11.04.2013 Views

aqui - História da Medicina

aqui - História da Medicina

aqui - História da Medicina

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

comportamentos e atitudes característicos dum<br />

século ain<strong>da</strong> ber próximo de nós.<br />

Marcado sabor romântico possuem duas notícias<br />

que relatam a mesma morte: a dum jovem de Alcains<br />

que estu<strong>da</strong>va Direito em Coimbra pelo ano de 1865<br />

e que, aos 24 anos, foi vitima duma “apoplexia”. Uma<br />

dessas notícias, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> do Louriçal do Campo,<br />

contém uma dupla interpelação: à Morte e a Deus.<br />

Nela se lê: “Ah morte tirana! tirana morte! que tão<br />

cruel e desapie<strong>da</strong><strong>da</strong>mente ergueste teu gigante e<br />

robusto braço para brandires tuas mortíferas setas<br />

contra um inocente jovem na primavera <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong><br />

(...). Ah meu Deus! Quanto são árduos e difíceis de<br />

perscrutar vossos desígnios!!! ... (15) .<br />

A outra, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong>, foi escrita por um jovem<br />

amigo, também de Alcains, que estu<strong>da</strong>va nessa<br />

ci<strong>da</strong>de e assim começa: “Para que tão triste li<strong>da</strong>r?<br />

Para que tão sérios cui<strong>da</strong>dos sobre esta precária vi<strong>da</strong><br />

se ela foge - velut umbra? O que ontem era bonina e<br />

frescor, hoje são ramos de fúnebre e murcho cipreste,<br />

caídos sobre mais uma campa, que há pouco se<br />

fechou!!!(...). Venho chorar sobre tua campa, amigo,<br />

venho desfolhar sobre ela o resto de uma sau<strong>da</strong>de<br />

que alguém primeiro do que eu começou a<br />

desfolhar!!!” (16) . Quer uma quer outra destas notícias<br />

se iniciam com uma citação do livro de Job: A<br />

primeira:” Miseremini mei, miseremini mei, saltem vos<br />

amici mei, quia menus Domini teligit me”-<br />

Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim,<br />

ao menos vós que sois meus amigos, porque a mão<br />

do Senhor me feriu”; a citação <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> notícia<br />

tem um teor completamente diferente: “Quid est<br />

honro, quia magnificas eum?-Que coisa é o homem<br />

para que o engrandeças? Se a consciência <strong>da</strong><br />

efemeri<strong>da</strong>de ressalta fortemente na segun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

notícias é também nela que se patenteia a sau<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> separação, a rejeição profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> situação que a<br />

morte traz sempre, sempre consigo. Pormenores<br />

cheios de sau<strong>da</strong>de por ela perpassam: recor<strong>da</strong>m-se<br />

os “doces trabalhos do estudo” e o alegre retorno a<br />

Alcains. “Era chegado o tempo de nos reunirmos às<br />

nossas queri<strong>da</strong>s famílias e ali gozarmos de alegres<br />

folguedos, eu porém regressarei só... “- escreveu o<br />

jovem amigo.<br />

Data<strong>da</strong> de Seia e encima<strong>da</strong> por uma citação de<br />

Job (“Dies mei breviabuntur, et solam mihi superest<br />

sepulcrum”-Os meus dias se abreviam e só me resta<br />

o sepulcro), inicia-se a notícia <strong>da</strong> morte dum membro<br />

<strong>da</strong> nobreza albicastrense do modo que se segue:<br />

“Mais um varão ilustre, desceu à triste e gela<strong>da</strong><br />

mansão do sepulcro; a morte no seu voo continuo<br />

roçou-lhe na fronte com suas negras asas,<br />

comunicou-lhe seu hálito pestilento, e com sua dura<br />

e implacável foice cortou-lhe os fios <strong>da</strong> sua existência<br />

preciosa, e agora misturado no pó dos túmulos<br />

somente dele nos resta a memória. Oh! mundo<br />

quanto são falsas e mentirosas tuas ilusões, e quanto<br />

44<br />

é curta e limita<strong>da</strong> tua duração?!...” (17).<br />

Mais uma vez o lamento pela efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

e a consciência <strong>da</strong> precari<strong>da</strong>de e ilusão <strong>da</strong>s coisas<br />

do mundo que ressaltam como grito de angústia<br />

nesta notícia <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de Abril de 1865. Escreveu-a<br />

um amigo do finado como forma de pagar à sua<br />

memória o “tributo de homenagem e respeito” que<br />

lhe devia.<br />

As circunstancias <strong>da</strong> morte, “agu<strong>da</strong> e prolonga<strong>da</strong><br />

doença”, a ineficácia dos esforços dos “hábeis<br />

facultativos para lhe dilatarem a vi<strong>da</strong>” (pois,<br />

esclarece-se,” a areia <strong>da</strong> ampulheta fatal estava<br />

esgota<strong>da</strong>”), a aceitação resigna<strong>da</strong> <strong>da</strong> morte por parte<br />

<strong>da</strong>quele que partia - são aspectos que ressaltam.<br />

Mas o relato mais pormenorizado é reservado à<br />

descrição <strong>da</strong> “pungente e acerba dor pela per<strong>da</strong> do<br />

esposo modelo, do pai extremoso, do amigo dedicado<br />

e sincero”.<br />

Data<strong>da</strong> de I<strong>da</strong>nha-a-Nova a 3 de Abril de 1865 e<br />

encima<strong>da</strong> com a citação: “Sat cuique sua dies”- Ca<strong>da</strong><br />

um tem marca<strong>da</strong> a sua hora fatal, é este o começo<br />

<strong>da</strong> notícia <strong>da</strong> morte dum nobre de I<strong>da</strong>nha-a-Nova:<br />

“São 5 horas <strong>da</strong> manhã e já o dobre dos sinos anuncia<br />

aos-habitantes desta vila d’I<strong>da</strong>nha, que mais um<br />

d’entre eles foi riscado do número dos vivos; (...)<br />

tocou a sua vez, e chegou o dia de pagar o tributo<br />

irrevogável imposto a todo o vivente; o povo corre à<br />

capela <strong>da</strong> casa do ilustre finado e ali se mostra um<br />

féretro que contém os seus restos mortais, porque a<br />

sua alma saiu de entre o véu <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de (...)” (18) .<br />

Escrita por um amigo de infância, to<strong>da</strong>s as alegrias<br />

e vicissitudes duma vi<strong>da</strong> que sempre decorreu no<br />

meio <strong>da</strong> riqueza e opulência são foca<strong>da</strong>s nesta noticia<br />

muito longa. É a morte <strong>da</strong> sua primeira esposa<br />

vitima<strong>da</strong> de tísica pulmonar que na esperança de cura<br />

foi terminar os seus dias na ilha <strong>da</strong> Madeira; é o seu<br />

segundo casamento com uma jovem fi<strong>da</strong>lga; são os<br />

faustosos esponsais <strong>da</strong> sua única filha, nasci<strong>da</strong> do<br />

primeiro casamento, com o irmão <strong>da</strong> sua segun<strong>da</strong><br />

mulher; são os esforços dos médicos para o<br />

arrancarem à morte, esforços bal<strong>da</strong>dos que assim<br />

são descritos: “medicina a quem a morte se impôs e<br />

disse:- Sat cuique sua dies!!!- Ca<strong>da</strong> dia traz a ca<strong>da</strong><br />

um o que chega!!!”<br />

No entanto, é o perfil ideológico do finado que mais<br />

marca<strong>da</strong>mente se ressalta: “liberal <strong>da</strong> família, liberal<br />

desde o berço (...) foi sempre um ci<strong>da</strong>dão conspícuo,<br />

probo, e honrado, um ci<strong>da</strong>dão prestante, valioso e<br />

benfazejo”, escreveu o amigo. E a dor, a dor pungente<br />

<strong>da</strong> sua filha e <strong>da</strong> sua mulher que senti<strong>da</strong>mente<br />

choraram a sua morte.<br />

Dois aspectos convém desde já sublinhar. O<br />

primeiro refere-se ao facto de as notícias apenas<br />

dizerem respeito a pessoas oriun<strong>da</strong>s de<br />

determinados estratos sociais. Padres, nobres,<br />

professores, estu<strong>da</strong>ntes- eram esses que tornavam<br />

pública nas páginas dos jornais a sua dor e o seu

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!