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igualmente pertinente, <strong>da</strong> “negra ideia” (5) <strong>da</strong> Morte,<br />
<strong>da</strong> dor sem nome em que ela mergulha o coração<br />
dos homens.<br />
Entre os muitos poetas que, em Portugal e durante<br />
o século XIX, cantaram a Morte foi talvez Soares de<br />
Passos aquele em cujos poemas transparecem, mais<br />
vinca<strong>da</strong>mente, todos os multifacetados sentimentos<br />
que ela pode inspirar.<br />
Assim. no poema “Últimos momentos de<br />
Albuquerque”, escreveu:<br />
“A morte... a morte... que anseio!<br />
Sinto um gelo sepulcral...<br />
Abre-me, ó terra, o teu seio.<br />
Quero o repouso final...” (6)<br />
Se a Morte é <strong>aqui</strong> canta<strong>da</strong> como porto de paz, no<br />
poema “Infância e Morte” (7) . onde uma filha exprime<br />
a sau<strong>da</strong>de pela sua Mãe, é a amargura e o desespero<br />
pela separação que são belamente expressos:<br />
“A nossa janela não mais foi aberta,<br />
O fogo apagou-se na cinza do lar.<br />
As pombas são tristes, a casa deserta.<br />
E as flores <strong>da</strong> Virgem se vão a murchar”.<br />
Para no poema “Amor e Eterni<strong>da</strong>de” nos surgir a<br />
paz triste e tranquila dos cemitérios, os cenários <strong>da</strong><br />
Morte:<br />
“Oh! Quão saudosa a viração murmura<br />
No cipreste virente<br />
Que lhes protege as urnas funerárias!<br />
E o sol, ao descair lá no ocidente.<br />
Quão belo lhes fulgura<br />
Nas campas solitárias!” (8)<br />
Mas se por um lado a Morte foi, por vezes, um<br />
estado que ansia<strong>da</strong>mente se desejou, por outro,<br />
nunca como em nenhum outro século a separação<br />
que ela provoca despole tou tão profun<strong>da</strong>s e intensas<br />
manifestações de rejeição. Fosse à cabeceira de<br />
quem agonizava, fosse no triste e nostálgico redobrar<br />
dos sinos anunciando a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Morte para<br />
alguém. fosse na evocação <strong>da</strong> lembrança de quem<br />
partira, a dor e o luto materializavam-se de um modo<br />
excessivo, nas suas múltiplas formas de expressão<br />
(lágrimas, gestos. palavras). Inscrições tumulares;<br />
monumentos funerários. notícias necrológicas eram<br />
meios que perpetuavam essa dor. E os ecos de<br />
muitas dores sem nome e sem consolo que feriram<br />
corações que há muito deixaram de bater; ressoam<br />
ain<strong>da</strong> bem palpáveis um pouco por todos os<br />
cemitérios <strong>da</strong> Europa Ocidental.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, quando nos detemos perante um<br />
jazigo ou um monumento funerário do século XIX e<br />
quando lemos as suas senti<strong>da</strong>s inscrições, um<br />
estremecimento nos percorre: a dor e o sofrimento,<br />
vividos por quem as escreveu e que há muito a morte<br />
também levou ain<strong>da</strong> vivamente nos envolvem.<br />
No caso concreto do<br />
cemitério de Castelo<br />
Branco, um pequeno<br />
monumento erguido em<br />
1850 parece-me ser<br />
paradigma exemplar.<br />
Em dois degraus de<br />
granito que a passa gem<br />
do tempo coloriu de<br />
manchas de líquenes<br />
levanta-se como que um<br />
pequeno altar de<br />
mármore sobre o qual<br />
se ergue uma grande<br />
taça coberta por um<br />
manto de pregas<br />
primorosamente<br />
esculpi<strong>da</strong>s. Assenta esta<br />
taça numa base onde se<br />
destaca em relevo uma flor de cardo (alcachofra)-sua<br />
única decoração. Perpetua este pequeno monumento<br />
a memória <strong>da</strong> curta vi<strong>da</strong> (apenas três anos) de um<br />
rapazinho que viveu <strong>aqui</strong> em Castelo Branco há 140<br />
anos. Nele, uma pungente e simples quadra:<br />
“Anjo de graça e candura<br />
Qual flor viveu e passou<br />
Não o choreis, esta no Céu,<br />
Chorai os Pais que deixou”.<br />
41<br />
Todo um décor, um cenário cui<strong>da</strong>dosamente<br />
preparado, aju<strong>da</strong>va a criar um ambiente solene e<br />
dramático onde a dor se extravasava.