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aqui - História da Medicina

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António de Andrade escreveu em Agra e <strong>da</strong>tou de 8<br />

de Novembro de 1624, impressa com o titulo de<br />

“Novo Descobrimento do Gram Catayo, ou Reino de<br />

Tibet”, há coisas que então já eram sabi<strong>da</strong>s em<br />

relação com a patologia pelo frio, há fantasias e há<br />

coisas novas que merecem destaque.<br />

Certamente já seria sabido que a permanência na<br />

neve levaria a que Andrade afirmasse: “Nos pés,<br />

mãos e rosto, não tínhamos sentimento, porque com<br />

o demasiado rigor do frio, ficávamos totalmente sem<br />

sentido”, mas já se colocarão dúvi<strong>da</strong>s para a<br />

afirmação:”.-. aconteceu-me, pegando em não sei o<br />

quê, cair-me um bom pe<strong>da</strong>ço do dedo sem eu <strong>da</strong>r fé<br />

disso nem sentir feri<strong>da</strong>”, e até <strong>aqui</strong> tudo bem’, mas...<br />

“.:. se não fora o muito sangue que dela corria”. Na<br />

ver<strong>da</strong>de, de um simples golpe num dedo gelado, não<br />

será de esperar muito sangue e muito menos muito<br />

sangue que corria...Segue-se a afirmação:”Os pés<br />

foram apodrecendo de maneira que, de mui<br />

inchados, no-los queimavam depois com brazas<br />

vivas e ferros abrazados, e com mui pouco<br />

Sentimento nosso” e <strong>aqui</strong> surgem dois tipos de<br />

interrogações: tratar-se-ia de patologia pelo frio e<br />

gangrena <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des ou apenas uma<br />

manifestação de <strong>aqui</strong>lo que virá a chamar-se<br />

escorbuto e, nos nossos dias Avitaminose C?. E a<br />

outra interrogação a fazer é se depois de tais tratos<br />

aqueles pés ain<strong>da</strong> teriam condições para o regresso<br />

e para uma segun<strong>da</strong> viagem e os desejos de terceira.<br />

Não oferece porém dúvi<strong>da</strong>s que, havendo anestesia<br />

pelo frio ou os grandes inchaços do escorbuto,<br />

haveria insensibili<strong>da</strong>de. E havia mais:”... a isto se<br />

acrescentaram dons grandes males, o primeiro, que<br />

ca<strong>da</strong> um de nós tinha um mortal fastio, com que<br />

ficávamos como que impossibilitados de comer; não<br />

me lembra que em doença tivesse outro igual a este;<br />

mas a necessi<strong>da</strong>de precisa fazia que sobre to<strong>da</strong>s as<br />

repugnancias comesse alguma cousa, e com muita<br />

força e com algumas invenções procurava com os<br />

moços o mesmo, mais do que nunca fiz a doentes<br />

graves. A outra cousa que nos foi de pena era não<br />

achar água pera beber, a qual ain<strong>da</strong>, no meio de tais<br />

frios, nos era bem necessária, por razão <strong>da</strong> secura<br />

que causava o muito trabalho; não era esta falta por<br />

faltarem fontes, mas per to<strong>da</strong>s correrem ocultamente<br />

por baixo <strong>da</strong> neve...” e tudo isto quando...” o trabalho<br />

que passávamos foi muito excessivo, porque nos<br />

acontecia muitas vezes ficar encravados dentro <strong>da</strong><br />

neve, ora até aos ombros, ora até os peitos, de<br />

ordinário até o joelho, cançando a sair acima, mais<br />

do que se pode crer, e suando suores frios, vendo-<br />

-nos não poucas vezes em risco de vi<strong>da</strong>; muitas<br />

vezes era necessário ir por cima <strong>da</strong> neve com o<br />

corpo, como quem vai na<strong>da</strong>ndo...” e <strong>aqui</strong> já surge a<br />

experiência vivi<strong>da</strong>, a linguagem rica e expressiva, a<br />

imaginação refrea<strong>da</strong>...<br />

E surge o momento mais dramático <strong>da</strong>quela<br />

17<br />

viagem: “Já neste tempo tínhamos a vista dos olhos<br />

quase to<strong>da</strong> perdi<strong>da</strong>, mas eu a perdi mais tarde que<br />

os moços, pola muita diligência que fiz em resguar<strong>da</strong>r<br />

os olhos; mas não foi bastante pera não ficar quase<br />

cego por mais de vinte e cinco dias, sem poder rezar<br />

o Ofício Divino nem ain<strong>da</strong> conhecer uma só letra do<br />

Breviário”. Ora, Andrade em 1624 teria exactamente<br />

43 anos, mais mês, menos mês e se acaso teria<br />

<strong>aqui</strong>lo que hoje entendemos ser uma visão normal,<br />

estava a entrar numa época <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> em que<br />

necessitaria de óculos para ler o Breviário, que até<br />

teria letras de razoáveis dimensões e <strong>da</strong>í um motivo<br />

mais de angústia a juntar a muitos outros problemas<br />

que na<strong>da</strong> eram comparados com a falta de<br />

autorização, por não ter sido solicita<strong>da</strong>, para esta<br />

viagem que por ter terminado em bem terá sido<br />

considera<strong>da</strong> como dentro <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des e<br />

atribuições do Padre Andrade.<br />

Em todo o relato, chama-nos especialmente a<br />

atenção a resistência ao frio, que nos nossos dias<br />

continua a ser uma enorme dificul<strong>da</strong>de para quem<br />

deseje subir às mais altas montanhas do mundo.<br />

Amato Lusitano (1511-1568) escrevia em 1554 na<br />

Terceira Centúria, dedica<strong>da</strong> ao “embaixador” em<br />

Roma Afonso de Lencastre, na Cura 13 relativa a<br />

criados e escravos deste Senhor que “... hoje, os<br />

nossos Portugueses fazem o comércio na zona<br />

equinocial e vivem, como os Lapões, sob a zona<br />

polar...” mas os equipamentos de que Andrade<br />

disporia eram incipientes, ain<strong>da</strong> que mostrassem<br />

notável avanço em relação ao que não existiu, por<br />

exemplo, na passagem do Cabo <strong>da</strong> Boa Esperança<br />

em 1506, onde muita gente <strong>da</strong> frota de Tristão <strong>da</strong><br />

Cunha pereceu de frial<strong>da</strong>de. No relato de António de<br />

Andrade é especialmente impressiva a passagem:<br />

“... só me faltava a mim a vista, e não é muito pois<br />

até os mesmos serranos, que desta segun<strong>da</strong> vez<br />

foram connosco, com serem costumados e nascidos<br />

entre as mesmas neves, padecem grandes dores<br />

nos olhos por alguns dias, sem lhes valer antolhos<br />

de certas redes que fazem pera defender a vista dos<br />

raios do sol, que, ferindo a neve, cegava os olhos<br />

com a continuação de poucos dias.”<br />

Uma expedição médica em 1957 explorou os Himalayas<br />

numa zona situa<strong>da</strong> a 5300 metros de altitude.<br />

sensivelmente a altitude atingi<strong>da</strong> por Andrade em<br />

1624 e registou como principais dificul<strong>da</strong>des á<br />

a<strong>da</strong>ptação ao frio, os problemas respiratórios e a<br />

tosse que não impressionaram muito o nosso<br />

missionário, a alimentação e os problemas com os<br />

olhos. Os problemas com os olhos são de extrema<br />

gravi<strong>da</strong>de e têm relação com o frio, o vento, a<br />

humi<strong>da</strong>de do ar, a luminosi<strong>da</strong>de e as radiações ultra-violetas.<br />

O frio intenso alterará os mecanismos<br />

fisiológicos que mantêm a córnea transparente, impede<br />

a deturgescência, a córnea imbebe-se de água,<br />

não perde água, edemacia-se, torna-se opaca. Em

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