13.04.2013 Views

Anais do XVI CNLF - Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e ...

Anais do XVI CNLF - Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e ...

Anais do XVI CNLF - Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

tes. E quem mais sofreu fui eu mesma. Fiquei chocada com a realida<strong>de</strong>.<br />

Se há in<strong>de</strong>cências nessa história, a culpa não é minha” (VC, p.<br />

11).Talvez esse ato impulsivo <strong>de</strong> uma escrita que revelava a concretu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s cruas tenha si<strong>do</strong> ao mesmo tempo responsável por revelar<br />

pontos mais essenciais da autora 77 .<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong> que Clarice “entrega a cara a tapa” na explicação<br />

<strong>de</strong> A via crucis <strong>do</strong> corpo, a autora, dialeticamente, expõe as faces positivas<br />

e negativas <strong>de</strong> suas personagens. Nesse processo, constrói-se o<br />

caráter e a corporalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s personagens/fia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> conto.<br />

A menina Claretinha parece ter si<strong>do</strong> a única poupada por Clarice<br />

Lispector <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar qualquer traço mais pérfi<strong>do</strong> no caráter. Mas percebemos<br />

que ela não é poupada, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> ter seu <strong>de</strong>stino préestabeleci<strong>do</strong><br />

e i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> pela mãe (Celsinho/Moleirão), que “queria para<br />

Claretinha um futuro brilhante: casamento com homem <strong>de</strong> fortuna, filhos,<br />

jóias” (VC, p. 63).<br />

Mas paremos para refletir: por que esse <strong>de</strong>veria ser o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

felicida<strong>de</strong> para Claretinha? Pelo fato <strong>de</strong> ela ter nasci<strong>do</strong> menina? Na realida<strong>de</strong>,<br />

ten<strong>de</strong>mos a naturalizar algo que é social e culturalmente construí<strong>do</strong>.<br />

Historicamente tem-se que a riqueza para o homem é o “patrimônio”,<br />

enquanto a riqueza para a mulher é o “matrimônio”, o que constitui uma<br />

heteronomia. Para Bourdieu (2005, p. 70):<br />

A masculinização <strong>do</strong> corpo masculino e a feminilização <strong>do</strong> corpo feminino,<br />

tarefas enormes e, em certo senti<strong>do</strong>, intermináveis que, sem dúvida, exigem<br />

(...) um gasto consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> tempo e esforços, <strong>de</strong>terminam uma somatização<br />

da relação <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação assim naturalizada. É através <strong>do</strong> a<strong>de</strong>stramento<br />

<strong>do</strong>s corpos que se impõem as disposições mais fundamentais, as que tornam<br />

ao mesmo tempo inclina<strong>do</strong>s e aptos a entrarem nos jogos sociais.<br />

Vemos que esse a<strong>de</strong>stramento se dá pela educação. Des<strong>de</strong> pequena,<br />

à menina é dito que se ela fizer travessuras ou não comer to<strong>do</strong> o jantar<br />

ela vai “ficar feia”; já ao menino diz-se que ele tem que comer tu<strong>do</strong><br />

“pra ficar forte”. Do mesmo mo<strong>do</strong>, asmeninas são confinadas no âmbito<br />

<strong>do</strong> priva<strong>do</strong> e brincam com bonecas, já os meninos são incentiva<strong>do</strong>s a falar<br />

em público e brincam com carrinho, ferramentas <strong>de</strong> brinque<strong>do</strong> etc.<br />

To<strong>do</strong> o processo educativo, assim, corrobora a disparida<strong>de</strong> entre os gêneros.<br />

É importante perceber que, no pensamento estruturacionista tanto<br />

77 No prefácio ela ainda enfatiza, num Post Scriptum: “Hoje, 13 <strong>de</strong> maio, segunda-feira, dia da libertação<br />

<strong>do</strong>s escravos, portanto a minha também – escrevi ‘Danúbio Azul’, ‘A língua <strong>do</strong> P’ e ‘Praça<br />

Mauá’”.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>do</strong> <strong>CNLF</strong>, Vol. <strong>XVI</strong>, Nº 04, t. 2, pág. 1853.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!