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VII – O malho eo cinzel - Entre Irmãos

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ou a sabedoria é amor. Daí que, tendo pedido Salomão um coração reto e justo, Deus lhe promete<br />

satisfazer o anseio, fazendo-o o mais sábio dos homens que quantos vieram antes, e viriam depois.<br />

E pondo o homem sua mente a serviço do saber, observando a natureza em torno,<br />

olhando o mundo, descobre que, neste, o amor primeiro se mostra no negativo, no egoísmo pai da<br />

ignorância de que todos os demais vícios decorrem. Endireitar-se a si mesmo primeiro, corrigindo<br />

os erros, os vícios, eis o primeiro passo no trabalho de quem busca o saber; depois, quando estiver<br />

no seu alcance, tem de lutar pela melhoria dos demais, no seu contorno, porque o amor implica<br />

sempre na existência de um objeto para o qual se dirige, sobre o qual recai, e o próprio saber que<br />

se ama, ama-se, para o aplicar, sendo ele, o amor do saber, um meio, e não um fim. O que<br />

amealha conhecimentos sem cessar, sem os distribuir, assemelha-se ao avarento que sempre se vê<br />

pobre, padecendo insaciáveis sede e fome; sede de Tântalo, e fome de Ugolino. O fim é o outro, é<br />

o objeto amado, pelo que Salomão estava certo ao pedir: <strong>–</strong> Dá-me, Senhor, a sabedoria, ou seja,<br />

um coração reto e justo... para que fim? <strong>–</strong> para que possa julgar este teu grande povo.<br />

Todavia, cuido que estais vós, aí, a discorrer: de começo esse orador declarou que nosso<br />

mundo é invertido e mau, por efeito do egoísmo em que se inverteu o amor sábio e bom. Como,<br />

agora, só nos fala do amor, silenciando o egoísmo que é sobre que repousa a natureza e o mundo?<br />

Grave é a vossa ponderação, e para respondê-la, peço continueis a honrar-me com vossa<br />

preciosa atenção:<br />

O egoísmo é o amor pelo avesso; e como o mundo primitivo se fundava nele, no<br />

egoísmo, a natureza se nos mostrava toda egoísta, toda invertida no contrário daquele mundo de<br />

Cristo, que não é o nosso. O egoísmo, com sede nos indivíduos, do vegetal ao homem, também<br />

quer, com uma vontade que se lança à ação; a ação da vontade também encontra obstáculos,<br />

resistências, obrigando o agente a conhecer. Quer-se, então, saber, para vencer as resistências,<br />

realizando a vontade com sede no egoísta. O egoísta logo descobre que, para ser forte, precisa<br />

associar-se a outros. Descobre que, para viver em sociedade, precisa reconhecer e respeitar o<br />

limite do egoísmo alheio. Nasce o direito, a justiça que é o respeito pelo limite, não o transpondo,<br />

como nunca transpõe o Sol o trópicos, e como a circunferência é eqüidistante do centro. Transpor<br />

esse limite para tirar um proveito do outro, contra a vontade desse outro, nisso se cifra a injustiça e<br />

o mal. A sociedade, então, aceita esta verdade meridiana, e a impõe pela força aos recalcitrantes.<br />

Assim nasce o Estado que é o órgão aparelhado a executar a justiça. Deste modo, todo o mal que o<br />

recalcitrante fizer aos outros, reverte-se, de imediato, em prejuízo do próprio infrator da lei. Pela<br />

recíproca, onde não alcança a lei, a sabedoria ética ensina que todo o bem que se fizer aos outros,<br />

enriquece o meio social em que se vive, redundando em proveito para todos. Forte desta<br />

consciência, passa o sábio a fazer o bem que pode ao próximo, porque, a longo prazo, fazer aos<br />

outros, é fazer a si.<br />

E há mais isto: quando nos ocupamos de distinguir a diferença entre o eu e o meu,<br />

verificamos que o eu e o meu se confundem, e tanto que costumamos dizer meu corpo, meu<br />

cérebro, meus pensamentos, meu espírito, minha alma, e até meu eu. Ora, se tudo é o meu, onde<br />

se situa o eu? Pois o eu e o meu se confundem. Tire-se a um homem tudo o que ele chama seu,<br />

até seu corpo pela morte, até seu espírito, sua alma, pelo hipotético aniquilamento, e ver-se-á que<br />

se reduz a nada.<br />

Então o egoísmo se dilata por uma zona de meus cada vez maior, a começar pelo corpo,<br />

estendendo-se, depois, pela esposa, pelos filhos, pelos pais, pela família, pelos amigos, pela<br />

confraria, pela sociedade, pela pátria, pela humanidade inteira. O pai dá o que pode à<br />

companheira, ao filho, à família, porque eles são seus, e dá aos seus. A abelha que morre pela<br />

colmeia, o herói pela pátria e o santo pela humanidade, morre cada um pelo seu. Neste egoísmo<br />

dilatado consiste a sabedoria que é também amor. Tal, o amor que em nosso mundo vemos,<br />

diferente daquele outro dos celículas, feito de puro altruísmo que, conforme a etimologia da<br />

palavra, vem de alter <strong>–</strong> outro, ou seja, o amor a partir do outro, e não, como o nosso, que é a partir<br />

do eu. Já se disse até do amigo íntimo, fiel, verdadeiro, que é o alter ego, o outro eu, porque a<br />

excelência da amizade não poderia ir além do máximo que consiste em considerar o outro como a<br />

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