Varal do Brasil fevereiro de <strong>20</strong>13 “Mulher, um universo” Por José Hilton Rosa Brilho nos olhos que olham Sempre admirando sua beleza Natural da mulher, um universo Caminhar provocante Intriga qualquer infante Passos de mulher, um universo Faço versos e sopro-os pelo ar quando, por mim ela passar Rebelde na malicia com todos os olhos Maldosos só tenham a desconfiar À mulher, um universo a confiar A prova de mãe quer sempre deixar Mulher, um universo, quero dele aproveitar www.varaldobrasil.com 36
ROSÂNGELA Por Roberto Saturnino Braga Com a palma da mão Rosângela podia bem sentir o abaulamento do baixo ventre, quando tirava a roupa antes do banho e procedia a este exame, todo dia, com delicadeza, quase carinho. Era bem discreto o abaulamento, tanto que não se percebia pelo ver corrente, não se distinguia nenhuma linha de ressalto adicional à curva ampla e natural do ventre, não propriamente adiposo mas alargado pela gravidez que lhe trouxera a filha Ana, de dois anos. O corpo, no geral, mantinha a esbeltez da juventude, mas ficara ali a marca da maternidade, ali na cintura como nos seios, que, cheios e sugados, haviam perdido a rijeza macia de antes. Vinte e dois anos, e aquele caráter benigno de aceitação das circunstâncias da vida, que a fazia gostar ainda da sua própria figura, e desprezar o desgaste da maturidade prematura e da responsabilidade com os cuidados da filha. Mantinha as alegrias essenciais da vida, as duas graças dela: a juventude e a menina, o acordar e sentir o regozijo da manhã, o existir, e a menininha Ana, fruto dela, não do amor mas do assédio e da conformidade. As coisas. Tinha feito direitinho os oito anos escolares do primeiro grau e trabalhava desde os dezessete, naquela disciplinazinha ditada pelo pai, um rodoviário honesto, motorista, comunista e conservador. Agora, depois de uma parada de um ano, quando nasceu a filha, ela estava de atendente num supermercado em Campo Grande e morava com a família num enorme ajuntamento de casas de moradia popular chamado Cesarão, uma cidade homogênea que ficava perto de Santa Cruz, cheia de gente de vida difícil. Ela ficava com a filha no quarto do corredor que ia para a cozinha e o banheiro, e os pais no quarto que dava para a sala, com mesa, cadeiras duas poltronas e o móvel da televisão, tudo apertadinho. O dos meninos ficava em cima, fechado sobre um canto da laje Varal do Brasil fevereiro de <strong>20</strong>13 para onde se subia por uma escadinha externa. O resto da laje era do varal, da caixa dágua e de uma varanda aberta, que tinha perdido outro pedacinho para se fazer um novo quarto para Dorotéia, a irmã que ficava com ela no quarto de baixo antes de Ana nascer. Dorotéia era a irmã logo abaixo dela, que também trabalhava mas que era muito bonita, de pele branquinha da cor da do pai, e cabelos castanhos claros, bem sedosos, olhos iluminados e um corpo formoso e curvoso, que se mostrava através das roupas justas e decotadas que ela usava. Havia atritos com o pai por causa disso, atritos graves, ele imprecava contra a justeza das calças ou a curteza das saias, e uma vez rasgou de raiva uma blusa indecente que arrancou à força do corpo dela. Ele intuía, ele era homem e sabia, e a mãe intervinha e punha panos quentes, ela sabia também, não era nenhuma boba, mas sentia um certo aprazimento de realização através da filha bonita que vivia experiências de outra graduação. Todos sabiam que Dorotéia trabalhava, também tinha feito o colégio, trabalhava de secretária no escritório de um advogado no centro da cidade e ralava o sacrifício da viagem diária e cansativa. E que algumas vezes se atrasava muito por causa do tráfego e chegava até depois de meia-noite. Ganhava bem, por isso, claro, como se via na televisão, todos viam, todos sabiam, até os dois meninos mais novos que ainda estudavam, e o maior já trabalhava. Na primeira noite que não veio dormir em casa enfrentou a cara séria do pai no dia seguinte de manhã, a cara séria e a fala séria, de que seria melhor que ela não morasse mais com eles, já que escapava aos padrões morais da família e podia contaminar os outros. Dorotéia chorou, sinceramente chorou, e a mãe chorou com ela, e Rosângela também. O pai então calou, seco e amargo. Era a família. Eram os tempos. Difícil manter a família naqueles tempos. Mas era a família. Calou. (Segue) www.varaldobrasil.com 37