela criação do<br />

PDT. Teria havido, então, um esvaziamento da luta pela anistia que nunca foi<br />

recuperado. Em 2002, contudo, após a criação da Comissão da Anistia, o tema teria<br />

readquirido importância. A obra sustenta ainda que a anistia teria sido uma conquista da<br />

socieda<strong>de</strong> civil, e não um indulto dos militares.<br />

Maria Paula Araújo no artigo “Lutas <strong>de</strong>mocráticas contra a ditadura”, que<br />

compõe o volume 3 do livro “As esquerdas no Brasil”, organizado por Jorge Ferreira e<br />

Daniel Aarão Reis, traça um panorama da luta <strong>de</strong>mocrática que se estabeleceu no país<br />

após 1874, não se atendo apenas as lutas políticas oficiais, mas sublinhando os<br />

múltiplos movimentos sociais que apoiaram a causa.<br />

Sua linha <strong>de</strong> pensamento, assim como a <strong>de</strong> Ro<strong>de</strong>ghero rejeita o tom “<strong>de</strong>nuncista”<br />

em relação a socieda<strong>de</strong> civil, utilizado por Daniel Aarão, como vimos anteriormente.<br />

Ambas as autoras percebem o papel da socieda<strong>de</strong> civil no processo <strong>de</strong> anistia como<br />

sendo menos intenso após 79, mas nunca caracterizado pela ausência.<br />

7


A recuperação das trajetórias <strong>de</strong> vida das pessoas que foram perseguidas pela<br />

ditadura militar, suas experiências <strong>de</strong> exílio, prisão, tortura e rompimento <strong>de</strong> laços, o<br />

<strong>de</strong>bate sobre a maneira como o Estado e a socieda<strong>de</strong> lidam com o legado <strong>de</strong> violência<br />

<strong>de</strong>ixado pelo regime autoritário e a abordagem das questões que envolvem o direito à<br />

memória, a reconciliação nacional e a reparação das vítimas; além das pon<strong>de</strong>rações<br />

sobre as diferentes construções <strong>de</strong> memória entre os grupos <strong>de</strong> resistência à repressão<br />

entrevistados pelo projeto, analisando suas interpretações acerca do processo <strong>de</strong><br />

reparação-in<strong>de</strong>nização, são as estratégias que pretendo utilizar neste trabalho.<br />

Utilizaremos para a parte teórica <strong>de</strong>ssa pesquisa duas linhas conceituais, A<br />

primeira que trata sobre construções <strong>de</strong> memória e outra que aborda o entendimento do<br />

perdão.<br />

Dentre os muitos autores que analisam a questão da memória, Maurice<br />

Halbwachs e Michael Pollak são os que melhor se encaixam com nossos objetivos.<br />

Halbwachs, ao tratar da memória como construção social, atenta para os<br />

diferentes pontos <strong>de</strong> referência que estruturam esse processo, enten<strong>de</strong>ndo que existem<br />

registros que permanecem subterrâneos e outros que alcançam a coletivida<strong>de</strong>, mas não<br />

enxerga essa última como opressora da anterior. Para esse autor há uma dimensão<br />

positiva na constituição da memória comum que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sprezada. É o que ele<br />

chama <strong>de</strong> “comunida<strong>de</strong> afetiva”.<br />

A nós o pensamento <strong>de</strong>sse autor é importante porque estamos lidando com a<br />

construção <strong>de</strong> memórias subterrâneas sobre o regime militar, já que analisaremos<br />

<strong>de</strong>poimentos individuais, mas ao estabelecer comparações, é provável que encontremos<br />

<strong>de</strong>nominadores comuns ou contradições, o que <strong>de</strong>ve ser levado em conta para a análise<br />

final <strong>de</strong>ste trabalho. É a negociação entre as lembranças coletivas e particulares que nos<br />

interessa aqui.<br />

Já Michael Pollak é importante porque vê na <strong>História</strong> oral um relevante meio <strong>de</strong><br />

se recuperar a memória dos excluídos e <strong>de</strong> analisar as disputas entre as recordações<br />

oficiais e as escusas. O autor sustenta ainda que longos silêncios são uma maneira que a<br />

socieda<strong>de</strong> civil encontra <strong>de</strong> se opor a continua produção <strong>de</strong> discursos oficiais. As<br />

lembranças subalternas são guardadas no foro íntimo dos grupos sociais, sobrevivendo<br />

sem serem publicadas. Certamente, segundo Pollak, ao virem à tona, essas vozes<br />

suscitarão reivindicações. Há ainda as “zonas <strong>de</strong> sombra” presentes na <strong>História</strong>, que é<br />

8


como o autor chama as informações não ditas. Para nós, o não dito tem relevância<br />

similar a das palavras.<br />

Já em relação aos conceitos <strong>de</strong> perdão e reparação, nos apropriaremos aqui das<br />

idéias <strong>de</strong> Hannah Arendt 8 e Jacques Derrida 9 . A primeira autora enten<strong>de</strong> o perdão como<br />

um ato <strong>de</strong> superação do passado. A seu ver, as paixões maléficas como a vingança,<br />

<strong>de</strong>vem ser esquecidas quando as vítimas perdoam seus algozes, para que se dê lugar a<br />

um presente consciente e vigilante no que diz respeito ao erro cometido.<br />

Arendt sustenta ainda que por ser uma atitu<strong>de</strong> nova, que inaugura um andamento<br />

diferente para a socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os direitos humanos foram <strong>de</strong>srespeitados, o perdão<br />

<strong>de</strong>ve ser dado em esfera pública, sem caráter punitivo, mas objetivando o enfrentamento<br />

<strong>de</strong> um povo com o seu <strong>de</strong>svio. Nesse sentido, perdoar seria, portanto, uma atitu<strong>de</strong><br />

política. Como neste trabalho, abordaremos os processos <strong>de</strong> requerimento público do<br />

perdão, Hannah Arendt po<strong>de</strong> acrescentar bastante em nossa análise.<br />

Já Jacques Derrida enten<strong>de</strong> o perdão <strong>de</strong> uma forma bastante oposta a <strong>de</strong> Arendt.<br />

Para esse autor, perdoar é um ato íntimo, que quando levado a esfera pública, acaba<br />

per<strong>de</strong>ndo o seu caráter puro por anexar a si, outros interesses. Derrida atenta ainda para<br />

a globalização da prática cristã <strong>de</strong> perdoar, o que impe<strong>de</strong> que cada cultura resolva as<br />

dívidas dos seus povos da forma como melhor lhe couber.<br />

Como nessa pesquisa, lidaremos com <strong>de</strong>poimentos pessoais inclusive <strong>de</strong><br />

indivíduos que são requerentes <strong>de</strong> reparação oficial, mas que ainda não a obtiveram, nos<br />

parece relevante a idéia <strong>de</strong> se abordar o perdão como algo que transcen<strong>de</strong> o bem estar da<br />

nação ou as in<strong>de</strong>nizações que são dadas em troca do mesmo.<br />

Os dois autores, apesar das diferenças, enten<strong>de</strong>m que apenas a revelação do<br />

passado, sem nenhum tipo <strong>de</strong> censura ou proteção, po<strong>de</strong> fazer com que um país evolua.<br />

As idéias <strong>de</strong> ambos apontam para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se abrir arquivos e ouvir quaisquer<br />

pessoas que tenham se sentido injustiçadas pela socieda<strong>de</strong> da qual fazem parte. Em<br />

nossa pesquisa pensamos o mesmo.<br />

Utilizaremos nesse trabalho a metodologia da <strong>História</strong> oral 10 , que consistirá na<br />

escolha <strong>de</strong> entrevistados que tenham resistido ao regime militar, seguida por uma<br />

8 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.<br />

9 DERRIDA, Jacques. O perdão, a verda<strong>de</strong>, a reconciliação: Qual gênero? In: NASCIMENTO, Evando.<br />

O perdão, o a<strong>de</strong>us e a herança em Derrida. . Atos <strong>de</strong> memória. In: NASCIMENTO (org). Jacques Derrida:<br />

pensar a <strong>de</strong>sconstrução. São Paulo: Estação Liberda<strong>de</strong>, 2005.<br />

10 A história oral é uma metodologia <strong>de</strong> pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com<br />

pessoas que po<strong>de</strong>m testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos <strong>de</strong> vida ou outros<br />

aspectos da história contemporânea. Ver mais sobre o assunto em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral<br />

9


pesquisa sobre a sua trajetória e a confecção <strong>de</strong> um roteiro <strong>de</strong> perguntas. As entrevistas<br />

serão gravadas, transcritas e posteriormente analisadas.<br />

Além disso, confrontaremos os <strong>de</strong>poimentos com os processos <strong>de</strong> requerimento<br />

<strong>de</strong> reparação, cedidos pelos próprios <strong>de</strong>poentes com os documentos judiciais <strong>de</strong>sse<br />

período que se encontram disponíveis. Faremos comparações entre as construções <strong>de</strong><br />

memória individuais e dos grupos <strong>de</strong> resistência a ditadura militar.<br />

Como o presente artigo tem como objetivo analisar a trajetória <strong>de</strong> militância<br />

política, <strong>de</strong>tenção, libertação e superação <strong>de</strong> mulheres entrevistadas pelo projeto Marcas<br />

da Memória-<strong>História</strong> <strong>Oral</strong> da Anistia, foram escolhidos dois exemplos que<br />

consi<strong>de</strong>ramos interessantes. São elas: Jessie Jane Vieira <strong>de</strong> Souza e Maria Amélia Teles.<br />

A escolha <strong>de</strong> ambas se <strong>de</strong>u em razão das múltiplas semelhanças existentes nos cursos <strong>de</strong><br />

suas vidas e dos diferentes <strong>de</strong>sdobramentos que tiveram cada um dos seus percursos.<br />

O primeiro fato comum entre Jessie Jane e Maria Amélia é o fato <strong>de</strong> as duas<br />

pertencerem a famílias comunistas. O pai <strong>de</strong> Jessie foi enviado pelo Partido Comunista<br />

Brasileiro para organizar camponeses nas colônias fe<strong>de</strong>rais do Mato Grosso, i<strong>de</strong>alizadas<br />

por Getúlio Vargas ainda nos anos 50. Era opositor <strong>de</strong> Luís Carlos Prestes e, alguns<br />

anos antes do golpe <strong>de</strong> 64, <strong>de</strong>ixou o partido, se mudando com a família para São Paulo,<br />

on<strong>de</strong> permaneceu ligado ao movimento operário. Já o pai <strong>de</strong> Maria Amélia era estivador<br />

no Porto <strong>de</strong> Santos, e, por consequência do envolvimento com organizações sindicais<br />

vinculadas ao PCB, migrou para Contagem, em Minas Gerais, on<strong>de</strong> perpetuou suas<br />

ativida<strong>de</strong>s políticas e em 1962, se vinculou ao Partido Comunista do Brasil.<br />

Por terem nascido em lares comunistas, na ocasião do golpe <strong>de</strong> 1964, Jessie e<br />

Amélia, sofreram junto com suas famílias, <strong>de</strong> forma instantânea, a ameaça do novo<br />

governo que se instalava. No caso da família <strong>de</strong> Jessie, a i<strong>de</strong>ntificação com a Aliança<br />

Libertadora <strong>Nacional</strong>, li<strong>de</strong>rada por Carlos Marighella, fez com que eles se unissem a<br />

ALN no combate aos militares. Em 1966 o pai <strong>de</strong> Jessie foi preso e ela saiu da<br />

legalida<strong>de</strong>. Na família Teles, entretanto, o patriarca foi preso já em 1964, o que fez com<br />

que a clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> se tornasse necessária antes para Maria Amélia.<br />

Esse é um período constantemente <strong>de</strong>scrito como difícil, pela maioria dos presos<br />

políticos. Flávia Shilling, que ficou exilada com sua família no Uruguai, e que foi presa<br />

por ter se envolvido com os Tupamaros, <strong>de</strong>fine da seguinte forma esta situação: “É um<br />

espaço vazio, uma inutilida<strong>de</strong> e uma brutalida<strong>de</strong>. A clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> é um momento<br />

terrível, porque você não faz nada, você só se escon<strong>de</strong>. Você não existe.”.<br />

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A frase <strong>de</strong>fine bem o que passaram Jessie e Maria Amélia. A primeira, ao per<strong>de</strong>r<br />

o contato com seus companheiros <strong>de</strong> organização, <strong>de</strong>cidiu, juntamente com dois<br />

amigos, os irmãos gêmeos, Fernando e Eiraldo Palha Freire, e o namorado, Colombo <strong>de</strong><br />

Souza, encontrar uma estratégia que os levasse a Cuba. A outra trabalhou como<br />

comunicadora interna do PCdoB, e junto com o marido Augusto Teles, teve dois filhos:<br />

Edson e Janaína. A situação financeira <strong>de</strong> ambas era complicada, pois não podiam<br />

trabalhar, já que seus documentos originais não podiam ser usados, e cada vez ficava<br />

mais difícil o acesso aos núcleos dos seus organismos <strong>de</strong> resistência.<br />

Em 1970, Jessie Jane e seus companheiros armaram o sequestro <strong>de</strong> um avião que<br />

fazia o trajeto Rio <strong>de</strong> Janeiro-Buenos Aires, com o objetivo <strong>de</strong> fazer com que o piloto os<br />

levasse até Havana e, <strong>de</strong>pois, retornasse com a tripulação. A ação não foi bem sucedida,<br />

e, Eiraldo, um dos companheiros, foi morto pelos militares. Jessie, Colombo e Fernando<br />

foram levados para a prisão.<br />

A captura <strong>de</strong> Maria Amélia se dá em circunstâncias menos espetaculares, mas<br />

não pouco dolorosas. Ela estava indo encontrar um companheiro que lhe daria dinheiro<br />

para que ela pu<strong>de</strong>sse comprar um remédio para seu marido, que estava com tuberculose,<br />

quando foi interceptada.<br />

Jessie Jane passou nove anos presa. Maria Amélia, um ano e meio. As duas,<br />

entretanto, são bons exemplos do que po<strong>de</strong>mos classificar como exílio interno, ou<br />

“insilio”, como mencionou Flávia Shilling. Durante todo o período militar, essas<br />

mulheres estavam no Brasil, e após a sua libertação não tiveram facilida<strong>de</strong>s para<br />

recompor suas vidas.<br />

Hoje, Jessie Jane é professora <strong>de</strong> <strong>História</strong> da América na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro e parceira da Comissão da Anistia. Maria Amélia se tornou uma das<br />

principais ativistas brasileiras a favor <strong>de</strong> causas feministas e não se sente contemplada<br />

pelos processos <strong>de</strong> reparação que vêm ocorrendo no país, mas permanece lutando. São<br />

duas mulheres da geração <strong>de</strong> 1964, que se tornaram nomes atemporais na luta por um<br />

Brasil mais justo e <strong>de</strong>mocrático.<br />

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