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Sra Neuza Pinto - Ministério Público - RS

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NEUSA MARIA PINTO PINTO ∗<br />

Memorial: <strong>Sra</strong>. Neusa, antes de mais nada, gostaríamos muito de<br />

agradecer a sua disponibilidade com o Memorial do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e<br />

gostaríamos que nos contasse um pouco da sua vida, da sua trajetória<br />

ao lado do Dr. Dirceu <strong>Pinto</strong>.<br />

Entrevistada: É uma satisfação poder falar para vocês sobre o<br />

Dirceu, ele foi uma pessoa muito benquista, não só no trabalho, mas no<br />

círculo de amizades. Uma pessoa capaz, uma pessoa, realmente, muito<br />

boa, muito consciente daquilo que fazia. Ele vem de uma família<br />

humilde e a preocupação dos pais era a de que ele estudasse. Ele<br />

chegou onde chegou com esforço pessoal; aliás, esforço que não mediu<br />

jamais. O Dirceu se empenhou sempre e deu – usando o termo exato - o<br />

sangue pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Porque tudo aquilo que fez, foi feito com<br />

carinho, com amor. Fez porque era capaz, porque se não tivesse sido<br />

capaz, não teria chegado onde chegou. Ele era estudioso, era uma<br />

pessoa extremamente inteligente, foram poucas as pessoas que conheci,<br />

na minha vida, iguais a ele. Não digo isso porque tenha sido meu<br />

marido, ou por vaidade, mas porque é verdadeiro. Ele gostava muito de<br />

ler, conhecia o ser humano como poucas pessoas. Era esforçado e sabia<br />

as suas limitações, as suas capacidades, o que podia fazer e o que não<br />

podia. Por isso é que ele foi uma pessoa muito especial. E uma pessoa<br />

que deixou, por todos os lugares em que passou, a sua marca. Ele<br />

impregnava não só as coisas, as idéias, mas as pessoas também,<br />

porque esse era ele. Então eu tenho bastante orgulho do meu marido,<br />

apesar de não tê-lo mais comigo hoje. Penso que foi desse modo que ele<br />

desempenhou tudo aquilo que fez na vida, vivendo com garra, com<br />

vontade, com sabedoria e com esperança também.<br />

Memorial: A senhora também é de Porto Alegre?<br />

Entrevistada: Não, sou de Caxias do Sul, sou do interior. O meu<br />

pai era de Vacaria e minha mãe de Pelotas. O Dirceu e eu nos<br />

conhecemos quando eu tinha 19 anos, e ele, 22 anos.<br />

Memorial: Vocês se conheceram aqui em Porto Alegre?<br />

Entrevistada: Nós nos conhecemos em Porto Alegre. Quando o<br />

Dirceu foi prestar o primeiro vestibular para Direito pensou em fazer em<br />

Caxias do Sul, porque não havia Latim nas provas escritas, e Latim, se<br />

não me engano, na época, era oral também. E como os pais dele eram<br />

conhecidos dos meus pais, procurou-os, e assim nos conhecemos e<br />

começamos a namorar.<br />

Memorial: E ele tentou vestibular em Caxias do Sul, ou não?<br />

Entrevistada: Não, não tentou. Fez aqui mesmo, passou no<br />

Direito da PUC e no Jornalismo da UFRGS, mas optou pelo Direito.<br />

∗ Entrevista concedida à historiadora Daniela Oliveira Silveira em 13/08/2002.<br />

Transcrição: Sonia Beatriz da Silva <strong>Pinto</strong>. Textualização: Patrícia Sanseverino.


Penso que era o que ele realmente gostava. E cursou no tempo normal.<br />

No início, as aulas da PUC eram no Colégio Rosário, depois, quando já<br />

estava terminando a faculdade, é que as aulas passaram a ser no<br />

campus da Ipiranga. Nessa época, o Dirceu trabalhava como bancário e<br />

custeava os estudos; quando nos casamos estava no último ano da<br />

Faculdade de Direito. Mais ou menos seis meses depois, eu engravidei<br />

do Dirceu Filho. Nós tivemos um único filho que hoje é a minha menina<br />

dos olhos. Ele tem dois filhos, o Rodrigo, com sete anos e a Gabriela<br />

com dois anos. É médico e é uma pessoa muito parecida com o pai no<br />

brio, na forma de ser, na maneira de encarar a vida, os fatos e as<br />

coisas.<br />

Memorial: Por que a senhora acha que ele não escolheu o<br />

Direito?<br />

Entrevistada: A mim, parece, que ele nasceu médico. Quando<br />

tinha três anos e a bisavó perguntava o que ele seria quando crescesse,<br />

ele respondia que seria médico. Eu também nasci professora, fiz<br />

Magistério, e depois, mais tarde, fiz licenciatura plena em História.<br />

Comecei a faculdade em Passo Fundo, quando morávamos lá, e<br />

terminei na PUC.<br />

Memorial: Em que ano a senhora terminou a faculdade?<br />

Entrevistada: Eu me formei em 1980. O Dirceu Filho já estava<br />

maior, esperei ele crescer um pouco; naquela época, nos<br />

preocupávamos bastante com isso, era um pouco diferente.<br />

Memorial: E a senhora acompanhou o processo de ingresso do<br />

Dr. Dirceu no <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, vocês já estavam casados?<br />

Entrevistada: Sim, já estávamos casados, já tínhamos o Dirceu<br />

Filho com dois para três anos, quando ele foi nomeado. A primeira<br />

comarca foi Crissiumal, no Alto Uruguai, uma cidade pequena, não<br />

tinha água encanada, água de cisterna, amassamos muito barro,<br />

porque as ruas não eram calçadas, mas foi uma época muito boa. Ele<br />

começou ali, benquisto, exatamente pela cidade ser menor, o promotor<br />

era uma pessoa bastante conceituada, então nós fizemos sólidas<br />

amizades com quem até hoje, de quando em quando, tenho contato. De<br />

Crissiumal fomos morar em Itaqui onde ficamos um ano. Era uma<br />

cidade bastante hospitaleira, um povo muito gentil, muito educado,<br />

fomos também bem aceitos. E, finalmente, fomos para Passo Fundo<br />

onde ficamos pouco mais de três anos. De Passo Fundo voltamos para<br />

Porto Alegre. Depois que estávamos aqui há algum tempo, ele foi<br />

convidado a participar do processo dos uruguaios Liliam Celiberti e<br />

Universindo Dias que foram seqüestrados na rua Botafogo. Morávamos,<br />

na época, no Parque Santa Fé, foi a nossa primeira residência própria.<br />

Eu, no começo, não tinha muita noção nem muita apreensão sobre as<br />

coisas, depois, com o decorrer do tempo, sofremos muita pressão, em<br />

vários sentidos. Dirceu foi recebido pelo governador - na época o Dr.<br />

Synval Guazzelli - e disse o que faria se pudesse exercer o livre-arbítrio<br />

em todos os sentidos. O governador concordou, então ele aceitou o caso.<br />

Esse caso foi bastante tumultuado pela imprensa, porque envolveu<br />

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muitas pessoas, foi um processo bastante difícil, bastante massacrante,<br />

e, finalmente, o processo terminou. É interessante que das pessoas que<br />

participaram desse processo: promotor, fiscal, jornalista, fotógrafo,<br />

todas são falecidas. Inclusive, quando o Dirceu nos deixou, eu não<br />

esperava por isso, muito menos que ele se matasse, o que chama a<br />

atenção é que ele se matou no Santa Fé, com certeza, isso deve ter<br />

alguma mensagem que, pelo meu envolvimento, pelo fato de ele ter sido<br />

meu esposo, até hoje não entendo, por que no Santa Fé?<br />

Memorial: Vocês não moravam mais lá?<br />

Entrevistada: Não, já morávamos aqui no Jardim Lindóia. Ele se<br />

matou lá, eu não saberia te dizer o porquê. Aparentemente, não tinha<br />

problema de espécie nenhuma, porque com a graça de Deus, nos<br />

dávamos bem, temos um filho maravilhoso que nunca nos deu<br />

problema algum. Com 15 anos, estava ingressando no primeiro ano da<br />

faculdade de Medicina, na Católica, depois de prestar vestibular na<br />

UFRGS, então não havia motivos aparentes. Imagino que tenha sido<br />

uma depressão, alguma coisa que possa ter suas raízes, quem sabe,<br />

numa primeira infância, ou, se eu acreditasse no destino, diria que é o<br />

destino, no entanto, penso que destino somos nós quem fazemos,<br />

vivemos e colhemos. Mas, independente de qualquer coisa, ele foi uma<br />

pessoa maravilhosa, uma pessoa muito amada, muito querida por todos<br />

que o conheceram. Tanto é verdade que tantos anos depois, quase 16<br />

anos, vocês estão aqui buscando alguma coisa que possa lembrar dele,<br />

que possa falar sobre ele, então acho que isso é importante. E, na<br />

realidade, o que importa são as coisas que ficam, são as lembranças. O<br />

que adianta uma vida longa e destituída de sentido, vazia? O que não<br />

foi o caso dele, com certeza.<br />

Memorial: Poderíamos falar um pouco sobre a vivência de vocês<br />

no interior. Vocês vêm para Porto Alegre em 1977. A partir de 1964<br />

temos um período de fechamento político que vai ser intensificado em<br />

1968. Como é que vocês participavam dessa vida, tanto social como<br />

política, no interior, nesse momento tão específico?<br />

Entrevistada: O que se faz numa época de ditadura? Fazíamos o<br />

que qualquer pessoa normal e inteligente faria nesses momentos em<br />

que não dá para discutir política. Nós percebíamos as coisas, víamos,<br />

sentíamos; e o Dirceu que era muito politizado, porque era uma pessoa<br />

com largueza de visão, comentava comigo algumas coisas. Inclusive, no<br />

período de 1964, quando ainda éramos namorados, eu tinha muito<br />

medo, porque sabia das idéias dele, da capacidade de justiça, aquela<br />

coisa toda. Isso me causava muita preocupação, até mesmo medo de<br />

que, de repente, ele fosse preso. Porque ele teve amigos que foram<br />

presos após a Revolução de 1964, como o Hélio Gama, que foi colega de<br />

faculdade, o Geraldo Gama, o Benício que foi embora para o Norte,<br />

Nordeste. O Dirceu vinha de uma época onde as pessoas eram<br />

ensinadas a pensar, o que, em contrapartida, depois de 1964 se<br />

modificou. Até mesmo porque nós, professores de História, tínhamos<br />

medo desse tipo de coisa, de repressão, etc. A partir da abertura, que foi<br />

lenta e gradual, as coisas modificaram, mas até então sentíamos muito<br />

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medo da repressão. Quantas pessoas foram assassinadas, quantas<br />

pessoas sumiram sem nenhuma explicação lógica. E, é claro, que nós<br />

na condição de pais não podíamos, de repente, dizer todas as coisas que<br />

realmente pensávamos. Até porque sabemos que essa repressão<br />

aconteceu em função de “n” coisas, até em função de um mundo<br />

globalizado. Não foi fácil para quem viveu na época. Mas, graças a<br />

Deus, hoje é apenas história e faz parte do passado, recente, mas<br />

passado. E Dirceu era uma pessoa que lia bastante, o seu maior hobby<br />

era a leitura, lia tudo, ele era de uma época em que as pessoas liam<br />

Lenin, liam Marx. Na realidade, eles eram pessoas temperadas no aço<br />

da cultura e isso era muito importante. Inclusive, ele se orgulhava do<br />

seu saber, porque era um saber abrangente, não era um homem de<br />

uma única área, talvez por isso tenha escolhido o Direito. Era uma<br />

pessoa que buscou uma formação integral em todos os sentidos. Se<br />

orgulhava daquilo que fazia, porque fazia com consciência. Ele debatia,<br />

brigava por aquilo que achava certo, correto, justo e honesto; sempre foi<br />

uma pessoa correta, uma pessoa justa e uma pessoa honesta. Então<br />

penso que isso também me deixa envaidecida, porque foi a vida dele, foi<br />

a vida do companheiro que eu escolhi para a minha vida, e são essas<br />

coisas que dão, hoje, apesar de ele não estar mais aqui, forças para que<br />

eu prossiga e para que eu procure, também, incutir nos meus netos.<br />

Muitas vezes conversamos, são crianças, mas não deixamos que<br />

esqueçam o avô. Inclusive, se perguntamos “Onde está o vovô Dirceu?”,<br />

eles dizem, “No céu”. Eles não têm consciência de que o avô cometeu<br />

suicídio, nós ainda não comentamos, porque são pequenos, mas, no<br />

momento certo, quando houver curiosidade, com certeza eu vou contar.<br />

Isso não nos envergonha de maneira nenhuma. Sabemos que o ser<br />

humano além da sua fortaleza, também tem suas fraquezas. E talvez a<br />

vida o tenha pego em um momento de fraqueza e, quem sabe, com<br />

alguma carência, e isso fez com que ele cometesse esse gesto. Mas,<br />

como creio em Deus e acredito que as coisas não acontecem por acaso,<br />

sempre tive a idéia de que, com certeza, eu devia continuar sozinha a<br />

partir dali. Isso não impede que tenhamos saudades, que relembremos,<br />

que falemos e que ainda o amemos.<br />

Memorial: A senhora sabe o que motivou o Dr. Dirceu a escolher<br />

a carreira no <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e não na Magistratura?<br />

Entrevistada: Ele entendia que como promotor teria condições de<br />

ser mais útil e melhor dentro de uma sociedade. Tanto que o promotor,<br />

no interior, não é uma figura tão benquista como o juiz, porque o juiz é<br />

aquele que passa a mão, é mais paternalista, e o promotor vai a fundo,<br />

ele tem que averiguar, ele tem que, se preciso, acusar, ele cumpre com<br />

consciência o seu papel. Não sei se ainda hoje é assim, mas quando nós<br />

estávamos no interior, e ainda quando Dirceu era vivo e trabalhava aqui<br />

em Porto Alegre, havia quase que três vezes mais juízes do que<br />

promotores. Até acho que para ele ser promotor foi um desafio maior<br />

ainda do que ser juiz. Ele gostava daquilo que fazia, era apaixonado,<br />

acredito que por isso tenha escolhido essa profissão. Quem realmente o<br />

conheceu de perto, sabia da sua capacidade, da sua honestidade, da<br />

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sua gentileza, da sua humanidade, da sua simplicidade. O Dirceu nos<br />

deixou exemplos, nos passou lições de vida, e isso não tem borracha<br />

que possa apagar, não tem nada que destrua. Porque é algo que fica no<br />

coração das pessoas. Acho isso maravilhoso.<br />

Memorial: Falamos no caso do seqüestro dos uruguaios que deve<br />

ter sido um dos processos mais delicados na carreira do Dr. Dirceu,<br />

quando ele já estava aqui em Porto Alegre. No interior, houve algum<br />

processo impactante, ele chegou a ter algum embate com autoridades<br />

do Executivo Municipal?<br />

Entrevistada: Não. Ele era uma pessoa que sabia separar as<br />

coisas, era bastante respeitado. Fazia tudo com muita propriedade, com<br />

amparo legal, então as pessoas não tinham o que falar dele. Tanto é que<br />

quando ele dava vistas nos seus processos, ou quando elaborava o<br />

processo, fazia de forma que não ficassem lacunas que pudessem dar<br />

outro sentido. Ele era muito consciente daquilo que fazia, muito<br />

maduro e muito capaz. No interior não tivemos nenhum problema. O<br />

maior problema foi o caso dos uruguaios, porque foi divulgado nacional<br />

e internacionalmente, até edições da revista Veja traziam reportagens<br />

sobre o processo.<br />

Memorial: A senhora poderia nos contar como foi essa pressão<br />

quando do processo dos uruguaios, como ela atingiu a sua família?<br />

Entrevistada: Na época nosso filho tinha 9 para 10 anos. Não<br />

deixávamos ele ir sozinho para a escola, levávamos e buscávamos. Em<br />

certa ocasião, chegamos em casa - o Santa Fé era um bairro novo, não<br />

tinha o Leopoldina na frente, só existiam 17 casas, era uma tentativa do<br />

Banco Maisonave de fazer um condomínio fechado na Zona Norte, mas<br />

não deu certo -, era um domingo, tínhamos ido jantar com os pais do<br />

Dirceu, e tinha um Opala em frente à nossa casa com três mulheres e<br />

dois homens, aquilo me assustou e acho que ele ficou apreensivo. Nós<br />

entramos, as pessoas riam muito dentro do carro, como se fosse uma<br />

espécie de deboche. Quem eram não posso dizer, porque não fiquei<br />

sabendo. Nessa época, eu trabalhava na Escola do Estado Dolores<br />

Alcaraz, e, muitas vezes, ficava apreensiva por irem carros atrás de<br />

mim, mas, graças a Deus, nunca aconteceu nada, era como se fosse um<br />

aviso: “Ó, cuida que a gente tá por aqui, que a gente sabe o que faz”. No<br />

dia em que o Dirceu morreu, houve uma coisa que me chocou muito,<br />

um homem me ligou e disse: “É verdade que o Dr. Dirceu, Promotor de<br />

Justiça, se suicidou?”. Respondi: “É, infelizmente, é verdade”. Então ele<br />

falou: “Graças a Deus, menos um!”. Houve um jornalista que tentou<br />

uma reportagem conosco, meu filho e eu, e nós não permitimos, porque<br />

penso que passou, não se pode fazer mais nada. Foi traumático, foi<br />

doloroso, foi terrível, e ainda é, porque, às vezes, nós nos perguntamos<br />

como teria sido se ele não tivesse ido. Porque, na realidade, uma família<br />

foi destruída, por quais motivos não importa, mas foi. Meu filho ainda<br />

era adolescente, tinha 17 para 18 anos, estava na faculdade. Evitamos<br />

falar disso porque ainda nos magoa muito. Pode-se viver 100, 200, 300<br />

anos e isso não se esquece jamais. É algo muito traumático para mim,<br />

por isso evitamos falar, não é uma fuga, é apenas uma proteção, porque<br />

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sofremos muito. Não queremos mais isso, nem para nós, nem para<br />

ninguém. Lastimamos que tenha realmente acontecido, que não<br />

possamos ter feito nada, nem impedido, porque não dependia de nós,<br />

com certeza. Ele escolheu e se ele escolheu deve ter tido os seus<br />

motivos. É uma coisa que nos fez sofrer, mas é a vida e a vida deve<br />

continuar. Como disse o padre que encomendou o corpo: “Que diferença<br />

faz, uns vão antes, outros vão depois, mas todos vamos”. E temos a<br />

esperança de um dia reencontrá-lo, porque o espírito humano é vivo e<br />

existe. Não sei se eu poderia ajudar em mais alguma coisa.<br />

Memorial: Gostaríamos de saber um pouco da trajetória escolar<br />

do Dr. Dirceu.<br />

Entrevistada: O Dirceu estudou no Colégio São João, fez o<br />

primário e o ginásio, depois foi para o Júlio de Castilhos onde fez o<br />

segundo grau. Prestou vestibular e foi aprovado na PUC para Direito e<br />

na UFRGS para Jornalismo, mas optou pelo Direito.<br />

Memorial: E como foi a convivência com os colegas do <strong>Ministério</strong><br />

<strong>Público</strong>? Como foi a participação junto à Associação, a senhora também<br />

participava?<br />

Entrevistada: Sim, havia, inclusive, reuniões na nossa casa<br />

quando da eleição para a Associação. Houve uma época em que um<br />

grupo muito grande se reunia ali, debatiam, discutiam, faziam o<br />

interior, como se fosse uma campanha política de verdade. Todos<br />

gostavam, eram interessados e conscientes. Como eu e meu filho<br />

estávamos por ali, palpitávamos, aquela coisa toda. Até a última foi um<br />

pouco antes do Dirceu falecer.<br />

Memorial: Ele faleceu em 1987?<br />

Entrevistada: O Dirceu fazia aniversário em oito de abril e<br />

faleceu em 14 de abril. Nosso filho é de 30 de abril, tudo em abril.<br />

Memorial: Após a morte do Dr. Dirceu, a senhora continuou a<br />

conviver com os membros do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, ou preferiu se afastar?<br />

Entrevistada: Após a morte do Dirceu foi criada a comenda e eu<br />

participei da primeira entrega, em Canela. Não é que eu tenha me<br />

afastado, mas como encontrava pessoas, me doía muito, era remexer no<br />

passado. Essas coisas nunca ficam sedimentadas. Somente por isso<br />

que eu deixei de freqüentar os chás, mas sempre que eu preciso,<br />

recorro à Associação. Sempre que precisei me ajudaram, inclusive, meu<br />

cheque especial eles avalizavam. E eu sou muito grata por isso, até<br />

porque não teria razão de ser, continuo sócia da Associação, da<br />

cooperativa, acho importante isso, porque o Dirceu sempre dizia<br />

brincando que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> era o pai dos órfãos e o marido das<br />

viúvas. Sempre dizia isso, era engraçado, até parece que escuto ele<br />

falar. E, na realidade, quando as pessoas não morrem no coração, nem<br />

na mente da gente, não estão mortas, estão vivas, com certeza. Acho<br />

que era isso que eu poderia dizer.<br />

Memorial: Senhora Neusa, muito obrigada.<br />

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Entrevistada: Eu é que agradeço. E o faço também em nome do<br />

meu filho pelo carinho que vocês têm com o Dirceu, à Associação, ao<br />

<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> todo, e às pessoas que o conheceram bem de perto,<br />

um abraço grande.<br />

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