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Maria Izabel Vasconcellos Pitanga Espirito Santo de Araujo

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Ressonâncias do pensamento <strong>de</strong> Foucault na aca<strong>de</strong>mia – Relatos orais e escrita da<br />

História<br />

MARIA IZABEL VASCONCELLOS PITANGA ESPIRITO SANTO DE ARAÚJO ∗<br />

Sobre os projetos <strong>de</strong> pesquisa<br />

Inicialmente este trabalho, no período 2009-2012, estava integrado ao projeto <strong>de</strong><br />

pesquisa “Michel Foucault no Brasil: presença, efeitos e ressonâncias”. O estudo pretendia<br />

reconstruir/ficcionar as cinco visitas feitas do filósofo a nosso país, nos anos <strong>de</strong> 1965, 1973,<br />

1974, 1975 e 1976, com o objetivo principal <strong>de</strong> estabelecer uma audiografia da presença <strong>de</strong><br />

Foucault no Brasil, ou seja, <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o modo como este filósofo ocupou, em nosso país,<br />

os espaços <strong>de</strong> fala. Paralelamente, o efeito das viagens e dos dispositivos <strong>de</strong> saber-po<strong>de</strong>r na<br />

construção das categorias foucaultianas era também explorado.<br />

Para tanto, foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos: leitura e<br />

análise <strong>de</strong> documentos escritos e fonográficos relativos às visitas do filósofo; leitura e análise<br />

<strong>de</strong> artigos, coletâneas e livros brasileiros voltados à discussão das perspectivas foucaultianas;<br />

e trabalho analítico-narrativo com os relatos orais daqueles que conviveram com Foucault em<br />

suas passagens por São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Belém<br />

durante os anos da Ditadura Militar.<br />

O recurso à oralida<strong>de</strong> teve por intuito explorar os efeitos e as ressonâncias do<br />

pensamento <strong>de</strong> Foucault, bem como a história da memória acerca do personagem-Foucault e<br />

<strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias nos âmbitos acadêmico e extra-acadêmico.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se já bem explorado o âmbito das visitas, e com base em uma série <strong>de</strong><br />

problematizações surgidas ao longo da pesquisa, em 2012 o projeto é renomeado como<br />

“Efeitos e ressonâncias do pensamento <strong>de</strong> Michel Foucault no Brasil – modulações<br />

interdisciplinares”. Nele se propõe, como objetivo geral, o estabelecimento <strong>de</strong> uma cartografia<br />

– procedimento que acompanha as oscilações do terreno <strong>de</strong> investigação – das modulações<br />

interdisciplinares favorecidas pelo pensamento <strong>de</strong> Foucault, bem como dos eventuais entraves<br />

a tal processualida<strong>de</strong>.<br />

As novas linhas <strong>de</strong> investigação incluem: pesquisa bibliográfica-crítica <strong>de</strong><br />

investigações anteriores sobre o tema; pesquisa documental, mediante análise estratégico-<br />

qualitativa <strong>de</strong> publicações científicas relativas a diversos campos acadêmicos (História,<br />

Ciências Sociais, Psicologia e Psicanálise, Jornalismo, Estudos <strong>de</strong> Gênero etc.); pesquisa <strong>de</strong><br />

∗ Psicóloga. Bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica, CNPq, do projeto “Michel Foucault no Brasil: presença, efeitos e<br />

resssonâncias”. Orientadora: Heliana <strong>de</strong> Barros Con<strong>de</strong> Rodrigues


campo, através <strong>de</strong> entrevistas realizadas sob o paradigma da História Oral, com pesquisadores<br />

e militantes brasileiros que se reconhecem (ou ao menos se reconheceram em algum<br />

momento) como marcados pelo pensamento <strong>de</strong> Foucault em suas teorizações e práticas.<br />

Inserção do trabalho na pesquisa <strong>de</strong> campo: narrativas orais<br />

Esta breve exposição do projeto teve o intuito <strong>de</strong> apresentar o contexto no qual está<br />

inserido o presente trabalho, isto é, na pesquisa <strong>de</strong> campo. Através <strong>de</strong>la se preten<strong>de</strong> investigar<br />

a produção historiográfica <strong>de</strong> alguns pesquisadores que se apropriaram das categorias <strong>de</strong><br />

análise <strong>de</strong> Foucault e passaram a utilizá-las em seus estudos.<br />

Com o apoio da História Oral, foram realizadas entrevistas com professores<br />

universitários do campo da História que tiveram, em suas trajetórias, contato com a obra do<br />

filósofo e com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> intelectuais a ela associados. Suas narrativas nos serviram <strong>de</strong> fonte<br />

para apreciar os efeitos <strong>de</strong> Foucault.<br />

As entrevistas tiveram como finalida<strong>de</strong> a exploração do caráter narrativo das fontes<br />

orais. Buscou-se perceber a transformação dos discursos em fontes, discursos que produzem<br />

novas realida<strong>de</strong>s para a escrita da história, bem como os objetos que foram construídos<br />

através do olhar e da experiência <strong>de</strong> cada entrevistado.<br />

Michel Foucault foi um dos pensadores contemporâneos que mais batalhou para que a<br />

experiência fosse incorporada à reflexão teórica, ética e política. Eribon (1996) ressalta as<br />

repetidas referências do filósofo a “experiências transformadoras” (p.36) envolvendo relações<br />

com os outros, inserções na vida cultural, engajamentos políticos, confrontos com normas<br />

institucionais etc.<br />

Em uma entrevista concedida em 1981 à Libération, por exemplo, Foucault <strong>de</strong>clara:<br />

Cada vez que tentei fazer um trabalho teórico, foi a partir <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> minha<br />

própria experiência: sempre em relação com processos que eu via se <strong>de</strong>senvolverem<br />

em torno <strong>de</strong> mim. Foi porque acreditei reconhecer nas coisas que via, nas<br />

instituições com que me ocupava, em minhas relações com os outros, fissuras,<br />

abalos surdos, disfunções, que empreendi esse trabalho – algum fragmento <strong>de</strong><br />

autobiografia (FOUCAULT, 1994: 82).<br />

Abre-se, com isso, uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão sobre as práticas discursivas e seus<br />

efeitos no presente, para os quais a metodologia com fontes orais dimensiona novas<br />

problemáticas <strong>de</strong> análise dos discursos.<br />

Discursos que atravessam vidas <strong>de</strong> forma a contribuir para a constituição <strong>de</strong> novos<br />

saberes. Discursos que vão além dos arquivos e das bibliotecas, que fazem repensar as


próprias práticas historiográficas e refletir sobre o exercício do historiador, do que po<strong>de</strong>ria ser<br />

a História como exercício <strong>de</strong> pensamento.<br />

A pergunta inicial <strong>de</strong> cada entrevista era: “On<strong>de</strong> se encontra na sua experiência <strong>de</strong><br />

vida o pensamento <strong>de</strong> Foucault?”. Foi dada aos entrevistados total liberda<strong>de</strong> para iniciar sua<br />

fala como melhor lhes conviesse e para incluir os atalhos percorridos, as referências a outros<br />

autores, suas dissertações, a construção das suas leituras e bibliotecas; enfim, para narrar suas<br />

trajetórias <strong>de</strong> vida.<br />

As entrevistas produziram um espaço <strong>de</strong> fala dos contornos dados ao passado, da<br />

construção <strong>de</strong> novos objetos <strong>de</strong> estudo; facultaram aos entrevistados se perceberem como<br />

produtores <strong>de</strong> novas temáticas, que outrora seriam inconcebíveis no campo da História, como<br />

o suicídio, o lazer, o teatro etc.<br />

Foucault propõe aos historiadores uma das mais inquietantes discussões, referente ao<br />

estatuto do real. A certeza <strong>de</strong> saber o que realmente ocorreu no passado, a posse do método<br />

correto e sua utilização a<strong>de</strong>quada conferiam, até então, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> ao historiador.<br />

A postura historiográfica foucaultiana, porém, preocupava-se não mais em revelar e<br />

explicar o real, mas em <strong>de</strong>sconstruí-lo enquanto discurso. Nesta linha, a história é vista como<br />

uma construção discursiva. O historiador po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os campos <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> força<br />

nos quais se constituem os jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, e não mais se ater a uma suposta verda<strong>de</strong><br />

documental estrito senso, rompendo assim com o paradigma iluminista.<br />

Isso permite pensar a produção historiográfica <strong>de</strong> formas novas. Destacamos a fala <strong>de</strong><br />

um dos entrevistados:<br />

Toda a produção historiográfica segue uma or<strong>de</strong>m, jeitos <strong>de</strong> fala, tabus <strong>de</strong> objeto.<br />

Pensar a historiografia como integrante <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m discursiva não só<br />

acadêmica, mas também socialmente forjada, vejo que não está aquém, nem além<br />

<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m. Se existem procedimentos sociais datados, aquilo que<br />

po<strong>de</strong> ser construído como verda<strong>de</strong>iro e falso, em que medida a historiografia<br />

participa <strong>de</strong>sse jogo? Isso me remete a relação saber-po<strong>de</strong>r que fundam a<br />

historiografia: em que medida a posse <strong>de</strong> um saber do passado permite a prática <strong>de</strong><br />

um po<strong>de</strong>r? Penso que po<strong>de</strong>mos utilizar das proposições conceituais elaboradas por<br />

Foucault 1 .<br />

1 Entrevista <strong>de</strong> Fábio Lopes a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 26/08/2011.


Referencial metodológico das entrevistas<br />

A referência ao autor Alessandro Portelli tornou-se importante para nortear as<br />

entrevistas, a fim <strong>de</strong> buscar um espaço compartilhado <strong>de</strong> narração, uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

diálogo entre o entrevistado e o entrevistador. Um diálogo em que os papéis se modificam,<br />

mudam, em que nem sempre é o historiador quem faz as perguntas, há perguntas colocadas<br />

pelo entrevistado também.<br />

Para Portelli (2009: 3), há duas agendas que se encontram: a agenda do historiador,<br />

que tem perguntas, algumas coisas que quer saber, e a agenda do entrevistado, que aproveita a<br />

presença do historiador para contar as histórias que quer contar, as quais não são<br />

necessariamente as histórias que o primeiro busca.<br />

Uma afirmação proferida por Portelli sobre a experiência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r com a História Oral<br />

nos diz que a entrevista seria um “experimento em igualda<strong>de</strong>”, um momento utópico.<br />

O paradigma da História Oral nos faz pensar a entrevista como catalisadora <strong>de</strong><br />

conflitos, e nos <strong>de</strong>safia a lidar com o imprevisto, o inusitado. Nesse sentido, cumpre estar<br />

atento ao lugar <strong>de</strong> realização das entrevistas, às pausas, às interrupções como telefonemas,<br />

campainhas, recados dirigidos a terceiros, fenômenos da natureza etc.<br />

Características postas ao discurso, narrativas que não seguem uma linearida<strong>de</strong>, uma<br />

previsibilida<strong>de</strong>, mas dão lugar ao acaso, à ruptura. Acontecimentos que não privilegiam o<br />

retorno do fio da meada, em muitas ocasiões. Sem dúvida, são riscos <strong>de</strong> quem se propõe a<br />

seguir a metodologia da História Oral, juntamente com o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> pensar a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong><br />

– categoria <strong>de</strong> análise tão cara a Foucault.<br />

Fragmentos das entrevistas e seus efeitos<br />

Um fragmento do relato <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> nossas entrevistadas nos provoca: “Foucault é um<br />

caminho sem volta. Pensar Foucault dá suporte e potência para as inquietu<strong>de</strong>s que estão<br />

presentes no regime <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que são diversos, e para trabalhar as incertezas e acasos no<br />

percurso do objeto” 2 .<br />

Interessaria à História, portanto, um trabalho <strong>de</strong> questionamento das representações e<br />

imagens do real que certos coletivos <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m como “seu” real e “seu” universal.<br />

Os efeitos da metodologia da História Oral exigem do entrevistado uma reconstrução<br />

das memórias, uma recriação <strong>de</strong> um viver, <strong>de</strong> um rememorar, uma exigência que não está<br />

necessariamente posta pelo cotidiano ou por outras ferramentas <strong>de</strong> pesquisa. Uma exigência<br />

2 Entrevista <strong>de</strong> Magda Torres a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 13/01/2012.


que reverbera nas práticas dos entrevistados, como por exemplo: “Repensar a História para<br />

além das comemorações <strong>de</strong> datas cívicas, construir um programa <strong>de</strong> curso, pensando<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura junto aos alunos. Uma disciplina não é um livro didático” 3 . Vemos<br />

assim a produção <strong>de</strong> uma História-pensamento com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> engendrar<br />

conhecimentos outros.<br />

Outra problemática que se nos colocou remete às expectativas: o que se espera do<br />

encontro e qual o alcance da proposta? O entrevistado eventualmente <strong>de</strong>manda um<br />

enquadramento, tenta se encaixar <strong>de</strong>ntro das expectativas da entrevista. Procura falar o que<br />

está <strong>de</strong> acordo com os objetivos, o que está correto em relação à <strong>de</strong>manda da pesquisa. Isso<br />

nos aponta para uma disciplinarização construída como algo natural, encarnada nas práticas e<br />

nos discursos acadêmicos.<br />

De acordo com um dos entrevistados, “Foucault nos ajuda a trabalhar para não termos<br />

expectativas, as respostas não são conhecidas por nós” 4 .<br />

O trabalho do historiador resi<strong>de</strong> então em buscar possibilida<strong>de</strong>s, hipóteses e<br />

abordagens ligadas a suas preocupações específicas presentes na historiografia recente, em<br />

problematizar novos objetos, rediscutindo a noção <strong>de</strong> arquivo a partir <strong>de</strong> um enunciado,<br />

<strong>de</strong>snaturalizando os objetos, tirando-os <strong>de</strong> seus lugares cristalizados.<br />

Vemos que as ressonâncias do pensamento <strong>de</strong> Foucault se mostram na<br />

<strong>de</strong>sestabilização <strong>de</strong> lugares ocupados por certos objetos. É o caso da escolha feita por um dos<br />

historiadores entrevistados: apesar <strong>de</strong> atuar no campo da história, <strong>de</strong>cidiu trabalhar com o<br />

suicídio, objeto cristalizado, habitualmente privativo das áreas ‘psi’.<br />

O interesse do pesquisador no tema suicídio foi analisar como a imprensa o noticiava,<br />

ligando-o, geralmente, à doença mental, quando não sabia explicar os motivos. A sua tese foi<br />

publicada com o título “Suicídio e Saber Médico”. O entrevistado relata que “ao procurar o<br />

livro na Travessa [livraria], você encontra na seção <strong>de</strong> Psicologia ou <strong>de</strong> Medicina.” Consi<strong>de</strong>ra<br />

que “é interessante que o livro possa ocupar outros espaços” 5 .<br />

3<br />

Entrevista <strong>de</strong> Magda Torres a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 13/01/2012.<br />

4<br />

Entrevista <strong>de</strong> Magda Torres a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 13/01/2012.<br />

5<br />

Entrevista <strong>de</strong> Fábio Lopes a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 26/08/2011.


E acrescenta: “Surge com isso a emergência <strong>de</strong> novos lugares, on<strong>de</strong> passeio: o do<br />

leitor, o do historiador, o exercício <strong>de</strong> si, os <strong>de</strong>slocamentos, como aponta Foucault” 6 .<br />

Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças, <strong>de</strong> modulações interdisciplinares.<br />

A partir <strong>de</strong> alguns conceitos foucaultianos, abrem-se possibilida<strong>de</strong>s para novos temas<br />

serem objetos <strong>de</strong> estudo. Por exemplo, segundo um dos entrevistados, a construção do objeto<br />

se <strong>de</strong>u a partir:<br />

...das práticas <strong>de</strong> diversão pública que eram consi<strong>de</strong>radas bárbaras e incivilizadas<br />

no período pós-Abolição. Pensar o sentido da diversão pública. O sentido da<br />

palavra lazer, ócio Pensar nas práticas disciplinares do lugar da prisão e da<br />

punição. Com a minha mania <strong>de</strong> circular pelo centro da cida<strong>de</strong>, eu me <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixo<br />

tocar pelos textos, livros, assim foi que encontrei o livro “As palavras e as coisas”,<br />

mas ainda or<strong>de</strong>nada por um viés marxista sobre a questão do trabalho” 7 .<br />

Sobre a experiência do contato com a bibliografia <strong>de</strong> Foucault, um dos entrevistados<br />

se auto<strong>de</strong>nomina “buscadora”: “Como na minha época não havia Google, buscávamos os<br />

livros nas ruas, indo às livrarias” 8 . Essa narrativa nos remete ao modo como Foucault se<br />

relacionava com os livros: ele os visitava “como circulava por Paris <strong>de</strong> bicicleta”.<br />

(CERTEAU, 2002, citado por RODRIGUES, 2010), buscando, a cada esquina, as citações <strong>de</strong><br />

um impensado.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

Percebemos que o contato com o pensamento <strong>de</strong> Foucault apresenta uma mudança na<br />

historiografia recente, vista nos discursos e práticas dos historiadores entrevistados. Essa nova<br />

historiografia utiliza-se das categorias da <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, da diferença, da noções <strong>de</strong> limiar e<br />

<strong>de</strong> ruptura.<br />

A reflexão acerca das ressonâncias do pensamento <strong>de</strong> Foucault com o recurso da<br />

História Oral, através dos relatos <strong>de</strong> vida dos entrevistados, aponta para uma nova<br />

positivida<strong>de</strong> discursiva na escrita da história.<br />

6<br />

Entrevista <strong>de</strong> Fabio Lopes a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 26/08/2011.<br />

7<br />

Entrevista <strong>de</strong> Marilene Rosa a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 27/04/2011.<br />

8<br />

Entrevista <strong>de</strong> Marilene Rosa a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 27/04/2011.


A subjetivida<strong>de</strong> é um elemento presente no campo <strong>de</strong> relações entrevistador-<br />

entrevistado. Portelli consi<strong>de</strong>ra a subjetivida<strong>de</strong> assunto da história tanto quanto fatos mais<br />

visíveis, e diz que “ocorrências subjetivas são fatos históricos como os <strong>de</strong>mais”. (PORTELLI,<br />

1991, citado por RODRIGUES, 2005)<br />

Portelli convida os pesquisadores que trabalham com fontes orais a analisarem as suas<br />

implicações com o seu ofício. Um exemplo que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar perturbador e catalisador<br />

<strong>de</strong> questionamentos a respeito do lugar que ocupávamos como entrevistadoras foi o papel<br />

engessado <strong>de</strong> alunas, abalado quando nos vimos <strong>de</strong>nominadas, por uma entrevistada, “as<br />

meninas <strong>de</strong> Foucault” 9 .<br />

O <strong>de</strong>safio da metodologia empregada no trabalho com narrativas orais nos remete para<br />

a expressão “ilusão biográfica” <strong>de</strong> Bourdieu (1996), que nos ajuda a não cairmos na tentação<br />

<strong>de</strong> selecionar acontecimentos significativos, estabelecendo entre eles as conexões necessárias<br />

para conferir um grau satisfatório <strong>de</strong> coerência ao relato. Diferentemente, talvez possamos<br />

pensar que lapsos, equívocos, incoerências, interrupções também fazem parte das trajetórias<br />

<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> todos nós.<br />

Posto o <strong>de</strong>safio, faz-se pertinente citar Hay<strong>de</strong>n Whyte, que se aproxima do<br />

pensamento <strong>de</strong> Foucault e nos convoca a uma experimentação na escrita da história:<br />

“...precisamos <strong>de</strong> uma história que nos eduque para a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> como nunca se fez<br />

antes; pois a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, a ruptura e o caos são o nosso <strong>de</strong>stino...” (WHYTE, 1994: 63,<br />

citado por RODRIGUES, 2005)<br />

Referências<br />

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: Ferreira, Marieta Moraes e AMADO, Janaína (orgs)<br />

Usos e abusos da história oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, 1996.<br />

CERTEAU, Michel <strong>de</strong>. Le rire <strong>de</strong> Michel Foucault. In: Histoire et psychanalyse entre Science<br />

et fiction. Paris: Gallimard, 2002.<br />

ERIBON, Didier. Michel Foucault e seus contemporâneos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: J. Zahar, 1996.<br />

FOUCAULT, Michel. Est-il donc importante <strong>de</strong> penser?. In: Dits et Écrits IV. Paris:<br />

Gallimard, 1994.<br />

PORTELLI, Alessandro. História Oral e Po<strong>de</strong>r. Conferência no XXV Simpósio Nacional da<br />

ANPUH, Fortaleza, CE, 13.07.2009. Transcrição <strong>de</strong> Luiz Henrique dos <strong>Santo</strong>s Blume, a partir<br />

9 Entrevista <strong>de</strong> Edna dos <strong>Santo</strong>s a <strong>Maria</strong> <strong>Izabel</strong> <strong>Pitanga</strong> e Sheila Melo, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do mesmo<br />

projeto, em 03/05/2011.


do arquivo em áudio.wmp. Tradução <strong>de</strong> Luiz Henrique dos <strong>Santo</strong>s e Heliana <strong>de</strong> Barros Con<strong>de</strong><br />

Rodrigues;<br />

RODRIGUES, H.B.C. Alucinando Portelli: Celebração do amor entre um historiador (oral) e<br />

seu leitor. Mnemosine v.1, n.1, jul/2005.<br />

RODRIGUES. Michel Foucault no Brasil: presença, efeitos e ressonâncias. Projeto<br />

Prociência, 2010.<br />

WHYTE, H. O fardo da história. In: Trópicos do Discurso. São Paulo: Edusp, 1994.

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