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Aquelas<br />
semelhanças que<br />
Jones apontou acabaram no indoeuropeu,<br />
<strong>um</strong>a <strong>língua</strong> que jamais foi ouvida,<br />
mas que pôde ser reconstruída a partir das<br />
coincidências entre idiomas aparentemente<br />
tão díspares <strong>com</strong>o o sânscrito, o grego e o latim.<br />
Seus ramos são os responsáveis pelo nosso português,<br />
mas também por muitas outras <strong>língua</strong>s,<br />
entre elas o romeno (também do braço latino), o<br />
inglês e o alemão (do grupo germânico) e o russo<br />
(do grupo balto-eslavo). Atualmente, os pesquisadores<br />
acreditam que haja no mínimo duas dezenas<br />
de famílias <strong>com</strong>o o indo-europeu que, remontadas a<br />
mais de 10 mil anos a.C., poderiam acabar em <strong>um</strong>a única<br />
<strong>língua</strong>, ainda muito mais antiga, chamada scan. Ou não!<br />
Porque, <strong>com</strong>o não existem registros, poderiam existir várias <strong>língua</strong>s<br />
dos vários primeiros homens que deram origem a essa colcha de<br />
retalhos dos quase 7 mil idiomas falados em todo o mundo.<br />
Prática e fortalecimento<br />
Mas, se não é possível saber <strong>com</strong>o as <strong>língua</strong>s surgiram, pelo menos<br />
sabemos que elas morrem, certo? Nem sempre. “Essa história<br />
de pensar que a <strong>língua</strong> nasce, evolui e morre é coisa do<br />
século XIX, quando se tentava enquadrar tudo nos<br />
esquemas biológicos e evolucionistas”, explica<br />
o professor de linguística Carlos Faraco, da<br />
Universidade Federal do Paraná. Basta<br />
pensar, por exemplo, no hebraico,<br />
que deixou de ser falado por causa da<br />
dispersão dos judeus pelo mundo.<br />
Ou seja, estava morto. Só que, <strong>com</strong><br />
a criação de Israel, em 1948, ele foi<br />
resgatado, adaptado e virou a <strong>língua</strong><br />
oficial da nação. No Norte da<br />
Itália também há dialetos desaparecidos,<br />
mas registrados em doc<strong>um</strong>entos<br />
e livros, que voltaram<br />
a ser estudados e, <strong>com</strong>o o hebraico,<br />
“reviveram” no país <strong>com</strong><br />
os novos falantes. “As únicas <strong>língua</strong>s<br />
que morrem são aquelas<br />
totalmente orais e que acabam enterradas<br />
<strong>com</strong> o último conhecedor”, explica Faraco. Foi assim<br />
<strong>com</strong> o dalmático, antigamente falado nas margens<br />
do Mar Adriático, e <strong>com</strong> dezenas de <strong>língua</strong>s indígenas<br />
brasileiras, que s<strong>um</strong>iram ao mesmo tempo que<br />
<strong>sua</strong>s tribos.<br />
Melhor que falar de morte, então, seria falar de falta<br />
de uso. “Quanto mais a <strong>língua</strong> é praticada, mais ela<br />
se fortalece”, explica a professora de linguística histórica<br />
Enilde Faulstich, da Universidade de Brasília.<br />
“Falar de morte é <strong>um</strong>a metáfora, porque <strong>língua</strong> é<br />
algo abstrato. E ninguém mata algo abstrato. Língua<br />
e mente caminham juntas e é por isso que, para<br />
matá-la, é preciso, antes, matar as pessoas”, diz.<br />
Fazer a mágica de “reviver” <strong>um</strong>a <strong>língua</strong> só é possível<br />
se houver registros de seu uso. E, <strong>com</strong>o a escrita é o<br />
modo mais antigo de “guardar” a fala, é a partir desses<br />
doc<strong>um</strong>entos que se pode sair por aí “desenterrando”<br />
idiomas. Só que, mesmo <strong>com</strong> eles, descobrir <strong>com</strong>o os<br />
seres h<strong>um</strong>anos se expressavam antigamente é tarefa<br />
quase impossível. Porque escrita e oralidade são duas<br />
modalidades distintas da linguagem, e não o espelho<br />
<strong>um</strong>a da outra. É só pensar que, se alguém <strong>com</strong>eçar a<br />
falar <strong>com</strong>o escreve, o resultado sairá <strong>um</strong> tanto esquisito.<br />
“É <strong>com</strong>o se imaginássemos <strong>um</strong>a linha contínua que<br />
vai de algo mais escrito a algo mais oral. De <strong>um</strong>a ponta<br />
a outra existem várias nuances, vários gêneros que<br />
misturam características dos dois”, explica Fiorin. O diálogo<br />
em casa, por exemplo, estaria n<strong>um</strong>a extremidade<br />
oral, enquanto <strong>um</strong> artigo científico, cheio de burocracias,<br />
estaria em outra. Mas a fala de <strong>um</strong> apresentador<br />
de telejornal fica entre as duas porque, apesar de falado,<br />
tem marcas claras da caneta de quem construiu o<br />
texto. ”Fala e escrita são coisas muito diferentes, mas<br />
não opostas”, diz o professor. Juntas, no entanto, essas<br />
duas modalidades <strong>com</strong>põem o todo que, além de ser<br />
dito ou grafado, é capaz de definir o homem e seu lugar<br />
no mundo.<br />
Construção de sentidos<br />
“A sociedade só é possível pela <strong>língua</strong>; e por ela também<br />
o indivíduo”, escreveu Émile Benveniste, em<br />
Problemas de Linguística Geral, de 1966 (Pontes Editores,<br />
2008). Mas será que a <strong>língua</strong> é mesmo capaz de<br />
construir tudo isso, <strong>com</strong>o acredita o teórico francês?<br />
“É por meio dela que o ser h<strong>um</strong>ano se revela”, esclarece<br />
Luiz Francisco Dias, professor de linguística e<br />
semântica da Universidade Federal de Minas Gerais.<br />
“Falando para o outro, falamos para nós mesmos e,<br />
assim, construímos os sentidos e nos descobrimos.”<br />
Afinal, basta alguém <strong>com</strong>eçar a dizer algo para, imediatamente,<br />
denunciar de onde veio, qual a “turma” a<br />
que pertence e, nas entrelinhas e entonações, declarar<br />
até os sentimentos e medos que o cercam. Ou, ao<br />
menos, foi nisso que o neurologista alemão Sigmund<br />
Freud pensou quando concebeu a psicanálise, em<br />
1890. Grosseiramente, seu método nada mais é que<br />
<strong>um</strong>a forma de desbravar o inconsciente por meio<br />
das artimanhas da linguagem.<br />
As palavras usadas, no entanto, fazem parte de outro<br />
sistema, definido política e socialmente. A <strong>língua</strong>,<br />
afinal, é o meio de <strong>com</strong>unicação de <strong>um</strong> determinado<br />
território, usado por seus indivíduos, “<strong>um</strong> dialeto<br />
<strong>com</strong> exército e marinha”, nas palavras do linguista<br />
alemão Max Weinreich. A primeira coisa que <strong>um</strong>a<br />
nova nação precisa, além de definir <strong>sua</strong>s fronteiras,<br />
é de <strong>um</strong>a <strong>língua</strong> nacional. “Nosso idioma está inscrito<br />
na Constituição, e ele é <strong>um</strong> dos elementos que<br />
nos definem <strong>com</strong>o brasileiros”, diz a especialista em<br />
linguística histórica Rosa Mattos e Silva, da Universidade<br />
Federal da Bahia. “A construção da identidade<br />
pessoal passa pela <strong>língua</strong>, porque é por meio dela<br />
que os seres veem a realidade e é <strong>com</strong> ela que eles<br />
se expressam”, diz. Tanto é que não existe gente sem<br />
<strong>língua</strong>, qualquer que seja. E talvez seja por isso que<br />
tantas mitologias, tentando explicar o <strong>com</strong>eço do<br />
mundo a partir do nada, foram parar na palavra.<br />
Leia na Continu<strong>um</strong> On-Line entrevista <strong>com</strong> a linguista<br />
Marta Scherre, da Universidade Federal do Espírito<br />
Santo, sobre preconceito linguístico.<br />
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