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VII – O malho eo cinzel - Entre Irmãos

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O objetivo da religião seria incutir crença, deixar de ser extrínseca, passar para o<br />

substrato profundo, recriar o homem, re-li-gá-lo com a Divindade, fazê-lo nascer de novo, isto que<br />

é simbolizado no batismo. Mas que nada; tudo não passa de ritualismo vazio de conteúdo: o tal<br />

muda, às vezes, de religião, mas não muda de vida, tal qual como diz Sócrates, e, Vieira escreve,<br />

do forasteiro: "O peregrino sempre anda mudando de lugar em lugar, e nunca melhora, porque<br />

sempre se leva a si consigo" 38 .<br />

<strong>Entre</strong> os dois termos, religião e crença, aparece um terceiro que é a FÉ, capaz,<br />

sozinho, de produzir toda a confusão reinante no mundo hoje, e que fez nada menos que falirem as<br />

religiões. Quando, onde e por quem teve origem esse grande mal-entendido?<br />

O Apóstolo S. Paulo recebeu de Cristo a incumbência de levar o Evangelho aos<br />

gentios 39 , e para isto organizou um programa com base na fé, FÉ que, para esse Apóstolo, é o<br />

mesmo que CRENÇA. Um homem, como S. Paulo, para quem "viver é Cristo e morrer é lucro",<br />

que dizia: "faço penitência, para que me não suceda que, havendo salvo os outros, venha eu<br />

mesmo a me perder"; que recomendava: "sede meus imitadores, assim como eu sou de Cristo";<br />

que dizia de si: eu e Cristo somos um, visto como "já não sou eu o que vivo, mas Cristo que vive<br />

em mim"; um tal homem para quem CRENÇA e FÉ são uma e mesma coisa, podia, com toda a<br />

verdade afirmar: "o justo vive da fé", isto é, da crença; "as obras nascem da fé", ou seja, da crença.<br />

Toda sua vida de apostolado, de sacrifícios, de martírios, e, finalmente, sua morte por decapitação,<br />

provam que, de fato, suas obras nasciam de sua crença... que ele chamava fé, exatamente como<br />

acontece com qualquer homem da rua que, metido só consigo, vai indo executar muitos quefazeres<br />

nascidos todos de sua convicção mais profunda, indiscutível para ele, que é sua crença. Só que a<br />

crença de qualquer um é qualquer crença 40 , no passo que a de S. Paulo era Cristo. Ele não pregava<br />

uma religião exterior, sempre discutível, e que, por isto, não é o homem; ele pregava Cristo com o<br />

qual se identificava tanto, ao ponto de ser um com ele.<br />

Em face destas evidências irrecusáveis, indiscutíveis, move-nos a riso a polêmica dos<br />

espíritas e protestantes, cada um teimando na sua, os primeiros enfatizando as obras (salvação<br />

pelas obras), e os segundos pondo em destaque a fé, pelo que a salvação se faz pela fé. Fé ou<br />

obras? Ora, que fé e que obras? Pois separe alguém as obras da vida de qualquer um de sua crença,<br />

que é ele mesmo, e verá que é o mesmo que pretender separar o ser pesado do chumbo, do próprio<br />

chumbo, ou o ser carnívoro do leão, do mesmo leão. A crença forma uma como que natureza de<br />

cada um, e desta como que natureza, nascem, espontaneamente, ainda que se não queira, as obras<br />

da vida. E tudo isto não tem nada a ver com a religião exterior à qual, também, se costuma chamar<br />

de fé.<br />

A crença-Cristo de S. Paulo, que ditava as obras de sua vida, ele chamava FÉ. E é<br />

aqui ou nisto que, repetimos, os religiosos de todos os credos fizeram a enorme confusão, porque a<br />

fé-crença de S. Paulo não tem nada a ver com a fé-religião, com o entusiasmo religioso de uma<br />

religião discutível, porque exterior ao homem, e por isto mesmo separada das obras de sua vida.<br />

Partindo da máxima que diz: mostra-me as obras de tua vida, e dir-te-ei qual é tua<br />

crença, podemos perguntar: qual era a crença de Torquemada (1420-1498) que o levou a praticar,<br />

durante catorze anos, todos os horrores do Santo Ofício espanhol, perecendo sob sua crueldade<br />

sem limites nada menos que oito mil pessoas? No entanto, perguntado a ele qual era a sua féreligião,<br />

diria não só que era católico, como, por cima, religioso dominicano. Sua ganância, sua<br />

crença no dinheiro, crença no poder o fez conivente com os exploradores espanhóis que<br />

destruíram os índios bolivianos. Estes eram obrigados a meter-se nos rios, com a água pela<br />

cintura, para minerar o ouro de aluvião. Desesperados, os infelizes abreviavam a morte certa pelo<br />

suicídio, não sem primeiro matarem os próprios filhos. Que fez Francisco Pizarro (1475-1541)<br />

contra os incas peruanos ao dar vazão a sua cupidez, orgulho e crueldade? E acaso Pizarro não<br />

38 Vieira, Sermões, 12, 123 <strong>–</strong> Ed. das Américas<br />

39 Gentios, para os judeus, tinha a mesma conotação de bárbaros para os gregos e romanos.<br />

40 Como a crença na riqueza material, donde a máxima: "Ser é ter"; ou então, a crença no poder: "Ser é poder"; ou<br />

ainda a crença nos sentidos, e daí o dizer: "Gozar de todos os deleites dos sentidos, nisto consiste o viver" etc., etc.<br />

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