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Notas sobre a importância da analidade na histeria

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AnBlise Psicológica (1983), 4 (111); 433-440<br />

<strong>Notas</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>importância</strong><br />

<strong>da</strong> a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>na</strong> <strong>histeria</strong><br />

A maior parte <strong>da</strong>queles de nós que an-<br />

<strong>da</strong>m ligados às coisas <strong>da</strong> psiquiatria, <strong>da</strong><br />

psicologia e, <strong>sobre</strong>tudo <strong>da</strong> psicanálise, co-<br />

nhece bem a <strong>importância</strong> que a <strong>histeria</strong><br />

-<strong>sobre</strong>tudo a grande <strong>histeria</strong>, a <strong>histeria</strong><br />

de conversão - teve <strong>na</strong> clínica psiquiátrica<br />

e <strong>na</strong> psicologia compreensiva dos fi<strong>na</strong>is do<br />

século XIX, princípios do século xx (Char-<br />

cot, Libeault em Nancy, Janet, Breuer ... e<br />

o próprio Freud <strong>na</strong>turalmente); a Psicaná-<br />

lise, nos seus alvores, está indissoluvelmente<br />

liga<strong>da</strong> 2 problemática clínica e teórica <strong>da</strong><br />

<strong>histeria</strong>, bastando recor<strong>da</strong>r OS Estudos so-<br />

bre a Histeria com as suas «Comunicação<br />

Prelimi<strong>na</strong>r», histórias clínicas de F. Emmy,<br />

Miss Lucy, Cataline, Fraulein Isabel An<strong>na</strong><br />

O, Psicoterapia de Histeria, etc., etc., onde<br />

Breuer e Freud trabalharam, se bem que<br />

numa colaboracão cheia de vicissitudes,<br />

como conhecemos.<br />

E falar dos alvores <strong>da</strong> Psicanálise é tam-<br />

bém falar do <strong>na</strong>scimento duma nova vi-<br />

são - bem mais huma<strong>na</strong> - <strong>da</strong> <strong>histeria</strong>:<br />

quão longe Freud nos deu oportuni<strong>da</strong>de de<br />

ir, distanciando-nos grandemente <strong>da</strong> limi-<br />

--<br />

(*) Psica<strong>na</strong>lista. Membro <strong>da</strong> S. P. P. Médico-<br />

-psiquiatra, Chefe de Clínica do Hospital Miguel<br />

Bombar<strong>da</strong>. Grupa<strong>na</strong>lista pela S. P. G., docente<br />

no I. S. P. A., sócio titular <strong>da</strong> S. P. P. S. e <strong>da</strong><br />

A. P. P.<br />

I. AZEVEDO SILVA(*)<br />

ta<strong>da</strong>, e para alguns obsti<strong>na</strong>dos, ain<strong>da</strong> aceite,<br />

compreensão de Chrobak (<strong>na</strong> História do<br />

Movimento Psica<strong>na</strong>lítico - S. Freud) ex-<br />

pressa nos seguintes ditos: «A única receita<br />

certa para esta doença é bem nossa conhe-<br />

ci<strong>da</strong> mas não podemos receitá-la. G ela:<br />

Rp - Pennis normalis<br />

do sim<br />

i Repetatur !<br />

O problema estava bem longe de ser tão<br />

simples e o algo de ver<strong>da</strong>deiro que, no<br />

comentário, existia tor<strong>na</strong>va-se rude e injusto<br />

pela parciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> compreensão.<br />

Sabemos como, passo a passo, etapa a<br />

etapa, Breuer e Freud, bem cedo Freud so-<br />

zinho, recriaram a compreensão <strong>da</strong> Histe-<br />

ria, <strong>da</strong>ndo-lhe a dimensão duma neurose<br />

-duma psiconeurose e não duma simula-<br />

ção - processo tão respeitável como qual-<br />

quer outra perturbação psicológica, e duma<br />

forma quase blasfema para a época <strong>na</strong> me-<br />

di<strong>da</strong> em que era extensiva tanto & mulher<br />

como ao homem (talvez até um pouco mais<br />

frequente neste último, isto apesar de se<br />

saber que <strong>histeria</strong> derivava de histeron ou<br />

útero.. .).<br />

Em breve - sabemos também -a histe-<br />

ria de conversão se transformava <strong>na</strong> Neu-<br />

433


ose Edipia<strong>na</strong> por excelência, onde se a<br />

fixação existia, a regressão pouco marcava<br />

ou era discutível; além de que o conceito<br />

de Histeria se ampliava por um lado e se<br />

fragmentava por outro (à <strong>histeria</strong> eram liga-<br />

dos outros quadros mas que mantinham as<br />

suas autonomias relativas de elementos es-<br />

pecificáveis: Histeria sob as formas de con-<br />

versão, ansie<strong>da</strong>de e/ou neurose fóbica.. .).<br />

Vejamos alguns comentários a este res-<br />

peito dum autor como Maurice Bouvet<br />

(La Chique Psycha<strong>na</strong>lytique. La Relation<br />

d’Object, ed. Payot, tradução livre): «É<br />

clássico afirmar que as fobias e as <strong>histeria</strong>s<br />

constituem neuroses edipia<strong>na</strong>s, quer isto di-<br />

zer que as alterações e perturbações que as<br />

caracterizam representam perturbações <strong>da</strong><br />

relação de objecto resultantes de conflitos<br />

surgidos <strong>na</strong> última fase do desenvolvimento<br />

instintório e <strong>da</strong> maturação do Eu ou, nou-<br />

tros termos, representam “ ratés ” (falhas)<br />

<strong>da</strong> relação genital propriamente dita; isto<br />

e ver<strong>da</strong>de numa certa medi<strong>da</strong>, mas não sem-<br />

pre». E ain<strong>da</strong> M. Bouvet, numa outra pas-<br />

sagem, «segundo a tese clássica, a <strong>histeria</strong><br />

é a expressão dum conflito estritamente edi-<br />

piano com regressão (o sublinhado é nosso<br />

para fazer ressaltar a introdução já do fenó-<br />

meno regressivo.. .) à fase genital, (fálica,<br />

compreen<strong>da</strong>-se) infantil a [. . .] sendo assim<br />

que a histérica exprime nos seus sintomas<br />

de conversão, com a aju<strong>da</strong> de meios de ex-<br />

pressão não genitais, um conflito genital e,<br />

deste modo, adquire uma erogenei<strong>da</strong>de es-<br />

pecial do corpo, tor<strong>na</strong>ndo ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

suas partes susceptível de exprimir uma ex-<br />

citação genital do mesmo modo que se dá<br />

a transformação dum objecto real, por pro-<br />

jecção, em objecto sexual infantil


ferencial que se levantam entre determi<strong>na</strong>-<br />

dos quadros de <strong>histeria</strong> com outros de es-<br />

quizofrenia devem-se, em grande parte,<br />

quanto a mim, exactamente a este investi-<br />

mento libidi<strong>na</strong>l oral reproduzindo mirneti-<br />

camente a primeira fase (oral, sucção) coin-<br />

cidindo, nesse aspecto, com alguns tipos de<br />

esquizofrenia (K. Abraham, O. Fennichel).<br />

Mas tal seria assunto a apresentar mais<br />

detalha<strong>da</strong>mente numa outra ocasião; por<br />

agora recorremos mais uma vez ao artigo<br />

de M. Bouvet (Lu Chique Psycha<strong>na</strong>lytique.<br />

Lu Relation d’Objet) quando sublinha as<br />

diferenças existentes entre as neuroses fóbi-<br />

cas processando-se num regime acentua<strong>da</strong>-<br />

mente fálico e aquelas outras de predomínio<br />

«pré-genitab (e sabemos as relações entre<br />

<strong>histeria</strong> de conversão e neurose fóbica que<br />

Freud postulou); comenta, depois de ter<br />

dito que os casos de neurose fóbica prati-<br />

camente edipianos sem regressão importan-<br />

te são menos frequentes que aqueles outros<br />

de neuroses fóbicas em que há regressão<br />

para a fase oral, onde existiu fixação: mes-<br />

tes casos, as fobias são múltiplas» e «en-<br />

quanto que, no obsessivo, os processos de<br />

defesa do Eu são facilmente perceptíveis,<br />

no histérico e no fóbico não é assim» [. . .]<br />

«não se trata (Federn o nota) dum Eu preco-<br />

cemente trei<strong>na</strong>do a defender-se <strong>da</strong> angústia<br />

utilizando todos os meios psicológicos vi-<br />

vos e agudos que o pensamento sádico-a<strong>na</strong>l<br />

põe ii disposição)), mas sim dum «Eu irre-<br />

mediavelmente fraco, inconsistente, mal es-<br />

truturado, de limites incertos» que «não<br />

pode senão resguar<strong>da</strong>r-se do contacto íntimo<br />

angustiante através de medi<strong>da</strong>s de fuga, evi-<br />

tamento e, quando numa situação de trans-<br />

ferência, por exemplo [. . .] a perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

to<strong>da</strong> inteira é submergi<strong>da</strong> por uma tempes-<br />

tade afectiva demasia<strong>da</strong> que o sujeito não<br />

pode assumir [...I o Eu deve fazer (então)<br />

face a afectos pré-genitais duma violência<br />

extrema e duma i<strong>na</strong><strong>da</strong>ptação profun<strong>da</strong>, ex-<br />

primindo um desejo de possessão duma<br />

agressivi<strong>da</strong>de sem limite onde, bem enten-<br />

dido, não se põe lugar para a questão <strong>da</strong><br />

individuali<strong>da</strong>de do objecto ou de qualquer<br />

<strong>da</strong>s suas necessi<strong>da</strong>des». Isto quanto 2 neu-<br />

rose fóbica - <strong>histeria</strong> de ansie<strong>da</strong>de.<br />

No que se refere à própria <strong>histeria</strong> de<br />

conversão, entre outros comentários, M.<br />

Bouvet aponta como «argumentos a favor<br />

duma regressão e duma fixação pré-genitab<br />

nesta psiconeurose, entre outros, os de «a<br />

fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações e a sua procura de-<br />

senfrea<strong>da</strong> corresponder àquilo que nós sa-<br />

bemos <strong>da</strong> relação de objecto pré-genital es-<br />

magadora e indispensável» e que Fennichel<br />

teria feito notar «que a subordi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong><br />

estima de si (auto-estima) ii possessão dum<br />

objecto significativo, testemunha em geral<br />

a regressão <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de ao estado oral<br />

<strong>da</strong> evolução [...I, ora a relação objecta1<br />

histérica é caracteriza<strong>da</strong> pela necessi<strong>da</strong>de<br />

imperiosa duma ligação com objectos valo-<br />

rizantes. aspecto clínico que corresponde<br />

bem A “necessi<strong>da</strong>de” <strong>da</strong> relação do objecto<br />

pré-genitab. Mais adiante continua ain<strong>da</strong><br />

M. Bouvet: «Quanto ao estudo <strong>da</strong> estrutura<br />

do Eu, ele oferece um terreno ain<strong>da</strong> mais<br />

seguro. Todos os autores insistem <strong>sobre</strong> o<br />

carácter caótico, a falta de estabili<strong>da</strong>de, a<br />

permeabili<strong>da</strong>de do Eu destes sujeitos passi-<br />

vos, submersos por tempestades afectivas<br />

que eles não controlam, mu<strong>da</strong>ndo de orien-<br />

tação de dia para dia, sem defesa contra<br />

as transformações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, os histéricos,<br />

segundo a expressão de Federn, entregam<br />

aos outros o trabalho de cui<strong>da</strong>rem dos seus<br />

problemas.. . >> E pergunta-se: «como expli-<br />

car que o histérico, <strong>na</strong> sua reacção ao édipo,<br />

não utilize as técnicas de defesa do estado<br />

sádico a<strong>na</strong>l do desenvolvimento, por um<br />

lado, como evita ele (também) os escolhos<br />

<strong>da</strong> regressão oral completa que domi<strong>na</strong> os<br />

quadros psicóticos, por outro lado». Para<br />

acrescentar: «Na ver<strong>da</strong>de, não se pode fa-<br />

zer mais do que formular hipóteses».<br />

Estes comentários, julgo, mostram A sa-<br />

cie<strong>da</strong>de quanto foi abala<strong>da</strong> a primitiva con-<br />

cepção psica<strong>na</strong>lítica <strong>da</strong> <strong>histeria</strong>, tanto de<br />

conversão como de ansie<strong>da</strong>de, que não po-<br />

dia de forma alguma continuar a ser olha<strong>da</strong><br />

435


como a neurose edipia<strong>na</strong> por excelência,<br />

quero dizer, aquela que face às vicissitudes<br />

do conflito edipiano se estruturava, en-<br />

quanto neurose fixa<strong>da</strong> a ele mas sem re-<br />

gressão pronuncia<strong>da</strong> pelo menos, mas que,<br />

bem pelo contrário, os fenómenos de re-<br />

gressão à orali<strong>da</strong>de, incluindo as duas fases<br />

desta, eram de particular <strong>importância</strong>, pon-<br />

do problemas de compreensão diagnóstica,<br />

de prognóstico e de técnica de intervenção<br />

terapêutica, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a regressão<br />

predomi<strong>na</strong>nte h primeira etapa oral (suc-<br />

ção) impunha muitas vezes a diferenciacão<br />

com certas esquizofrenias, enquanto que a<br />

regressão h segun<strong>da</strong> etapa oral (sádica, com<br />

a sua voraci<strong>da</strong>de.. .) arrastava eventuais<br />

problemas de distincão com as psicoces<br />

afectivas (P.M .D.).<br />

Sublinhava-se também que a problemá-<br />

tica edipia<strong>na</strong> se jogava -já o dissemos -<br />

nos registos fálico e oral, como que sal-<br />

tando, no movimento regressivo, por <strong>sobre</strong><br />

a fase a<strong>na</strong>l.<br />

Mas era exactamente a esta última par-<br />

ticulari<strong>da</strong>de que, sendo especialmente sig-<br />

nificativa, não se <strong>da</strong>va - nem dá, penso -<br />

a <strong>importância</strong> clínica devi<strong>da</strong>, entre um<br />

grande número dos nossos práticos, em<br />

particular mas também <strong>na</strong>s formulações<br />

teóricas, mesmo de autores como M. Bou-<br />

vet, que sempre tão bem se apercebeu e<br />

trabalhou os aspectos concernentes com a<br />

aiiali<strong>da</strong>de. Bouvet refere brilhantemente,<br />

no artigo que já citei, facetas <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

<strong>na</strong> <strong>histeria</strong> (de conversáo como de ansie-<br />

<strong>da</strong>de) mas parece-me não tirar desse bri-<br />

lhantismo o rendimento clínico que lhe<br />

estava ao alcance, preferindo mergulhar <strong>na</strong><br />

clínica <strong>da</strong>s relações de objecto pré-genitais,<br />

inespecificamente; Bouvet não se conside-<br />

rava, aliás, consta, um expert <strong>da</strong> <strong>histeria</strong>.<br />

Evidentemente que não pretendi rever,<br />

num trabalho deste tipo, to<strong>da</strong> a problemá-<br />

tica <strong>da</strong>s concepções sucessivas e diferentes<br />

<strong>sobre</strong> as vicissitudes do processo <strong>da</strong> sua<br />

estruturação como neurose, mas o que<br />

posso afirmar - limitado como estou por<br />

436<br />

uma limitação de espaco que me impus -<br />

6 que a minha prática clínica, as leituras<br />

e trocas de impressões que fazia, pareciam<br />

demonstrar-me que qualquer coisa, de assaz<br />

irrportante, escapava às diversas clarifica-<br />

cões sucessivamente produzi<strong>da</strong>s face h his-<br />

teria, e uin desses algos, COMO o título do<br />

presente artigo logo de início sugere, cono-<br />

ta-se com a pouca -ou erra<strong>da</strong>- impor-<br />

tância <strong>da</strong><strong>da</strong> à a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de quando se preten-<br />

de uma compreensão mais frutuoss, não só<br />

<strong>da</strong> teoria mas também <strong>da</strong> clínica <strong>da</strong>s his-<br />

terias (l).<br />

Realmente, no meu quotidiano clínico<br />

-como decerto no de muitos outros-<br />

surgiam (e surgem) com bastante frequên-<br />

cia clientes que, iniciando uma psicoterapia,<br />

episodicamente mostravam uma ver<strong>da</strong>deira-<br />

mente exasperante - é o termo correcto -<br />

dificul<strong>da</strong>de nos processos de retencão e<br />

manutencão duma distância (no sentido de<br />

Bouvet) relativamente estável, a qual per-<br />

mitisse um contacto também estável e, <strong>da</strong>í,<br />

um trabalho a<strong>na</strong>lítico de continui<strong>da</strong>de evi-<br />

dente. Face a qualquer ansie<strong>da</strong>de que lhes<br />

parecesse excessiva - e o excessivo não<br />

deve ser considerado ci?i absoluto, mas nn<br />

sua relucão com a quali<strong>da</strong>de e forca ou<br />

fraqueza cio Eu em causa-ou entravam<br />

num comportamento de marca<strong>da</strong> erotiza-<br />

cão iálica, quase do calibre dum franco<br />

exibicicnismo, ou sc des~rticulavam (o Ego)<br />

em risos, graças, comentários dirigidos<br />

em to<strong>da</strong>s as direccões, especialmente se<br />

houvesse a mínima possibili<strong>da</strong>de dum even-<br />

tual público, qualquer ele fosse, cuja sim-<br />

patia procuravam conseguir, & guisa d?<br />

apoio. Tomavam a minha palavra de a<strong>na</strong>-<br />

lista - ou psicoterapeuta, segundo as cir-<br />

cunstâncias concretas - e jogavam COM<br />

ela, faziam trocadilhos, estilhacavam o sig-<br />

nificado através de fraccio<strong>na</strong>rem e recom-<br />

(I) No livro de J. Bergeret, LQ personnulité<br />

normale et pathologique, dá-se a <strong>importância</strong> de-<br />

vi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>histeria</strong> de ansie<strong>da</strong>de, mas não <strong>na</strong> <strong>histeria</strong><br />

de conversão.


i<strong>na</strong>rein as partes do suporte significante<br />

e como que lançavam fora o conteúdo, por<br />

ricochete, <strong>da</strong>ndo ideia de não ter existido<br />

qualquer ressonância no seu interior; pare-<br />

cia não haver descernimento nem incre-<br />

mnnto do insight (o qw, <strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s<br />

vezes, não era real, pois ao fim de alguns<br />

dias de pvrlaboracáo-working-through-<br />

a compreensão fazia-se sanlir). Naquelas<br />

situações as palavras <strong>da</strong>vam a impressão<br />

de passarem por eles scm marcar, os con-<br />

ceitos eram histrionicamente trabalhados,<br />

habilidosamente manipulados por calem-<br />

botir.. .<br />

Estes artifícios defensivos, de certo modo,<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> representavam de novi<strong>da</strong>de para a<br />

minha compreensão teórica - correspon-<br />

diam, em grande parcela, ao falismo - mas<br />

o que se me assemelhava, digamos, novo<br />

era a notável falta de retençáo. Faziam-me<br />

vir 5 mente, com frequência, os comentá-<br />

rios que Sandor Ferenczi deixara escritos<br />

em Thnlasa, cap. 1, «L’amphimixie des<br />

erotismes <strong>da</strong>ns le proceçsus de l’ejaculation»<br />

(Pet. Bib. Payot), para fazer ressaltar a<br />

<strong>importância</strong> do jogo equilibrado dos ero-<br />

tismos a<strong>na</strong>is e uretrais num processo de<br />

coito harmonioso com ejaculaçáo adequa<strong>da</strong>:<br />

um excesso de retenção poderia conduzir 5<br />

ausência de expulsão do esperma (com OU<br />

sem impotência); um excesso de excitação<br />

uretral e defeito de retenção, levaria 5<br />

ejaculaqáo precoce. Tais clientes, <strong>na</strong>s cir-<br />

cunstâncias ansiogénicas que referi, com-<br />

portavam-se como uma espécie de ejacula-<br />

dores precoces, mentais.<br />

Se as coisas se complicavam no que se<br />

refere 5 ansie<strong>da</strong>de - ou por quaisquer ou-<br />

tras circunstâncias que, ao fim e ao cabo,<br />

se convertessem em moe<strong>da</strong> ansiosa - eles<br />

caíam, literalmente, desta situação predo-<br />

mi<strong>na</strong>ntemente fálica, numa exigência voraz<br />

extrema, eminentemente oral, dum salto;<br />

ou numa depressão <strong>na</strong>rcísica (oral de<br />

sucqáo) também de salto, sem que passas-<br />

sem por uma etapa marca<strong>da</strong>mente a<strong>na</strong>l<br />

(controlo, sadismo), como parecia que de-<br />

via ser de boa regra, se duma regressão<br />

paulati<strong>na</strong>mente caminhando se tratasse.<br />

Mas, repito, até aqui a surpresa não seria<br />

grande, salvo no que se refere ao não encon-<br />

trar francamente sublinha<strong>da</strong> a notável falta<br />

de retenção <strong>na</strong> <strong>histeria</strong> e a gritante impor-<br />

tância clínica <strong>da</strong>s vicissitudes <strong>da</strong> andi<strong>da</strong>de<br />

nesta psiconeurose.<br />

No entanto, um outro tipo de comporta-<br />

mento psicológico surgia frequentemente<br />

nos histéricos: primeiro um outro tipo es-<br />

pecial de fazer espírito mas onde, não<br />

obstaiite o riso, perpassava um indefinível<br />

sentimento de mal-estar; não era, por assim<br />

dizer, uma alegria-alegre mas sim uma ale-<br />

gria-ansiosa, onde os ditos de espírito a<br />

que recorriam eram, o mais <strong>da</strong>s vezes,<br />

feitos a partir de trocadilhos, assentes numa<br />

aparente semicompreensão <strong>da</strong>quilo que se<br />

estava passando - dizendo, vivendo e fa-<br />

zendo no momento - e também assentes<br />

numa peque<strong>na</strong> troca <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong>s pa-<br />

lavras ou ordem <strong>da</strong>s sílabas (troçando por<br />

trocando, trotando por tratando, tremendo<br />

por perdendo, sem tento por atento ou<br />

assento.. . ) apresentando-se, momentanea-<br />

mente, ora sob uma facha<strong>da</strong> pseudo-néscia,<br />

ora como ur<strong>na</strong> distracção ou mesmo como<br />

uma ver<strong>da</strong>deira dificul<strong>da</strong>de auditiva.<br />

Não vou alongar-me aqui mas não se<br />

tratava ape<strong>na</strong>s dum processo de inibição<br />

<strong>da</strong>s funções dos diferentes órgãos, libidi-<br />

<strong>na</strong>lmente investidos, em conflito, mas an-<br />

tes dum processo diferente envolvendo o<br />

próprio Eu, <strong>da</strong>ndo a noção de que, em<br />

situações fortemente ansiogénicas, segundo<br />

a problemática específica de ca<strong>da</strong> sujeito,<br />

o Ego, posto em causa, respondia com ur<strong>na</strong><br />

desorganização inter<strong>na</strong> e ataque i percep-<br />

ção lógica (que projectava <strong>sobre</strong> os laços<br />

relacio<strong>na</strong>is exteriores; relembro o trabalho<br />

de Freud <strong>sobre</strong> o dito de espírito), e donde<br />

resultava uma real dificul<strong>da</strong>de de com-<br />

preender, de ouvir ou mesmo ver, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />

desorganização funcio<strong>na</strong>l momentânea e de-<br />

fensiva do Eu, instância do aparelho psí-<br />

43 7


quico de que bem conhecemos a importân-<br />

cia que assume <strong>na</strong> percepção.<br />

Se, por um lado, como já disse, verifi-<br />

cava que o histérico oscilava entre o registo<br />

fálico e o oral face às ansie<strong>da</strong>des, por outro<br />

lado constatei que ao longo de psicanálises<br />

ortodoxas e de psicoterapias de inspiração<br />

a<strong>na</strong>lítica conduzi<strong>da</strong>s com suficiente regula-<br />

ri<strong>da</strong>de, a pessoa histérica começava a ten-<br />

tar abando<strong>na</strong>r o tipo de resposta que acabo<br />

de descrever, recorrendo ca<strong>da</strong> vez menos a<br />

ela e criando tentativas de novas soluções,<br />

entre as quais se destacava um modo de<br />

resposta conotável com as de tipo a<strong>na</strong>l,<br />

incluindo os anseios de controlo rígido e<br />

obsessio<strong>na</strong>lizante, não raro acompanha<strong>da</strong>s<br />

de esboços de rituais obsessivos, obsessões-<br />

-compulsões, <strong>sobre</strong>tudo, mas também valo-<br />

rização excessiva dos cheiros, dos escrúpu-<br />

los higiénicos, ou ao contrário. Tudo se<br />

passava como se, no caminho regressivo, a<br />

fase a<strong>na</strong>l fosse inexistente enquanto que,<br />

no caminho progrediente, ela surgisse e<br />

fosse mesmo <strong>sobre</strong>valoriza<strong>da</strong>.<br />

Ao fim e ao cabo, a nocão que ca<strong>da</strong><br />

vez mais se me firmava-e é para ela e<br />

para o seu significado <strong>na</strong> clínica, tantas<br />

vezes, <strong>sobre</strong>tudo nos primórdios, esqueci<strong>da</strong><br />

face aos fulgores do falismo ou, posterior-<br />

mente, <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de-era a <strong>da</strong> importân-<br />

cia, nos histéricos, <strong>da</strong> falta de a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de,<br />

oscilando os mesmos entre o falismo edi-<br />

piano e a orali<strong>da</strong>de tempestuosa, sádica e<br />

fusio<strong>na</strong>l, coincidindo com uma particular<br />

fragili<strong>da</strong>de do Eu, no que se refere à capa-<br />

ci<strong>da</strong>de de autonomia frente ao objecto<br />

significativo e controlo estruturado do<br />

mesmo.<br />

Na a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, sabemos, o objecto é con-<br />

trolado com uma certa distância, rigidez<br />

e.. . esfincterização. O controlo do objecto<br />

libidi<strong>na</strong>lmente investido, como já dissemos,<br />

é tentado conseguir-para além do re-<br />

curso a mecanismos tipicamente fálicos -<br />

por movimentos de voraci<strong>da</strong>de exigente<br />

<strong>sobre</strong> o objecto, ou tentativas fusio<strong>na</strong>is e<br />

eimbióticas com ele, ou ingestão comun-<br />

438<br />

gante <strong>da</strong>quele, ou fragmentação do Ego e<br />

do objecto (identificação projectiva, des-<br />

truindo o objecto), etc., o todo revelando<br />

um déficit <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de; ora, quando a<br />

terapia a<strong>na</strong>lítica progredia, era frequente<br />

surgirem esforços de a<strong>na</strong>lização do Eu<br />

(aliás, já M. Bouvet faz notar, no artigo<br />

que aqui temos referido, que mão admira<br />

que <strong>na</strong>s esquizofrenias e <strong>na</strong>s melancolias<br />

surjam, <strong>na</strong>s fases de cura <strong>da</strong>s crises, sin-<br />

tomas tipo obsessivo, pois aquelas duas<br />

afecções conotam-se com regressões para a<br />

fase oral e que, portanto, no caminho re-<br />

gressivo ou progressivo passaria o processo<br />

por uma “etapa a<strong>na</strong>l”); esta a<strong>na</strong>lização do<br />

Eu histérico em progresso é de tal forma<br />

significativa que, por vezes, este tipo de<br />

doentes pseudo-curam-se pela constitui-<br />

ção do que poderei chamar de formações<br />

reactivas com traços de carácter a<strong>na</strong>l, reac-<br />

tivas por serem o resultado dum apelo de-<br />

fensivo contra a incapaci<strong>da</strong>de duma mais<br />

estável organização genital do Eu- me-<br />

lhor: do jogo equilibrado e harmonioso<br />

entre o Id, Ego, Super-Ego.. . - mantendo-<br />

se o fundo de fragili<strong>da</strong>de egóica, de insta-<br />

bili<strong>da</strong>de identificativa; protegiam-se assim<br />

por uma carapaça quase caracterial, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> do seu sintonismo com o Self, cara-<br />

paça de colorido a<strong>na</strong>l e cunho manifesta-<br />

mente recém-aprendido, onde faltava aquele<br />

sabor fluente e espontâneo de c... o que o<br />

berço dá. . . D .<br />

Aliás, em troca de impressões que man-<br />

tive com o Dr. José P. Flores-ao qual<br />

presto, aqui, as minhas saudosas home<strong>na</strong>-<br />

gens, não só pelo saber como pela humani-<br />

<strong>da</strong>de e carácter-<strong>na</strong> supervisão de casos<br />

que largo tempo mantive com ele, este<br />

chamou-me a atencão precisamente para o<br />

alerta que se devia ter -e fartas vezes es-<br />

quecido- para a problemática <strong>da</strong> repres-<br />

são <strong>da</strong> fase a<strong>na</strong>l <strong>na</strong> <strong>histeria</strong>. Pessoalmente,<br />

notei-lhe, que se me assemelhava mais uma<br />

quase agenésia, por vezes, do que uma sim-<br />

ples regressão de a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do histérico.


No mesmo sentido vai o interessante ar-<br />

tigo de Evelyne Ville <strong>na</strong> Rev. Franç. Psy-<br />

clza<strong>na</strong>l. (Tomo XXXVII, Maio de 1973,<br />

n.' 3, «A<strong>na</strong>lité et Hysterie») onde é abor-<br />

<strong>da</strong>do o problema <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>na</strong> <strong>histeria</strong><br />

através do estudo do caso Dora (e ponha-<br />

mos agora de parte as reservas que têm sido<br />

ieitas ao diagnóstico posto <strong>sobre</strong> Dora).<br />

No estudo em referência, a autora come-<br />

ça por chamar a atenção para o como (tra-<br />

dução livre) «em Dora to<strong>da</strong> uma série de<br />

representações liga<strong>da</strong>s 2i fase a<strong>na</strong>l do de-<br />

senvolvimento libidi<strong>na</strong>l foram objecto <strong>da</strong><br />

repressão ou ain<strong>da</strong> (é de notar) como certas<br />

iungões habitualmente adquiri<strong>da</strong>s no de-<br />

curso <strong>da</strong> fase a<strong>na</strong>l não puderam ser inte-<br />

gra<strong>da</strong>s». E continua: «Pode parecer, 2 pri-<br />

meira vista, que Dora abordou com relativa<br />

facili<strong>da</strong>de a fase edipia<strong>na</strong>» mas


trado <strong>na</strong> tentativa de chamar a atenção<br />

para os seguintes items, de grande impor-<br />

tância <strong>na</strong> clínica psica<strong>na</strong>lítica <strong>da</strong>s <strong>histeria</strong>s:<br />

440<br />

-Não mais é possível considerar a His-<br />

teria, do ponto de vista psica<strong>na</strong>lítico,<br />

como uma psiconeurose onde a re-<br />

gressão é pouco marca<strong>da</strong>.<br />

-Uma grande parte <strong>da</strong> problemática<br />

mais significativa <strong>da</strong>s Neuroses His-<br />

téricas, está exactamente liga<strong>da</strong> 2s<br />

vicissitudes - repressão e não inte-<br />

gração - <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de.<br />

-É no campo <strong>da</strong> atenção presta<strong>da</strong> a<br />

estas mesmas vicissitudes <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li-<br />

<strong>da</strong>de - com a correspondente fragi-<br />

lização <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de controlo <strong>da</strong><br />

distância, do Eu - que se joga uma<br />

parcela importantíssima, tanto <strong>da</strong><br />

compreensão teórica, como <strong>da</strong> tera-<br />

pia a<strong>na</strong>lítica <strong>da</strong> Histeria.<br />

- Frequentemente, ain<strong>da</strong> no presente <strong>da</strong><br />

prática psica<strong>na</strong>lítica, não é prestado<br />

o devido valor às facetas <strong>da</strong> a<strong>na</strong>li-<br />

<strong>da</strong>& histérica, com consequências<br />

bastante desagradáveis.<br />

Quanto aos outros aspectos, respeitantes<br />

tanto sintomatologia, como ao comporta-<br />

mento íntimo mas não ape<strong>na</strong>s, quer do<br />

doente estabilizado como tal, como <strong>na</strong>s os-<br />

cilações <strong>da</strong> cura, bem como às necessi<strong>da</strong>des<br />

e tipo de virtuosismo técnico, que a pro-<br />

blemática a<strong>na</strong>l <strong>da</strong> <strong>histeria</strong> levanta, podere-<br />

mos reservá-las para um outro eventual e<br />

futuro escrito <strong>sobre</strong> o tema.

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