VARAL DO BRASIL 20 FEV 2013.pdf - coracional
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,- é sua defesa interior- e aceita, assim, o<br />
papel que lhe destinaram, sem questionar a moralidade<br />
implícita.<br />
Sofia é calculista, dissimulada, como também<br />
o é Capitu (com os seus olhos de cigana oblíqua);<br />
sua marca é a esperteza, a sagacidade, a malícia.<br />
Diferentemente porém, daquela, destaca-se pela<br />
vulgaridade. Se Virgília é levada ao adultério pelo<br />
amor impulsivo ao antigo noivo; se Capitu chega à<br />
situação esquiva movida por uma espécie de<br />
“imperativo categórico” (algo que não poderia ser de<br />
outro modo ), algo que estava nela embrionariamente<br />
incutido pela natureza do seu caráter, pela firmeza<br />
do seu espírito altivo, Sofia o faz como fuga a uma<br />
vida vazia de qualquer conteúdo espiritual ou moral.<br />
O cinismo é o seu terreno, e a amoralidade é parte da<br />
sua personalidade; deixa-se levar pelos acontecimentos,<br />
cultivando e incentivando o galanteio masculino,<br />
necessitada de uma corte de admiradores. Completamente<br />
desprovida de qualquer sentimento mais<br />
“piedoso”, ela pisa corações, só lhe interessando subir<br />
na vida, não importa a quantas duras penas, a que<br />
concessões. Tem dois pesos e duas medidas para julgar<br />
e/ou conter ou estimular a investida masculina:<br />
de um, conta ao marido o atrevimento, de outro<br />
guarda para si, encantada, o segredo do amor revelado:<br />
Rubião e Carlos Maia, respectivamente.<br />
Capitu 4 é o personagem mais complexo de<br />
quantos criados por Machado de Assis. O que nela<br />
mais impressiona é a firmeza de sua resolução, a certeza<br />
do caminho que traçou, com todos aqueles objetivos<br />
a alcançar, dele não se afastando por nenhuma<br />
razão, não admitindo nenhum insucesso, mulher superior<br />
que faz o seu destino, que dispõe da sua vida e<br />
daquelas vidas que estão ao seu redor. Não é um títere,<br />
movida por impulsos, como as outras, nem por<br />
sentimentos banais. Ao contrário, toda ela é certeza,<br />
é cálculo, e é sucesso. A observação de José Dias<br />
sobre os seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada<br />
cai como uma luva para realçar a sua maior característica.<br />
Maquiavélica, ela prepara o seu futuro, onde<br />
tudo deverá acontecer como arquitetou. E é tal a força<br />
de verdade da personagem, que o leitor a elege<br />
em simpatia, solidário com a posição cruel em que<br />
as consequências dos seus atos de raciocínio a colocaram,<br />
em detrimento da figura nula do marido, que<br />
a retira de sua vida muito discretamente, de maneira<br />
“oblíqua”.<br />
Para tal autor tão fortemente pessimista,<br />
que de maneira alguma “acredita” na sinceridade dos<br />
sentimentos femininos, que parece adotar a filosofia<br />
do Duque de Mântua 5 : “La donna é móbile/qual piuma<br />
al vento/ mutta d’acento e di pensiero”..- causará<br />
espécie a contradição do enfoque das figuras femininas<br />
do Memorial de Aires.”, a um leitor menos avisado.<br />
É preciso pensar na obra “globalizante” do<br />
autor de Dom Casmurro: aquelas figuras tão santas<br />
, tão “normais” (dentro do conceito familiar judaico-cristão)<br />
têm que ser compreendidas em seu<br />
Varal do Brasil fevereiro de <strong>20</strong>13<br />
sentido próprio e nunca, em oposição às Capitus, às<br />
Virgílias, Sofias, etc. Sendo um romance que encerra<br />
um ciclo de vida e de filosofia, vai desmentir a<br />
carranca que colocaram sob a face do narrador de<br />
tantas infidelidades femininas – ele não é um inimigo<br />
declarado das mulheres, não é um descrente das<br />
suas virtudes. Não! O Memorial....”é, pelo contrário,<br />
a confissão da sua crença no casamento como<br />
instituição social. É possível a felicidade conjugal. O<br />
casamento pode ser uma fonte de alegrias, de companheirismo,<br />
de realizações e enriquecimento espiritual.<br />
A gente Aguiar o ilustra à saciedade. Passados<br />
os primeiros anos de ajustamento de personalidades,<br />
chega um tempo em que, verdadeiramente, o homem<br />
e a mulher se complementam. Ali estão aqueles dois<br />
“velhos”( e nem o seriam tanto!) a desfrutar de uma<br />
paz absoluta que lhes vem da certeza do sentimento<br />
recíproco, da fé e da verdade da sua união (o ideal de<br />
Rosemonde Gérard 6 realizado! “Quando tu fores velho<br />
e eu também for velha/ E estes louros anéis forem<br />
brancos e escassos,/ Em maio, no jardim, do sol<br />
à luz vermelha/ Iremos aquecer os nossos membros<br />
lassos”.). E o que haverá de autobiográfico nesta cena?<br />
Dizem seus biógrafos que ele encontrou a felicidade<br />
no casamento. E se não bastasse a colaboração<br />
mútua, aí ficaram os versos que ele recitou no túmulo<br />
de sua amada Carolina, um dos mais belos sonetos<br />
da língua portuguesa, a dizer da profundidade dessa<br />
união.<br />
Dona Carmo, diz o narrador, tem o sentido<br />
da medida, É calma, discreta, suave e santa mulher .<br />
Fidélia corresponde ao nome: não está nunca traindo<br />
o seu defunto; e seu casamento com Tristão há de<br />
dar certo, porque realizado sob o signo de uma reflexão<br />
amadurecida – esta, a grande tese de Machado:<br />
- ao contrário das uniões apressadas e efetuadas sem<br />
o necessário discernimento, sem as indispensáveis<br />
bases morais e espirituais, sujeitas, por isso, à queda<br />
nas tentações.<br />
Um outro aspecto que escapa sempre aos<br />
julgadores da implacabilidade de Machado de Assis<br />
com relação às suas heroínas é a falta “de olhos” para<br />
enxergar a outra face da medalha. Machado apresenta<br />
somente mulheres demoníacas, ou apenas lhes<br />
destaca como fundo e silhueta esta característica,<br />
(SEGUE)<br />
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