A Lisboa do Império e o Portugal dos Pequeninos ... - Análise Social
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2. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO<br />
DAS INTERVENÇÕES FUNDIÁRIAS<br />
a) DA LEI DE 1912 AO DIPLOMA DE 1938<br />
O «ovo de Colombo» da obra grandiosa planeada pelo Eng.°<br />
Duarte Pacheco para <strong>do</strong>tar progressivamente <strong>Lisboa</strong> <strong>do</strong> que lhe<br />
faltava como grande centro urbano, capital <strong>do</strong> <strong>Império</strong> Português,<br />
consistiu apenas em duas panaceias, na aparência bem<br />
simples: elaborar o Plano de Urbanização e Expansão da Cidade<br />
e fazer jogar, na aquisição das propriedades necessárias à execução<br />
<strong>do</strong>s melhoramentos nele previstos, as regras constantes da<br />
legislação em vigor, desde há algumas dezenas de anos, em matéria<br />
de expropriações.<br />
(Presidente substituto da CML, 1943)<br />
Muito embora a publicação <strong>do</strong> instrumento privilegia<strong>do</strong> de actuação<br />
juridico-política, ao longo <strong>do</strong> processo de expropriações, seja de 1938 — Decreto-Lei<br />
n.° 28 797, de 1 de Julho —, a base legal em que tais intervenções<br />
se fundamentaram data de 1912: Lei de 26 de Julho, em que se estabelece o<br />
«regime geral de expropriações por utilidade pública» 27 . Isto significa que<br />
não será tanto a natureza ou os objectivos <strong>do</strong>s diplomas em causa 28 o que<br />
poderá demarcar duas situações tão distintas, mas, fundamentalmente, o<br />
mo<strong>do</strong> de aplicação desses instrumentos legais — «fazen<strong>do</strong> jogar, na aquisição<br />
de propriedades [...] as regras constantes da legislação em vigor» —, o<br />
que, em última instância, definirá os limites de acção <strong>do</strong> sistema institucional<br />
em matéria de expropriações de propriedades fundiárias na cidade de<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
É certo que aquela fundamentação legal <strong>do</strong> processo de expropriações,<br />
criada nos primeiros anos da República (1912), já não era politicamente adequada<br />
aos «novos ventos» de municipalização <strong>do</strong> solo que sopravam na<br />
capital <strong>do</strong> <strong>Império</strong>. De resto, tal inadequação era já sublinhada pelos próprios<br />
serviços técnicos da Câmara de <strong>Lisboa</strong>, que em 1936 acentuavam «a dificul-<br />
27 Numa apreciação <strong>do</strong>minantemente jurídica deste «instituto» — a expropriação por utilidade pública —,<br />
R. Martins de Carvalho, apoian<strong>do</strong>-se em diversos autores (nomeadamente no seminário realiza<strong>do</strong> em<br />
1948-49 por Marcelo Caetano), informa que as origens daquele «instituto» são anteriores ao liberalismo, citan<strong>do</strong><br />
alguns <strong>do</strong>s exemplos mais significativos, como sejam o «Código das Sete Partidas, a Lei das Sesmarias,<br />
as disposições das ordenações relativamente a minas e a legislação pombalina para a reconstrução de <strong>Lisboa</strong>»<br />
(cf. R. Martins de Carvalho, «Subsídios para a história da expropriação em <strong>Portugal</strong>», in Boletim <strong>do</strong> Ministério<br />
da Justiça, n.° 21, de Novembro de 1950).<br />
No entanto, em termos mais <strong>do</strong>minantemente políticos, a natureza daquele processo de expropriações<br />
poderá vir a ter outro entendimento, precisamente o que tiver como correspondente dessa mesma «utilidade<br />
pública»! Neste senti<strong>do</strong>, é curioso assinalar algumas advertências jurídicas sobre a aplicação daquele «instituto»:<br />
não só deve ser «precedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> acto fundamental da declaração de utilidade pública», como peremptoriamente<br />
se afirma que «não há expropriação por utilidade pública sem indemnização» (cf. Pasquale Carugno,<br />
L`Espropriazioneper Pubblica Utilità, Milão, 1938, p. 50, cit. por J. Pinto Loureiro, «As expropriações indirectas<br />
de utilidade pública e a administração municipal», in Revista Municipal, n. os 11-12, 1942, p. 5). Destacamos<br />
estas observações porque, como veremos, o binómio expropriação/indemnização, na sua leitura político-social,<br />
e não propriamente jurídica, irá constituir um <strong>do</strong>s eixos da problemática urbana da política fundiária<br />
de <strong>Lisboa</strong>.<br />
28 É inegável, contu<strong>do</strong>, a importância juridico-política <strong>do</strong> diploma de 1912. Para além de dar conta de<br />
uma multiplicidade de sectores passíveis de «expropriação por utilidade pública», aquele diploma procurava<br />
igualmente regulamentar as formas de apropriação das «mais valias» resultantes de processos de urbanização.<br />
704 Constituiu, por isso, o fundamento legal de aplicação, a partir de 1938, daquele «instituto».