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Eva Luna - Mr. Campbell Rocks

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pátio quadrado. Num dos lados erguiam-se barracões sem janelas, no outro<br />

uma construção de tijolos com chaminés e ao fundo as latrinas e os cadafalsos.<br />

A Primavera detivera-se às portas da prisão, tudo era cinzento, envolto pela<br />

bruma de um Inverno que ali se tinha eternizado. Os aldeãos detiveram-se<br />

próximo das barracas, todos juntos, tocando-se para se darem ânimo, oprimidos<br />

por aquela quietude, aquele silêncio de caverna, aquele céu tornado cinza. O<br />

comandante deu uma ordem e os soldados empurraram-nos como gado,<br />

levando-os até ao edifício principal. Então todos puderam vê-los. Estavam ali<br />

dezenas deles, amontoados no chão, uns por cima dos outros, confundidos,<br />

desmembrados, uma montanha de lenhos pálidos. A princípio não puderam<br />

acreditar que fossem corpos humanos, pareciam títeres de um qualquer teatro<br />

macabro, mas os russos empurraram-nos com as espingardas, bateram-lhes<br />

com as coronhas e foram obrigados a aproximar-se, cheirar, olhar, permitir que<br />

esses rostos ossudos e cegos lhes ficassem gravados a fogo na memória. Cada<br />

um ouviu o ruído do seu próprio coração e ninguém falou, porque não havia<br />

nada para dizer. Permaneceram imóveis por longos minutos até o comandante<br />

pegar numa pá e a passar ao alcaide. Os soldados distribuíram outras<br />

ferramentas.<br />

- Comecem a cavar - disse o oficial sem levantar a voz, quase num<br />

murmúrio.<br />

Mandaram Katharina e as crianças mais pequenas sentar-se ao pé das<br />

forcas enquanto os outros trabalhavam. Rolf ficou com Jochen. O chão estava<br />

duro, os calhaus enfiavam-se-lhe nos dedos e metiam-se-lhe entre as unhas,<br />

mas não parou, de cócoras com os cabelos para a cara, estremecendo com uma<br />

vergonha que não poderia esquecer e que o perseguiria ao longo da vida como<br />

um interminável pesadelo. Não levantou o olhar uma única vez. Em seu redor,<br />

ouviu apenas os sons do ferro contra as pedras, as respirações ofegantes, os<br />

soluços de algumas mulheres. A noite caíra quando terminaram as sepulturas.<br />

Rolf notou que tinham acendido os holofotes de segurança nas torres de vigia e<br />

que a noite se tornara clara. O oficial russo deu uma ordem e as pessoas da<br />

povoação tiveram de ir, duas a duas, buscar os corpos. O menino limpou as<br />

mãos esfregando-as nas calças, sacudiu o suor do rosto e avançou com o seu<br />

irmão Jochen até àquilo que os aguardava. Com uma exclamação rouca a mãe<br />

tentou detê-los, mas os rapazes seguiram em frente, inclinaram-se e pegaram<br />

num cadáver pelos pulsos e pelos tornozelos, nu, careca, pele e osso, lívido, frio<br />

e seco como porcelana. Levantaram-no sem esforço agarrados a essa forma<br />

rígida e caminharam em direcção às sepulturas abertas no pátio. A carga

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