A Lisboa do Império e o Portugal dos Pequeninos ... - Análise Social
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c) A TRANSIÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DO PROCESSO DE EXPRO-<br />
PRIAÇÕES<br />
Que não se pense, no entanto, que, ao longo daquele perío<strong>do</strong> (de 1938 a<br />
1948), a conjuntura foi politicamente homogénea no que se refere aos mecanismos<br />
e instrumentos cria<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> Novo no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> urbanismo,<br />
nomeadamente em relação ao processo de aquisições ou expropriações.<br />
A própria terminologia oficial — acentuan<strong>do</strong>, ao longo desse perío<strong>do</strong>, as<br />
aquisições «por acor<strong>do</strong> amigável» e minimizan<strong>do</strong> o carácter eventualmente<br />
«agressivo» e «mutila<strong>do</strong>r» conti<strong>do</strong> na simples designação de processo de expropriações<br />
— é algo que se tornará manifestamente evidente. Uma análise<br />
de conteú<strong>do</strong>, mesmo que pouco sistematizada, <strong>do</strong>s Anais <strong>do</strong> Município de<br />
<strong>Lisboa</strong> de 1938 a 1950 explicita uma sensível alteração na linguagem oficial<br />
da Câmara, significativa de uma progressiva mudança de registo político-urbanístico,<br />
sobretu<strong>do</strong> a partir da morte de Duarte Pacheco, em 1943.<br />
E, se, como acima dissemos, só em 1948 será (re)estabelecida uma nova<br />
legalidade urbanística — voltan<strong>do</strong> a permitir, por exemplo, as urbanizações<br />
privadas, que, no tempo de Duarte Pacheco, como presidente efectivo da<br />
Câmara de <strong>Lisboa</strong>, haviam si<strong>do</strong> praticamente eliminadas —, o certo é que,<br />
entretanto, outros diplomas foram sen<strong>do</strong> publica<strong>do</strong>s, dada a necessidade<br />
conjuntural de criar certas mediações políticas para a transição em curso.<br />
Concretamente, em 1946, a Lei n.° 2018, de 24 de Julho (juntamente com o<br />
respectivo Regulamento, Decreto n.° 35 831, de 27 de Agosto <strong>do</strong> mesmo<br />
ano), «introduz no regime de expropriações estabeleci<strong>do</strong> (em 1938) a inovação<br />
de permitir recurso, para o tribunal de comarca, das decisões das comissões<br />
de arbitragem» 42 . Conquanto o sistema judicial não esteja ainda a funcionar<br />
plenamente no <strong>do</strong>mínio das aquisições de terrenos, é óbvio que uma<br />
tal «inovação» surgia, antes de mais, «no senti<strong>do</strong> de acautelar os interesses<br />
<strong>do</strong>s proprietários» 43 .<br />
Que, a partir de 1943, os tempos urbanísticos estavam mudan<strong>do</strong>, não parece<br />
ser uma afirmação problemática! Tal como é de admitir que a transição<br />
para uma nova legalidade urbanística se não terá processa<strong>do</strong> de uma forma<br />
linear e pacífica, dan<strong>do</strong> conta de que a própria natureza <strong>do</strong>s processos de expropriação<br />
desencadeava conflitos e contradições, inclusive no interior <strong>do</strong><br />
próprio regime. Embora jogan<strong>do</strong> com o argumento demagógico das «casas<br />
de renda módica», é o próprio presidente da CML (A. Salvação Barreto)<br />
que, em 1947, se queixa das «hábeis sugestões relativas aos terrenos em que<br />
vinham efectuan<strong>do</strong> expropriações», sugestões essas que «chegaram a subir à<br />
Assembleia Nacional em termos que, uma vez acata<strong>do</strong>s, condenariam irremediavelmente<br />
a satisfação da mais legítima aspiração pública: o ter um lar<br />
para abrigar-se» 44 .<br />
Pacificar conflitos e contradições, endógenos e exógenos, ao regime<br />
urbano instaura<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong> a partir de 1938, era pois, também, uma das<br />
42<br />
Anais <strong>do</strong> Município de <strong>Lisboa</strong>, ano de 1946, CML, 1947, p. 127.<br />
43<br />
Boletim da Direcção-Geral <strong>do</strong>s Serviços de Urbanizaçãoy Ministério das Obras Públicas e Comunicações,<br />
vol. I, 1945-46, p. 101.<br />
44<br />
Anais <strong>do</strong> Município de <strong>Lisboa</strong>, ano de 1946, <strong>Lisboa</strong>, CML, 1947, p. 12.<br />
O então presidente da Câmara de <strong>Lisboa</strong>, A. Salvação Barreto, substituiu Duarte Pacheco algum tempo<br />
após a morte deste, em Novembro de 1943. Curiosamente, na história <strong>do</strong> Município de <strong>Lisboa</strong>, estas duas figuras<br />
completam-se num senti<strong>do</strong> análogo ao da fotografia: à imagem afirmativa/positiva de Duarte Pacheco,<br />
708 só ficou a sua «película negativa/invertida»...