13.07.2015 Views

Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...

Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...

Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> realizada sob aorientação <strong>do</strong> Professor Doutor Emílio Salgueiro,apresentada <strong>no</strong> ISPA – Instituto Universitáriopara a obtenção <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> Mestre naespecialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Psicologia Clínica.I


Bor<strong>de</strong>rlineD'une naissance <strong>no</strong>n désirée,L'enfant rejet <strong>de</strong> son enfance,Lutte féroce à se faire aimer,Guerre à finir dans tous les sens...Être construit <strong>de</strong> dualités,Précarité du bien et du mal,Du positif ou négatif <strong>de</strong> ses côtés,Résultante d'une survie animale...Le cœur battant à fleur <strong>de</strong> peau,L'amour et le rejet qui dansent,L'aban<strong>do</strong>n mère <strong>de</strong> tous les maux,Boucle infinie <strong>de</strong> la même souffrance...Idéalisation <strong>de</strong> l'autre par le bon,Dévalorisant celui-ci du mauvais,L'objet d'amour tournant en rond,Cicatrices d'une peau pansée <strong>de</strong> plaies...Comment accoucher <strong>de</strong> cette <strong>do</strong>uleur?Comment choisir la renaissance?Comment teinter cette vie <strong>de</strong> mille couleurs?Voilà le beau défi <strong>de</strong> la bor<strong>de</strong>rline!!!Be<strong>no</strong>ît (s/d)II


Agra<strong>de</strong>cimentosAo Professor Dr. Emílio Salgueiro, orienta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> palavras, momentos e <strong>de</strong>cisões,incentivo constante à auto<strong>no</strong>mia e à superação <strong>de</strong> cada obstáculo e fomenta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> umespírito incansável <strong>de</strong> vencer sobre a adversida<strong>de</strong>.Aos professores, tutores e mestres académicos, <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> próximo e remoto,sen<strong>do</strong> injusta a omissão <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les, é necessária a referência aos que, <strong>de</strong> algumaforma, se prestaram como exemplo <strong>de</strong> ser huma<strong>no</strong> e como gentis ensina<strong>do</strong>res,contribuin<strong>do</strong> para o aprofundar das raízes <strong>do</strong> conhecimento e a curiosida<strong>de</strong> daaprendizagem constante <strong>no</strong> ISPA, <strong>no</strong>meadamente, o Professor Pedro Aleixo, a ProfessoraTeresa Aleixo, a Professora Antónia Carreiras, e, pela sua disponibilida<strong>de</strong> inestimável, aProfessora Glória Ramalho e o Professor António Pires.À Professora Dr.ª Maria Filomena Gaspar, da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Psicologia e Ciências daEducação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, por gentilmente ter acedi<strong>do</strong> colaborar, ao conce<strong>de</strong>rinstrumentos <strong>de</strong> investigação preciosos ao presente projecto.À Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, primeiro olhar sobre aexperiência clínica, para sempre refúgio contentor, um profun<strong>do</strong> agra<strong>de</strong>cimento, nãoesquecen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os que <strong>de</strong>la fazem parte, e um carinho muito especial aos que seimplicaram particularmente neste projecto, sorrin<strong>do</strong> com as minhas alegrias e encorajan<strong>do</strong>menas minhas dificulda<strong>de</strong>s. Um agra<strong>de</strong>cimento particular à Dr.ª Patrícia Silva e à Dr.ª RosaEsquina pelo carinho e constante disponibilida<strong>de</strong> e à Dr.ª Vera Ramos que <strong>de</strong> várias formascolaborou nesta investigação e com paciência assistiu ao brilho <strong>do</strong>s meus olhos peranteuma tema que <strong>no</strong>s é tão caro.À minha orienta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> estágio, Dr.ª Inês Figueire<strong>do</strong>, farol que guiou os primeirospassos na clínica e que calorosamente cui<strong>do</strong>u das minhas incertezas, assistin<strong>do</strong> eparticipan<strong>do</strong> com um sorriso nas minhas conquistas, e cujas preciosas <strong>de</strong>dicação edisponibilida<strong>de</strong> foram uma constante.Às crianças e respectivas famílias que amavelmente conce<strong>de</strong>ram a sua boa vonta<strong>de</strong>,e com a sua participação ace<strong>de</strong>ram em contribuir com aquilo que são para aumentar oconhecimento acerca da saú<strong>de</strong> mental na infância.Aos colegas <strong>de</strong> Seminário <strong>de</strong> Dissertação, entre os quais verda<strong>de</strong>iras amigasencontrei, pela partilha e disponibilida<strong>de</strong> não só para a Ana-Investiga<strong>do</strong>ra, masprincipalmente para a Ana-Pessoa, com particular ternura e gratidão, Manuela e Tatiana.Família é pilar, é o porto seguro a que <strong>de</strong>sejamos recorrer em momentos <strong>de</strong>celebração e <strong>de</strong> tormenta. À minha família a gratidão e o amor por compreen<strong>de</strong>rem eincentivarem o meu projecto <strong>de</strong> vida.A to<strong>do</strong>s (e são muitos os que aqui se incluem) os que <strong>de</strong> alguma forma, directa eindirectamente, contribuíram para a realização <strong>de</strong>sta investigação, o meu reconhecimento,muito, muito obriga<strong>do</strong>.III


ResumoA Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> na infância é uma das patologias com maiorseverida<strong>de</strong> clínica, complexida<strong>de</strong> diagnóstica e <strong>de</strong>safio terapêutico. Diversas característicaspatog<strong>no</strong>mónicas têm vin<strong>do</strong> a ser enumeradas, bem como factores etiopatogénicos,encontran<strong>do</strong>-se entre eles as perturbações <strong>familiar</strong>es e parentais. Fruto das lacunas <strong>de</strong>investigação na área da infância, particularmente na fase <strong>de</strong> latência, e dada a ênfasepatog<strong>no</strong>mónica nas primeiras relações objectais, foi objectivo <strong>de</strong>sta investigação analisar aetiopatogenia <strong>do</strong> funcionamento limite da criança e compreen<strong>de</strong>r a sua percepção acerca dadinâmica <strong>familiar</strong>, bem como as representações parentais e os processos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>.O presente estu<strong>do</strong> tem uma estrutura qualitativa e um carácter exploratório, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> três crianças e respectivas famílias, recorren<strong>do</strong> a meto<strong>do</strong>logiasprojectivas e instrumentais, numa lógica <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>, procuran<strong>do</strong> alcançar umconhecimento profun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s e, a um nível mais global, <strong>do</strong> funcionamentointer<strong>no</strong> e <strong>familiar</strong> das crianças com um funcionamento bor<strong>de</strong>rline. Verificaram-se padrões<strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> problemáticos, inconsistentes e com falhas ao nível <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>, da funçãoreflexiva e <strong>do</strong> suporte afectivo, sen<strong>do</strong> a representação que estas crianças constroem acercada sua família percebida como emocionalmente intensa, instável, confusa, inconsistente epouco contingente, com fronteiras interpessoais disfuncionais, marcada por sentimentos erepresentações ambivalentes em relação aos membros da família, <strong>no</strong>meadamente face aosimagos parentais (i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s a rejeitantes). <strong>Na</strong> dinâmica interna <strong>de</strong>stacam-se importantesfragilida<strong>de</strong>s narcísicas, núcleos <strong>de</strong>pressivos significativos, dificulda<strong>de</strong>s ao nível <strong>do</strong>sprocessos <strong>de</strong> mentalização, angústias <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> e perda <strong>do</strong> objecto e relações <strong>de</strong> objecto<strong>de</strong> tipo anaclitico.Palavras-chave: Bor<strong>de</strong>rline, latência, representações parentais, dinâmica <strong>familiar</strong>.IV


AbstractThe Bor<strong>de</strong>rline Personality Organization in childhood is one of the pathologies withgreater clinical severity, complexity diag<strong>no</strong>stic and therapeutic challenge. Severalpathog<strong>no</strong>monic features have been listed, as well as etiopathogenic factors, laying amongthem the <strong>familiar</strong> and parental disor<strong>de</strong>rs. As a result of the research gaps on childhood,particularly in the latency phase, and given the pathog<strong>no</strong>monic emphasis in the firstobjectal relationships, the goal of this investigation was to analyze the pathogenesis ofbor<strong>de</strong>rline personality of the child and un<strong>de</strong>rstand their perception of family dynamics aswell as parental representations and processes of parenting. This study has a qualitative an<strong>de</strong>xploratory structure, based on the case study of three children and their families, usingcomplementarily projective and instrumental methods, in or<strong>de</strong>r to achieve a thoroughun<strong>de</strong>rstanding of the particular cases, and, in a general framework, the individual and<strong>familiar</strong> functioning of children with a bor<strong>de</strong>rline organization. The results <strong>de</strong>monstratedpatterns of problematic parenting, with inconsistencies and failures in care system,emotional support and reflective function. The families are perceived by the children asemotionally intense, unstable, confusing, inconsistent and with dysfunctional interpersonalboundaries, marked by ambivalent feelings about family members, especially the parentalrepresentations (both i<strong>de</strong>alized and resentful). In internal dynamics of this children standsout the important narcissistic weaknesses and significant <strong>de</strong>pressive core, limitedsymbolization-reflectiveness capacity, insecure attachment relationships, anguish ofaban<strong>do</strong>nment and object loss, and anaclitic object relations.Key-words: Bor<strong>de</strong>rline, latency, parental representations, family dynamics.V


ÍndiceIntrodução 1Enquadramento teórico 3Meto<strong>do</strong>logia 14Delineamento 14Participantes 14Procedimento 15Instrumentos 16Children’s Apperception Test – animal version 17Desenhos 17Family Relations Test 18Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s pais (EMBU-C) 21Questionário <strong>de</strong> estilos e dimensões parentais 22Questionário <strong>de</strong> práticas parentais 32Questionário <strong>de</strong> coparentalida<strong>de</strong> 23Escala <strong>de</strong> preocupações parentais 24Resulta<strong>do</strong>s 24Tabelas <strong>de</strong> síntese <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s provenientes da análise <strong>do</strong>s casos investiga<strong>do</strong>sempiricamente 25Breve apresentação <strong>do</strong>s casos 27Caso Afonso 27Caso João 30Caso Tomás 35Resulta<strong>do</strong>s globais 38Crianças 38Pais 41Discussão 44Conclusão 58VI


Referências bibliográficas 59VII


Índice <strong>de</strong> AnexosAnexo A - Tabela <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s empíricos 70Anexo B - Estu<strong>do</strong> sobre os instrumentos 77Anexo C - Descrição <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong> Utiliza<strong>do</strong> 82Anexo D - Criteria for Bor<strong>de</strong>rline Disor<strong>de</strong>r in Children (Bemporad et al, 1982) 84Anexo E - Critérios Diagnósticos para Perturbação Esta<strong>do</strong>-Limite <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> -DSM-IV-TR (APA, 2002) 86Anexo F - Consentimento informa<strong>do</strong> 87Anexo G – Guião <strong>de</strong> entrevista – crianças 89Anexo H – Guião <strong>de</strong> entrevista – pais 90Anexo I – Questionário <strong>de</strong> caracterização sócio-<strong>de</strong>mográfica 91Anexo J- Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (versão mãe) 94Anexo K - Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (versão pai) 97Anexo L - Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> 100Anexo M - Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais 101Anexo N - Questionário <strong>de</strong> Práticas Parentais 102Anexo O - Escala da Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo <strong>do</strong>s Pais – EMBU-C 107Anexo P - Descrição das mensagens que compõem a forma B <strong>do</strong> Teste das RelaçõesFamiliares 109Anexo Q - Análise <strong>do</strong>s Casos 1121. AfonsoHistória clínica 112Ge<strong>no</strong>grama 115Observação geral 115Entrevista 116Desenho livre 1181º Desenho da figura humana 120VIII


2º Desenho da figura humana 123Auto-retrato 125Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanFamília imaginária 128Família real 131Children’s Apperception Test – protocolo e análise 134Family Relations Test – resulta<strong>do</strong>s e análise 145Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre os estilos educativos <strong>do</strong>s pais (EMBU-C) 148Análise da entrevista aos pais 149Transcrição da entrevista aos pais 152Resulta<strong>do</strong>s individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19) 1732. JoãoHistória clínica 179Ge<strong>no</strong>grama 184Observação geral 184Entrevista 185Desenho livre 1861º Desenho da figura humana 1882º Desenho da figura humana 191Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanFamília imaginária 193Família real 196Children’s Apperception Test – protocolo e análise 199Family Relations Test – resulta<strong>do</strong>s e análise 206Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre os estilos educativos <strong>do</strong>s pais (EMBU-C) 208Análise da entrevista aos pais 209Transcrição da entrevista aos pais 211IX


Resulta<strong>do</strong>s individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19) 2223. TomásHistória clínica 226Ge<strong>no</strong>grama 227Observação geral 227Entrevista 228Desenho livre 2291º Desenho da figura humana 2312º Desenho da figura humana 234Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanFamília real 238Children’s Apperception Test – protocolo e análise 239Family Relations Test – resulta<strong>do</strong>s e análise 248Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre os estilos educativos <strong>do</strong>s pais (EMBU-C) 251Análise da entrevista aos pais 252Transcrição da entrevista pais 254Resulta<strong>do</strong>s individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19) 270Anexo R - Resulta<strong>do</strong>s globais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19) 274Lista <strong>de</strong> tabelas:Tabela 1. Análise da dinâmica intrapsíquica <strong>do</strong>s casos investiga<strong>do</strong>s 25Tabela 2. Análise <strong>do</strong>s factores etiopatogénicos (Keinänen, 2012), da dinâmica <strong>familiar</strong> e dasrepresentações parentais na Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> 26X


IntroduçãoO ambiente <strong>familiar</strong> é comumente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s maiores factores <strong>de</strong>socialização para gran<strong>de</strong> parte das crianças (Johnson, Cohen, Chen, Kasen & Brook, 2006). Umavez que os pais <strong>de</strong>sempenham um papel primordial na socialização precoce da criança, asperturbações <strong>de</strong> socialização evi<strong>de</strong>nciadas por indivíduos com perturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>po<strong>de</strong>m ser resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s ao nível das relações intra<strong>familiar</strong>es, incluin<strong>do</strong> problemas <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong>.A instabilida<strong>de</strong> emocional e a inconstância objectal que verificamos em crianças comOrganização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> (O.B.P.) manifestam-se significativamente nasdificulda<strong>de</strong>s que estas ten<strong>de</strong>m a apresentar na regulação <strong>do</strong> afecto, <strong>no</strong> controlo <strong>do</strong>s impulsos e <strong>no</strong>funcionamento interpessoal. <strong>Na</strong> infância, a hesitação frequente em realizar o diagnóstico po<strong>de</strong>rápren<strong>de</strong>r-se com a labilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s processos mentais e a maleabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aparelho psíquico dacriança, mas principalmente com as dificulda<strong>de</strong>s impostas pelo colori<strong>do</strong> sintomático <strong>de</strong>stapatologia, sen<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> <strong>no</strong> contacto e na componente transfero-contratransferencial que <strong>no</strong>sapercebemos da angústia latente a estas crianças: <strong>de</strong>sprotecção, me<strong>do</strong> da perda e aban<strong>do</strong><strong>no</strong>. Oseu sistema <strong>de</strong> vinculação ten<strong>de</strong> a ser instável e oscilar entre a i<strong>de</strong>alização e a <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong>sobjectos, indican<strong>do</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong> balanceamento entre as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia eproximida<strong>de</strong>. É por isso que os “indivíduos com personalida<strong>de</strong> bor<strong>de</strong>rline po<strong>de</strong>m ser muito<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes daqueles com quem convivem, e expressan<strong>do</strong> uma cólera intensa contra os que lhesão próximos, quan<strong>do</strong> frustra<strong>do</strong>s; contu<strong>do</strong>, não conseguin<strong>do</strong> tolerar a solidão e preferin<strong>do</strong>encetar uma busca <strong>de</strong>senfreada por companhia, não importan<strong>do</strong> quão insatisfatória, a ficarem sósconsigo mesmos (Kaplan, Sa<strong>do</strong>ck & Grebb, 1997, p.694) ”, representan<strong>do</strong>, por isso, umconstante <strong>de</strong>safio aos clínicos e um frequente objecto <strong>de</strong> interesse para investiga<strong>do</strong>res.A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar investigação neste <strong>do</strong>mínio parece-<strong>no</strong>s cada vez maior.Efectivamente, os estu<strong>do</strong>s que preten<strong>de</strong>m avaliar as representações parentais e a percepção dadinâmica <strong>familiar</strong> são reduzi<strong>do</strong>s, e focam-se unicamente na adultícia, negligencian<strong>do</strong> aimportância que os relatos e as percepções infantis têm na formação <strong>de</strong>ssas mesmasrepresentações e na etiopatogenia da O.B.P., e excluin<strong>do</strong> objectivamente a fase <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo da latência. Foi, por isso, propósito <strong>de</strong>sta investigação atribuir umolhar e uma voz às crianças acerca <strong>do</strong> seu vivi<strong>do</strong> emocional e representacional e perceber, in locoos processos <strong>de</strong>senvolvimentais e patog<strong>no</strong>mónicos <strong>de</strong>sta patologia. Quan<strong>do</strong> conseguimos umolhar em profundida<strong>de</strong> sobre os padrões que se evi<strong>de</strong>nciam, os conflitos que subjazem, asinteracções que se constroem, as dinâmicas que se jogam na constelação <strong>familiar</strong>, o sofrimento1


<strong>de</strong>stas crianças torna-se claro e quase tangível, mas também a <strong>no</strong>ssa compreensão sobre o seufuncionamento aumenta e o mo<strong>do</strong> como conseguimos ajudá-las a crescer e aliviar a sua angústiatorna-se mais claro.A presente investigação <strong>de</strong>bruça-se essencialmente sobre os factores <strong>de</strong> riscopsicossociais, ainda que outros factores, como fragilida<strong>de</strong>s neurobiológicas, característicastemperamentais ou culturais, <strong>de</strong>vam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s aquan<strong>do</strong> da análise da etiopatogeniamultifactorial da O.B.P. e da discussão acerca <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Compreen<strong>de</strong>r os riscospsicossociais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um funcionamento limite revela-se <strong>de</strong> suma importância,inclusivamente <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>senvolver mo<strong>de</strong>los e méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intervenção psicoterapêuticaa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ao seu tratamento, numa perspectiva que <strong>de</strong>ve privilegiar a progressiva e eficazprevenção e promoção da saú<strong>de</strong> mental infantil.Posto isto, o projecto a <strong>de</strong>senvolver <strong>no</strong> contexto da presente investigação, <strong>de</strong>senvolvida apartir <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> exploratório, preten<strong>de</strong> ser uma reflexão, numa abordagem completa ecompreensivista, e à luz <strong>do</strong>s principais teóricos psicodinâmicos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, acerca dadinâmica <strong>familiar</strong>, com enfoque nas representações parentais e <strong>no</strong>s processos <strong>de</strong> exercício daparentalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> crianças diag<strong>no</strong>sticadas com O.B.P., <strong>no</strong> contexto das perturbações da relação<strong>familiar</strong> precoce, <strong>de</strong>signadamente na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo da latência.2


Enquadramento teóricoA construção <strong>do</strong>s elos <strong>de</strong> vinculação entre a mãe e a criança tece-se através dasinteracções mais precoces na día<strong>de</strong>, não esquecen<strong>do</strong> porém a importância prepon<strong>de</strong>rante <strong>do</strong>terceiro elemento, o pai, sen<strong>do</strong> a primeira influência o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> dar vida a um ser,produto <strong>de</strong> si mas diferencia<strong>do</strong> <strong>de</strong> ambos. A vinculação é, por isso, uma ligação <strong>de</strong> afectoespecífico e particular <strong>de</strong> um indivíduo para com outro, da qual a relação entre a mãe e o bebé éexpressão matricial, pelo que compreen<strong>de</strong>r a génese <strong>do</strong>s laços que os unem se revela fundamentalna análise etiopatogénica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das patologias da infância.A parentalida<strong>de</strong> é porventura a tarefa mais complexa e <strong>de</strong>safiante da vida adulta (Zigler,1995), constituin<strong>do</strong> os pais uma das influências mais cruciais na vida <strong>do</strong>s seus filhos, apesar dasmúltiplas fontes que actuam sobre e na criança (Bornstein, 1995). O ambiente <strong>familiar</strong> écomumente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s maiores factores <strong>de</strong> socialização para gran<strong>de</strong> parte dascrianças (Johnson et al, 2006). Neste senti<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma criança encontra-se<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> ambiente que a ro<strong>de</strong>ia, das respostas que <strong>de</strong>le provêm, mas igualmente dasinteracções que se jogam entre os intervenientes, primeiramente da relação diádica eposteriormente da tría<strong>de</strong>. O comportamento parental po<strong>de</strong>, pois, ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como o conjunto<strong>de</strong> acções encetadas pelas figuras parentais junto <strong>do</strong>s seus filhos <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> promover o seu<strong>de</strong>senvolvimento da forma mais plena possível, utilizan<strong>do</strong>, para esse fim, os recursos que dispuser(interna e externamente), <strong>de</strong>ntro e fora da família (Cruz, 2005), o qual encontra a sua expressãonum estilo próprio <strong>de</strong> exercício e representação e vivência da parentalida<strong>de</strong>. Esta <strong>de</strong>finiçãocompreen<strong>de</strong>, portanto, os cuida<strong>do</strong>s presta<strong>do</strong>s à criança, em termos <strong>de</strong> práticas parentais, a partir<strong>do</strong>s quais se pressupõe a existência <strong>de</strong> um ambiente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e estimulante ao seu<strong>de</strong>senvolvimento, e que simultaneamente proporcionem à criança um meio relacional, que,aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às suas diversas necessida<strong>de</strong>s, consiga um equilíbrio saudável entre satisfação efrustração. Assim, seria inerente ao exercício <strong>de</strong> uma parentalida<strong>de</strong> positiva a criação <strong>de</strong>condições (suficientemente boas <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> Winnicottia<strong>no</strong>) para que as crianças possam<strong>de</strong>senvolver as suas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forma o mais completa e harmoniosa possível, tanto <strong>de</strong>ntro,como fora <strong>do</strong> âmbito <strong>familiar</strong>. Diz-<strong>no</strong>s Pedro Strecht (Strecht, 2003, pg. 45) que “é através <strong>do</strong>padrão <strong>de</strong> relação precoce entre pais e filhos que se estabelece a forma como <strong>no</strong>s relacionamoscon<strong>no</strong>sco e com o que <strong>no</strong>s ro<strong>de</strong>ia. Por isso, os pais são os principais agentes da saú<strong>de</strong> emocional<strong>do</strong>s seus filhos”.Contu<strong>do</strong>, sempre que surgem factores, percepciona<strong>do</strong>s ou não, como disruptivos <strong>no</strong>âmbito sistémico da família, tais como situações e contextos que <strong>de</strong> alguma forma representam3


agentes <strong>de</strong> risco psicológico e/ou físico, o papel parental, em termos <strong>de</strong> estilos e <strong>de</strong> práticas, po<strong>de</strong>ser afecta<strong>do</strong>, alteran<strong>do</strong> toda a dinâmica <strong>familiar</strong>. A título <strong>de</strong> exemplo po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar aexistência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sequilíbrio, transitório ou caracterial e por isso mais permanente, cria<strong>do</strong>quan<strong>do</strong> a mãe e/ou o pai não compreen<strong>de</strong> os sinais emiti<strong>do</strong>s pela criança, constituin<strong>do</strong> per si umasituação <strong>de</strong> potencial vulnerabilida<strong>de</strong> psicológica.No mesmo senti<strong>do</strong>, a figura <strong>de</strong> vinculação comporta para a criança representações <strong>de</strong>segurança, <strong>de</strong> afecto, <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> física e emocional, permitin<strong>do</strong> o seu harmónico<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, afectivo e social (Bayle, 2006). Assim sen<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> há equilíbriorelacional na día<strong>de</strong>, a criança vai conquistan<strong>do</strong> as bases essenciais para <strong>de</strong>senvolver umavinculação segura. Porém, quan<strong>do</strong> a individualida<strong>de</strong> e as conquistas da criança não sãorespeitadas ou valorizadas pela mãe, e a sua aceitação como um ser autó<strong>no</strong>mo e diferencia<strong>do</strong> nãoé possível, particularmente durante a subfase <strong>de</strong> reaproximação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> separaçãoindividualizaçãopostula<strong>do</strong> por Margareth Mahler (1975), o conflito infantil <strong>de</strong> ambitendência quedita os movimentos <strong>de</strong> aproximação/afastamento <strong>do</strong> objecto anaclítico vai potenciar aemergência <strong>do</strong> conflito pulsional em tor<strong>no</strong> da agressivida<strong>de</strong> (Matos, 1994).Neste senti<strong>do</strong>, a insuficiência ou perturbação <strong>de</strong>ste processo, a par da O.B.P. <strong>do</strong> objectomater<strong>no</strong> e subsequente <strong>de</strong>pendência simbiotizante <strong>do</strong> mesmo, bem como a ausência/<strong>de</strong>missão<strong>do</strong> objecto pater<strong>no</strong>, colocariam entraves à realização das esperadas tarefas <strong>de</strong>senvolvimentais,lesan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a ambivalência afectiva face ao objecto, aconstância objectal, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da distância emocional e <strong>de</strong> diferenciação entreSelf e objecto e o crescimento psíquico autó<strong>no</strong>mo <strong>do</strong> indivíduo (Maranga, 2002). De facto,segun<strong>do</strong> Ajuriaguerra (1980), a mãe da criança bor<strong>de</strong>rline tem, por sua vez, também umaorganização <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> limítrofe, razão pela qual não tolera nem estimula o processo <strong>de</strong>separação-individualização <strong>do</strong> seu filho, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> em que quan<strong>do</strong> ele cresce toda a suaestimulação e contenção são suprimidas, originan<strong>do</strong> sentimentos <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> (<strong>de</strong>pressão limite,raiva narcísica, vazio), <strong>no</strong>s quais se verifica o pre<strong>do</strong>mínio da relação objectal <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência.Reconceptualizações recentes acerca da O.B.P. hipotetizam a existência <strong>de</strong> sérioscomprometimentos ao nível <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> vinculação os quais subenten<strong>de</strong>m profundasperturbações da relação precoce com o objecto mater<strong>no</strong> (Fossati, 2001). É este o terre<strong>no</strong> fecun<strong>do</strong>para a organização bor<strong>de</strong>rline; crianças caracterizadas pela organização <strong>de</strong>ficitária, ou mesmoinexistente, <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> pensamento e simbolização, com intercorrências <strong>de</strong> funcionamentoem processo primário, perante situações particularmente ansiogénicas, nas quais a impossibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> contenção da angústia pre<strong>do</strong>minante gera comportamentos pauta<strong>do</strong>s pela instabilida<strong>de</strong>, pelairrequietu<strong>de</strong>, bem como pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlo <strong>do</strong> impulso e da gestão da frustração.4


Em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1940, Margaret Mahler i<strong>de</strong>ntificou um grupo <strong>de</strong> crianças queapresentavam patologia <strong>do</strong> ego e das relações objectais bastante mais severa <strong>do</strong> que as quetinham um funcionamento neurótico, todavia me<strong>no</strong>s intensa <strong>do</strong> que crianças diag<strong>no</strong>sticadas comperturbações psicóticas (Meekings & O’Brien, 2004). O esta<strong>do</strong> limite constitui um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>organização psíquica da criança que se encontra entre as organizações estruturais neuróticas e osfuncionamentos psicóticos, não chegan<strong>do</strong> nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is a instalar-se na dinâmica funcionalinfantil (Palacio-Espasa, 2004), na medida em que esta conserva o contacto com a realida<strong>de</strong>porém apresentan<strong>do</strong> angústias e mecanismos <strong>de</strong>fensivos primitivos, <strong>de</strong> cariz psicótico, e comemergência <strong>do</strong> processo primário <strong>de</strong> pensamento. Efectivamente, as flutuações <strong>do</strong>funcionamento egóico e as modulações tímicas que a organização bor<strong>de</strong>rline apresenta, em vez<strong>de</strong> gerarem dúvidas <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> diagnóstico, parecem algo específico <strong>de</strong>sta organização. Nestesenti<strong>do</strong>, é precisamente a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas flutuações que, <strong>no</strong> âmbito sincrónico, <strong>no</strong>s dá conta <strong>do</strong>polimorfismo das suas manifestações clínicas e, <strong>no</strong> âmbito diacrónico, da sua alternância entrefuncionamentos psíquicos. Todavia, as crianças bor<strong>de</strong>rline nas quais surgem pontualmentepossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organização neurótica <strong>de</strong>ixam perceber uma conflitualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressiva <strong>de</strong>verasintensa, mais <strong>do</strong> que a neurotizada, revestida frequentemente por mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa maisarcaicos, <strong>de</strong>signadamente, maníacos e psicóticos (Palacio-Espasa & Dufour, 2003). Em síntese,nesta perspectiva, a infância bor<strong>de</strong>rline oscilaria entre uma organização <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong>pressivo (numpólo psíquico superior) e um funcionamento <strong>de</strong> natureza psicótica (traduzi<strong>do</strong> num pólo psíquicoinferior). Assim, a por vezes difícil tarefa <strong>de</strong> diagnóstico po<strong>de</strong>ria explicar a razão pela qual algunsautores e clínicos consi<strong>de</strong>rarem que a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> O.B.P. não <strong>de</strong>ve ser realizada antes <strong>do</strong>perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> latência (Palacio-Espasa & Dufour, 2003)Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Steiner (1990, cit. por Heimburger, 1995), o paciente bor<strong>de</strong>rlineencontra-se num esta<strong>do</strong> limítrofe entre a posição esquizo-paranói<strong>de</strong> e a posição <strong>de</strong>pressiva, sen<strong>do</strong>capaz <strong>de</strong> um grau <strong>de</strong> integração consi<strong>de</strong>rável que lhe permite realizar algum contacto consigomesmo e com os <strong>de</strong>mais, ainda que ligeiro porque intolerável para o sujeito, o que o leva àretracção sob pena da total <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> Self e/ou <strong>do</strong> objecto e da interacção vincular entre os<strong>do</strong>is. É neste senti<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>mos dizer que se situa <strong>no</strong> que une e <strong>de</strong>sune as duas linhas – a linhaneurótica e psicótica – também, por isso, <strong>de</strong>signada <strong>de</strong> organização bor<strong>de</strong>rland, conceito aprecia<strong>do</strong>por alguns teóricos (Dias, 2004) por pressupor algo muito mais flui<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>sarranjos psicopatológicos <strong>do</strong> que qualquer uma das outras linhas, um conceito mais íntegro <strong>do</strong>que a conceptualização <strong>de</strong> uma linha fronteiriça, imposta na ausência <strong>de</strong> caracteres e sintomascaracterísticos das duas estruturas <strong>de</strong><strong>no</strong>minadas.5


É uma questão <strong>de</strong> fronteira, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> André Green (1988, cita<strong>do</strong> por Heimburger, 1995),<strong>de</strong> uma terra <strong>de</strong> ninguém, um campo cujos limites são vagos e in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s. Porém, parece-<strong>no</strong>sque <strong>no</strong> caso bor<strong>de</strong>rline, o limite não é uma linha, é, ele próprio, um território, já que, comopreconiza Winnicott, <strong>de</strong> cada vez que se divi<strong>de</strong> um espaço em <strong>do</strong>is, atribuin<strong>do</strong> a cada um <strong>de</strong>lescaracterísticas e proprieda<strong>de</strong>s antagónicas, mutuamente exclusivas, cria-se um terceiro espaço, najunção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, uma área intermédia, local on<strong>de</strong> se produzem os fenóme<strong>no</strong>s transitivos. É esta aárea inóspita <strong>do</strong> indivíduo bor<strong>de</strong>rline.Rey (s/d, cita<strong>do</strong> por Heimburger, 1995) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um dilema claustroagorofóbico,na medida em que <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> objecto o individuo se sente comprimi<strong>do</strong>, apavora<strong>do</strong>pela ameaça per<strong>de</strong>r a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e fora está permanentemente aterroriza<strong>do</strong>, angustia<strong>do</strong> pelo<strong>de</strong>samparo da solidão, da não-existência <strong>no</strong> outro, pelo outro e através <strong>do</strong> outro, nãoencontran<strong>do</strong> um local on<strong>de</strong> possa existir perpetuamente a salvo, pelo que tem <strong>de</strong> se situar <strong>no</strong>limbo, <strong>no</strong> espaço-fronteira que lhe confere alguma sobrevivência.Para<strong>do</strong>xalmente, a criança bor<strong>de</strong>rline aparenta uma certa estabilida<strong>de</strong> ainda que <strong>no</strong>contexto instável que a caracteriza, permeada por tantas intercorrências <strong>de</strong> funcionamento emprocesso primário <strong>de</strong> pensamento, miscelânea <strong>de</strong> alguma forma coerente <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> almadíspares e aparentemente inconciliáveis. Esta estabilida<strong>de</strong>, não mais <strong>do</strong> que pretensa, baseia-se,pois, na conservação <strong>de</strong> um núcleo central <strong>do</strong> Self, o qual não se encontra na íntegrapsicoticamente submerso na confusão com os objectos. Dada a fragilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objecto inter<strong>no</strong>,este âmago <strong>do</strong> Self é senti<strong>do</strong> e percebi<strong>do</strong> como o único alia<strong>do</strong> seguro e dig<strong>no</strong> <strong>de</strong> confiança, emuitas das ansieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stes indivíduos pren<strong>de</strong>m-se precisamente com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>conservação <strong>de</strong>ste núcleo, o qual possibilita a sobrevivência <strong>do</strong> Self, o que conduz a umapreocupação e a uma sobrevalorização <strong>do</strong> mesmo em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> ambos os objectos (inter<strong>no</strong>e exter<strong>no</strong>), tão característico da patologia narcísica, haven<strong>do</strong> uma inclinação <strong>do</strong> Self parai<strong>de</strong>ntificações omnipotentes com objectos bons e as suas qualida<strong>de</strong>s. Contu<strong>do</strong>, as partes<strong>de</strong>strutivas <strong>do</strong> Self po<strong>de</strong>m, igualmente, ser i<strong>de</strong>alizadas, o que se evi<strong>de</strong>ncia quan<strong>do</strong> o individuo sesente ameaça<strong>do</strong> pelo contacto com o objecto e quan<strong>do</strong> se apercebe que uma parte <strong>de</strong> si <strong>de</strong>seja a<strong>de</strong>pendência com esse objecto (Heimburger, 1995).Por outro la<strong>do</strong>, esta tendência para<strong>do</strong>xal para a estabilida<strong>de</strong> latente ao polimorfismosintomático po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se dada a correlação entre a polissemia, coexistência da variabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> sintomas da organização, e os acontecimentos <strong>de</strong> vida, bem como a conservação da prova darealida<strong>de</strong>, conferin<strong>do</strong> uma aparente coerência e uma pseu<strong>do</strong>-estabilida<strong>de</strong> à organização (Dias,2004).6


Por conseguinte, observamos que a clivagem, particularmente a patológica, e a projecçãosão recursos <strong>de</strong>fensivos frequentes e <strong>de</strong> utilização maciça, característicos da primeira posição <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento psicológico postula<strong>do</strong> por Melanie Klein (1952/1987), intensamenteacompanha<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>fesa pela i<strong>de</strong>ntificação projectiva. Uma das consequências mais gravosas <strong>do</strong>uso hiperboliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>fesas é a confusão entre Self e objecto, isto é, o que é que diz respeitoao Self e o que pertence ao objecto. Esta falta <strong>de</strong> distinção clara é igualmente uma característicafundamental da organização bor<strong>de</strong>rline, manifestan<strong>do</strong>-se pela dificulda<strong>de</strong> em diferenciar<strong>de</strong>ntro/fora, realida<strong>de</strong>/fantasia, bom/mau, eu/outro (Heimburger, 1995), revela<strong>do</strong>ra da suaincapacida<strong>de</strong> em ace<strong>de</strong>r à integração <strong>de</strong> um objecto total, íntegro, dig<strong>no</strong> <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>próprio, reunin<strong>do</strong> em si o que há experiencialmente <strong>de</strong> agradável e <strong>de</strong>sagradável, eemocionalmente <strong>de</strong> bom e mau <strong>no</strong> objecto (Sá, 2007).Nestes indivíduos com Organização Limite, constatamos que a passagem <strong>do</strong>funcionamento bidimensional, que pressupõe uma qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relação narcísica com o objecto,para o funcionamento tridimensional, que implica a separação <strong>do</strong> Self face ao objecto, é sentidacomo uma ameaça traumática, como uma mutilação psíquica, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> umaintensa angústia <strong>de</strong> separação e perda (Alexandre, 2007). Efectivamente, se pensarmos que aangústia <strong>do</strong>minante <strong>no</strong>s arranjos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>-limite é uma angústia <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> objecto e <strong>de</strong><strong>de</strong>pressão (primária, segun<strong>do</strong> Ferreira, 1990/2002) que diz respeito a uma vivência passadainfeliz, insuficiente, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> narcísico, constatamos, ainda assim, que esta é concomitante comuma representação centrada sobre um futuro melhor, tingi<strong>do</strong> <strong>de</strong> esperança, <strong>de</strong> salvamento,investida na relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência com o outro (Bergeret, 1998). Sen<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> mais nada umapatologia <strong>do</strong> narcisismo, e estan<strong>do</strong> o Ego impossibilita<strong>do</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r a uma relação <strong>de</strong> objectogenital, parece-<strong>no</strong>s que a criança permaneceu centrada sobre uma <strong>de</strong>pendência anaclítica aooutro, já que o perigo contra o qual se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o esta<strong>do</strong>-limite é essencialmente a <strong>de</strong>pressão.Como supramenciona<strong>do</strong>, ao consi<strong>de</strong>ramos a etiopatogenia <strong>de</strong>sta organização não épossível ig<strong>no</strong>rar a vivência patológica da primeira infância e as perturbações da relação precoce.Kernberg (1975) ligou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma O.B.P. a disfunções na fase <strong>de</strong> reaproximação<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> separação-individualização teoriza<strong>do</strong> <strong>no</strong> âmbito das relações <strong>de</strong> objecto <strong>de</strong>Margareth Mahler (1971) nas suas observações <strong>de</strong> interacções precoces mãe-bebé, daí quepossamos dizer que “os pacientes bor<strong>de</strong>rline encontram-se a reviver constantemente uma criseinfantil precoce na qual temem que o afastamento ou a separação da mãe implique o seu<strong>de</strong>saparecimento ou aban<strong>do</strong><strong>no</strong>” (Gabbard, 1998, pg. 324). Falta, às crianças bor<strong>de</strong>rline, acapacida<strong>de</strong> para internalizar a gratificação, visto que elas não conseguiram a constância objectal,isto é, a integração da representação <strong>de</strong> uma mãe suficientemente boa (Kernberg, 2003).7


De facto, padrões <strong>familiar</strong>es disfuncionais, <strong>no</strong>s quais persiste o abuso emocional dacriança, <strong>no</strong> âmbito das diversas formas <strong>de</strong> agressão e violência na infância, são avalia<strong>do</strong>s comoum <strong>do</strong>s mais prevalentes e consistentes factores patog<strong>no</strong>mónicos da personalida<strong>de</strong> limítrofe (Carr& Francis, 2009), verifican<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>signadamente significativas associações a acontecimentos <strong>de</strong>vida negativos e traumáticos (Liotti & Pasquini, 2000). A literatura <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, efectivamente, quecrianças que crescem em ambientes <strong>de</strong> abuso, mau trato ou negligência não são capazes <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver um ple<strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> constância <strong>de</strong> objecto, da<strong>do</strong> que não conseguem confiar,primeiramente na figura cuida<strong>do</strong>ra, dada a sua inconstância, da mesma forma que não ace<strong>de</strong>m àpercepção <strong>de</strong> que este cuida<strong>do</strong>r, mesmo não estan<strong>do</strong> próximo, irá recordar-se <strong>de</strong>le e permanecerem si – prevalecen<strong>do</strong> a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar só (Sá, 2007).Parece igualmente que este/a cuida<strong>do</strong>r/a não é congruente e consistente na relação com acriança e face às suas necessida<strong>de</strong>s emocionais. Lineham (1993, cita<strong>do</strong> por Danielson, 2009)<strong>de</strong>screveu o ambiente <strong>no</strong> qual estas crianças cresceram como “invalidante”, não ensinan<strong>do</strong> acriança a organizar e categorizar as experiências internas, incluin<strong>do</strong> emoções, a representar e asimbolizar o vivi<strong>do</strong> emocional. De facto, a O.B.P. foi, por muitos autores, concebida como acondição resultante <strong>de</strong> uma vinculação insegura, com extremas oscilações entre aproximação eafastamento, alteran<strong>do</strong> entre o <strong>de</strong>sejo e o anseio por laços afectivos seguros e um temor e umevitamento <strong>de</strong>ssa mesma proximida<strong>de</strong> (Sable, 1997). Fonagy e colabora<strong>do</strong>res (1995, cit. porAgrawal et al, 2004) postulam que a criança é mais capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma vinculação segurase os seus cuida<strong>do</strong>res têm bem <strong>de</strong>senvolvida a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflectir acerca <strong>do</strong>s própriospensamentos e sentimentos, sobre os conteú<strong>do</strong>s da sua mente e da <strong>de</strong> outros. Efectivamente, estavinculação segura promove, por sua vez, a capacida<strong>de</strong> empática da criança, que a torna sensívelao que se passa com os que a ro<strong>de</strong>iam, aos seus conteú<strong>do</strong>s emocionais e cognitivos.Contrariamente, a criança bor<strong>de</strong>rline revela uma parca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar estas representaçõesacerca <strong>do</strong>s seus objectos primordiais, <strong>de</strong>signadamente pais ou cuida<strong>do</strong>res. Assim, a criançaprotege-se <strong>de</strong>fensivamente <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> reconhecer a hostilida<strong>de</strong> direccionada a si, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> amaltratar ou negligenciar, eventualmente proveniente <strong>de</strong>stes referentes (Agrawal et al, 2004).Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o critério <strong>do</strong> DSM-IV-TR (APA, 1996/2002) <strong>de</strong> Perturbação Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong> (P.B.P.) que postula “intenso esforço para evitar o aban<strong>do</strong><strong>no</strong> real ou imaginário”verificamos que este parece ser bastante discriminativo em relação à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>sta perturbação,confirman<strong>do</strong> a teoria <strong>de</strong> Masterson (1975), a qual afirma que o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> é um factorcentral <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da O.B.P.. O me<strong>do</strong> e a intolerância <strong>de</strong> estar sozinho provocam, porconseguinte, comportamentos como a procura <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> e apego, os quais são8


concomitantes com o comportamento manifesto <strong>no</strong> tipo <strong>de</strong> vinculação inseguro ansiosoambivalente<strong>de</strong>scrito por Ainsworth (Gun<strong>de</strong>rson, 1996).<strong>Na</strong> conceptualização <strong>de</strong> Fonagy e associa<strong>do</strong>s (1995) esta capacida<strong>de</strong> diminuta para realizare possuir representações internas <strong>do</strong>s sentimentos e pensamentos, quer <strong>do</strong> Self quer <strong>do</strong>s objectos,está na epigénese <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da constelação sintomática da organização limite, incluin<strong>do</strong> ainstável percepção <strong>do</strong> Self (difusão i<strong>de</strong>ntitária), a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentalização e simbolização <strong>do</strong>vivi<strong>do</strong> emocional e experiencial, a impulsivida<strong>de</strong> e a tendência <strong>de</strong> passagem ao acto – auto ehetero-agressiva – e os sentimentos crónicos <strong>de</strong> vazio e aban<strong>do</strong><strong>no</strong>. Helen Deutsch (1942) fala<strong>no</strong>sda imaturida<strong>de</strong>, da superficialida<strong>de</strong>, da maleabilida<strong>de</strong> e da labilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sujeitos,postulan<strong>do</strong> aquilo que <strong>de</strong>sig<strong>no</strong>u por as if personality, chaman<strong>do</strong> a atenção para a difusão i<strong>de</strong>ntitáriacomummente encontrada, bem como para a <strong>de</strong>terioração das i<strong>de</strong>ntificações, acompanhada danão integração das partes <strong>do</strong> Self e <strong>do</strong> objecto, o qual sofre <strong>de</strong> uma total falta <strong>de</strong> empatia porparte <strong>do</strong> sujeito (Dias, 2004).Relativamente ao objecto primário, comummente a mãe, verificam-se lacunas na criação<strong>de</strong> um espaço dual <strong>de</strong> rêverie, contentor e organiza<strong>do</strong>r da experiência psíquica, representativo dafunção alfa <strong>de</strong> transformação e amenização das angústias emergentes, coexistin<strong>do</strong>conflituosamente o libidinal e o agressivo e, concomitantemente, os princípios <strong>do</strong> prazer e darealida<strong>de</strong> (Sá, 2007). Po<strong>de</strong>, igualmente, existir uma falta <strong>de</strong> ligação ou uma excessivasimbiotização (Heimburger, 1995) com esta figura primária <strong>de</strong> relação. Uma investigação <strong>de</strong>Aaronson e colabora<strong>do</strong>res (2006), procuran<strong>do</strong> comparar os estilos <strong>de</strong> vinculação <strong>de</strong> indivíduoscom P.B.P. e com Perturbação <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> Obsessivo-Compulsiva, verificou que o grupo<strong>de</strong> indivíduos com P.B.P. apresentou resulta<strong>do</strong>s mais eleva<strong>do</strong>s nas dimensões <strong>de</strong> procuracompulsiva <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e atenção e sentimentos <strong>de</strong> retirada com agressivida<strong>de</strong>/raiva. Ainvestigação confirma também <strong>de</strong>scobertas anteriores <strong>de</strong> que os indivíduos com P.B.P. possuempadrões perturba<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vinculação, mas igualmente que o seu padrão inseguro os diferencia nãosó <strong>de</strong> outros indivíduos sem perturbação <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> como também <strong>de</strong> outros com outrasperturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, constituin<strong>do</strong>-se como um importante factor discriminativo.Também West e colabora<strong>do</strong>res (1993) sugerem que indivíduos com P.B.P. oscilam entre umaintensa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e afecto e um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> raiva. Melges e Swartz (1989) verificaram,igualmente, que o eleva<strong>do</strong> nível <strong>de</strong> insegurança na vinculação <strong>de</strong> indivíduos com P.B.P. leva auma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência da figura <strong>de</strong> vinculação, sen<strong>do</strong> que, quan<strong>do</strong> algo interfere com essa<strong>de</strong>pendência, verifica-se um padrão <strong>de</strong> resposta marca<strong>do</strong> por raiva e retirada. Estas formulaçõessão consistentes com a perspectiva <strong>de</strong> Kernberg <strong>de</strong> que os indivíduos com P.B.P. nãoconseguiram realizar a constância objectal, isto é, a capacida<strong>de</strong> consistente <strong>de</strong> sentir-se liga<strong>do</strong> ou9


vincula<strong>do</strong> ao presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s através da internalização <strong>de</strong> uma representação estável <strong>de</strong>ssafigura (Kernberg, 1989).A literatura parece consensual ao afirmar que é frequente encontrar interacçõespatológicas nas famílias <strong>de</strong> crianças bor<strong>de</strong>rline (Kernberg et al, 2003; Schwoeri & Schwoeri, 1982;Shapiro et al, 1975), perpetuan<strong>do</strong>, a dinâmica intra<strong>familiar</strong>, o funcionamento limite, através,<strong>no</strong>meadamente, <strong>de</strong> uma forte incidência <strong>de</strong> projecções e i<strong>de</strong>ntificações projectivas <strong>no</strong> ambiente<strong>familiar</strong>, o qual, não sen<strong>do</strong> necessariamente causal é objectivamente patológico. Saphiro (1975) ecolabora<strong>do</strong>res constataram que as <strong>de</strong>fesas primitivas, como a i<strong>de</strong>ntificação projectiva e aclivagem, actuam <strong>de</strong> igual forma <strong>no</strong> grupo <strong>familiar</strong>, levan<strong>do</strong> a situações nas quais, por exemplo, acriança assumiria o papel <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s pais, assumin<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s pais o papel da criança. Esta teria,por sua vez, <strong>de</strong> modificar a sua experiência objectiva <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as dinâmicas projectivas,sen<strong>do</strong> comprometida a formação <strong>do</strong> ego pela clivagem e pelas projecções e fican<strong>do</strong> a criançaincapaz <strong>de</strong> tolerar a ansieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais ou a sua própria (Shapiro et al, 1975). Paulina Kernberg ecolabora<strong>do</strong>res <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que se verifica uma “ansieda<strong>de</strong> relacionada com o apoio à auto<strong>no</strong>mia dacriança e uma negação da sua <strong>de</strong>pendência. Os pais po<strong>de</strong>m utilizar a criança <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong>narcísico, sen<strong>do</strong> as relações diádicas entre a criança e um <strong>do</strong>s progenitores prepon<strong>de</strong>rante”(Kernberg et al, 2003, pg. 165). A natureza caótica e <strong>de</strong>sorganizada da interacção entre pais ecriança po<strong>de</strong> coexistir com comportamentos <strong>de</strong> atenção e protecção inconsistentes (Bemporad etal, 1982).Uma revisão <strong>de</strong> Keinänen e colabora<strong>do</strong>res (2012) realizada <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rquais os factores <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> psicossocial mais assinala<strong>do</strong>s em artigos teóricos e <strong>de</strong>investigação empírica postula que os que granjeiam maior correlação em termos da etiopatogenia<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> organização são os seguintes: história <strong>de</strong> maus-tratos, traumas e separações nainfância (<strong>no</strong>s quais são compreendi<strong>do</strong>s episódios <strong>de</strong> violência psicológica e física, incluin<strong>do</strong>sexual), história <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> problemática durante a infância, manifestação <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong>vinculação inseguro, tendência a <strong>de</strong>monstrar um padrão <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> objecto hostis ounegativas e apresentação <strong>de</strong> uma diminuta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentalização e representação mental esimbólica. Desempenhan<strong>do</strong>, os pais um papel primordial na socialização precoce da criança, asperturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s ao nível das relaçõesintra<strong>familiar</strong>es, das quais se incluem problemas <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, diversos estu<strong>do</strong>sempíricos sustentam que existe uma associação entre parentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorável e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> perturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> em geral, e particularmente <strong>de</strong> O.B.P.(Ban<strong>de</strong>low et al., 2005). A literatura <strong>de</strong>staca, consensualmente, os casos <strong>no</strong>s quais se verifica aexistência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos <strong>familiar</strong>es, principalmente psicopatologia parental10


(Bradley, 2005; Meekings & O’Brien, 2004; Trull, 2000a; Trull 2000b; Weiss et al, 1996), a qualtem um sério impacto na interacção estabelecida com a criança, e a percepção <strong>do</strong> ambiente<strong>familiar</strong> como hostil, confuso e negativo (Gun<strong>de</strong>rson & Lyoo, 1997). A percepção <strong>de</strong> sobreenvolvimentoe inconsistência mater<strong>no</strong>s e a ausência ou indisponibilida<strong>de</strong> (afectiva e/ou efectiva)da figura paterna enquanto factores <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> analisa<strong>do</strong>s conjuntamente verificaram-se,igualmente, como importantes preditores <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da O.B.P. (Bezirganian et al.,1993), bem como maior o sobre-envolvimento parental negativo (Rinsley, 1981; Soloff &Millward, 1983; Torgersen & Alnaes, 1992), a inconsistência <strong>no</strong>s cuida<strong>do</strong>s e práticas parentais(Zanarini et al., 2000), a existência <strong>de</strong> separações traumáticas (Zanarini et al, 1989 & Zanarini etal, 1997), <strong>de</strong> negligência emocional (Johnson, et al, 2000; Zweig-Frank & Paris, 1991) e <strong>de</strong>acontecimentos traumáticos (Fonagy et al, 2003; Goldman et al, 1992; Newman et al, 2007; Ogataet al, 1990; Zelkowitz et al, 2001).O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Johnson e colabora<strong>do</strong>res (2006), por exemplo, estabelece a associação entreperturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e tipos <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> <strong>de</strong>z estilos <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong> particularmente problemáticos associa<strong>do</strong>s a perturbações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>verificadas na adultícia. Os autores verificaram que o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma perturbação <strong>de</strong>personalida<strong>de</strong> aumenta consistentemente em função <strong>do</strong> número <strong>de</strong> comportamentos <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong> problemática (cumulativamente) manifestos. No caso particular <strong>do</strong> funcionamentolimiteencontraram-se associações significativas em relação às dimensões <strong>de</strong> reduzi<strong>do</strong> afectoparental e comportamentos aversivos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>; resulta<strong>do</strong>s que vêm confirmar umarelação entre <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> estratégias parentais, subenten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se as práticas e estilosparentais, e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> O.B.P..No que concerne à percepção da dinâmica <strong>familiar</strong>, a investigação <strong>de</strong> Kirsten ecolabora<strong>do</strong>res (2006), realizada a partir da análise <strong>de</strong> três estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso, indica que indivíduoscom um funcionamento limite percebem as relações <strong>familiar</strong>es como instáveis e emocionalmenteintensas, marcadas por sentimentos e representações ambivalentes em relação aos membros dafamília, por interacções sentidas como abusivas e por fronteiras interpessoais disfuncionais. Nosrelatos foram também salientes dimensões relacionadas com a existência <strong>de</strong> regras rígidas,sistemas <strong>de</strong> comunicação ineficazes, falhas ao nível <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> e <strong>do</strong> suporte afectivo, bem comopadrões <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> problemáticos. Efectivamente, as famílias <strong>de</strong> pacientes com P.B.P.parecem ser me<strong>no</strong>s afectuosas, coesas e expressivas e evi<strong>de</strong>nciar padrões <strong>de</strong> relacionamento maisconflituais e controla<strong>do</strong>res (Weaver, 1993).Por conseguinte, a presente investigação <strong>de</strong>bruça-se essencialmente sobre os factores <strong>de</strong>risco psicossociais, ainda se reconheça que outros factores, tais como fragilida<strong>de</strong>s11


neurobiológicas, características temperamentais ou culturais, <strong>de</strong>vam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s aquan<strong>do</strong> daanálise da etiopatogenia multifactorial da O.B.P. e da discussão acerca <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.Efectivamente, compreen<strong>de</strong>r os riscos psicossociais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma organização limiterevela-se <strong>de</strong> suma importância, inclusivamente <strong>de</strong> forma a incrementar mo<strong>de</strong>los e méto<strong>do</strong>ssustenta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intervenção psicoterapêutica a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ao seu tratamento. Posto isto, preten<strong>de</strong>useaplicar e sistematizar os conhecimentos disponíveis acerca <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> funcionamento, tantoa um nível teórico como empírico, da<strong>do</strong> que se trata <strong>de</strong> uma problemática <strong>de</strong> tamanha severida<strong>de</strong>e extensas repercussões pessoais e sociais, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> salientar a importância da intervençãoem crianças com esta organização <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, e respectivas famílias, e a fim <strong>de</strong> minimizar osofrimento psicológico <strong>de</strong> ambas, prevenin<strong>do</strong> a sua evolução na vida adulta e promoven<strong>do</strong>globalmente a saú<strong>de</strong> mental infantil.Objectivos e pertinênciaComo sugere Rey (1996), a patologia bor<strong>de</strong>rline na infância e na a<strong>do</strong>lescência po<strong>de</strong> serum importante precursor <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento posterior <strong>de</strong> Perturbação Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong> na adultícia, uma realida<strong>de</strong> angustiante e dispendiosa em termos <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>recursos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Neste senti<strong>do</strong>, dada a ênfase patog<strong>no</strong>mónica da patologia limite nasprimeiras relações objectais, preten<strong>de</strong>-se, com esta investigação, estudar o funcionamento<strong>familiar</strong>, as representações parentais e os estilos, princípios e práticas parentais em crianças comdiagnóstico <strong>de</strong> organização limite ou bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às dinâmicas eprocessos intra<strong>familiar</strong>es, actuais e precoces, enquanto percepciona<strong>do</strong>s pela criança e pelos pais,<strong>de</strong>signadamente em crianças <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> latência, dada a sua pertinência <strong>no</strong> que concerne àpromoção e à prevenção da saú<strong>de</strong> mental infantil, bem como pelo interesse pessoal e profissionalapresenta<strong>do</strong> por esta temática.Não obstante, e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à análise <strong>do</strong> funcionamento inter<strong>no</strong> <strong>de</strong>stas crianças, napresente investigação, <strong>de</strong>corrente da pesquisa empírica e das teorizações <strong>de</strong>senvolvidas até aopresente momento acerca <strong>do</strong> papel das dinâmicas relacionais intra<strong>familiar</strong>es na etiopatogenia dapatologia bor<strong>de</strong>rline, consi<strong>de</strong>raram-se diversas dimensões psicológicas e relativas ao<strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo da criança tais como os mecanismos <strong>de</strong>fensivos mais recorrentes,a/as angústia/as pre<strong>do</strong>minantes, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentalização e <strong>de</strong> representação simbólica <strong>do</strong>vivi<strong>do</strong> emocional e experiencial, as relações objectais e a construção <strong>do</strong>s objectos inter<strong>no</strong>s, apercepção da dinâmica <strong>familiar</strong> e das práticas e estilos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> (enquanto percebi<strong>do</strong>s pelacriança e pelos pais), os processos <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia (os quais remeterão para as questões <strong>de</strong>12


separação-individualização) e a ambivalência na internalização/externalização <strong>do</strong>s processospsíquicos.Objectivos gerais:1. Caracterizar em termos afectivos (conscientes e inconscientes) as relações <strong>familiar</strong>es talcomo são percebidas pela criança com O.B.P., <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se explorarem possíveispadrões e dinâmicas internas;2. Explorar a hipótese etiopatogénica proposta por Keinänen e colabora<strong>do</strong>res (2012), a qual<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> como principais factores patog<strong>no</strong>mónicos da O.B.P. a existência <strong>de</strong> uma história<strong>de</strong> maus-tratos e traumas na infância, a existência <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> problemática durante ainfância, a manifestação <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> vinculação inseguro, a tendência a <strong>de</strong>monstrarum padrão <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> objecto hostis ou negativas e a apresentação <strong>de</strong> uma diminutacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentalização e <strong>de</strong> representação mental e simbólica.Objectivos específicos:1. Explorar a associação entre as relações emocionais da criança com a sua família (variável1) caracterizadas pelo Family Relations Test (FRT - revised) (Bene & Anthony, 1978) e apresença <strong>de</strong> O.B.P. na criança <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> latência (6-12 a<strong>no</strong>s) (variável 3);2. Estudar as variáveis relativas ao constructo <strong>de</strong> Parentalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>signadamente, estilosparentais, práticas parentais, preocupações parentais e coparentalida<strong>de</strong>, a partir <strong>do</strong>s paisdas crianças constituintes da amostra <strong>de</strong> casos clínicos analisa<strong>do</strong>s com O.B.P.;3. Analisar a percepção da criança com O.B.P. <strong>do</strong> estilo educativo <strong>do</strong>s pais;4. Verificar a hipótese confirmatória da presença <strong>do</strong>s principais factores etiopatogénicos daO.B.P. <strong>no</strong>s casos clínicos analisa<strong>do</strong>s;5. Analisar a dinâmica psicoafectiva intrapsíquica das crianças com O.B.P. a partir <strong>do</strong>s casosclínicos apresenta<strong>do</strong>s (angústia pre<strong>do</strong>minante, capacida<strong>de</strong> reflexiva ou <strong>de</strong> representaçãomental e simbólica, principais mecanismos <strong>de</strong>fensivos, tipo <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> objectoestabelecida).Variáveis em Estu<strong>do</strong>Variável 1: Caracterização das relações emocionais na família da criança com O.B.P., talcomo percebidas pela criança., a partir das seguintes dimensões: 1) envolvimento total einvestimento afectivo, 2) qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> afecto (positivo, negativo ou ambivalente), 3)direcção <strong>do</strong>s afectos (emiti<strong>do</strong>s ou recebi<strong>do</strong>s pela criança), 4) sobreprotecção materna e13


indulgência materna e paterna, e 5) principais mecanismos <strong>de</strong>fensivos que a criança utilizapara gerir o conteú<strong>do</strong> afectivo e a representação fantasmática <strong>do</strong>s itens e a sua associaçãocom as principais figuras <strong>de</strong> amor, a família (Bene & Anthony, 1985).Variável 2: Parentalida<strong>de</strong> (estilo, práticas e preocupações parentais e coparentalida<strong>de</strong>),analisada como representada pelos pais e como percebida pela criança.Variável 3: Presença <strong>de</strong> Organização Bor<strong>de</strong>rline da Personalida<strong>de</strong> em crianças <strong>no</strong> perío<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo da latência, isto é, entre os 6 e os 12 a<strong>no</strong>s.Méto<strong>do</strong>DelineamentoA presente investigação tem uma natureza qualitativa e um carácter exploratório,<strong>de</strong>scritivo e não-experimental, na medida em que preten<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> um quadro teóricopsicanalítico <strong>de</strong> referência, aumentar o conhecimento acerca da temática em análise,permanecen<strong>do</strong> receptivo a informações adicionais relativamente à mesma, ainda que nãoexpectáveis <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso da investigação, ou seja, não hipotetizadas ou esperadas a priori. Estainvestigação inclui o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> três crianças com O.B.P., e respectivas famílias, <strong>no</strong>senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> verificar a existência <strong>do</strong>s factores patog<strong>no</strong>mónicos sustenta<strong>do</strong>s teórica eempiricamente e <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a percepção da dinâmica <strong>familiar</strong> e das representações parentaisque estas crianças apresentam.ParticipantesNo senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r às famílias <strong>de</strong> crianças com O.B.P., o local preferencial para ocontacto é o contexto clínico. Desta forma, foi estabelecida uma parceria com a Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, em Almada, que amavelmente ace<strong>de</strong>u colaborarneste projecto (para ver um exemplo das Autorizações e respectivos Consentimentos Informa<strong>do</strong>sentregues aos pais das crianças, ver por favor Anexo F). A amostra foi constituída por trêscrianças e respectivas famílias (com a participação materna e paterna na totalida<strong>de</strong> das mesmas),na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-afectivo da latência, particularmente entre os 8 e os 11 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>, e que se encontram a ter acompanhamento <strong>no</strong> local supra menciona<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong>-setodas elas medicadas aquan<strong>do</strong> da recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s. A escolha da amostra foi realizada através<strong>do</strong> contacto com o referi<strong>do</strong> serviço <strong>do</strong> centro hospitalar menciona<strong>do</strong>, sujeita à aprovação daComissão <strong>de</strong> Ética da Instituição, tratan<strong>do</strong>-se, por isso, <strong>de</strong> uma amostra não-probabilística ou <strong>de</strong>conveniência, na qual foram selecciona<strong>do</strong>s indivíduos que atendiam aos critérios pretendi<strong>do</strong>s(crianças <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-afectivo da latência, entre os 6 e os 12 a<strong>no</strong>s,14


acompanha<strong>do</strong>s presentemente neste serviço, com diagnóstico <strong>de</strong> O.B.P. <strong>no</strong> último a<strong>no</strong>, cujaparticipação <strong>do</strong>s respectivos pais seria necessária), por serem <strong>de</strong> fácil acesso para a investigação.Cumpre esclarecer que os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s nas provas projectivas confirmam, em to<strong>do</strong>sos casos, a hipótese diagnóstica estabelecida pelo Técnico responsável pela criança <strong>de</strong> O.B.P. –refira-se que foram recolhi<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s a cinco crianças, porém duas das quais apresentavam umfuncionamento mental neurótico, sen<strong>do</strong>, portanto excluídas da investigação.ProcedimentoApós a aprovação <strong>do</strong> projecto pela Comissão <strong>de</strong> Ética <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Hospital, e aconstrução <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> selecção e com vista a constituição da amostra, segun<strong>do</strong> ameto<strong>do</strong>logia acima <strong>de</strong>scrita e com a colaboração <strong>do</strong>s Técnicos que compõem a Unida<strong>de</strong>(<strong>no</strong>meadamente das Psicólogas que fazem o acompanhamento das crianças em questão), foramcontacta<strong>do</strong>s os participantes através <strong>do</strong>s respectivos pais a fim <strong>de</strong> verificar a sua disponibilida<strong>de</strong>para participação <strong>no</strong> estu<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong> um breve briefing <strong>do</strong> objectivo e das condições <strong>do</strong> mesmo. Oagendamento das sessões <strong>de</strong> entrevista foi combina<strong>do</strong> com os participantes, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com apreferência e a disponibilida<strong>de</strong> por estes indicada. A realização das entrevistas <strong>de</strong>correu numcontexto já <strong>familiar</strong> aos participantes, em gabinetes on<strong>de</strong> habitualmente são atendi<strong>do</strong>s, numambiente calmo e positivo, primeiramente com a obtenção <strong>de</strong> consentimento informa<strong>do</strong>,segun<strong>do</strong> os critérios éticos da American Psychological Association (APA). A recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>sincidiu primeiramente numa breve introdução que visava preparar os indivíduos para a sessão quese seguiria, <strong>de</strong> forma a eliminar falsas expectativas e a melhor contextualizá-los para a situaçãoproposta, frisada a questão da confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> a<strong>no</strong>nimato <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> presente, esalientan<strong>do</strong> que não existia um padrão <strong>de</strong> respostas expectável. A finalização das entrevistasrealizou-se <strong>de</strong> forma tranquila, agra<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> <strong>no</strong>vamente a colaboração <strong>do</strong>s participantes, e nãoabrupta, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> em que foi cria<strong>do</strong> espaço para que estes (crianças e pais) pu<strong>de</strong>ssemacrescentar alguma informação que lhes parecesse pertinente ou esclarecer alguma dúvidasubjacente.A avaliação das variáveis e a sua operacionalização foi realizada através <strong>de</strong> medidasverbais, <strong>no</strong>meadamente <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas e questionários, os quais se encontramem anexo. A aplicação <strong>do</strong>s questionários foi auto-administrada, com instruções padronizadas,constantes em cada instrumento, obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a sua passagem à seguinte or<strong>de</strong>m: preenchimento<strong>do</strong> questionário socio<strong>de</strong>mográfico, <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Estilos e Dimensões Parentais, <strong>do</strong>Questionário <strong>de</strong> Práticas Parentais, <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong>, e, por fim, da Escala <strong>de</strong>Preocupações Parentais. A análise posterior <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s provenientes <strong>do</strong>s questionários foi15


ealizada através <strong>de</strong> um tratamento estatístico possível graças ao software <strong>de</strong> análise estatísticaPASW Statistics (v.18; SPSS Inc, Chicago, IL).InstrumentosDe acor<strong>do</strong> com o referi<strong>do</strong> anteriormente, a meto<strong>do</strong>logia utilizada privilegiou a realização<strong>de</strong> entrevistas anamnésicas (à criança e aos pais), recorren<strong>do</strong>, <strong>no</strong> entanto, igualmente ainstrumentos complementares <strong>de</strong> avaliação, <strong>no</strong>meadamente em termos projectivos equantitativos. Neste senti<strong>do</strong>, e <strong>no</strong> que concerne à avaliação da criança, solicitou-se a sua presençaem três momentos (sessões), em to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> investigação, fazen<strong>do</strong> recurso ao Teste <strong>de</strong>Apercepção Temática para crianças (C.A.T. - A) e à Escala <strong>de</strong> Percepção da Criança sobre oEstilo Educativo <strong>do</strong>s Pais – EMBU-C (Castro, 1993, Anexo O) - mas também a técnicasexpressivas e grafo-perceptivas, nas quais se compreen<strong>de</strong> a realização <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho, enquantoferramenta projectiva <strong>de</strong> excelência na infância, <strong>de</strong>signadamente o Desenho da Figura Humana, oauto-retrato e o Teste <strong>do</strong> Desenho da Família segun<strong>do</strong> Corman. O <strong>de</strong>sign da investigação previuainda a utilização <strong>de</strong> um instrumento que permitisse a avaliação da natureza e qualida<strong>de</strong> dasrepresentações parentais e <strong>familiar</strong>es <strong>do</strong>s intervenientes da relação, <strong>de</strong>signadamente, o Teste dasRelações Familiares (Bene & Anthony, 1978/1985).Relativamente aos pais, a meto<strong>do</strong>logia recorreu a uma entrevista <strong>de</strong> carácter anamnésico(a qual necessitou apenas <strong>de</strong> uma sessão) com enfoque nas questões das práticas e estilosparentais e nas relações precoces pais/criança, mas também, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> obter uma perspectivaholística <strong>do</strong> funcionamento <strong>familiar</strong> e das experiências <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> pela importânciaprimordial das práticas parentais, bem como das interacções <strong>familiar</strong>es experienciadas, nasrepresentações mentais construídas pelas crianças. Concomitantemente, o <strong>de</strong>lineamento dainvestigação previu a utilização <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Caracterização Socioeconómica <strong>de</strong> Graffar(passível <strong>de</strong> ser consulta<strong>do</strong> em Anexo J), o Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais(Carapito, Pedro & Ribeiro, 2007, Anexos J e K), o Questionário <strong>de</strong> Práticas Parentais (Gaspar &Santos, 2008, Anexo N), o Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> (Pedro & Ribeiro, 2008, Anexo L),e, por último, a Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais (Algarvio & Leal, 2004, Anexo M).Children’s Apperception Test – Animal VersionO Children’s Apperception Test (C.A.T.) foi originalmente publica<strong>do</strong> em 1949 porLeopold Bellak e Sonia Bellak com intuito <strong>de</strong> se constituir como uma técnica projectiva <strong>de</strong>investigação da personalida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quada para crianças <strong>do</strong>s três aos 10 a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong> ambos os sexos(Aleixo, 1999). Trata-se <strong>de</strong> uma prova projectiva constituída por 10 cartões que apresentam16


personagens animais (<strong>de</strong> forma a facilitar a i<strong>de</strong>ntificação e a projecção da criança) em situaçõesconsi<strong>de</strong>radas pelos autores como mais significativas na vida fantasmática infantil. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>análise <strong>do</strong> C.A.T visa, a partir das características manifestas <strong>do</strong> material perceptivo, ace<strong>de</strong>r àdiversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registos <strong>de</strong> conflitualização veiculadas <strong>de</strong> forma latente, pelo que cada cartão po<strong>de</strong>reactivar sucessiva ou simultaneamente vários registos <strong>de</strong> conflitualização na mesma criança(Aleixo, 1999). Para a presente investigação o C.A.T. configura-se como um instrumentoextremamente útil, visto que fornece da<strong>do</strong>s importantes acerca <strong>do</strong>s conflitos, das dinâmicasinternas, das angústias <strong>do</strong>minantes, das i<strong>de</strong>ntificações da criança e da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da relaçãoobjectal, <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong>fensivos <strong>de</strong> que faz uso, <strong>do</strong> seu nível <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> afectiva, <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> superego, da interacção <strong>do</strong>s papéis <strong>familiar</strong>es e da representação <strong>do</strong>s imagosparentais.Desenho“O <strong>de</strong>senho da criança, resultante da activida<strong>de</strong> mental e manual, é um objecto emergi<strong>do</strong><strong>do</strong> imaginário, <strong>do</strong> percebi<strong>do</strong> e <strong>do</strong> real. Como jogo <strong>de</strong> encontro e combinação <strong>de</strong>sses trêselementos, o <strong>de</strong>senho torna-se objecto <strong>de</strong> investigação na exploração <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pensar dacriança” (Ferreira, 1998, pg. 59). O <strong>de</strong>senho revela o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> a criança ver e estar <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>,como o representa, como se representa e o que a ro<strong>de</strong>ia, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser muito revela<strong>do</strong>r e traduziro grau <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> da criança, o seu equilíbrio emocional e afectivo e o seu nível <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento (Aguiar, 2004). Através <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho, a criança fala <strong>de</strong> si, das suasrepresentações, comunican<strong>do</strong> o seu mal-estar, a sua angústia ou o seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contraesta, funcionan<strong>do</strong> simbolicamente como um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ajuda silencioso (Decobert & Sacco,2000). Efectivamente, melhor <strong>do</strong> que através da comunicação verbal, o <strong>de</strong>senho vai permitirexpressar as subtilezas da dinâmica interna e da intra-subjectivida<strong>de</strong> da criança (Di Leo, 1991),constituin<strong>do</strong>-se como uma metamorfose da sua imaginação (Benveniste, 2005). É possívelconsi<strong>de</strong>rar o <strong>de</strong>senho infantil como uma brecha <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> inter<strong>no</strong> da criança, capaz <strong>de</strong>transferencialmente percepcionar as dinâmicas subjacentes mais salientes (Ferro, 1995). Assim,<strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar o <strong>de</strong>senho como uma representação <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> relações presentes <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>emocional da criança, numa certa medida aproximan<strong>do</strong>-se também da realida<strong>de</strong> externa, tal comoacontece em algumas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho da família (Ferro, 1995). É neste senti<strong>do</strong>que <strong>no</strong>s parece <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> pertinência a utilização <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos, <strong>de</strong> forma a compreen<strong>de</strong>r ofuncionamento inter<strong>no</strong> da criança, mas também a sua percepção da dinâmica intra<strong>familiar</strong>, já quea análise da maneira como a criança se projecta <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho da família fornece importantes da<strong>do</strong>sacerca da sua personalida<strong>de</strong>, da estrutura <strong>do</strong> Id, <strong>do</strong> Ego e <strong>do</strong> Superego, sobre o conflito entre17


essas instâncias, bem como sobre o mo<strong>do</strong> como esta percebe as relações da sua constelação<strong>familiar</strong> (Corman, 2003).Family Relations Test (F.R.T.-revised)O Family Relations Test foi elabora<strong>do</strong> por Eva Bene e James Anthony em 1957, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> revista pelos mesmos autores, em 1978, sen<strong>do</strong> esta a versão utilizada na presenteinvestigação: Family Relations Test (F.R.T. - revised) (Bene & Anthony, 1985). Esta provapermite ace<strong>de</strong>r e caracterizar as relações <strong>familiar</strong>es, tal como percebidas pela criança, através <strong>de</strong>várias dimensões: 1) caracterizar o envolvimento/investimento afectivo total da criança emrelação a família <strong>no</strong> global, e em relação a cada elemento em particular, incluin<strong>do</strong> em relação a siprópria; 2) verificar a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> afecto atribuí<strong>do</strong> às diversas relações <strong>familiar</strong>es e a si própria;3) a direcção <strong>do</strong>s afectos (afectos que são emiti<strong>do</strong>s pela criança e afectos que a criança sente quesão investi<strong>do</strong>s em si, e portanto recebi<strong>do</strong>s pela criança) em relação a cada pessoa da família; 4) a<strong>de</strong>pendência (sobreprotecção materna, e indulgência materna e paterna); 5) o grau <strong>de</strong><strong>de</strong>sinibição/inibição da afectivida<strong>de</strong>; 6) alguns mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa que a criança utiliza paragerir o conteú<strong>do</strong> afectivo <strong>do</strong>s itens.Esta prova permite, através <strong>de</strong> um contexto não intrusivo e lúdico, aplicar-se como umatécnica projectiva objectiva, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, na qual são obti<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s quantitativos,sen<strong>do</strong> o sistema <strong>de</strong> cotação das respostas bastante acessível (Bene & Anthony, 1985). É muitoutilizada em contextos clínicos, e infelizmente, me<strong>no</strong>s na investigação apesar da sua riquezacompreensiva, e vantagens significativas na obtenção <strong>de</strong> material clínico relevante, nãointrusivida<strong>de</strong>, rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> aplicação (aproximadamente 25 minutos), e objectivida<strong>de</strong> (superan<strong>do</strong>algumas criticas realizadas à maioria das técnicas projectivas) (Bene & Anthony, 1985). O material<strong>do</strong> teste é constituí<strong>do</strong> por 21 figuras humanas, cada uma anexada a uma pequena caixa. Destasfiguras, 20 representam <strong>de</strong> forma ambígua pessoas <strong>de</strong> ambos os sexos e <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s,tamanhos e aparências <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que possam correspon<strong>de</strong>r aos hipotéticos elementos da famíliada criança a ser avaliada (incluin<strong>do</strong> a própria): 4 homens, 4 mulheres, 5 rapazes, 5 raparigas e 2bebés. A criança terá <strong>de</strong> escolher <strong>de</strong>stas figuras as que representam a sua família (o que permiteaveriguar da discrepância entre a família representada e a família real). Para cada figura há umapequena caixa, on<strong>de</strong> vão ser <strong>de</strong>ixadas as mensagens, as quais contêm uma frase que correspon<strong>de</strong>a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> afecto: positivo mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, positivo forte, negativo mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> ou negativoforte, e <strong>de</strong>pendência. Por fim, a última figura correspon<strong>de</strong> ao Sr. Ninguém, que tem a função <strong>de</strong>ser o contentor das mensagens que a criança sente que não dizem respeito a nenhum <strong>do</strong>selementos da sua família ou a si (Bene & Anthony, 1985).18


Este instrumento psicológico compreen<strong>de</strong> a presença <strong>de</strong> <strong>do</strong>is conjuntos <strong>de</strong> mensagensdiferentes, a Forma A e a Forma B, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s, respectivamente, acrianças mais <strong>no</strong>vas (até aos 6a<strong>no</strong>s) e a crianças mais velhas (a partir <strong>do</strong>s 7/8 a<strong>no</strong>s). Visto que a amostra <strong>de</strong>sta investigação écomposta por crianças <strong>do</strong>s 8 aos 11 a<strong>no</strong>s, optou-se pela aplicação da forma B, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>minimizar a influência da discrepância entre as duas versões <strong>no</strong>s resulta<strong>do</strong>s. A forma B comportaum total <strong>de</strong> 86 mensagens breves e simples com conteú<strong>do</strong>s afectivos (consultar, por favor, AnexoP). A situação <strong>de</strong> teste inicia-se com o estabelecimento da relação entre a criança e oexperimenta<strong>do</strong>r, com o intuito <strong>de</strong> estabelecer um ambiente securizante e tranquilo, que facilite aexpressão emocional da criança, e a cooperação com o experimenta<strong>do</strong>r. Durante este perío<strong>do</strong> sãofeitas algumas questões <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> da caracterização <strong>do</strong> actual agrega<strong>do</strong> <strong>familiar</strong> (“Diz-me, quemé que vive contigo lá em casa?”), da família (“Quem são as pessoas da tua família? Como sechamam e que ida<strong>de</strong> têm?), e <strong>de</strong> outros da<strong>do</strong>s relevantes que possam surgir acerca <strong>do</strong> contexto<strong>familiar</strong> (divórcio, mortes, separações…). Depois a criança é convidada a escolher das 20 figurasexpostas, quais as que representam a sua família. Seguidamente, é apresenta<strong>do</strong> Sr. Ninguém àcriança (“Eu tenho aqui uma série <strong>de</strong> mensagens que te vou ler e que tu vais meter na caixa dapessoa a quem gostavas <strong>de</strong> mandar, ou que achas que tem a ver com ela. Po<strong>de</strong> acontecer queaches que a carta não tem a ver com ninguém, então colocas a carta <strong>no</strong> Sr. Ninguém. Se acharesque a carta dá para várias pessoas da tua família, dizes-me, dás-me a mensagem e eu trato disso.Não te esqueças que também po<strong>de</strong>s mandar cartas a ti próprio.”). O investiga<strong>do</strong>r lê as mensagens(quan<strong>do</strong> a criança lê bem é possível permitir que seja a própria a fazê-lo, sen<strong>do</strong> que é sempre oexperimenta<strong>do</strong>r que escolhe a or<strong>de</strong>m das mensagens, para que não haja contaminação afectivapor repetição excessiva <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> afecto), e a criança coloca-as on<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, sen<strong>do</strong>que quan<strong>do</strong> acha que a mesma mensagem se aplica a várias pessoas, entrega o item aoexperimenta<strong>do</strong>r (que assinala na folha <strong>de</strong> registo os vários elementos a que a mensagem se<strong>de</strong>stina), e quan<strong>do</strong> a mensagem não se aplica a ninguém, coloca-a na caixa <strong>do</strong> Sr. Ninguém. Aprova termina <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todas as cartas serem colocadas nas <strong>de</strong>vidas caixinhas <strong>de</strong> correio (Bene& Anthony, 1985).Em relação à interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, o F.R.T. permite conhecer a quantida<strong>de</strong> equalida<strong>de</strong>: Do envolvimento emocional total com cada uma das figuras, o qual po<strong>de</strong> ser positivo,negativo, ou ambivalente; Das respostas auto-atribuídas ou “egocêntricas” quer sejam, <strong>de</strong> auto-estima (sentimentospositivos atribuí<strong>do</strong>s ao próprio) ou <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação (sentimentos negativosatribuí<strong>do</strong>s ao próprio), evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> uma preocupação <strong>do</strong> sujeito consigo próprio;19


Da discrepância entre os sentimentos emiti<strong>do</strong>s pela criança em relação aos objectos <strong>de</strong>amor, e os que sente que lhe são dirigi<strong>do</strong>s, tal como o equilíbrio entre sentimentospositivos e negativos; Dos mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa activa<strong>do</strong>s, isto é, a negação, a i<strong>de</strong>alização, o <strong>de</strong>slocamento e atendência regressiva (Bene & Anthony, 1985); Do grau <strong>de</strong> inibição/<strong>de</strong>sinibição, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> uma escala <strong>de</strong> 5 pontos que vai daforte inibição (nível 1) até à forte <strong>de</strong>sinibição (nível 5), passan<strong>do</strong> pela inibição mo<strong>de</strong>rada(nível 2), pouca inibição (nível 3) e <strong>de</strong>sinibição mo<strong>de</strong>rada (nível 4). Recorre-se a duasescalas distintas: a escala <strong>de</strong> inibição positiva (<strong>do</strong>s afectos positivos), e a escala <strong>de</strong> inibiçãonegativa (<strong>do</strong>s afectos negativos).Em relação às características psicométricas da prova, Bene & Anthony (1985) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mque esta possui valida<strong>de</strong> e precisão aceitáveis, e os resulta<strong>do</strong>s das investigações que realizamfundamentam com suficiente confiança a sua utilização <strong>no</strong> contexto clínico, e <strong>no</strong> contexto <strong>de</strong>investigação. Complementarmente, Kauffman, Hallahan, & Ball (1975), oferecem da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>validação <strong>do</strong> F.R.T., em relação à sua valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, visto que o utilizaram para avaliar aconsistência e congruência das percepções <strong>de</strong> pais em comparação com as respostas <strong>do</strong>s seusfilhos, e verificam que os pais conseguem prever significativamente as respostas <strong>do</strong>s própriosfilhos, apesar <strong>de</strong> se verificar a tendência por parte <strong>do</strong>s pais para a sobrevalorização dacentralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> si mesmo na realida<strong>de</strong> afectiva das crianças. Além disso, em relação à precisão <strong>do</strong>F.R.T., Kauffman (cita<strong>do</strong> por Silva, 1991) concluiu que esta é idêntica e equiparável à precisão <strong>de</strong>outras provas projectivas tais como, o T.A.T..Importa salientar, contu<strong>do</strong>, que o F.R.T. não foi concebi<strong>do</strong> com o objectivo <strong>de</strong>discriminar a patologia da <strong>no</strong>rmalida<strong>de</strong>, e não permite uma categorização em termos <strong>de</strong>diagnóstico, visto que privilegia a componente <strong>de</strong>scritiva e compreensiva <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>sem termos das dinâmicas afectivas e relações <strong>familiar</strong>es tal como percebidas pela criança que arealiza (por exemplo, um mesmo sintoma po<strong>de</strong>rá apresentar dinâmicas muito distintas, apesar <strong>de</strong>existir convergência <strong>no</strong>s estrutura<strong>do</strong>res clínicos que <strong>de</strong>finem o sintoma e o seu diagnóstico).Neste senti<strong>do</strong>, é relevante mencionar que o F.R.T. já foi utiliza<strong>do</strong> em Portugal em <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>sestu<strong>do</strong>s bastante relevantes na área da psicologia clínica, <strong>de</strong>signadamente <strong>no</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Silva(1991), <strong>no</strong> âmbito da sua tese <strong>de</strong> Doutoramento sobre a criança asmática entre os 7-12 a<strong>no</strong>s e nainvestigação <strong>de</strong> Guerreiro (2001), <strong>no</strong> contexto da sua tese <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Psicologia Clínica,sobre crianças com perturbações <strong>do</strong> comportamento entre os 7-12 a<strong>no</strong>s.Neste senti<strong>do</strong>, o Family Relations Test é um instrumento capaz <strong>de</strong> aferir <strong>de</strong> forma rápida,quantitativa e compreensiva os aspectos psicodinâmicos das relações <strong>familiar</strong>es segun<strong>do</strong> a20


ealida<strong>de</strong> afectiva da criança avaliada, segun<strong>do</strong> o enquadramento teórico que recorreexclusivamente à teoria psicanalítica para a sua fundamentação.Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s pais – EMBU-CO EMBU-C tem por objectivo a avaliação da percepção das crianças <strong>do</strong>s estilos parentaiseducativos <strong>do</strong>s progenitores, sen<strong>do</strong> a avaliação realizada separadamente para o pai e para a mãe(Canavarro e Pereira, 2007), tornan<strong>do</strong> possível a avaliação, <strong>de</strong> forma transversal e prospectiva, darelação entre estilos parentais educativos e funcionamento psicopatológico e adaptativo dascrianças.Embora a avaliação <strong>do</strong> comportamento parental possa ser realizada com o recurso aoutras meto<strong>do</strong>logias, por exemplo, a observação naturalista ou a observação <strong>no</strong> laboratório dasinteracções entre pais e filhos em tarefas estruturadas, os questionários <strong>de</strong> auto-relato apresentamalgumas vantagens, <strong>de</strong>signadamente a sua facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação e o facto <strong>de</strong> permitirem o acessoao conhecimento <strong>de</strong> aspectos das interacções e das relações entre pais e filhos que ocorrempouco frequentemente, sen<strong>do</strong>, por isso, difíceis <strong>de</strong> observar ou <strong>de</strong> interpretar sem informação<strong>do</strong>s próprios. No mesmo senti<strong>do</strong>, a importância da experiência subjectiva <strong>no</strong> comportamento e<strong>de</strong>senvolvimento foi salientada por diferentes autores, os quais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que as percepções queos indivíduos têm <strong>do</strong>s seus pais po<strong>de</strong>m ser ainda mais importantes <strong>do</strong> que o seu comportamentoreal (Canavarro e Pereira, 2007). A investigação <strong>de</strong> Canavarro e Pereira (2007) estabeleceu aestrutura factorial da versão portuguesa, replican<strong>do</strong> a estrutura da versão original <strong>de</strong> Castro et al.(1993), sen<strong>do</strong> os três factores da versão portuguesa, Suporte Emocional, Rejeição e Tentativa <strong>de</strong>Controlo, constituí<strong>do</strong>s pelos mesmos itens <strong>do</strong>s três factores equivalentes da versão espanhola.Importa referir que Arrin<strong>de</strong>ll evan <strong>de</strong>r En<strong>de</strong> (1984, cit. por Canavarro e Pereira, 2007) <strong>de</strong>screvemas três dimensões avaliadas pelo EMBU segun<strong>do</strong> as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> Rollin e Thomas (1979, cit. porCanavarro e Pereira, 2007), pelo que a primeira dimensão, Suporte emocional, é <strong>de</strong>finida como otipo <strong>de</strong> comportamento manifesta<strong>do</strong> pelos pais relativamente à criança que a faz sentirconfortável na presença <strong>do</strong>s pais e que lhe confirma que ela é aceite e aprovada como pessoa peloprogenitor. Por outro la<strong>do</strong>, a dimensão Tentativa <strong>de</strong> controlo consiste <strong>no</strong> comportamento <strong>do</strong>s paisque tem por objectivo orientar o comportamento da criança para que aquele esteja <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>com o que os progenitores <strong>de</strong>sejam. Por fim, a dimensão Rejeição é <strong>de</strong>scrita como oscomportamentos <strong>do</strong>s pais que visam modificar a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s filhos e que são senti<strong>do</strong>s por estescomo uma rejeição <strong>de</strong> si próprio enquanto indivíduo.21


Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (QDEP)O Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (QDEP) (Robinson, Mandleco, Olsen& Hart, 2001; adapta<strong>do</strong> por Carapito, Pedro & Ribeiro, 2007), preten<strong>de</strong> avaliar empiricamente osestilos parentais <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s progenitores, bem como a percepção que cada um tem acercadas práticas parentais <strong>do</strong> outro (ver, por favor, Anexos J e K). Este instrumento compreen<strong>de</strong> umaversão “Mãe” e uma versão “Pai”, sen<strong>do</strong> que cada uma é constituída por 32 itens, cuja resposta sesitua numa escala <strong>de</strong> Likert <strong>de</strong> cinco pontos, na qual o 1 correspon<strong>de</strong> a “<strong>Nunca</strong>” e o 5 a“Sempre”, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a frequência com que ocorrem as situações <strong>de</strong>scritas nas afirmações.As duas versões diferem apenas quanto ao género <strong>no</strong> qual se formulam os itens, sen<strong>do</strong> que numaprimeira parte as respostas se referem ao mo<strong>do</strong> como o próprio age em relação ao seu filho(a) enuma segunda parte, respon<strong>de</strong> sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> actuação da mãe/pai <strong>do</strong> seu filho(a).De acor<strong>do</strong> com a tipologia <strong>de</strong> Baumrind (1966), aos três principais estilos <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong> – Autoritário, Autoritativo e Permissivo – subjazem práticas parentais que po<strong>de</strong>rãoser avaliadas através <strong>de</strong>ste instrumento. Numa investigação sobre Conjugalida<strong>de</strong> e Parentalida<strong>de</strong>,conduzida por <strong>Na</strong>rciso, Ribeiro e Ferreira (2008), as autoras realizaram um estu<strong>do</strong> referente àadaptação <strong>do</strong> instrumento à população portuguesa e para analisar as características metrológicas<strong>do</strong> mesmo (QDEP versão reduzida – 32 itens; Robinson et al., 2001). Este estu<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>nciou aelevada fiabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> instrumento, sen<strong>do</strong> que apresenta para o estilo autoritativo um alpha <strong>de</strong>Cronbach <strong>de</strong> 0,86, para o estilo autoritário um alpha <strong>de</strong> Cronbach <strong>de</strong> 0,82 e para o permissivo umalpha <strong>de</strong> 0,64, ten<strong>do</strong>-se verifica<strong>do</strong> uma estrutura trifactorial, através da análise <strong>de</strong> componentesprincipais.Questionário <strong>de</strong> Práticas Parentais (PPQ)O Questionário <strong>de</strong> Práticas Parentais (Webster-Stratton, Reid & Hammond, 2001,adapta<strong>do</strong> e aferi<strong>do</strong> à população portuguesa por Gaspar & Paiva, 2008), foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> <strong>no</strong>âmbito <strong>do</strong> Projecto “Os A<strong>no</strong>s Incríveis”, sobre práticas parentais por Caroline Webster-Stratton,da University of Washington. Segun<strong>do</strong> a autora, este instrumento foi adapta<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong>questionário <strong>de</strong> disciplina <strong>do</strong> Oregon Social Learning Center’s (OSLC) e revisto para crianças.Este inventário po<strong>de</strong> ser administra<strong>do</strong> sob a forma <strong>de</strong> entrevista ou como questionáriopreenchi<strong>do</strong> pela mãe ou pelo pai. O questionário é composto por 7 subescalas, a saber, DisciplinaApropriada, Parentalida<strong>de</strong> Positiva, Expectativas Claras e Monitorização, Disciplina Rígida,Disciplina Rígida para a Ida<strong>de</strong> e Disciplina Inconsistente. A maior parte <strong>do</strong>s itens são cota<strong>do</strong>snuma escala <strong>de</strong> 5 pontos, embora existam itens com escalas <strong>de</strong> 7 pontos. Assim, e conforme22


indicação da autora, to<strong>do</strong>s os itens foram converti<strong>do</strong>s numa escala <strong>de</strong> 5 pontos para que to<strong>do</strong>s ositens tivessem escalas com o mesmo valor.Questionário da Coparentalida<strong>de</strong> (QC)O Questionário da Coparentalida<strong>de</strong> (Margolin et al., 2001; adapta<strong>do</strong> por Pedro & Ribeiro,2008) preten<strong>de</strong> avaliar os níveis <strong>de</strong> suporte e coor<strong>de</strong>nação entre ambos os pais ou figurasparentais, <strong>no</strong> que concerne ao <strong>de</strong>sempenho das suas funções e responsabilida<strong>de</strong>s na educação dacriança (ver Anexo L).Este instrumento é composto por 14 itens, que se encontram agrupa<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> trêsdimensões diferentes que permitem avaliar a coparentalida<strong>de</strong> – cooperação, triangulação econflito. A dimensão Cooperação refere-se ao quanto os pais se apoiam, valorizam e respeitam umao outro, enquanto pais. A dimensão Triangulação diz respeito ao grau <strong>no</strong> qual um <strong>do</strong>s pais criaum aliança com o filho que me<strong>no</strong>spreza ou exclui o outro progenitor. A última dimensão refereseao Conflito entre os pais <strong>no</strong> que concerne às questões da parentalida<strong>de</strong>, a frequência com que ospais discutem ou estão em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> filho e o quanto se me<strong>no</strong>sprezam mutuamenteenquanto pais.O objectivo <strong>do</strong>s autores ao criarem o Questionário da Coparentalida<strong>de</strong> foi incluir aCooperação, a Triangulação e o Conflito num questionário breve que avaliasse exclusivamente acoparentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma estandardizada. Os autores partem da premissa <strong>de</strong> que os pais (pai emãe), numa análise conjunta, po<strong>de</strong>m provi<strong>de</strong>nciar uma perspectiva mais compreensiva dacoparentalida<strong>de</strong>. Este instrumento apresenta bons índices <strong>de</strong> consistência interna, relativamenteàs três dimensões que permite estudar, <strong>no</strong>meadamente valores <strong>de</strong> alpha <strong>de</strong> Cronbach que variamentre 0.69 e 0.87.As respostas aos diferentes itens são dadas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com uma escala <strong>de</strong> Likert <strong>de</strong> cincopontos, na qual o 1 correspon<strong>de</strong> a “<strong>Nunca</strong>” e o 5 correspon<strong>de</strong> a “Sempre”, sen<strong>do</strong> que apontuação final obtida reflecte as percepções que os pais têm um <strong>do</strong> outro relativamente ao<strong>de</strong>sempenho das funções parentais e suporte mútuo. Desta forma, os valores da coparentalida<strong>de</strong>correspon<strong>de</strong>ntes à figura materna são obti<strong>do</strong>s através das respostas da figura paterna aoquestionário e vice-versa.Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais (EPP)A Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais (Algarvio e Leal, 2004) tem por objectivo avaliar ecompreen<strong>de</strong>r quais as principais preocupações parentais, isto é, as dificulda<strong>de</strong>s percepcionadas<strong>no</strong>s filhos, revela<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> problemáticas <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-afectivo e/ou cognitivo dascrianças e, por outro la<strong>do</strong>, dificulda<strong>de</strong>s várias associadas à função ou ao exercício da23


parentalida<strong>de</strong>. De um questionário inicial, as autoras construíram o presente instrumento combase <strong>no</strong>s resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> uma amostra <strong>de</strong> 302 pais <strong>de</strong> crianças com ida<strong>de</strong>scompreendidas entre os 0 e os 12 a<strong>no</strong>s, que foram submeti<strong>do</strong>s a análise factorial, visan<strong>do</strong> aconfiguração <strong>de</strong> uma escala <strong>de</strong> avaliação. Ao ser apresentada aos pais, esta escala assume oaspecto apresenta<strong>do</strong> em Anexo (M), com 37 itens e seis possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resposta, passíveis <strong>de</strong>ser registadas numa escala tipo Likert, que permite aos pais posicionar as suas respostas entre asopções “preocupo-me muitíssimo”, “bastante”, “razoavelmente”, “pouco”, “nada” ou, ainda,“não se aplica”. Os coeficientes <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> interna encontra<strong>do</strong>s mostram-se fi<strong>de</strong>dig<strong>no</strong>s, por umla<strong>do</strong> da valida<strong>de</strong> global da Escala, 0,80 segun<strong>do</strong> o alfa <strong>de</strong> Cronbach, e por outro das 5 sub-escalasencontradas – Sub-Escala <strong>de</strong> Problemas Familiares (0,88), Sub-Escala <strong>de</strong> Preocupações Escolares(0,88), Sub-Escala <strong>de</strong> Desenvolvimento Infantil (0,89), Sub-Escala <strong>de</strong> Preparação (0,74), Sub-Escala <strong>de</strong> Me<strong>do</strong>s (0,77) e Sub-Escala <strong>de</strong> Comportamentos Negativos (0,93).Resulta<strong>do</strong>sFoi realizada uma análise compreensiva <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s casos, a qual será seguidamenteapresentada, produzin<strong>do</strong> as tabelas que po<strong>de</strong>rão ser abaixo consultadas, e que inci<strong>de</strong>m sobre aobservação da dinâmica intrapsíquica das crianças analisadas, bem como sobre a sua dinâmica<strong>familiar</strong>, as representações parentais e os factores etiopatogénicos postula<strong>do</strong>s pela revisão <strong>de</strong>Keinänen e colabora<strong>do</strong>res (2012). Ainda assim, dada a existência <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s transversais aosdiversos casos, a síntese da sua análise global será, igualmente, apresentada, sen<strong>do</strong> estasconsi<strong>de</strong>rações posteriormente discutidas teórica e empiricamente na secção correspon<strong>de</strong>nte.24


Tabelas <strong>de</strong> síntese <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s provenientes da análise <strong>do</strong>s casos investiga<strong>do</strong>s empiricamenteAfonsoRelação <strong>de</strong>objectoAnaclítica -relação narcísica eclivada com osobjectosAngústia<strong>do</strong>minanteAban<strong>do</strong><strong>no</strong>/ Perda<strong>de</strong> ObjectoMecanismos<strong>de</strong>fensivosClivagem, i<strong>de</strong>alização,<strong>de</strong>svalorização,projecção, <strong>de</strong>slocamento,acting out, omnipotência.Sintomas pre<strong>do</strong>minantementemanifestosAlterações <strong>de</strong> comportamento(instabilida<strong>de</strong> psicomotora e agressivida<strong>de</strong>)e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.Características temperamentais(afectivida<strong>de</strong> negativa e esforçonegativo)Sim (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento).Sim.Capacida<strong>de</strong>limitada <strong>de</strong>simbolizaçãoJoãoAnaclítica -relação narcísica eclivada com osobjectosAban<strong>do</strong><strong>no</strong>/ Perda<strong>de</strong> ObjectoClivagem, projecção,i<strong>de</strong>alização, acting out eomnipotência.Alterações <strong>de</strong> comportamento(instabilida<strong>de</strong> psicomotora e agressivida<strong>de</strong>)e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.Sim (que os pais tenhamconhecimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seis a<strong>no</strong>s).Sim.TomásAnaclítica -relação narcísica eclivada com osobjectosAban<strong>do</strong><strong>no</strong>/ Perda<strong>de</strong> ObjectoPensamento emprocesso primário,regressão, <strong>de</strong>slocamento,acting out, omnipotência.Alterações <strong>de</strong> comportamento(instabilida<strong>de</strong> psicomotora), imaturida<strong>de</strong> edificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.Sim (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolarida<strong>de</strong> préprimária,aproximadamente aoscinco a<strong>no</strong>s).SimTabela 1. Análise da dinâmica intrapsíquica <strong>do</strong>s casos investiga<strong>do</strong>s25


AfonsoJoãoTomásAntece<strong>de</strong>ntes<strong>familiar</strong>espsiquiátricosSim (ambos ospais).Sim (a mãe).Sim (a mãe).Acontecimentos traumáticos,perdas, separaçõesprecoces/prolongadasPerda da avó paterna aos três a<strong>no</strong>s e<strong>do</strong> avô pater<strong>no</strong> aos sete, sen<strong>do</strong> estaparticularmente difícil dada a gran<strong>de</strong>proximida<strong>de</strong> entre os <strong>do</strong>is. Ausênciaefectiva <strong>do</strong> pai por alguns perío<strong>do</strong>s eausência emocional da mãe emdiversas situações na primeirainfância.Episódios constantes e continua<strong>do</strong>s<strong>de</strong> maus-tratos severos, bem comoaban<strong>do</strong><strong>no</strong>s e separações precoces.Ausência significativa <strong>do</strong> pai emdiversos perío<strong>do</strong>s, a qual parece terfacilita<strong>do</strong> a relação simbiotizante damãe com a criança.Padrão <strong>de</strong> vinculaçãoinseguro-ambivalenteou <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong>Elementos da históriaclínica e resulta<strong>do</strong>s dasprovas projectivas levam acrer que existe um padrão<strong>de</strong> vinculação inseguroambivalente.Verifica-seuma importanteambivalência face àprincipal figura <strong>de</strong>vinculação – mãe -, patenteem movimentosdicotómicos mútuos (damãe e da criança) <strong>de</strong>aproximação e rejeição;bem como características<strong>de</strong> relacionamentointerpessoal intenso,instável na criança, gran<strong>de</strong><strong>de</strong>pendência e me<strong>do</strong> daperda da figura <strong>de</strong>vinculação, a par <strong>de</strong> poucautilização da figura <strong>de</strong>vinculação e <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>perante a separação. Sãoevi<strong>de</strong>ntes falhas naconstância objectal, e aexistência <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>objecto internas percebidascomo pouco securizantes,protectoras e contentoras.Perturbações<strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong>Práticas parentaisinconsistentes e<strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quadas, falta<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>reflexiva e <strong>de</strong>implicação <strong>no</strong>scomportamentos dacriança.Aplicação <strong>de</strong>castigos e puniçõesseveros e<strong>de</strong>sa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s;incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>contenção e <strong>de</strong>rêverie; falta <strong>de</strong>contingência nasrespostas aoscomportamentos eaos esta<strong>do</strong>semocionais; falta <strong>de</strong>implicação <strong>no</strong>scomportamentos dacriança.Marcadaconflitualida<strong>de</strong>quanto aos estilos epráticas parentais;aplicaçãoinconsistente e porvezes severa <strong>de</strong>castigos e puniçõesfísicas.Representações <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong>(criança)Ambivalência narepresentação <strong>do</strong> imagopater<strong>no</strong> (i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> eagressivo), e <strong>do</strong> imagomater<strong>no</strong> (rejeitante, semressonância afectiva maspresente numa dimensãofuncional).Representação <strong>do</strong> imagopater<strong>no</strong> ausente e <strong>do</strong>mater<strong>no</strong> reduzida, porémfuncional e semressonância afectiva.Representação <strong>do</strong> imagopater<strong>no</strong> ausente (CAT-A),rejeitante e controla<strong>do</strong>ra(EMBU) e <strong>do</strong> mater<strong>no</strong>reduzida, porémfuncional e semressonância afectiva.Representações dadinâmica <strong>familiar</strong>(criança)Representação da dinâmica<strong>familiar</strong> como confusa,conflitual e ambivalente (hostile i<strong>de</strong>alizada), ausência <strong>de</strong>triangulação edipiana (CAT),tendência regressiva,representação ambivalente dafigura paterna (i<strong>de</strong>alizada eagressiva); dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong>sprocessos <strong>de</strong> separaçãoindividuação(FRT).I<strong>de</strong>alização da figura materna(negação da agressivida<strong>de</strong>);ausência <strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong>edipiana, tendência regressiva,dificulda<strong>de</strong>s na integração da<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> família e dasdiferenças geracionais;dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong>s processos <strong>de</strong>separação-individuação (FRT).Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar atriangulação edipiana,sobreinvestimento ei<strong>de</strong>alização da figura materna,conflitualida<strong>de</strong> e hostilida<strong>de</strong>para com o pai e os irmãos,tendência regressiva;dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong>s processos <strong>de</strong>separação-individuação (FRT).Tabela 2. Análise <strong>do</strong>s factores etiopatogénicos (Keinänen, 2012) e da dinâmica <strong>familiar</strong> e das representações parentais na Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong>26


Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> casoAfonsoAfonso vem à Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta referencia<strong>do</strong> peloServiço <strong>de</strong> Pediatria Geral, realizan<strong>do</strong>-se a primeira consulta <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria em Junho <strong>de</strong>2009, na altura com 7 a<strong>no</strong>s e 3 meses, por alterações <strong>do</strong> comportamento com agressivida<strong>de</strong> edificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.Em termos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-motor, na recolha anamnésica <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s a mãeindica que a criança começou a andar aos 11 meses porém, <strong>no</strong> que concerne à linguagem, refereque se verificaram muitas dificulda<strong>de</strong>s. O controlo esfincteria<strong>no</strong> ter-se-á da<strong>do</strong> aos 24 meses.Afonso <strong>do</strong>rme sozinho e em quarto próprio, contu<strong>do</strong> com um so<strong>no</strong> agita<strong>do</strong>. Des<strong>de</strong> o nascimentoe até aos 24 meses Afonso ficou aos cuida<strong>do</strong>s da mãe, ten<strong>do</strong> i<strong>do</strong> nessa altura para uma creche.Relativamente a <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> foro orgânico ou somático a mãe indica que a criança tem asma<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, condição acompanhada até ao momento <strong>no</strong> mesmo Hospital, e para aqual faz medicação diária, porém actualmente os sintomas encontram-se em remissão.Quanto às circunstâncias <strong>de</strong> encontro <strong>do</strong>s pais esta conta que se conheceram ecomeçaram a namorar <strong>no</strong> mesmo dia e foram viver juntos <strong>no</strong> dia seguinte (“ele fazia-me feliz, eununca tinha si<strong>do</strong> feliz”). Em termos <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes <strong>familiar</strong>es, verifica-se a presença <strong>de</strong>alcoolismo e toxico<strong>de</strong>pendência. A mãe refere história <strong>de</strong> maus-tratos por parte <strong>do</strong>s pais eagressões entre o casal parental, perpetua<strong>do</strong>s, na sua maioria, pelo cônjuge.No que diz respeito ao relacionamento com os pais, a mãe refere que Afonso este “temmuito respeito pelo pai, porta-se melhor quan<strong>do</strong> ele está presente”, sen<strong>do</strong> que o pai a<strong>do</strong>pta comoestratégias “ameaça bater <strong>de</strong> cinto mas nunca bateu, eu é que por vezes lhe bato”. Da mesmaforma, a mãe rapa-lhe o cabelo como castigo, já que segun<strong>do</strong> conta outros castigos não parecemresultar.<strong>Na</strong>s primeiras consultas, aos 7 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Afonso, a mãe <strong>de</strong>screve graves alterações<strong>de</strong> comportamento, com manifestação <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>, intensa, verbalizada e agida. “Estásempre a falar em matar e matar-se” e terá ameaça<strong>do</strong> atirar-se da janela - “estou farto <strong>de</strong>sta vida,<strong>de</strong>sta casa, vou arranjar outros pais”. A mãe refere também a baixa tolerância à frustração que<strong>no</strong>ta em Afonso, e aquilo que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por enviesamentos persecutórios (atribuiçõespejorativas ou <strong>de</strong> “gozo” por parte <strong>de</strong> pares, <strong>familiar</strong>es e estranhos, em situações sem essaco<strong>no</strong>tação). Face às alterações <strong>de</strong> comportamento é medica<strong>do</strong>, nessa altura, com Risperi<strong>do</strong>na.Concomitantemente, <strong>no</strong> inicio das consultas pe<strong>do</strong>psiquiátricas a mãe menciona que a criança tem27


dificulda<strong>de</strong> em separar-se <strong>de</strong> si (“antes andava sempre atrás <strong>de</strong> mim”, “fica em pânico se nãoencontra a mãe”).Em termos <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> perdas na infância <strong>de</strong> Afonso, a mãe <strong>de</strong>staca que o avôpater<strong>no</strong> faleceu em Março <strong>de</strong> 2009, sen<strong>do</strong> que a criança era muito chegada a este <strong>familiar</strong>, ten<strong>do</strong>vivi<strong>do</strong> muito proximamente a <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> avô (já que viviam juntos), <strong>de</strong> quem manifesta termuitas sauda<strong>de</strong>s.No que concerne às preocupações evocadas pela mãe nas primeiras consultas, esta refereas gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s sentidas ao nível da sua própria regulação emocional face aoscomportamentos mais disruptivos da criança (“consegue tirar-me <strong>do</strong> sério”), dizen<strong>do</strong> que se omanda parar ele ainda se comporta pior, e que, quan<strong>do</strong> tais situações acontecem, dada aimpotência sentida, esta contacta o pai a quem Afonso obe<strong>de</strong>ce mais facilmente. Sem precisaruma data, a mãe esteve uma semana na qual esteve sem falar, na sequência <strong>de</strong> conflitos com omari<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> Afonso era pequeni<strong>no</strong>. Aproximadamente nessa data (2006) é medicada comFluoxetina, queixan<strong>do</strong>-se que se sentia triste e vazia, muito nervosa, não suportan<strong>do</strong> ouvir gritos -responsabiliza Afonso pelo “esgotamento”. Quan<strong>do</strong> Afonso se portava mal, por vezes a mãechorava, ficava nervosa, gritava e dizia ao filho que a <strong>de</strong>ixasse em paz, revelan<strong>do</strong>-se incapaz <strong>de</strong>conter e regular a tonalida<strong>de</strong> emocional da criança. Dizia, <strong>no</strong> inicio <strong>do</strong> acompanhamento, que ofilho tinha “atitu<strong>de</strong>s diabólicas” (“filho <strong>do</strong> Diabo”), tais como pegar numa faca e tentar matar airmã. Conta, igualmente, que sentia me<strong>do</strong> <strong>de</strong> Afonso, já que ele lhe terá aperta<strong>do</strong> o pescoço.Afonso mostra-se particularmente agressivo com a irmã mais velha, porém os pais encontraram<strong>no</strong>a dar pontapés à irmã bebé quan<strong>do</strong> esta lhe mordia. “Os me<strong>do</strong>s <strong>do</strong>minam-<strong>no</strong> um boca<strong>do</strong>, saià mãe e ao pai”.No contacto é <strong>de</strong>scrito pela pe<strong>do</strong>psiquiatria como uma criança simpática, que a<strong>de</strong>re <strong>de</strong>imediato à relação, globalmente imatura (“parece um bebé cresci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sperta sentimentos <strong>de</strong>cuida<strong>do</strong>/holding”), manifestan<strong>do</strong> movimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agradar (quase colagemem resulta<strong>do</strong> da avi<strong>de</strong>z relacional) e gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> acerca <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> outros meni<strong>no</strong>s,ainda que se distraia facilmente, não conseguin<strong>do</strong> <strong>de</strong>dicar muito tempo à mesma tarefa, muitasvezes por <strong>de</strong>monstrar cumulativamente sentimentos <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> (“não sei, não consigo”).Em Outubro <strong>de</strong> 2009 é introduzida Ritalina, contu<strong>do</strong> na consulta seguinte, embora a mãeo <strong>de</strong>screva como muito mais calmo, verificam-se episódios <strong>de</strong> choro e isolamento e <strong>no</strong>vasameaças <strong>de</strong> suicídio, afirman<strong>do</strong> que é burro, não quer estudar, não quer ser ninguém. No inicio<strong>de</strong> 2010 a medicação é aumentada, verifican<strong>do</strong>-se, na mesma ocasião, alguns comportamentosregressivos (quer a chucha da irmã, quer que a mãe lhe corte a comida e o alimente).28


<strong>Na</strong> escola são <strong>de</strong>scritas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem e agressivida<strong>de</strong> junto <strong>de</strong> colegas,funcionários e professores. A professora indica “oscilações <strong>do</strong> humor e <strong>do</strong> comportamento ebaixa auto-estima”, e que, apesar das dificulda<strong>de</strong>s, a criança acaba por realizar as tarefas napresença <strong>de</strong> reforço positivo, e em particularmente num contexto <strong>de</strong> relação dual. Em termosacadémicos as maiores dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Afonso prendiam-se com a área <strong>de</strong> língua portuguesa,mais propriamente na leitura e na escrita, concomitantes com perturbações na dicção - o que nãofacilitaria o <strong>de</strong>senvolvimento da linguagem escrita. Por outro la<strong>do</strong>, as potencialida<strong>de</strong>s escolares dacriança prendiam-se com as áreas <strong>de</strong> matemática e <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio, on<strong>de</strong> se mostrava maisinteressa<strong>do</strong> e acompanhava mais facilmente os colegas. Ainda assim, nas Activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Enriquecimento Curricular Afonso manifestava comportamentos mais ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong>conflituoso com colegas e professores, não permanecen<strong>do</strong> quieto nem cooperante, não seconcentran<strong>do</strong> e recusan<strong>do</strong>-se muitas vezes a realizar as activida<strong>de</strong>s propostas.No contacto revela-se uma criança agradável, expressiva, cooperante e apelativa, aindaque com uma significativa irrequietu<strong>de</strong> psicomotora, com um humor positivo e um bom nível <strong>de</strong>compreensão e <strong>de</strong> verbalização, ainda que ligeiramente particular <strong>no</strong> pronunciamento fonético <strong>de</strong>algumas vocalizações, e um discurso organiza<strong>do</strong> e coerente, espontâneo e expressivo, a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong>estratégias para protelar o térmi<strong>no</strong> das sessões ou o aumento <strong>do</strong> número das mesmas.No <strong>de</strong>sempenho das provas grafo-expressivas verifica-se uma importante dimensão <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo e <strong>de</strong>sprotecção e uma angústia <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto. Destaca-se a gran<strong>de</strong>conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto da fratria, bem como a i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong> e <strong>de</strong>svalorização<strong>do</strong> mater<strong>no</strong>, associa<strong>do</strong> a movimentos <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> face ao femini<strong>no</strong>. Verifica-se a projecçãoi<strong>de</strong>ntitária <strong>do</strong> sexo <strong>de</strong> pertença e a <strong>no</strong>ção das diferenças etárias e <strong>de</strong> género num contexto<strong>familiar</strong>.<strong>Na</strong>s narrativas construídas <strong>no</strong> protocolo <strong>de</strong> C.A.T.-A <strong>de</strong> Afonso verifica-se arepresentação <strong>de</strong> uma relação <strong>familiar</strong> hostil, confusa, ambivalente, inconsistente e poucocontingente face às necessida<strong>de</strong>s percebidas pela criança. As representações <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>são significativamente ausentes, porém quan<strong>do</strong> evocadas parecem assentes numa dimensãofuncional, sem afecto e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção, encontran<strong>do</strong>-se patente uma representação ligada ànecessida<strong>de</strong>, à avi<strong>de</strong>z relacional. Por outro la<strong>do</strong>, verifica-se uma intensa ambivalência face àrepresentação <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong>, o qual é evoca<strong>do</strong> tanto <strong>de</strong> uma forma i<strong>de</strong>alizada como agressiva,po<strong>de</strong>rosa e <strong>do</strong>minante. A triangulação edipiana não é integrada e nem a<strong>de</strong>quadamente resolvida,verifican<strong>do</strong>-se muitas dificulda<strong>de</strong>s inerentes aos cartões que abordam o tema <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong>e da cena primitiva, não sen<strong>do</strong> o conflito evoca<strong>do</strong> (ou apenas <strong>de</strong> forma muito superficial) e dan<strong>do</strong><strong>lugar</strong> a temas mais regressivos. Verificam-se importantes dificulda<strong>de</strong>s ao nível das pulsões29


agressivas, as quais não parecem organizadas e integradas, sen<strong>do</strong> expressas <strong>de</strong> uma forma intensae crua e em narrativas <strong>de</strong>sorganizadas, pouco contidas e invadidas pelo processo primário <strong>do</strong>pensamento. Ainda que o afecto <strong>de</strong>pressivo seja evoca<strong>do</strong>, a par <strong>de</strong> uma angústia pre<strong>do</strong>minante <strong>de</strong>aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong> objecto, parece existir dificulda<strong>de</strong> em mobilizar recursosinter<strong>no</strong>s a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s que permitam a resolução <strong>do</strong>s conflitos latentes, pelo que são utiliza<strong>do</strong>srecursos <strong>de</strong>fensivos <strong>de</strong> natureza mais arcaica (omnipotência, projecção e acting out), patente nairrequietu<strong>de</strong> <strong>do</strong> comportamento e na impulsivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sorganização <strong>do</strong> discurso, as quaisrevelam importantes dificulda<strong>de</strong>s em mentalizar e representar simbolicamente as dinâmicasintrapsíquicas. Neste senti<strong>do</strong> são evi<strong>de</strong>ntes núcleos <strong>de</strong> maior fragilida<strong>de</strong>, <strong>no</strong>s quais se verifica anecessida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> suporte, <strong>de</strong> uma relação securizante e contentora, e o seu<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser (afectivamente) cuida<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>, remeten<strong>do</strong> para falhas anteriores na relaçãocom uma figura <strong>de</strong> referência protectora e contentora.Os resulta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> Teste das Relações Familiares indicam um hiper-investimento afectivo(tanto positivo como negativo) nas irmãs, as pessoas que parecem revelar-se mais significativas nasua vida afectiva <strong>familiar</strong>, seguidas <strong>do</strong>s pais, ainda que <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à gran<strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> itensnegativos. Efectivamente, a gran<strong>de</strong> diferença entre a representação das duas irmãs pren<strong>de</strong>-se como facto <strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> Afonso reportar receber sentimentos negativos <strong>de</strong> ambas, só são emiti<strong>do</strong>spor si sentimentos negativos fortes em relação à irmã mais velha, com a qual parece existir umaconflitualida<strong>de</strong> e uma hostilida<strong>de</strong> particulares. Destaca-se a presença <strong>de</strong> uma certa tendência àauto-<strong>de</strong>preciação, bem como a existência <strong>de</strong> alguma indiferenciação <strong>no</strong>s limites geracionais, jáque progenitores e crianças parecem encontrar-se muitas vezes em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias nadinâmica <strong>familiar</strong>. Os mecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues nesta prova incluem a i<strong>de</strong>alização dafigura paterna (ainda que com uma dimensão <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> percebida), o que se revelacongruente com os resulta<strong>do</strong>s manifestos nas restantes provas, a tendência regressiva, e a negaçãoparcial <strong>do</strong> afecto negativo, a qual parece revelar algum efeito <strong>do</strong> recalcamento sobre as pulsõesagressivas, com as quais Afonso parece sentir alguma inquietação. Os resulta<strong>do</strong>s nas escalas <strong>de</strong>sobreprotecção e sobreindulgência parentais revelam as importantes necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>,afecto e protecção apresentadas por Afonso, as quais parecem ligar-se às falhas precoces naconstrução da constância objectal e <strong>de</strong> uma representação <strong>de</strong> objecto inter<strong>no</strong> securizante eprotector; e nas <strong>de</strong> inibição parecem relacionar-se com problemáticas ao nível da externalização(alterações <strong>de</strong> comportamento).30


JoãoJoão é um meni<strong>no</strong> <strong>de</strong> 11 a<strong>no</strong>s, com um contacto inibi<strong>do</strong>, porém indiferencia<strong>do</strong>, carente,apelativo e ávi<strong>do</strong> <strong>de</strong> relação, apresentan<strong>do</strong> diversas marcas que parecem provir <strong>de</strong> maus-tratosrecorrentes, consequência das relações precoces com a família <strong>de</strong> origem e sen<strong>do</strong> a apresentaçãopouco investida.Das origens biológicas da criança sabe-se que é o segun<strong>do</strong> filho <strong>de</strong> uma mãe a<strong>do</strong>lescente<strong>de</strong> 16 a<strong>no</strong>s, fruto <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z não planeada nem vigiada, <strong>no</strong> âmbito <strong>de</strong> uma situação socialconsi<strong>de</strong>rada grave, sen<strong>do</strong> aos três a<strong>no</strong>s, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Tribunal da área <strong>de</strong> residência,institucionalizada por <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> maus-tratos severos, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> <strong>no</strong> inicio daescolarida<strong>de</strong> básica. <strong>Na</strong> altura da a<strong>do</strong>pção, a mãe a<strong>do</strong>ptiva encontrava-se com 48 a<strong>no</strong>s e o paicom 52, ten<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> seis a<strong>no</strong>s enquanto candidatos à a<strong>do</strong>pção.Referem que João “veio na pior altura”, já que pouco tempo após o acolhimento dacriança a mãe a<strong>do</strong>ptiva entrou em programa <strong>de</strong> hemodiálise, mas acharam que “ele já tinhasofri<strong>do</strong> muito”. Relativamente às motivações <strong>do</strong> casal para a<strong>do</strong>ptar João em particular, a mãe dizque “leu o processo e sem olhar para ele” <strong>de</strong>cidiu que iriam ficar com a criança “por tu<strong>do</strong> o queele já tinha passa<strong>do</strong>”, referin<strong>do</strong> situações <strong>de</strong> privação alimentar e maus tratos físicos epsicológicos (indica que a criança esteve “amarrada à cama durante <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s”, que era alvo <strong>de</strong>queimaduras <strong>de</strong> cigarros, que fazia as necessida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> mesmo local on<strong>de</strong> se encontrava, sen<strong>do</strong>lambi<strong>do</strong> por cães) recorda<strong>do</strong>s pela criança. A mãe refere que João “veio com maus costumes esem regras” e que se sente “muito revolta<strong>do</strong> com a mãe a<strong>do</strong>ptiva” – “massacra-a, faz birras,amua”, apresentan<strong>do</strong> agressivida<strong>de</strong> verbal e física quan<strong>do</strong> é contraria<strong>do</strong> – razão pela qualmencionam que <strong>no</strong> inicio da transição para a família a<strong>do</strong>ptante João teve algumacompanhamento psicológico, interrompi<strong>do</strong> posteriormente.Acerca <strong>do</strong> filho contam, igualmente, que este nunca está quieto, que não se concentra naescola, embora tenha transita<strong>do</strong> sempre <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. Ainda assim, a mãe diz que “perceberam que eleera nervoso e que os colegas o picavam”, motivo pelo qual tinham <strong>lugar</strong> alguns conflitos compares. “O João é muito provoca<strong>do</strong>r, também respon<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> há confusão está sempre lá. Nãoobe<strong>de</strong>ce à mãe. Não tem <strong>no</strong>ção <strong>do</strong> perigo e é muito <strong>de</strong>sastra<strong>do</strong>.” Com ao pai, continua a relatar amãe, “tem mais respeito; ele dava-lhe palmadas porque o João me faltava ao respeito, chamavameporca”. A mãe refere que “faz ver ao João que tem tu<strong>do</strong>, que lhe dão tu<strong>do</strong>” e pergunta-lheporque é que é assim, repetin<strong>do</strong>, frequentemente, que é a mãe <strong>de</strong>le.Ainda nas consultas <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria os pais referem consi<strong>de</strong>rar que, quan<strong>do</strong> crescer,João po<strong>de</strong> querer ver a mãe biológica, e por isso guardam o processo da criança para ele ver e<strong>de</strong>cidir se realmente a quer ver.31


Os pais indicam que, na altura da a<strong>do</strong>pção, a criança tinha me<strong>do</strong> <strong>de</strong> estar sozinha,acordava muitas vezes e tinha muitos pesa<strong>de</strong>los (recorren<strong>do</strong> na altura ao pai para que estivessejunto <strong>de</strong>le), e que ainda hoje, apesar <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir bem e a<strong>do</strong>rmecer rapidamente, chama a mãevárias vezes para o a<strong>do</strong>rmecer. A mãe conta um sonho <strong>de</strong> João, próximo da data da consulta, emque segun<strong>do</strong> a criança “entravam pela janela e queriam roubá-lo. Sempre teve a preocupação <strong>de</strong>fechar bem a janela à <strong>no</strong>ite”.No que concerne à alimentação, a mãe diz que a criança come bem, “<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”, e que jáemagreceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que frequenta a consulta <strong>de</strong> obesida<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> foi viver com os pais, estarefere que João engor<strong>do</strong>u 20 quilos, ten<strong>do</strong> o hábito <strong>de</strong> abrir o frigorifico “100 vezes ao dia”, jáque quan<strong>do</strong> fica nervoso “a tendência é logo para ir comer” e que, <strong>no</strong> inicio, a criança ia comerpara <strong>de</strong>baixo da cama. Quan<strong>do</strong> foi a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>, aos seis a<strong>no</strong>s, a criança usava fralda uma vez quemantinha enurese <strong>no</strong>cturna, mas os pais referem que a remoção da mesma revelou-se fácil.“Vai com toda agente, é muito da<strong>do</strong>, mete conversa na praia, arranja logo amigos. Depois<strong>de</strong> as pessoas o conhecerem dizem que João os enga<strong>no</strong>u”, relata a mãe. Ao <strong>de</strong>screver a criança ospais indicam que “é muito obstina<strong>do</strong> e irrequieto”, fazen<strong>do</strong> por vezes algumas birras, referin<strong>do</strong>que em relação ao pai João é “mais obediente”. Indicam que o filho rói muito as unhas, mente –“as <strong>de</strong>sculpas saem-lhe como se fosse a verda<strong>de</strong>” -, não mostran<strong>do</strong> os testes e dizen<strong>do</strong> que nãotem T.P.C.’s, interrompe as conversas <strong>do</strong>s pais porque tem que dizer algo naquele momentosenão esquece-se, está sempre a pedir coisas, e faz chantagem. O pai emociona-se diversas vezesquan<strong>do</strong> diz que o João é meigo e quan<strong>do</strong> conta que lhe bate e diz que “castigar o João lhe dóimais a ele” <strong>do</strong> que à criança. Revela auto<strong>no</strong>mia em termos <strong>do</strong>s hábitos <strong>de</strong> higiene e veste-sesozinho, ainda que, segun<strong>do</strong> a mãe, tenha tendência para pedir aos pais para fazerem as coisaspor ele. Em termos da dinâmica <strong>familiar</strong>, a mãe conta que João gosta muito <strong>de</strong> estar com o pai emanifesta muitas solicitações afectivas, tais como “pedir muitos beijinhos”, ainda que continuedizen<strong>do</strong> que a criança seja “muito agarrada aos pais - cola-se muito”.Em termos <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos na família refere-se a indicação <strong>de</strong> “<strong>de</strong>pressão”<strong>no</strong> irmão da mãe, mas também que esta recorreu a acompanhamento psiquiátrico e psicológico(quinzenal), não manti<strong>do</strong> actualmente.<strong>Na</strong> consulta <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria é observada agitação/instabilida<strong>de</strong> psicomotora,solicitação <strong>de</strong> vários objectos para levar para casa, discurso organiza<strong>do</strong> mas por vezes confuso ecom <strong>de</strong>fesas pouco eficazes face à angústia (pensamento em processo primário, por vezesfragmenta<strong>do</strong>), <strong>de</strong>scrições cruas relativas a situações agressivas e angustiantes. Salienta-se, também,e <strong>no</strong> que diz respeito ao discurso da mãe, a utilização <strong>de</strong> frases pautadas por uma co<strong>no</strong>taçãonegativa em relação à criança (“estou <strong>de</strong>siludida contigo”, “só fazes asneiras”, “só te portas mal”)32


e que remetem para os tempos <strong>de</strong> institucionalização (“fui-te buscar à instituição e é assim que tuagra<strong>de</strong>ces?!”). A mãe afirma que muitas vezes tem <strong>de</strong> lhe bater para que ele a respeite, já que ofilho “estraga tu<strong>do</strong>, muitas vezes com malda<strong>de</strong>”.Em Setembro <strong>de</strong> 2010 o pai indica numa consulta “está há quatro a<strong>no</strong>s con<strong>no</strong>sco e aindanão lhe consegui tirar o teimoso, o mentiroso e o guloso!”. Nesta altura começa a apresentargran<strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização pessoal (dizen<strong>do</strong> frequentemente “ninguém gosta <strong>de</strong> mim”). A impressãoda pe<strong>do</strong>psiquiatra é a <strong>de</strong> que se tratam <strong>de</strong> “pais muito <strong>de</strong>scontentes com este filho que pensamter salvo da instituição, <strong>de</strong>volven<strong>do</strong> permanentemente a imagem <strong>de</strong> um mau filho, que nãocorrespon<strong>de</strong> às suas expectativas e que não os recompensa pelo bem que lhe fizeram. A criançanão sente segurança nesta família nem amor incondicional - mensagens (directas e indirectas)alusivas a viver na instituição”.Em Março <strong>de</strong> 2011, verificam-se sérias alterações <strong>de</strong> comportamento na escola -implicava com os colegas, atirava pedras, picou o pescoço <strong>de</strong> uma colega com o lápis, ameaçouatirar-se da janela, grita na sala <strong>de</strong> aula, perturba o funcionamento da turma e exibecomportamentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> violência com os pares, ainda que os pais refiram que João é muitoprovoca<strong>do</strong> pelos pares – mas também em casa - muito impulsivo, sai <strong>de</strong> casa sem dizer nada. Éintroduzida terapêutica farmacológica através <strong>do</strong> Invega.Em Novembro <strong>de</strong> 2011 começa com Metilfenidato e é orienta<strong>do</strong> para a consulta <strong>de</strong>psicologia <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta (on<strong>de</strong> mantém seguimento quinzenal). <strong>Na</strong> mesma altura, afamília indica à pe<strong>do</strong>psiquiatra que confronta o João com <strong>do</strong>cumentos anteriores à a<strong>do</strong>pção,reforçan<strong>do</strong> a chantagem que exercem sobre o filho, bem com ameaças <strong>de</strong> retor<strong>no</strong> à instituição,concomitantes com situações <strong>de</strong> punição física. João refere que a mãe lhe bate com o cinto,manda-o sentar na cama e bate-lhe nas costas, com o cabo da vassoura e com o mata-moscas. Amãe diz que ele é verbalmente extremamente agressivo consigo, acha convictamente que ele émau, que tem <strong>de</strong> lhe fazer todas as vonta<strong>de</strong>s, caso o frustre torna-se agressivo, pelo que orelacionamento com a mãe se revela particularmente conflituoso. Verifica-se que a criança semantém em processo <strong>de</strong> negação “está tu<strong>do</strong> bem” face a esta situação.<strong>Na</strong> escola quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong> acerca das motivações para os seus comportamentos,reage através <strong>de</strong> sintomas orgânicos preocupantes, tais como <strong>do</strong>res <strong>no</strong> coração, dificulda<strong>de</strong>ssignificativas em respirar, <strong>do</strong>res intensas <strong>no</strong> corpo, pedin<strong>do</strong> para ir para casa. Contu<strong>do</strong>, caso osprofessores não aceitem <strong>de</strong> imediato as suas queixas e falem com ele, João ace<strong>de</strong> em ficar na aulae trabalhar, sem mais queixas. No presente a<strong>no</strong> lectivo, a criança encontra-se ao abrigo <strong>do</strong>Decreto-Lei 3/2008 referente ao regime <strong>de</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial.33


O <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> João nas provas grafo-expressivas revela uma significativa imaturida<strong>de</strong>gráfica, bem como dificulda<strong>de</strong>s na integração da <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> estrutura <strong>familiar</strong> e das diferençasgeracionais e uma significativa angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, evi<strong>de</strong>nte em representações <strong>de</strong> vazio e <strong>de</strong>fragilida<strong>de</strong>.Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às narrativas construídas <strong>no</strong> protocolo <strong>de</strong> C.A.T.-A <strong>de</strong> João verifica-se quepre<strong>do</strong>mina uma temática <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, concomitantes com umarepresentação da relação <strong>de</strong> objecto interna pouco securizante, protectora, contentora. Estãopatentes importantes lacunas precoces na construção da relação e da representação objectalcontentora, apazigua<strong>do</strong>ra e que fortaleça a estrutura egóica. De igual forma, encontra-se presenteum recorrente sentimento <strong>de</strong> ameaça - através da introdução <strong>de</strong> elementos exter<strong>no</strong>s querepresentam a fonte <strong>de</strong> perigo, o qual perante a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> da estrutura, inva<strong>de</strong> e compromete oSelf (o bom objecto) - face à qual não dispõe <strong>de</strong> recursos inter<strong>no</strong>s para enfrentar. Ainda que aposição correspon<strong>de</strong>nte não seja elaborada, verificam-se importantes núcleos <strong>de</strong>pressivos, osquais remetem para uma falha primitiva da estrutura básica, sen<strong>do</strong> a temática da perda muitopresente. Neste senti<strong>do</strong>, a angústia <strong>do</strong>minante parece ser <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong> objecto (a qualparece associada a falhas importantes ao nível da relação mais precoce). São evi<strong>de</strong>ntes núcleos <strong>de</strong>maior fragilida<strong>de</strong>, <strong>no</strong>s quais se verifica a necessida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> suporte, <strong>de</strong> umarelação securizante e contentora, e o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser cuida<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>. As representações <strong>de</strong>relações são na sua maioria duais, sem evocação e integração <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong>, sen<strong>do</strong> asrepresentações <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong> ausentes e <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> significativamente reduzidas equan<strong>do</strong> apresentadas reduzidas a funções instrumentais, pela funcionalida<strong>de</strong> e pela ausência <strong>de</strong>afecto, surgin<strong>do</strong> nas histórias da prova temas relativos à oralida<strong>de</strong> e ao cuida<strong>do</strong> pela alimentação.Do ponto <strong>de</strong> vista simbólico as narrativas são construídas com algum grau <strong>de</strong> restrição e comrecurso ao conteú<strong>do</strong> manifesto <strong>do</strong>s cartões e portanto pouco elaboradas, o que, a par <strong>do</strong>smecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues (projecção, omnipotência), parece remeter para a existência<strong>de</strong> algumas dificulda<strong>de</strong>s em mentalizar e representar simbolicamente as dinâmicas conflituaisintrapsíquicas.Os resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> Teste das Relações Familiares permitem concluir que afigura com a qual João reporta maior envolvimento refere-se à representação <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>,sen<strong>do</strong> percebida como a maior fonte e o mais significativo objecto <strong>de</strong> amor, negan<strong>do</strong>, <strong>de</strong> formapouco saudável, to<strong>do</strong>s os afectos negativos relativos a esta representação. No que concerne àsescalas relativas à representação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência intra<strong>familiar</strong>, verifica-se que João indica ser omaior alvo <strong>de</strong> sobreprotecção materna, sen<strong>do</strong> esta atribuição <strong>de</strong> sentimentos “auto-dirigi<strong>do</strong>s”revela<strong>do</strong>ra das importantes falhas ao nível da relação mais precoce. Relativamente aos34


mecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues na representação da dinâmica <strong>familiar</strong>, <strong>de</strong>staca-se o recurso ànegação, <strong>no</strong> caso da agressivida<strong>de</strong>, principalmente face às figuras parentais, não sen<strong>do</strong> portantosaudavelmente integrada e elaborada, e a i<strong>de</strong>alização da figura materna. Esta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> parece encontrar-se relacionada com a existência <strong>de</strong> angústias maisprimitivas <strong>de</strong> separação, <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> amor <strong>do</strong> objecto, e <strong>do</strong> próprio objecto. Verificamos, ainda,alguma tendência regressiva, maioritariamente expressa na relação com a mãe, resulta<strong>do</strong>s queremetem para as intensas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afecto, cuida<strong>do</strong> e protecção maternas.TomásTomás é um meni<strong>no</strong> <strong>de</strong> oito a<strong>no</strong>s com um <strong>de</strong>senvolvimento estato-pon<strong>de</strong>ral concordantecom a ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> apresentação cuidada e contacto agradável, simpático, expressivo, comunicativo eapelativo. Estabelece um contacto algo indiferencia<strong>do</strong> e exibe um nível <strong>de</strong> compreensão e umaverbalização significativamente imaturos, com um discurso espontâneo, porém por vezes <strong>de</strong>difícil compreensão e um pouco idiossincrático, dada a gran<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> apresentada e asdificulda<strong>de</strong>s articulatórias ao nível da linguagem.Tomás vem à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, referencia<strong>do</strong> pelaCreche que frequentava, ten<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong> acompanhamento pe<strong>do</strong>psiquiátrico aos seis a<strong>no</strong>s epermanecen<strong>do</strong> actualmente em acompanhamento psicológico semanal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010.<strong>Na</strong> origem <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> efectua<strong>do</strong> pela escola, aos 5 a<strong>no</strong>s, encontravam-se importantes dificulda<strong>de</strong>sao nível <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento grafo-expressivo bem como gran<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> e irrequietu<strong>de</strong>psicomotora.Neste senti<strong>do</strong>, <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> pré-primário, e por sugestão da educa<strong>do</strong>ra, aos 5 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,realizou uma avaliação clínica já que foram i<strong>de</strong>ntificadas dificulda<strong>de</strong>s diversas ao nível dascompetências pessoais e sociais. Era <strong>de</strong>scrito pela educa<strong>do</strong>ra como uma criança participativa ecolaborante, contu<strong>do</strong> reservada, com uma baixa auto-estima, com dificulda<strong>de</strong>s ao nível damemorização, da atenção, concentração e representação e expressão gráficas, já que nãoconseguia escrever o próprio <strong>no</strong>me nem se ingressava por tarefas que incluíssem a produçãográfica (e.g. <strong>de</strong>senhos).Foi referencia<strong>do</strong> pela escola que frequenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> para oGrupo <strong>de</strong> Educação Especial para observação e avaliação, sen<strong>do</strong> na altura caracteriza<strong>do</strong> pelaprofessora como uma criança “imatura”, “muito infantil”, com dificulda<strong>de</strong>s em termos daauto<strong>no</strong>mia e responsabilida<strong>de</strong>, e com um discurso “pouco perceptível”, recorren<strong>do</strong>sistematicamente à <strong>do</strong>cente na procura <strong>de</strong> suporte, caso contrário “dispersa-se e começa assobiar,perturban<strong>do</strong> os outros colegas”. A área on<strong>de</strong> revela maior comprometimento é Língua35


Portuguesa, visto que apresentava “muitas dificulda<strong>de</strong>s na aprendizagem da leitura e da escrita”,ao nível da articulação e “pouca maturida<strong>de</strong> para as aprendizagens”. <strong>Na</strong> altura foram a<strong>do</strong>ptadasestratégias <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> individualiza<strong>do</strong> com recurso a matérias mais lúdicos que permitissem captara atenção da criança.Os da<strong>do</strong>s anamnésicos indicam que se tratou <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> risco, vigiada, porémnão planeada, com a duração <strong>de</strong> trinta e oito semanas, nascen<strong>do</strong> a criança com 2,960 quilogramase 47 centímetros <strong>de</strong> comprimento.De acor<strong>do</strong> com informações mencionadas pela mãe, o funcionamento <strong>familiar</strong> écondiciona<strong>do</strong> por gran<strong>de</strong>s perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ausência paterna, por motivos profissionais (motorista <strong>de</strong>autocarros turísticos). Relativamente ao <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor da criança verifica-se que alocomoção foi conseguida <strong>no</strong> tempo expectável (entre um a<strong>no</strong> e um a<strong>no</strong> e meio <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), porém<strong>de</strong>stacam-se importantes dificulda<strong>de</strong>s na articulação das palavras, ten<strong>do</strong> a criança começa<strong>do</strong> afalar tardiamente (pais não mencionam com certeza a ida<strong>de</strong> em que tal aconteceu) e <strong>no</strong> controloesfincteria<strong>no</strong>, com enurese <strong>no</strong>cturna que se prolongou até ao primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>(aproximadamente seis a<strong>no</strong>s). Relativamente à dinâmica <strong>familiar</strong>, Tomás é o filho mais <strong>no</strong>vo <strong>de</strong>uma fratria <strong>de</strong> três, uma irmã <strong>de</strong> 15 a<strong>no</strong>s e um irmão <strong>de</strong> 12, os quais, segun<strong>do</strong> o processo clínico,por questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m temperamental, comportamental e por dificulda<strong>de</strong>s escolares, foramigualmente acompanha<strong>do</strong>s na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria. Esteve aos cuida<strong>do</strong>s da mãe até aoprimeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> vida, e <strong>de</strong>pois até aos cinco a<strong>no</strong>s ao cuida<strong>do</strong> da avó paterna, momento em queingressou <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> pré-escolar.<strong>Na</strong>s produções grafo-expressivas verificam-se importantes fragilida<strong>de</strong>s narcísicas, bemcomo necessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> ser cuida<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>, e uma angústia pre<strong>do</strong>minante <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo, concomitante com a representação <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> vazio inter<strong>no</strong>. A intensida<strong>de</strong>da força pulsional não mentalizada é <strong>de</strong> tal forma significativa que por vezes se verifica umacontaminação entre os conteú<strong>do</strong>s provenientes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fantasmático e da realida<strong>de</strong>. Noâmbito da produção gráfica <strong>familiar</strong>, Tomás parece ter integrada a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> estrutura <strong>familiar</strong>bem como das diferenças <strong>de</strong> género, o mesmo não suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> com a diferenciação geracional.<strong>Na</strong>s narrativas construídas <strong>no</strong> C.A.T.-A pre<strong>do</strong>mina uma temática <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong>, concomitante com uma representação da relação <strong>de</strong> objecto interna poucogratificante, contentora, securizante e protectora. As representações <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong> sãosignificativamente ausentes ou associadas a uma dificulda<strong>de</strong> em ace<strong>de</strong>r à dimensão <strong>do</strong> pater<strong>no</strong>, eas evocações <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> reduzidas, ausentes <strong>de</strong> afecto, funcionais e pouco gratificantes,não se verifican<strong>do</strong>, igualmente, processos claros <strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong> edipiana. Surgem temáticasrelacionadas com alguma conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto da fratria, mas também com o <strong>de</strong>sejo36


subjacente <strong>de</strong> crescimento e auto<strong>no</strong>mia. Encontram-se presentes nas narrativas importantesfragilida<strong>de</strong>s narcísicas e sentimentos <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação, bem como núcleos <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> e<strong>de</strong>pressivida<strong>de</strong>, sem contu<strong>do</strong> ser elaborada a posição <strong>de</strong>pressiva. As pulsões agressivas nãoparecem a<strong>de</strong>quadamente integradas e surgem associadas a uma voracida<strong>de</strong> oral <strong>de</strong>strutiva, sen<strong>do</strong>comuns temáticas ao nível da oralida<strong>de</strong>. Referem-se, ainda, importantes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mentalização e <strong>de</strong> representação simbólica <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> emocional, particularmente perante oconfronto com sentimentos <strong>de</strong> solidão e <strong>do</strong> <strong>de</strong>samparo, face aos quais se verifica, por vezes, aemergência <strong>do</strong> processo primário <strong>de</strong> pensamento. A falência <strong>do</strong>s recursos inter<strong>no</strong>s face asituações <strong>de</strong> maior conflito e angústia produz conteú<strong>do</strong>s mais arcaicos e me<strong>no</strong>s organiza<strong>do</strong>s,alguns <strong>de</strong>les reflexo da intensa luta anti<strong>de</strong>pressiva. Parecem estar patentes lacunas precoces naconstrução da relação e da representação objectais contentoras, apazigua<strong>do</strong>ras e que fortaleçam aestrutura egóica, perceben<strong>do</strong>-se, a criança, <strong>de</strong>sprotegida e exposta a ameaças provenientes darealida<strong>de</strong> externa, perante as quais escasseiam os recursos inter<strong>no</strong>s necessários para os enfrentar.Neste senti<strong>do</strong>, a angústia <strong>do</strong>minante parece ser <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong> objecto, pelo que seencontram presentes necessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e protecção. <strong>Na</strong> representação dadinâmica <strong>familiar</strong> é evocada uma dimensão <strong>de</strong> insatisfação generalizada, perante a qual a criançaevi<strong>de</strong>ncia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer ao exterior e ser ela própria a gratificar a família para sergosta<strong>do</strong> e possuir algum valor narcísico. As narrativas são construídas com algum grau <strong>de</strong>imaturida<strong>de</strong>, tanto <strong>no</strong> que concerne ao mo<strong>do</strong> como o discurso está organiza<strong>do</strong> como <strong>no</strong>vocabulário empregue.No que concerne aos resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Tomás <strong>no</strong> Teste das Relações Familiares verifica-seum hiper-investimento afectivo com a figura representativa da mãe, principalmente <strong>no</strong> queconcerne a sentimentos positivos (fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s), sen<strong>do</strong> esta a pessoa que parece revelar-semais significativa na sua vida afectiva <strong>familiar</strong> e o único alvo e objecto <strong>de</strong> amor. O investimentoafectivo na figura paterna iguala a relativa à fratria, e apresenta uma tendência <strong>de</strong> relacionamentonegativa, na qual os afectos <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> (emiti<strong>do</strong>s e recebi<strong>do</strong>s) são prepon<strong>de</strong>rantes. Nestesenti<strong>do</strong>, parece-<strong>no</strong>s que a resolução <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong> não foi bem integrada, uma vez que arespectiva i<strong>de</strong>ntificação ao elemento <strong>do</strong> casal <strong>do</strong> mesmo sexo, a qual se constitui como uma partemuito significativa da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> secundária e sexual <strong>de</strong> Tomás, parece estar bloqueada, sen<strong>do</strong>que a criança se obriga a amar conscientemente a mãe, <strong>de</strong> forma i<strong>de</strong>alizada, e a odiar o pai, nãoexistin<strong>do</strong> espaço (psíquico e afectivo) para a necessária i<strong>de</strong>ntificação com o mesmo. Aconflitualida<strong>de</strong> relativa aos elementos da fratria é também evi<strong>de</strong>nte. Relativamente às escalas <strong>de</strong><strong>de</strong>pendência verifica-se que o único alvo da sobreprotecção e da sobreindulgência maternas setrata <strong>de</strong> Tomás, resulta<strong>do</strong>s que <strong>no</strong>s parecem relacionar-se com a relação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência37


(anaclítica) que a criança estabelece com esta figura, a qual provém das suas manifestasnecessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> uma relação dual, contentora, protectora e afectuosa. Em termos <strong>do</strong>smecanismos <strong>de</strong>fensivos a que Tomás recorre para lidar com a conflitualida<strong>de</strong> emergente dapercepção da sua dinâmica relacional <strong>familiar</strong>, salienta-se a i<strong>de</strong>alização da mãe, parecen<strong>do</strong>-<strong>no</strong>sesta necessida<strong>de</strong>, a par da tendência regressiva também apresentada, ligada a angústias maisprimitivas <strong>de</strong> separação, <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> amor <strong>do</strong> objecto, e <strong>do</strong> próprio objecto. No mesmo senti<strong>do</strong>,verificamos uma importante negação da agressivida<strong>de</strong> na relação com a mãe e o respectivo<strong>de</strong>slocamento para a figura paterna e outras figuras periféricas, os irmãos.Resulta<strong>do</strong>s globaisCriançasHistória ClínicaVerifica-se nas histórias clínicas das crianças analisadas alguns factores em comum.Efectivamente, e em termos <strong>do</strong>s elementos relaciona<strong>do</strong>s com os progenitores, assinala-se aexistência <strong>de</strong> pais, percebi<strong>do</strong>s pelas crianças e pelas mães, distantes, me<strong>no</strong>s disponíveis, quan<strong>do</strong>não totalmente ausentes; a existência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos parentais, comreconhecimento <strong>do</strong> recurso a apoio psicológico e/ou psiquiátrico <strong>no</strong> caso das mães; aapresentação <strong>de</strong> importantes dificulda<strong>de</strong>s parentais em ler e dar um significa<strong>do</strong> aos esta<strong>do</strong>semocionais e comportamentais da criança, a par <strong>de</strong> mães com pouca capacida<strong>de</strong> reflexiva e <strong>de</strong>rêverie, pouco protectoras e com uma relação ambivalente com as crianças (excessivamentepróxima ou rejeitante perante os seus movimentos <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia e crescimento); a presença <strong>de</strong>agressivida<strong>de</strong> e hostilida<strong>de</strong> <strong>no</strong> meio <strong>familiar</strong>; e a existência <strong>de</strong> um vazio fantasmático perante obebé imaginário, expresso em afirmações <strong>de</strong> indiferença face ao conhecimento da gravi<strong>de</strong>z(sempre não planeada) ou ao nascimento da criança. Por outro la<strong>do</strong>, <strong>no</strong> que concerne às criançasverifica-se a existência <strong>de</strong> sérias alterações <strong>de</strong> comportamento, com e sem agressivida<strong>de</strong>; <strong>de</strong>instabilida<strong>de</strong> emocional e imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> humor; significativos sentimentos <strong>de</strong> insegurança e<strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação (importantes falhas narcísicas) e dificulda<strong>de</strong>s na compreensão e integração <strong>de</strong>regras e limites (evidências da existência <strong>de</strong> instâncias superegóicas externas e superficiais). Aonível <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-motor são comuns as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem, grafo-motoras e<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista simbólico.DesenhosEm termos das produções grafo-expressivas (Desenho Livre, Desenho da FiguraHumana e Desenho da Família segun<strong>do</strong> Corman), parece-<strong>no</strong>s pertinente sublinhar a gran<strong>de</strong>38


imaturida<strong>de</strong> gráfica, bem como as dificulda<strong>de</strong>s manifestas ao nível das diferenças geracionais, asignificativa pobreza simbólica e a presença <strong>de</strong> representações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong>um espaço contentor, remeten<strong>do</strong> para necessida<strong>de</strong>s significativas <strong>de</strong> suporte, contenção eprotecção, sen<strong>do</strong> a angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto pre<strong>do</strong>minante.Children’s Apperception Test – C.A.T.-AAtravés da aplicação <strong>do</strong> C.A.T. e relativamente às representações <strong>do</strong>s imagos parentaisconstituintes nas narrativas <strong>do</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s, verifica-se, em to<strong>do</strong>s os casos, que os imagosmater<strong>no</strong>s são percebi<strong>do</strong>s como funcionais, não protectores e sem ressonância afectiva, e osimagos pater<strong>no</strong>s significativamente ausentes ou ambivalentes (tanto i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s como agressivos).A angústia <strong>do</strong>minante é <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> objecto – patente em sentimentos <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>,aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong> invasão pelo mau objecto (objectos exter<strong>no</strong>s percebi<strong>do</strong>scomo agressivos, perigosos e ameaça<strong>do</strong>res) -, e os mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa utiliza<strong>do</strong>s são na suamaioria arcaicos (clivagem, i<strong>de</strong>alização primária, <strong>de</strong>svalorização, omnipotência e acting-out). Adificulda<strong>de</strong> na integração das pulsões agressivas (ligadas à pre<strong>do</strong>minância da fase anal <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo) é evi<strong>de</strong>nte, bem como a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração daposição <strong>de</strong>pressiva, ainda que se <strong>de</strong>staquem importantes núcleos <strong>de</strong>pressivos e uma importante<strong>de</strong>pendência anaclítica <strong>do</strong> objecto. As relações <strong>de</strong> objecto são percebidas como poucosecurizantes, protectoras e contentoras, pelo que são comuns temáticas ao nível da oralida<strong>de</strong>, <strong>do</strong>cuida<strong>do</strong> através da alimentação (representativas das intensas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, atenção eprotecção). São igualmente salientes as significativas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mentalização e representaçãomental <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> emocional e da intensa conflitualida<strong>de</strong> das dinâmicas intrapsíquicas, bem comozonas superficiais <strong>de</strong> adaptação (<strong>no</strong>meadamente através da presença <strong>de</strong> temas liga<strong>do</strong>s aoquotidia<strong>no</strong> e discurso na maior parte das vezes coerente e organiza<strong>do</strong>), as quais indicam amanutenção <strong>do</strong> teste da realida<strong>de</strong>.Análise da dinâmica internaTodas as crianças analisadas apresentam relações <strong>de</strong> objecto pre<strong>do</strong>minantementeanaclíticas, parciais ou narcísicas, concomitantes com representações <strong>de</strong> objecto internas poucosecurizantes, contentoras ou protectoras (<strong>de</strong>staca-se a ausência <strong>de</strong> introjecções conforta<strong>do</strong>ras etranquiliza<strong>do</strong>ras). A angústia pre<strong>do</strong>minante é <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto (separação ou aban<strong>do</strong><strong>no</strong>), e osmecanismos <strong>de</strong>fensivos mais utiliza<strong>do</strong>s são primários e arcaicos, tais como a clivagem operante, ai<strong>de</strong>alização e <strong>de</strong>svalorização primárias, a omnipotência, o acting-out, a projecção e a i<strong>de</strong>ntificaçãoprojectiva, e uma significativa tendência regressiva (com importantes fixações nas fases oral e anal39


<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicoafectivo). Verificam-se importantes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mentalização, umasignificativa ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação (incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar só e me<strong>do</strong> constante <strong>do</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>)ligada à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição da constância objectal emocional. As perturbações <strong>no</strong>processo <strong>de</strong> separação-individuação foram evi<strong>de</strong>ntes em todas as crianças, bem como aincapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integrar os aspectos bons e maus <strong>do</strong> Self e <strong>do</strong> objecto (representações clivadas) ea <strong>do</strong>minância <strong>de</strong> introjecções negativas (<strong>de</strong>signadamente <strong>de</strong> carácter persecutório em situações <strong>de</strong>co<strong>no</strong>tação neutra).Family Relations TestTambém na prova projectiva F.R.T. se verificaram diversos factores comuns <strong>no</strong>sprotocolos das crianças analisadas na presente investigação, pelo que pensamos po<strong>de</strong>r retiraralgumas conclusões acerca da caracterização das relações emocionais na família da criança comOrganização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong>, como representadas por si, ainda que com carácterpreliminar. Efectivamente, ao nível <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> envolvimento com os membros da famíliaverificamos que o alvo e o objecto <strong>de</strong> maior investimento afectivo é, ten<strong>de</strong>ncialmente e num pólopositivo i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>, a mãe da criança, enquanto os maiores alvos e objectos <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>percebida correspon<strong>de</strong>m aos elementos da fratria (maior atribuição <strong>de</strong> itens negativos), ou ao pai.Em termos da qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> afecto, a maior parte <strong>do</strong>s itens atribuí<strong>do</strong>s na generalida<strong>de</strong> tratam-se<strong>do</strong>s correspon<strong>de</strong>ntes a sentimentos positivos, situação que, como à frente teremos oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> observar, se traduz numa intensa negação da agressivida<strong>de</strong>, representada pelos itens negativos,os quais são, por <strong>no</strong>rma evita<strong>do</strong>s ou manusea<strong>do</strong>s com alguma reserva. Relativamente à direcção<strong>do</strong>s afectos, verifica-se, regra geral, uma tendência a igualar o número <strong>de</strong> itens percebi<strong>do</strong>s comoemiti<strong>do</strong>s e percebi<strong>do</strong>s como recebi<strong>do</strong>s pela criança face aos membros da família. De igual forma,verifica-se uma consi<strong>de</strong>rável tendência à auto-<strong>de</strong>preciação, a qual remete para a existência <strong>de</strong>sentimentos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e incapacida<strong>de</strong> que reflectem uma fragilida<strong>de</strong> narcísica significativa.Verifica-se, por outro la<strong>do</strong>, que as crianças manifestam eleva<strong>do</strong>s índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência afectiva,manifestos através das escalas <strong>de</strong> sobreprotecção e sobreindulgência parental, os quais sãoparticularmente eleva<strong>do</strong>s <strong>no</strong> caso da relação com a figura materna. No que concerne aosmecanismos <strong>de</strong>fensivos mais utiliza<strong>do</strong>s pela criança para gerir a conflitualida<strong>de</strong> latente àrepresentação da dinâmica <strong>familiar</strong>, as estratégias a que mais recorre são a i<strong>de</strong>alização (<strong>do</strong>s imagosparentais, mas <strong>de</strong> uma forma mais significativa da mãe); a negação, acompanhada, por vezes <strong>de</strong><strong>de</strong>slocamento, <strong>do</strong>s afectos negativos e <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>, revelan<strong>do</strong> dificulda<strong>de</strong>s em integrar aspulsões agressivas; e uma significativa tendência regressiva ligada a angústias mais primitivas <strong>de</strong>40


separação e perda <strong>do</strong> objecto e a uma intensa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, protecção e suporteafectivo, revela<strong>do</strong>ra, por sua vez, <strong>de</strong> importantes falhas ao nível das relações precoces.Parece-<strong>no</strong>s, igualmente, pertinente indicar que o nível <strong>de</strong> inibição encontra<strong>do</strong> nestascrianças (consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong> possivelmente por alguma influência <strong>do</strong>smecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues, já que genuinamente <strong>no</strong>s sugeriu que po<strong>de</strong>ria apresentarvalores mais significativos) parece encontrar-se positivamente relaciona<strong>do</strong> com uma expressivatendência à externalização, concomitante com alterações <strong>do</strong> comportamento, com ou semagressivida<strong>de</strong>, o que correspon<strong>de</strong> efectivamente à apresentação semiológica <strong>do</strong>s participantes.Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s pais – EMBU-CA maioria das crianças não reportou qualquer tipo <strong>de</strong> diferenciação na percepção <strong>do</strong> estiloeducativo parental entre os progenitores (excepto Tomás), facto que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se à suadificulda<strong>de</strong> em conseguir distinguir as práticas educativas utilizadas por cada um <strong>do</strong>s pais, mastambém à tendência para a <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> e a revelar resulta<strong>do</strong>s social e moralmente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s(não se comprometen<strong>do</strong> <strong>de</strong>fensivamente com os itens constituintes da prova). No entanto,aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s, verifica-se que a dimensão <strong>de</strong> Suporte Emocional (<strong>no</strong> casoda mãe =3,07 e <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> pai =2,21) é a mais assinalada pelos participantes, seguida dadimensão <strong>de</strong> Tentativa <strong>de</strong> Controlo (mãe =2,40 e pai =1,66) e por último <strong>do</strong> factor Rejeição(=2,04 relativamente à mãe e =1,25 em relação ao pai). Ainda assim, parece-<strong>no</strong>s pertinenteassinalar que se verifica uma diferença entre a percepção das estratégias educativas maternas epaternas, extensiva à representação <strong>de</strong> todas as dimensões, já que <strong>no</strong> caso da mãe verificamosuma maior veemência e expressivida<strong>de</strong> na representação e na avaliação <strong>de</strong> itens, ten<strong>do</strong> estarecebi<strong>do</strong> valores mais eleva<strong>do</strong>s em todas as dimensões, porventura revela<strong>do</strong>ra da intensida<strong>de</strong> darelação estabelecida entre mãe e filho, contrariamente à relação com o pai, a qual parece serpercebida pela criança como me<strong>no</strong>s investida e me<strong>no</strong>s próxima.PaisEntrevistaEm todas as entrevistas realizadas verifica-se uma total ausência <strong>de</strong> representaçãofantasmática relacionada com a emergência <strong>do</strong> bebé evoca<strong>do</strong> na mesma, uma indiferença afectivaque <strong>no</strong>s surpreen<strong>de</strong> e perplexifica, um <strong>de</strong>sconhecimento na ressonância íntima que ocupava o<strong>lugar</strong> <strong>de</strong> um bebé que precisava <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, queri<strong>do</strong> e <strong>de</strong> ganhar um <strong>lugar</strong>, um espaço <strong>de</strong>elaboração e <strong>de</strong> afecto; afinal parece ter si<strong>do</strong> este, em to<strong>do</strong>s os casos, o primeiro vazio41


epresentacional <strong>de</strong>stas crianças, sem <strong>lugar</strong>, senti<strong>do</strong> ou existência simbólica <strong>no</strong> espaço mental <strong>do</strong>spais.Por outro la<strong>do</strong>, a falta <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> reflexiva, em to<strong>do</strong>s os casos, acerca <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>emocional da criança e <strong>do</strong>s seus comportamentos é <strong>no</strong>tória em ambos os progenitores, para osquais parece ser difícil receber, elaborar, dar um senti<strong>do</strong> e <strong>de</strong>volver a angústia da criança, isto é, afunção <strong>de</strong> rêverie materna. No mesmo senti<strong>do</strong>, verifica-se existir pouca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contenção e<strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> respostas contingentes às necessida<strong>de</strong>s da criança (não respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>,respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>no</strong> momento erra<strong>do</strong> ou aplican<strong>do</strong> uma resposta <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quada).A partir das palavras <strong>do</strong>s pais verificamos, também, uma significativa ausência <strong>de</strong>implicação sobre os comportamentos da criança, sem se evi<strong>de</strong>nciar qualquer tipo <strong>de</strong> insight ouressonância acerca <strong>do</strong> seu papel parental e das suas implicações na sua regulação, a qual éconcomitante com atribuições externas (e.g. escola, local <strong>de</strong> habitação, pares) ou intrínsecas àcriança (e.g. temperamento negativo à nascença).Em termos da dinâmica intra<strong>familiar</strong> foi comum encontrar um padrão <strong>de</strong> relacionamento<strong>no</strong> qual o envolvimento com a mãe ten<strong>de</strong> a ser mais próximo <strong>do</strong> que com o pai, cuja relação éten<strong>de</strong>ncialmente ausente ou mais distante, mas também mais conflitual, revelan<strong>do</strong> as manifestasclivagens <strong>do</strong> objecto, o qual só po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> como unicamente mau ou unicamente bom,nunca total e ambivalente.<strong>Na</strong> entrevista, a partir <strong>do</strong> relato <strong>do</strong>s pais, verificamos que as estratégias parentais utilizadasface à criança são, na sua maioria, inconsistentes e muitas vezes significativamente agressivas,passan<strong>do</strong>, muitas vezes, por castigos severos e punições físicas (tais como bater com cinto, cortaro cabelo, banhos <strong>de</strong> água fria), <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> uma dimensão sádica e projectiva por vezes muitointensa. Perante diversos assuntos, verifica-se, também, alguma conflitualida<strong>de</strong> parental face àeducação das crianças (em alguns casos muito significativa), divergin<strong>do</strong> os pais quanto às práticas<strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, salienta-se a diferença encontrada na tomada <strong>de</strong> posições emrelação à percepção <strong>do</strong>s comportamentos da criança e às estratégias <strong>de</strong> intervenção e educaçãoparental (sen<strong>do</strong> o pai ten<strong>de</strong>ncialmente me<strong>no</strong>s tolerante e mais autoritário, e a mãe maispermissiva). Parece, igualmente, evi<strong>de</strong>nte a dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>limitar fronteiras geracionais,principalmente <strong>no</strong> caso da mãe, sen<strong>do</strong> muitas vezes a criança percebida como um companheiro,um objecto para satisfação e compensação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s narcísicas. Ainda <strong>no</strong> que concerne àmãe verificamos um padrão consi<strong>de</strong>ravelmente ambivalente <strong>no</strong> relacionamento com a criança.Efectivamente, parecem tratar-se <strong>de</strong> mães que ou aproximam <strong>de</strong> mais a criança ou quan<strong>do</strong> esta sequer auto<strong>no</strong>mizar rejeitam-na, o que se constitui por uma dificulda<strong>de</strong> em vivenciar o processo <strong>de</strong>separação-individuação da criança, reagin<strong>do</strong> aos seus movimentos <strong>de</strong> crescimento como se <strong>de</strong>42


uma ataque se tratasse, e não algo <strong>de</strong> natural, inerente e necessário ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>sfilhos.Refere-se, ainda, a existência <strong>de</strong> comparações constantes com os restantes elementos dafratria, ten<strong>do</strong>, por vezes, si<strong>do</strong> difícil manter o foco da entrevista na criança em questão, situaçãoque não parece benéfica para a criança, negan<strong>do</strong>-lhe um espaço <strong>de</strong> individualização, umai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> clara e bem diferenciada e um espaço inter<strong>no</strong> nas representações parentais acerca <strong>de</strong>stefilho e fomentan<strong>do</strong>/reforçan<strong>do</strong> a conflitualida<strong>de</strong> entre irmãos.Dimensões e Estilos ParentaisRelativamente à percepção que as mães reportam ter acerca <strong>do</strong> seu próprio estilo parental,a maioria indica que os seus comportamentos seguem um padrão autoritativo (=3,75), segui<strong>do</strong><strong>do</strong> autoritário (=2,19) o qual prece<strong>de</strong> o permissivo (=2), o mesmo suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>no</strong> caso dapercepção que o pai tem acerca <strong>do</strong> seu estilo parental, ainda que com valores me<strong>no</strong>s expressivos(autoritativo =3,46, autoritário =2,16 e permissivo =1,53), resulta<strong>do</strong>s congruentes com oestu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Winsler, Madigan e Aquili<strong>no</strong> (2005) o qual sugere que as mães se avaliam como sen<strong>do</strong>mais autoritativas <strong>do</strong> que os seus esposos. No que concerne à avaliação que as mães fazem daspráticas educativas <strong>do</strong> seu cônjuge verifica-se o mesmo padrão <strong>de</strong> estilo parental (autoritativo=3,20, autoritário =2,16 e permissivo =2,06). No entanto, na avaliação paterna relativa àpercepção <strong>do</strong> estilo parental da mãe, verifica-se uma inversão <strong>de</strong> duas das dimensões, já que,mesmo que o estilo autoritativo seja assinala<strong>do</strong> como o mais comummente utiliza<strong>do</strong> pelasesposas (=3,68), os pais reportam que estas utilizam mais frequentemente estratégiascorrespon<strong>de</strong>ntes ao estilo permissivo (=2,06) <strong>do</strong> que autoritário (=1,80). Efectivamente,parece-<strong>no</strong>s que os pais avaliam as suas esposas como mais autoritativas, mais permissivas, masme<strong>no</strong>s autoritárias <strong>do</strong> que eles próprios, mais uma vez congruente com investigações prece<strong>de</strong>ntes(Winsler et al., 2005). De facto, a investigação parece ser consensual quan<strong>do</strong> indica que as mãesten<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>monstrar práticas parentais que correspon<strong>de</strong>m a um estilo parental autoritativo,enquanto os pais manifestam práticas mais consistentes com um estilo autoritário,particularmente <strong>no</strong> que concerne a estratégias disciplinares (Conra<strong>de</strong> & Ho, 2001). Ainda assim, ofacto <strong>de</strong> este instrumento ser <strong>de</strong> auto-avaliação, à semelhança <strong>do</strong>s restantes inventários, parece<strong>no</strong>sque permitiu que os respon<strong>de</strong>ntes manifestassem um eleva<strong>do</strong> índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> social;na medida em que os pais ten<strong>de</strong>m a assumir os seus estilos e práticas parentais como os mais<strong>de</strong>sejáveis e aceitáveis em termos sociais (Winsler et al., 2005).43


Práticas ParentaisAs práticas parentais reportadas como mais utilizadas pelos pais participantes na presenteinvestigação tratam-se daquelas que se constituem como Disciplina Apropriada (=3,66) – e.g.fazer com que a criança perceba e corrija um mau comportamento, discutir com a criança umasituação negativa e os seus resulta<strong>do</strong>s -, Parentalida<strong>de</strong> Positiva (=3,04) – <strong>de</strong>monstrar afecto,elogiar um bom comportamento - e aplicação <strong>de</strong> Disciplina Rígida para a Ida<strong>de</strong> (=3) – aplicarcastigos severos, zangar-se com a criança. A enunciação <strong>de</strong> expectativas claras à criança enquantoestratégia <strong>de</strong> regulação <strong>do</strong> seu comportamento encontrou os valores me<strong>no</strong>s expressivos (=1,44),resulta<strong>do</strong> que parece associa<strong>do</strong> ao facto <strong>de</strong> os pais esperarem da criança <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>scomportamentos sem antes terem enuncia<strong>do</strong> o que esperam ou aquilo que consi<strong>de</strong>ram a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>,seguin<strong>do</strong>-se reacções bruscas e não mentalizadas.Preocupações parentaisVerifica-se que o tipo <strong>de</strong> preocupações mais assinaladas pelas famílias respon<strong>de</strong>ntesrelativamente às crianças consi<strong>de</strong>radas na investigação se pren<strong>de</strong> com o nível <strong>de</strong> preparação dacriança face a situações que possam ter um impacto negativo <strong>no</strong> seu bem-estar (=4,66), seguidadas preocupações relativas à existência <strong>de</strong> me<strong>do</strong>s (=4,16), sen<strong>do</strong> as que mais se <strong>de</strong>stacam. Noentanto são, também, assinaláveis as preocupações relativas aos problemas <strong>familiar</strong>es e situaçõesescolares (= 3,62), ao nível <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento infantil da criança (=3,20) e por fim emtermos <strong>do</strong>s comportamentos negativos que esta manifesta (=3,11), resulta<strong>do</strong> que consi<strong>de</strong>ramospara<strong>do</strong>xal face à sintomatologia <strong>de</strong> externalização apresentada por todas as crianças <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, eo grau <strong>de</strong> severida<strong>de</strong> assinala<strong>do</strong> pelos pais expresso nas entrevistas.Coparentalida<strong>de</strong>No que concerne à dimensão relativa à coparentalida<strong>de</strong> verificamos que, uma vez mais, osresulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s pelos participantes não revelam distinção em termos das dimensõesassinaladas quer pela mãe quer pelo pai, pelo que a or<strong>de</strong>m pelo qual os factores são <strong>de</strong>scritos é amesma, <strong>no</strong> caso Cooperação (=4,4 <strong>no</strong> caso da mãe e =4,06 <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> pai) – grau <strong>de</strong> apoio,valorização e respeito mútuo entre o casal parental -, Conflito (=3 <strong>no</strong> caso da mãe e =2,33 <strong>no</strong>caso <strong>do</strong> pai) - frequência com que os pais discutem ou estão em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> filho - eTriangulação (=1,25 <strong>no</strong> caso da mãe e =1,08 <strong>no</strong> caso <strong>do</strong> pai) - o grau em que um <strong>do</strong>s pais criauma aliança com o filho, excluin<strong>do</strong> o outro progenitor. No entanto, os valores encontra<strong>do</strong>svoltam a ser mais expressivos <strong>no</strong> caso da mãe <strong>do</strong> que <strong>no</strong> pai.44


DiscussãoA presente investigação teve como objectivo analisar a dinâmica <strong>familiar</strong> <strong>de</strong> crianças comOrganização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong>, tal como percebida pela criança, bem como as suasrepresentações parentais imagóicas, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> pioneiro, não só por tal temáticanunca ter si<strong>do</strong> estudada com uma população infantil, particularmente <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> latência,como pela abordagem meto<strong>do</strong>lógica utilizada, a qual aten<strong>de</strong>u, igualmente, à compreensão e àconfirmação da existência <strong>de</strong> características patog<strong>no</strong>mónicas e <strong>de</strong> factores etiopatogénicos teóricae empiricamente liga<strong>do</strong>s ao funcionamento limite na infância. Para tal recorreu à recolha e análise<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s provenientes <strong>de</strong> diversas fontes, as quais, funcionan<strong>do</strong> numa lógica <strong>de</strong>complementarida<strong>de</strong>, procuraram alcançar um conhecimento profun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s e, aum nível mais global, <strong>do</strong> funcionamento inter<strong>no</strong> das crianças com um funcionamento bor<strong>de</strong>rline.O número cada vez mais crescente <strong>de</strong> patologias emocionais da criança e a complexida<strong>de</strong>e severida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s quadros clínicos que se manifestam, colocam questões diagnósticas que <strong>de</strong>s<strong>de</strong>logo se impõem <strong>no</strong> caso concreto da psicopatologia da criança, dada a maleabilida<strong>de</strong> e aplasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aparelho psíquico infantil, e a labilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s processos e mecanismos a querecorre <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> encontrar alguma organização e consistência internas, em meios não rarasvezes hostis, conflituosos e abandónicos, negligentes da necessida<strong>de</strong> idiossincrática da criança <strong>de</strong>uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, um espaço e um <strong>lugar</strong> para existir enquanto tal, negativos, portanto, não só a umnível representacional mas também real. Apesar <strong>de</strong> Bemporad e colabora<strong>do</strong>res (1982) (ver, porfavor, Anexo D) terem <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> diagnóstico para a O.B.P. nainfância, actualmente não existe uma formulação internacional que seja consensual, já que areferência aos sistemas <strong>de</strong> classificação próprios da adultícia (DSM-IV-TR e ICD-10) não serevela a<strong>de</strong>quada às particularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente, nem tãopouco a aplicação <strong>de</strong>ste diagnóstico ao funcionamento mental infantil é ausente <strong>de</strong> controvérsia.Como para outras perturbações da personalida<strong>de</strong> na criança, revela-se difícil encontrar estu<strong>do</strong>sepi<strong>de</strong>miológicos sobre a patologia limite. No entanto, a prática clínica, a literatura e a investigaçãoempírica indicam que as crianças que correspon<strong>de</strong>m ao perfil da patologia limite reúnem umnúmero consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> aspectos comuns subjacentes ao seu funcionamento e à suaetiopatogenia.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s objectivos <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>, o <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o funcionamentointer<strong>no</strong> das crianças com O.B.P. e confirmar a hipótese etiopatogénica <strong>de</strong> Keinänen ecolabora<strong>do</strong>res (2012), constatamos, <strong>no</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s, a presença <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les, nãoobstante que com graus <strong>de</strong> severida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> diferentes em cada criança.45


Efectivamente, se consi<strong>de</strong>rarmos primeiramente a existência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes <strong>familiar</strong>espsiquiátricos como um factor predisponente ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> patologia limite, verificou-seem to<strong>do</strong>s os casos analisa<strong>do</strong>s a presença <strong>de</strong> acompanhamentos psicológicos/psiquiátricosparentais, o que por si só não significan<strong>do</strong> linearmente a presença <strong>de</strong> psicopatologia remete para aexistência egossintónica <strong>de</strong> sofrimento mental, ainda que o que <strong>no</strong>s preocupe e <strong>no</strong>s faça maisseriamente pensar em psicopatologia parental são muitos <strong>do</strong>s comportamentos a que a criançaassiste e que <strong>de</strong>monstram o precário equilíbrio da saú<strong>de</strong> mental <strong>familiar</strong>, já que os pais <strong>de</strong>veriamser os principais agentes da saú<strong>de</strong> mental <strong>do</strong>s filhos (Strecht, 2003). Estes resulta<strong>do</strong>s parecem ir<strong>no</strong> mesmo senti<strong>do</strong> das investigações <strong>de</strong> Trull (2000a e 2000b) e <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>low (2005), as quaisindicam que a existência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos parentais é um <strong>do</strong>s mais robustosfactores preditivos <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da O.B.P., <strong>no</strong>meadamente a existência <strong>de</strong> patologias <strong>de</strong>personalida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s progenitores (cerca <strong>de</strong> 60% <strong>do</strong>s casos, segun<strong>do</strong> Palacio-Espasa, 2004). Palacio-Espasa e Dufour (1994) encontraram nas mães <strong>de</strong> pacientes limites 60% <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressões pós-partoe 10% <strong>de</strong> psicoses puerperais. Em to<strong>do</strong>s os casos, para além da patologia parental, verifica-se apresença <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos na família extensiva.Atendamos, por outro la<strong>do</strong>, à ocorrência <strong>de</strong> acontecimentos traumáticos, <strong>no</strong> âmbito <strong>do</strong>squais se encontram não só os comportamentos negligentes e abusivos, física e psicologicamenteque efectivamente se verificam, mas também as vivências <strong>de</strong> perdas e separações precoces. Aindaque a severida<strong>de</strong> das práticas parentais em cada um <strong>do</strong>s casos possa evi<strong>de</strong>nciar a ocorrência <strong>de</strong>comportamentos que se configuram como agressivos e negligentes para o bem-estar da criança,num <strong>do</strong>s casos este factor tem um particular significa<strong>do</strong> e uma dimensão in<strong>de</strong>scritivelmente maisnegativa (caso João), particularmente pela ocorrência precoce e severa <strong>de</strong> maus-tratoscontinua<strong>do</strong>s. Efectivamente, analisan<strong>do</strong> crianças com e sem O.B.P., as investigações <strong>de</strong> Gudzeret al (1996) e posteriormente <strong>de</strong> Paris (2000) encontraram valores eleva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> trauma cumulativona criança bor<strong>de</strong>rline, sugerin<strong>do</strong> que a vivência <strong>de</strong> múltiplos acontecimentos traumáticos é maispreditiva <strong>de</strong> patologia bor<strong>de</strong>rline <strong>do</strong> que a ocorrência <strong>de</strong> um único acontecimento. Por outrola<strong>do</strong>, crianças, a<strong>do</strong>lescentes e adultos cuja experiência <strong>de</strong> vitimização tenha si<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>trauma prolonga<strong>do</strong> manifestam uma sintomatologia mais complexa e <strong>de</strong> impacto mais severo emtermos longitudinais na sua personalida<strong>de</strong>, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e na sua capacida<strong>de</strong> para serelacionar com outros (Herman, 1989), especialmente em indivíduos cuja capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mentalizar se encontra a priori fragilizada, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a existência <strong>do</strong> trauma causar um verda<strong>de</strong>irocolapso na vulnerável estrutura psíquica (Fonagy, 2003), o que parece correspon<strong>de</strong>r ao caso <strong>de</strong>João.46


Comuns em to<strong>do</strong>s os casos foram, também, as separações <strong>de</strong> figuras importantes emida<strong>de</strong>s precoces <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das crianças (<strong>no</strong> caso <strong>de</strong> João as separações regulares dafigura materna e a total ausência paterna numa fase precoce <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>no</strong>s casos <strong>de</strong>Tomás e Afonso as separações pontuais <strong>do</strong> pai, e neste último a perda <strong>de</strong> uma importante figura<strong>de</strong> referência à qual estava particularmente liga<strong>do</strong> – o avô). De facto, a importância da existência<strong>de</strong> separações precoces na etiopatogenia da O.B.P. vem a ser assinalada por diversos autores, emparticular da figura paterna (Ban<strong>de</strong>low, 2005), <strong>de</strong>signadamente Walsh (1977) o qual constatou queum gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> indivíduos com organização limite reportava ter experiencia<strong>do</strong>significativas separações (por via <strong>de</strong> divórcio, morte ou outro tipo <strong>de</strong> ausência), e Bradley (1979)que verificou que 64% das crianças com patologia bor<strong>de</strong>rline vivenciaram separaçõesprolongadas <strong>do</strong>s seus pais numa primeira fase da vida e que essas ausências aconteciam maisprovavelmente nestas crianças <strong>do</strong> que em crianças com outras formas <strong>de</strong> psicopatologia. Aindisponibilida<strong>de</strong> da figura paterna, quer resultante <strong>de</strong> ausências reais quer <strong>do</strong> maiordistanciamento afectivo, consubstancia-se como um factor transversal às histórias clínicasanalisadas. Ora, a ausência <strong>do</strong> pai, não necessariamente conduzin<strong>do</strong> a perturbaçõespsicopatológicas, é consi<strong>de</strong>rada patogénica na medida em que po<strong>de</strong> criar condições paraprolongar a <strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s filhos em relação à figura materna – como aliás se verificou emto<strong>do</strong>s os meni<strong>no</strong>s -, dificultan<strong>do</strong> ou perturban<strong>do</strong> a triangulação edipiana, com repercussões aonível <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong> separação-individuação (Malpique, 1999). Assim, aexcessiva aproximação entre a mãe e a criança po<strong>de</strong> construir-se como obstáculo para o<strong>de</strong>senvolvimento da sua auto<strong>no</strong>mia e aquisição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. O pai, frequentemente <strong>de</strong>miti<strong>do</strong>das suas funções parentais (e <strong>no</strong>s presentes casos, ou indisponível, ou presente e mal-tratante ouausente, por vezes substituí<strong>do</strong> com diversas alternâncias que carecem <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>), parecepropiciar o aparecimento <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e aban<strong>do</strong><strong>no</strong> e baixa auto-estima(Malpique, 1999). Se num <strong>do</strong>s casos (João) a ausência e o carácter mal-tratante da figura paternapautou o seu relacionamento com a criança, <strong>no</strong>s <strong>do</strong>is restantes casos (Afonso e Tomás) estaausência (manifesta em separações por vezes prolongadas) ou indisponibilida<strong>de</strong> paterna éevocada <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> duas das mães, repercutin<strong>do</strong>-se, <strong>no</strong>s três, na representação <strong>do</strong> imagopater<strong>no</strong> constante <strong>no</strong>s protocolos <strong>de</strong> C.A.T. das crianças (<strong>no</strong> caso <strong>de</strong> Afonso com um imagopater<strong>no</strong> ambivalente, entre agressivo e i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>, para João totalmente ausente e <strong>no</strong> caso <strong>de</strong>Tomás rejeitante e controla<strong>do</strong>r).A existência <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> vinculação inseguro-ambivalente a <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong>, outro<strong>do</strong>s factores etiopatogénicos <strong>do</strong> funcionamento limite, embora não medi<strong>do</strong> por um instrumentoque a esse fim unicamente se <strong>de</strong>stinasse, a partir <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s da história clínica, <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong>s pais47


e <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s das provas projectivas (C.A.T. e F.R.T.), parece ter si<strong>do</strong> confirma<strong>do</strong> através,<strong>de</strong>signadamente, <strong>de</strong> uma importante ambivalência face à principal figura <strong>de</strong> vinculação – mãe -,patente em movimentos dicotómicos mútuos (da mãe e da criança) <strong>de</strong> aproximação e rejeição;bem como <strong>de</strong> características <strong>de</strong> relacionamento interpessoal intenso, instável na criança, os quaishabitualmente se relacionam com tais padrões <strong>de</strong> vinculação (Agrawal et al, 2004), movimentos<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e me<strong>do</strong> da perda da figura <strong>de</strong> vinculação, a par <strong>de</strong> pouca utilização damesma e intenso <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> perante a separação. Por <strong>de</strong>finição, e tal como suce<strong>de</strong> com estascrianças, os relacionamentos <strong>de</strong> indivíduos com O.B.P. não são percebi<strong>do</strong>s como seguros,verifican<strong>do</strong>-se, por conseguinte, uma associação entre o diagnóstico <strong>de</strong> O.B.P. e formas inseguras<strong>de</strong> vinculação (Agrawal et al, 2004). De facto, são evi<strong>de</strong>ntes falhas na constância objectal, e aexistência <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> objecto internas percebidas como pouco securizantes, protectoras econtentoras. Investigações prece<strong>de</strong>ntes com crianças com O.B.P. que relacionam esta patologia àinsegurança <strong>do</strong> padrão <strong>de</strong> vinculação indicam que se verifica habitualmente uma intensaansieda<strong>de</strong> perante a separação, <strong>de</strong>signadamente na Situação-Estranho, na qual a criança nãoconsegue confiar na mãe para aliviar a ansieda<strong>de</strong>, permanecen<strong>do</strong> num registo evitante ouresistente, mesmo perante a sua presença (Sable, 1997). Recordamo-<strong>no</strong>s <strong>do</strong> que <strong>no</strong>s dizia, nestesenti<strong>do</strong>, a mãe <strong>de</strong> Manuel que o filho “antes andava sempre atrás <strong>de</strong> mim, ficava em pânico senão encontrasse a mãe”, a mãe <strong>de</strong> João refere “é uma criança muito agarrada aos pais, cola-semuito”, mas também a mãe <strong>de</strong> Tomás “ele é muito protector comigo; é a mãe, a mãe, a mãe epronto”.A propósito <strong>de</strong>ste padrão <strong>de</strong> vinculação, Alexandre (2007) diz-<strong>no</strong>s que a relação objectal<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência infantil faz com que a distância psíquica com o objecto seja balizada, por umla<strong>do</strong>, por uma necessida<strong>de</strong> vital <strong>de</strong> se aproximar e estar <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte mas, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>se afastar e manter à distância. Parece-<strong>no</strong>s que a relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com o objecto é numaprimeira fase fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo e fascínio mas, ao mesmo tempo, a criança necessita <strong>de</strong> o manter àdistância por receio <strong>de</strong> o per<strong>de</strong>r, o que faz com que a relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> seja assombradapela ansieda<strong>de</strong> da perda e da intrusão. Isto leva-<strong>no</strong>s a um mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa recorrente nestetipo <strong>de</strong> funcionamento, já que a relação com os objectos é marcada por uma intensa clivagementre o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estar próximo, <strong>de</strong> forma a evitar um <strong>de</strong>serto objectal insuportável (Alexandre,2007), e simultaneamente distante, sen<strong>do</strong> as ausências sentidas como perdas e as presençasarriscan<strong>do</strong>-se a ser percebidas como intrusões (Strecht, 2003).Outro <strong>do</strong>s factores etiopatogénicos <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s por diversos investiga<strong>do</strong>res trata-se daexistência <strong>de</strong> patologia na dinâmica <strong>familiar</strong>. Se todas as <strong>do</strong>enças mentais são <strong>do</strong>enças <strong>de</strong> relação,ou seja, perturbações da forma <strong>de</strong> estabelecer relações com os outros (Matos, 1969/2007), <strong>no</strong>48


caso particular <strong>de</strong>sta investigação, não só na entrevista realizada com os pais e <strong>no</strong>s da<strong>do</strong>s dahistória clínica mas principalmente nas provas projectivas (<strong>de</strong>stacamos os resulta<strong>do</strong>s na aplicação<strong>do</strong> C.A.T e <strong>do</strong> F.R.T.), verificamos que a percepção que estas crianças têm das suas famílias é <strong>de</strong>maior controlo e me<strong>no</strong>r constância afectiva, da<strong>do</strong>s consistentes com a investigação <strong>de</strong> Zweig-Frank e Paris (1991) <strong>de</strong> que pacientes com O.B.P. reportam, tanto <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s pais como dasmães, a percepção <strong>do</strong>s seus pais como significativamente me<strong>no</strong>s carinhosos e mais controla<strong>do</strong>res.A existência <strong>de</strong> conflito intra-<strong>familiar</strong>, quer entre o casal parental (congruente com Walsh, 1977,cujo estu<strong>do</strong> concluiu que uma significativa percentagem <strong>de</strong> adultos com O.B.P. reportam relaçõesparentais conflituosas) quer entre pais-criança, ou <strong>no</strong> âmbito da fratria é, também, um <strong>do</strong>saspectos salientes à percepção da dinâmica <strong>familiar</strong> <strong>de</strong>stas crianças, bem como a gran<strong>de</strong>dificulda<strong>de</strong> em lidar com a conflitualida<strong>de</strong> entre irmãos, pelos quais são expressos frequentessentimentos <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>, hipótese previamente colocada por Kernberg e colabora<strong>do</strong>res (2003).Efectivamente, testemunhar violência intra<strong>familiar</strong>, como acontece em pelo me<strong>no</strong>s um <strong>do</strong>s casosanalisa<strong>do</strong>s (Afonso, embora coloquemos a hipótese <strong>de</strong> tal acontecer com Tomás), tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>uma experiência traumática intra<strong>familiar</strong> na infância, constitui-se como um factor <strong>de</strong> risco,afectan<strong>do</strong> a criança não só directamente, como indirectamente através da influência na relaçãocom o/os cuida<strong>do</strong>r/es e entre os restantes membros da constelação <strong>familiar</strong> (Liotti, 2000). Asinvestigações <strong>de</strong> Soloff e Millward (1983) permitiram verificar um padrão <strong>de</strong> patologia <strong>familiar</strong>em indivíduos com funcionamento limite, o qual se constitui pela presença <strong>de</strong> mães <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>rase excessivamente simbiotizantes, pais hostis e distantes e relações conjugais conflituosas, padrõesque em pelos me<strong>no</strong>s <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s casos (Afonso e Tomás) po<strong>de</strong>mos constatar.A inconsistência materna e nas práticas parentais aliada a uma parentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreenvolvimentoe tendência para o controlo, segun<strong>do</strong> Bezirganian e colabora<strong>do</strong>res (1993), é umpreditor específico <strong>de</strong>sta psicopatologia, encontran<strong>do</strong>-se patente <strong>no</strong>s relatos <strong>do</strong>s pais naentrevista, assim como a falta <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> reflexiva e <strong>de</strong> contingência <strong>no</strong>s cuida<strong>do</strong>s e nasrespostas aos comportamentos e necessida<strong>de</strong>s da criança. Esta falta <strong>de</strong> continência, reflectida nadificulda<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte <strong>no</strong>s pais analisa<strong>do</strong>s em ler, perceber e dar um sen<strong>do</strong> e uma ressonânciaemocional aos esta<strong>do</strong>s da criança é, também, algo verifica<strong>do</strong> em investigações prece<strong>de</strong>ntes asquais <strong>de</strong>stacam relatos <strong>de</strong> indivíduos com P.B.P. <strong>de</strong> pais pouco contingentes, me<strong>no</strong>s atentos,compreensivos e afectuosos (Sack et al., 1996).O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>low e colabora<strong>do</strong>res (2005) confirmou a associação com a existência<strong>de</strong> patologia limite e a a<strong>do</strong>pção <strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s. Parece-<strong>no</strong>s bastanteproeminente, na totalida<strong>de</strong> das crianças investigadas, e embora os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s <strong>no</strong>sinstrumentos quantitativos não apontem linearmente <strong>no</strong> mesmos senti<strong>do</strong>, facto que pensamos49


<strong>de</strong>ver-se à forte presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> social, a a<strong>do</strong>pção parental <strong>de</strong> práticas parentaisinconsistentes e muitas vezes <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quadas quer em termos da sua severida<strong>de</strong>, quer relativamenteao nível <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da criança, tais como castigos rígi<strong>do</strong>s e puniçõesfísicas inapropriadas, ten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as crianças a ter uma representação <strong>do</strong>s imagos parentais comonegativa.As formas <strong>de</strong> comunicação patológica <strong>de</strong>scritas entre os membros da família <strong>de</strong>indivíduos com patologia bor<strong>de</strong>rline, tais como o comportamento pre<strong>do</strong>minantemente intrusivo,a utilização narcísica da criança, a inconsistência, a <strong>de</strong>spersonalização da criança, a qual é tratadacomo um objecto para apaziguar as necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s pais (maioritariamente da mãe,acreditamos), e não como um ser individual, com necessida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sejos e expectativas própriosforam aspectos evi<strong>de</strong>ntes nas dinâmicas <strong>familiar</strong>es <strong>do</strong>cumentadas.Em to<strong>do</strong>s os casos, a figura materna não é evocada como um objecto protector eafectuoso, <strong>de</strong> importância fulcral para a integração <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> objecto interna securizantee organiza<strong>do</strong>ra, o qual permitiria à criança a constância objectal necessária para fazer face àsangústias e conflitos inter<strong>no</strong>s. Pelo contrário, as figuras parentais são extremamente projectivasna relação com as crianças (lembra-<strong>no</strong>s a propósito a mãe <strong>de</strong> Afonso dizen<strong>do</strong> <strong>do</strong> filho que era “ofilho <strong>do</strong> Diabo”) constituin<strong>do</strong>-se por um conflito <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> narcísica proveniente <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificações projectivas «alienantes». “Estas tornaram-se nefastas, quer porque servem paraevacuar o que os pais não conseguem suportar neles <strong>do</strong> seu passa<strong>do</strong>, quer porque inva<strong>de</strong>m e seanexam o funcionamento mental da criança, confirman<strong>do</strong> o peso transgeracional a que assistimosnestes casos. Os pais não se servem <strong>de</strong>las para comunicar, mas sim para continuar a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-secontra conflitos que remontam à sua infância.” (Bléan<strong>do</strong>nu, 1999, pg. 93). À semelhança <strong>de</strong>Masterson, na hipótese etiopatogénica da O.B.P., Adler e Buie (1979) vêm a sugerir que a criançabor<strong>de</strong>rline não conseguiu <strong>de</strong>senvolver um senti<strong>do</strong> estável <strong>de</strong> constância objectal, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às falhasprecoces na relação com a mãe, na qual a falta <strong>de</strong> empatia, <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> rêverie foramevi<strong>de</strong>ntes (Meeking e O’Brien, 2004). Em resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta situação, as crianças, sem conseguiremmentalizar e dar um senti<strong>do</strong> às experiências emocionais, vivenciam intensos sentimentos <strong>de</strong> raiva,intolerância, ansieda<strong>de</strong> e frustração, impossíveis <strong>de</strong> serem auto-regula<strong>do</strong>s, causan<strong>do</strong>comportamentos agressivos ou dissociativos, ou, <strong>de</strong> outra forma, experiencian<strong>do</strong> sentimentos <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> vazio e <strong>de</strong>pendência.Posto isto, os da<strong>do</strong>s provenientes <strong>de</strong> diversas fontes, os quais permitiram alcançar umamaior e mais profun<strong>do</strong> conhecimento acerca <strong>do</strong> funcionamento-limite na infância e da suaetiopatogenia, embora confirmem a significativa influência <strong>de</strong> perturbações ao nível daparentalida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> funcionamento <strong>familiar</strong> como se hipotetizou na presente investigação, vêm50


sustentar a hipótese <strong>de</strong> que a evidência cumulativa <strong>de</strong> diversos factores <strong>de</strong> risco parece <strong>de</strong>cisiva<strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aumentar a vulnerabilida<strong>de</strong> psicológica da criança a <strong>de</strong>senvolver uma O.B.P..Relativamente ao objectivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o funcionamento inter<strong>no</strong> das crianças comorganização bor<strong>de</strong>rline, preten<strong>de</strong>mos reflectir acerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s da história clínica econstantes <strong>no</strong>s <strong>de</strong>sempenhos nas provas projectivas <strong>do</strong>s casos que analisamos.Em primeiro <strong>lugar</strong>, em to<strong>do</strong>s os casos assistimos a um total vazio fantasmático em tor<strong>no</strong><strong>de</strong>stes meni<strong>no</strong>s outrora bebés. Efectivamente, quan<strong>do</strong> a criança é <strong>de</strong>sejada o diálogo pais-filhoexiste já na imaginação <strong>do</strong> casal, nem que seja somente pela escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me que começa aconferir à futura criança a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a sua realida<strong>de</strong> sexual, já que este simples gestorepresenta já o inicio <strong>de</strong> uma relação (Rota, 1991). Quan<strong>do</strong> a gravi<strong>de</strong>z é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejocomum, <strong>de</strong> um acto <strong>de</strong> amor, tanto afectivo como sexual, quan<strong>do</strong> se inscreve numa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>procriar e <strong>de</strong> se enriquecer - e diríamos que mesmo quan<strong>do</strong> tal não acontece - a vida da criançanão começará com o nascimento. Para além <strong>do</strong> concretismo da genética e da biologia, preexistirá<strong>no</strong> imaginário e <strong>no</strong> amor <strong>do</strong>s pais. Neste senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> uma preexistência afectiva,por oposição à realida<strong>de</strong> objectiva <strong>do</strong> nascimento. De uma maneira indirecta e agressiva, paradisfarçar a sua inquietação, a criança procura simplesmente saber se é resulta<strong>do</strong> concreto <strong>de</strong> umamor <strong>no</strong> qual já ocupava um <strong>lugar</strong> ou se é apenas o fruto mais ou me<strong>no</strong>s infeliz e incómo<strong>do</strong> <strong>de</strong>circunstâncias fortuitas. Isto muda tu<strong>do</strong> para ela: <strong>no</strong> primeiro caso, sente total direito à existência;<strong>no</strong> segun<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong> reduzida à posição <strong>de</strong> “<strong>de</strong>frauda<strong>do</strong>ra”, <strong>de</strong> “imigranteclan<strong>de</strong>stina” <strong>no</strong> país da vida, tem a sensação <strong>de</strong> ser mais tolerada <strong>do</strong> que <strong>de</strong>sejada, mais aceite <strong>do</strong>que amada (Rota. 1991).Acompanhan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento patog<strong>no</strong>mónico <strong>de</strong>stas crianças verificamos atrasosem conquistas <strong>de</strong>senvolvimentais tais como a linguagem, a qual <strong>no</strong>s parece particularmentesignificativa já que as maiores dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>stas crianças se pren<strong>de</strong>m com alíngua portuguesa, afinal a língua materna, as quais <strong>no</strong>s fazem pensar nas inquietações ligadas àdimensão da relação com o imago mater<strong>no</strong>; concomitantes com uma imaturida<strong>de</strong> geralencontrada, com atrasos <strong>no</strong>s <strong>de</strong>sempenhos cognitivos e nas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> simbolização, osquais foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s por autores como Misès (1990) <strong>no</strong> âmbito <strong>de</strong> possíveis <strong>de</strong>sarmoniasevolutivas numa primeira manifestação semiológica da patologia (cerca <strong>do</strong>s 3-4 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>).Neste senti<strong>do</strong>, esta tendência para o atraso <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento parece-<strong>no</strong>s inscrita num quadro<strong>de</strong> perturbações precoces ligadas ao sistema <strong>de</strong> vinculação com a figura materna, traduzida pelopadrão <strong>de</strong> vinculação inseguro-ambivalente supra <strong>de</strong>scrito, o qual foi evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> precocemente51


em manifestações <strong>de</strong> intensa ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação face à mãe alternada com uma retirada e umaparente <strong>de</strong>sligamento afectivo.Observamos, igualmente, com interesse a ausência <strong>de</strong> um objecto transitivo na infânciaprecoce <strong>do</strong>s meni<strong>no</strong>s investiga<strong>do</strong>s (já <strong>de</strong>scrita por Kernberg et al, 2003), a qual <strong>no</strong>s faz perfeitosenti<strong>do</strong>, na medida que a sua existência pressupõe a internalização <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> objectopositiva com a mãe. Sem experiências intermédias <strong>de</strong> reparação, observamos a procura <strong>de</strong>stascrianças <strong>do</strong> contacto físico directo com a mãe, em busca <strong>de</strong> uma proximida<strong>de</strong> sensorial quasesimbiótica que ofereça conforto e contenção. Posto isto, parece confirmar-se a hipótese <strong>de</strong> Adler(1985) a qual indica que nestas crianças se verifica uma ausência <strong>de</strong> introjecções conforta<strong>do</strong>ras etranquiliza<strong>do</strong>ras, transposta, posteriormente, para a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer uma memóriaevocativa, na qual a criança pu<strong>de</strong>sse criar uma imagem contentora <strong>de</strong> uma figura materna naausência física da mãe.O <strong>de</strong>senvolvimento posterior <strong>de</strong>stas crianças foi, numa fase seguinte (entre os quatro e osseis a<strong>no</strong>s), marca<strong>do</strong> por aquilo que Palacio-Espasa (2004) <strong>de</strong>screve como precursorespatog<strong>no</strong>mónicos <strong>do</strong> funcionamento limite na infância, <strong>de</strong>signadamente, manifestações clínicas,indicadas pelos pais na entrevista e <strong>no</strong>s da<strong>do</strong>s consulta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> irrequietu<strong>de</strong> e instabilida<strong>de</strong>psicomotora, dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atenção e concentração, alterações <strong>de</strong> comportamentoacompanhadas <strong>de</strong> crises <strong>de</strong> raiva e agressivida<strong>de</strong>, tendência para a excessiva proximida<strong>de</strong>(contacto algo indiferencia<strong>do</strong>) e para a euforia - diríamos que como uma fuga maníaca aosesta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>pressivos -, acompanhada por perturbações da simbolização, especialmente evi<strong>de</strong>ntesquan<strong>do</strong> se tratava <strong>de</strong> encontrar mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong>s fantasmas agressivos, portanto daspulsões emergentes não integradas. Foi consensual encontrar gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em conter econtrolar as dinâmicas pulsionais e a conflitualida<strong>de</strong> interna, dada a manifesta vulnerabilida<strong>de</strong> efragilida<strong>de</strong> psíquicas, daí que habitualmente se consi<strong>de</strong>ra a organização bor<strong>de</strong>rline a patologia <strong>do</strong>agir, sen<strong>do</strong> o sofrimento <strong>de</strong>scarrega<strong>do</strong> imprevisível e impulsivamente. O jogo e o discurso <strong>de</strong>stesmeni<strong>no</strong>s parecem muito liga<strong>do</strong>s ao concreto, e as falhas que manifestam a nível escolar mesmocom um potencial cognitivo <strong>de</strong>ntro da média parecem sinal <strong>de</strong> falhas <strong>no</strong> investimento parental(lembra-<strong>no</strong>s Tomás, o patinho feio que queria crescer e gratificar a família).À medida que estas crianças cresciam, quiçá pela falência ou insuficiência <strong>do</strong>s registos<strong>de</strong>fensivos (<strong>de</strong> acting-out) até aí utiliza<strong>do</strong>s, as queixas <strong>de</strong>pressivas (choro, labilida<strong>de</strong> emocional,baixa auto-estima, inibição e isolamento em to<strong>do</strong>s os meni<strong>no</strong>s) começaram a assumir umarelevância significativa, <strong>de</strong>scrita pelos pais, professores e Técnicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, as quaistraduzem importantes falhas narcísicas e surgem acompanhadas <strong>de</strong> manifestações sérias <strong>de</strong>perturbações ao nível da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, também fruto da fragilida<strong>de</strong> da estrutura <strong>do</strong> Ego face às52


graves clivagens <strong>de</strong> que foi alvo. Pensamos, por exemplo em Afonso quan<strong>do</strong> verbalizavapungentes sentimentos <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> (“não sei, não consigo”), <strong>no</strong>s <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ajuda <strong>de</strong> Tomás, quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong> com a sua fragilida<strong>de</strong>, choran<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma quase incontida,na necessida<strong>de</strong> ávida <strong>de</strong> confirmar e garantir o afecto <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> João, nunca seguro <strong>do</strong> seu amorincondicional, e <strong>no</strong>s três casos na exigência afectiva inextinguível perante o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> seraban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, na extrema <strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> objecto o qual po<strong>de</strong> tão rápida como intensamente ser<strong>de</strong> seguida <strong>de</strong>sinvesti<strong>do</strong> pelo terror quase persecutório da sua confusão, frágeis que são os limites<strong>do</strong> Ego. No entanto, estes esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> humor <strong>de</strong>pressivo alternavam com sentimentos <strong>de</strong>omnipotência e impulsivida<strong>de</strong> (congruente com Kernberg et al, 2003), falhan<strong>do</strong> a ligação entreafecto e representação, parecen<strong>do</strong> a luta anti<strong>de</strong>pressiva exteriorizada em actings agressivos, queoperam como <strong>de</strong>fesas contra a <strong>de</strong>sestruturação interna (Ferreira, 1990/2002). Testemunhámos,igualmente, a existência <strong>de</strong> relações pobres que estas crianças mantêm com adultos e pares, muitointensas, já que não há pensamento, há acção, sem amiza<strong>de</strong>s preferenciais, e a tendência àindiferenciação relacional, bem como à <strong>de</strong>pendência anaclítica <strong>de</strong> um adulto preferencial, ao qualse ligam com uma rapi<strong>de</strong>z impressionante e <strong>de</strong>svalorizam com a mesma velocida<strong>de</strong>.Por outro la<strong>do</strong>, a intensa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer a percepções <strong>de</strong> adaptação socialsuperficial, aparente, ou em falso-self parece revelar o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>s três meni<strong>no</strong>s <strong>de</strong> conter efortalecer a estrutura egóica, a qual <strong>no</strong>s parece possuir uma gran<strong>de</strong> porosida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s limites <strong>do</strong>envelope psíquico, aquilo que Anzieu <strong>de</strong>sig<strong>no</strong>u por Ego-pele “uma figuração <strong>de</strong> que a criança seserve, <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso das fases precoces <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, para se representar a si mesmacomo Ego que contém os conteú<strong>do</strong>s psíquicos, a partir da sua experiência <strong>de</strong> superfície <strong>do</strong>corpo” (Anzieu, 1985, p.39), e que marca o <strong>lugar</strong> <strong>de</strong> contacto com o mun<strong>do</strong> exterior, assumin<strong>do</strong>funções <strong>de</strong> conservação <strong>do</strong> psiquismo, cuja carência ou fragilida<strong>de</strong> acarreta <strong>do</strong>s tiposfundamentais <strong>de</strong> angústia, uma <strong>de</strong>terminada pela existência <strong>de</strong> buracos psíquicos e outra pelaexcitação pulsional difusa e incontida (Chabert, 1998/2000). Em to<strong>do</strong>s os casos, as falhas <strong>no</strong>processo <strong>de</strong> separação-individuação, sen<strong>do</strong> a individuação <strong>de</strong> si mal assegurada, bem como osprocessos <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia e <strong>de</strong> clarificação <strong>do</strong>s limites eu/outro, <strong>de</strong>ntro/fora, e a procura <strong>de</strong>fronteiras bem <strong>de</strong>limitadas, são evi<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong><strong>no</strong>tan<strong>do</strong> que o sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stascrianças está também ameaça<strong>do</strong>.As perturbações da relação <strong>de</strong> objecto, encontradas <strong>de</strong> forma muito clara e intensa nastrês crianças, confirmam-se como factores patog<strong>no</strong>mónicos da organização-limite.Efectivamente, se pensarmos que a angústia <strong>do</strong>minante <strong>no</strong>s arranjos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>-limite é umaangústia <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> objecto e <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão (primária, segun<strong>do</strong> Ferreira, 1990/2002) que dizrespeito a uma vivência passada infeliz, insuficiente, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> narcísico, ainda assim constatamos53


que esta é concomitante com a representação centrada sobre um futuro melhor, na esperança <strong>de</strong>segurança, investida nas relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência que estas crianças estabelecem (Bergeret, 1998).Sen<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> mais nada uma patologia <strong>do</strong> narcisismo, e estan<strong>do</strong> o Ego impossibilita<strong>do</strong> <strong>de</strong>ace<strong>de</strong>r a uma relação <strong>de</strong> objecto genital, parece-<strong>no</strong>s que as crianças permaneceram centradassobre uma <strong>de</strong>pendência anaclítica ao outro, já que o perigo contra o qual se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o esta<strong>do</strong>limiteé essencialmente a <strong>de</strong>pressão.Inicialmente ponto <strong>de</strong> partida para as formulações colocadas nesta investigação, resultante<strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Margareth Mahler acerca <strong>do</strong> nascimento psicológico <strong>do</strong> ser huma<strong>no</strong>,particularmente <strong>no</strong> que concerne às fases <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento infantil, verificamos que aproblemática da separação-individuação, na qual as capacida<strong>de</strong>s e o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Ego são postos àprova, face à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um progressivo afastamento da mãe na presença/ausência <strong>de</strong> umaconstância objectal bem integrada, é, <strong>de</strong> facto, uma, senão a, pedra basilar <strong>do</strong>s arranjos limite<strong>de</strong>stas crianças. Em to<strong>do</strong>s os meni<strong>no</strong>s verificamos uma intensa e <strong>do</strong>lorosa ambivalência entreafastar-se, opor-se, afirmar-se mas sem per<strong>de</strong>r o afecto da mãe, elementos que subscreveriam asegurança narcísica nesta fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento à qual estas crianças parecem particularmentefixadas. A organização bor<strong>de</strong>rline, que testemunha a <strong>de</strong>pressão primária como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Ferreira(1990/2002), seria o oposto <strong>de</strong>sta tría<strong>de</strong>, já que afastar-se implica per<strong>de</strong>r-se (e per<strong>de</strong>r), opor-sesignifica ser <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> e afirmar-se é impensável. A <strong>de</strong>pleção narcísica foi então, para todas elas,consequente, isto é, falha a valorização que se espera como um encorajamento <strong>do</strong> objecto, sen<strong>do</strong>o po<strong>de</strong>r da mãe esmaga<strong>do</strong>r e para<strong>do</strong>xalmente a distância relacional é intransponível. Resulta,assim, um vazio, o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma afirmação que ninguém reconhece, um <strong>lugar</strong> na terra <strong>de</strong>ninguém, um <strong>de</strong>serto representacional profundamente angustiante, e, por fim, a <strong>de</strong>pendência.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, as formulações <strong>de</strong> Mahler acerca das perturbações <strong>no</strong> processo <strong>de</strong>separação-individuação, Masterson (1975) sugere que quan<strong>do</strong> a criança começa a realizarmovimentos naturais <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia e agir <strong>de</strong> forma gradualmente mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s paisestá particularmente sensível à percepção <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o padrão <strong>de</strong>vinculação entre a mãe e a criança inseguro (Sable, 1997), verificamos que as crianças oscilamentre um intenso <strong>de</strong>sejo (e diríamos necessida<strong>de</strong>) <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> e um evitamento <strong>do</strong>envolvimento. As mães analisadas parecem encontrar particular dificulda<strong>de</strong> em perceber a criançacomo um ser autó<strong>no</strong>mo, com necessida<strong>de</strong>s, características e <strong>de</strong>sejos próprios e diferentes <strong>do</strong>sseus, sen<strong>do</strong> inconscientemente negada a necessária dimensão <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s filhos.Sen<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minantemente uma patologia da analida<strong>de</strong>, foi <strong>no</strong>tória a ausência <strong>de</strong>investimento afectivo primário nestas crianças, bem como a incapacida<strong>de</strong> precoce <strong>de</strong> integrarsatisfatoriamente regras e limites e uma intensa zanga interna que <strong>do</strong>s três emergiu. Verifica-se54


uma inconsistência narcísica que se manifesta numa estrutura frágil, afectivamente imatura,frequentemente angustiada pelos <strong>de</strong>sejos dicotómicos <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia e <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência. Por não seencontrarem suficientemente seguros <strong>do</strong> amor da mãe e na relação com esta, estas criançastambém não se conseguem auto<strong>no</strong>mizar <strong>de</strong>la, e assim prosseguir as etapas subsequentes <strong>do</strong> seu<strong>de</strong>senvolvimento psico-afectivo. O forte controlo exerci<strong>do</strong> pela mãe, senti<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os casos emanifesto nas provas projectivas, faz com que as crianças se submetam ao imago mater<strong>no</strong> efundamentalmente o i<strong>de</strong>alizem (particularmente evi<strong>de</strong>nte em João e Tomás), na esperança <strong>de</strong>conseguir o seu amor (Rinsley, 1981).À semelhança <strong>do</strong> que Palacio-Espasa e Dufour (2003) referem, e apesar da diversida<strong>de</strong>das fantasias expressas pelas crianças com organização limite da personalida<strong>de</strong>, as que com maisfrequência surgiram nesta investigação são as que se pren<strong>de</strong>m com uma insistência significativana procura <strong>de</strong> um objecto continente, a par ou alternadas com uma temática <strong>de</strong> tipo oral (comose constata <strong>no</strong> C.A.T.), e frequentemente associadas a uma problemática <strong>de</strong>pressiva. Este objectotão <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> teria <strong>de</strong> ser um objecto que sustenha e contenha, mas também com capacida<strong>de</strong>stransforma<strong>do</strong>ras face às angústias internas não elaboradas (elementos beta), local on<strong>de</strong> estaspu<strong>de</strong>ssem ser <strong>de</strong>scarregadas e evacuadas (função alfa). Perante a falta <strong>de</strong> objectos inter<strong>no</strong>ssecurizantes, suficientemente bons, a criança bor<strong>de</strong>rline permanece na procura <strong>de</strong> constânciaatravés <strong>de</strong> objectos exter<strong>no</strong>s, daí a sua necessida<strong>de</strong> imperiosa da presença <strong>do</strong> outro, sentidacontra-transferencialmente <strong>no</strong> contacto das três crianças, constituin<strong>do</strong>-se este como um ponto <strong>de</strong>apoio, estabelecen<strong>do</strong> relações baseadas numa intensa <strong>de</strong>pendência, mais <strong>do</strong> que amor, das quaisespera <strong>de</strong>cisões que <strong>de</strong>terminem o rumo da sua existência (Pasini & Dameto, 2010).Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os mecanismos <strong>de</strong>fensivos a que a criança bor<strong>de</strong>rline recorre porexcelência, a proposta <strong>de</strong> Kernberg (1975) acerca <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s bor<strong>de</strong>rline e patologias narcísicaspostula que a intensida<strong>de</strong> negativa precoce <strong>do</strong> afecto na criança faz com que esta exerça umadivisão entre os aspectos positivos e negativos <strong>do</strong> Self e da mãe, não encontran<strong>do</strong> esta clivagemreparação (e conciliação numa só imagem), pelo que as crianças continuam a perceber tanto a sipróprias como ao mun<strong>do</strong> que as ro<strong>de</strong>ia em extremos <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong> (i<strong>de</strong>alização) e negativida<strong>de</strong>(<strong>de</strong>svalorização). De facto, na percepção que as crianças manifestaram acerca <strong>do</strong>s seus imagosparentais, percebemos e forte presença da clivagem (não só <strong>do</strong> objecto mas também <strong>do</strong> Self), jáque não parece ser possível a integração <strong>do</strong>s aspectos bons e maus <strong>do</strong>s objectos, e assim atingir aambivalência e a necessária posição <strong>de</strong>pressiva.As falhas <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> mentalização que <strong>no</strong>s pareceram <strong>de</strong>veras evi<strong>de</strong>ntes foram já<strong>de</strong>stacadas por diversos autores, inclusivamente Fonagy (2003), postulan<strong>do</strong> que estas criançastêm uma frágil organização <strong>do</strong> Self e uma tendência a regredir a formas <strong>de</strong> pensar não55


mentalizadas, particularmente em situações <strong>de</strong> particular intensida<strong>de</strong> emocional por possuíremum sistema <strong>de</strong> vinculação <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong> emergente <strong>de</strong> erros precoces sistemáticos <strong>de</strong>comunicação e interacção não contingentes pelo presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s (e.g. sentimentos <strong>de</strong>ameaça externa, situações <strong>de</strong> maior conflitualida<strong>de</strong> interna).As pre<strong>do</strong>minantes e evi<strong>de</strong>ntes angústias <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, perda ou separação e <strong>de</strong> invasãopelo objecto, são inquietações relativas às fronteiras <strong>do</strong> Self. Tal conflitualida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> àfragilida<strong>de</strong> da estrutura psíquica na qual os limites (inter<strong>no</strong>s) se encontram pouco <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s esenti<strong>do</strong>s como porosos, ténues ou solúveis. Verificamos que estas angústias são constantes,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da proximida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objecto exter<strong>no</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser experienciada uma angústia<strong>de</strong> separação mesmo próximo <strong>do</strong> outro, e uma angústia <strong>de</strong> intrusão mesmo que este estejadistante (Pasini & Dameto, 2010).No que concerne à representação da dinâmica <strong>familiar</strong> <strong>do</strong> funcionamento bor<strong>de</strong>rline, oconflito triangular parece ser infiltra<strong>do</strong> por questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pré-edipiana, características darelação primitiva entre a criança e a mãe, comuns às fases oral e anal, comportan<strong>do</strong>, por isso, umadimensão agressiva substancial. Verificou-se uma incapacida<strong>de</strong> comum para representarem ospais como um casal (à semelhança <strong>de</strong> Kernberg et al, 2003), sen<strong>do</strong> a conflitualida<strong>de</strong> edipianavivenciada <strong>de</strong> forma distorcida e não integrada, pelas já referidas dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong>s processos <strong>de</strong>separação e individuação, <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia, e pela não integração da constância <strong>do</strong> Self e <strong>do</strong> objecto,particularmente <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s meni<strong>no</strong>s, já que o necessário movimento <strong>de</strong> separação da mãe ei<strong>de</strong>ntificação ao pai acarreta o me<strong>do</strong> insuportável <strong>do</strong> seu aban<strong>do</strong><strong>no</strong>. A relação <strong>familiar</strong> parecerevestir-se <strong>de</strong> imprevisibilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong>, uma instabilida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais ecomportamentais <strong>do</strong>s seus membros, como se não existissem estratégias intermédias <strong>de</strong> regulação<strong>do</strong> sentir e das situações (recordamos as falhas <strong>de</strong> mentalização <strong>do</strong>s próprios pais). Por exemplo,são mães que, observan<strong>do</strong> a criança a fazer algo que não consi<strong>de</strong>ram a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, nada fazem,supon<strong>do</strong>, <strong>no</strong> entanto, que a criança tenha o conhecimento prévio <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve e não <strong>de</strong>ve fazer,manifestan<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois explosões <strong>de</strong> uma raiva não mentalizada e inconsciente e extremamenteculpabilizante para a com criança, muitas vezes até sem aparente <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ante exter<strong>no</strong>,incapazes <strong>de</strong> se conter e organizar <strong>de</strong>fesas. As crianças, pacientes i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s na constelação<strong>familiar</strong>, parecem ser usadas como alvo das projecções negativas <strong>do</strong>s pais (salientamos adificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais em evocar qualquer qualida<strong>de</strong> na criança) e como objectos narcísicosgeralmente da mãe, mantidas numa relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e funcionalida<strong>de</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, as representações parentais manifestas <strong>no</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s encontram-seligadas a representações <strong>de</strong> imagos mater<strong>no</strong>s na sua maioria i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s, <strong>no</strong>s quais as dimensõesagressivas são <strong>de</strong> forma pouco sanígena anuladas (João e Tomás), ainda que <strong>de</strong>vamos consi<strong>de</strong>rar56


a possível existência <strong>de</strong> ambivalência nesta representação (Afonso), não num senti<strong>do</strong> kleinea<strong>no</strong><strong>de</strong> percepção <strong>do</strong> objecto total, mas na sua inconstância, percebi<strong>do</strong> ora como i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> ora comorejeitante e agressivo, em qualquer <strong>do</strong>s casos ausente <strong>de</strong> ressonância afectiva e presente numadimensão funcional. Os imagos pater<strong>no</strong>s são consi<strong>de</strong>ravelmente ausentes, mas quan<strong>do</strong> presentespercebi<strong>do</strong>s em modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento agressivas, rejeitantes e controla<strong>do</strong>ras.No que concerne à percepção da dinâmica <strong>familiar</strong>, os resulta<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s vão <strong>no</strong>senti<strong>do</strong> da investigação <strong>de</strong> Kirsten e colabora<strong>do</strong>res (2006), realizada a partir da análise <strong>de</strong> trêsestu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso, já que <strong>no</strong>s casos analisa<strong>do</strong>s as crianças percebem as relações <strong>familiar</strong>es comoinstáveis e emocionalmente intensas, marcadas por sentimentos e representações ambivalentesem relação aos membros da sua família, bem como por interacções sentidas como abusivas e porfronteiras interpessoais disfuncionais. Nos relatos foram também salientes dimensõesrelacionadas com a existência <strong>de</strong> regras rígidas, sistemas <strong>de</strong> comunicação ineficazes, falhas aonível <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> e <strong>do</strong> suporte afectivo, bem como padrões <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> problemáticos.Efectivamente, as famílias <strong>de</strong> pacientes cm P.B.P. parecem evi<strong>de</strong>nciar padrões <strong>de</strong> relacionamentomais conflituais e controla<strong>do</strong>res, e me<strong>no</strong>s afectuosas, coesas e expressivas (Weaver, 1993).Assim, po<strong>de</strong>-se dizer que se tratam <strong>de</strong> crianças com alterações <strong>do</strong> comportamentoassentes num intenso sofrimento emocional, o qual não consegue ser pensa<strong>do</strong>, elabora<strong>do</strong> oumentaliza<strong>do</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, as suas alterações <strong>do</strong> comportamento são uma forma <strong>de</strong> expressão<strong>de</strong>ste mesmo sofrimento <strong>de</strong>pressivo e <strong>do</strong> vazio inter<strong>no</strong> que parecem sentir, concomitante comuma angústia patente <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> e perda <strong>de</strong> objecto, interferin<strong>do</strong> negativamente nas suasrelações com os pares e <strong>no</strong> seu aproveitamento escolar. Apresentam, por outro la<strong>do</strong>, importantesfragilida<strong>de</strong>s ao nível i<strong>de</strong>ntitário, manifestas nas perturbações significativas <strong>no</strong> processo <strong>de</strong>separação-individuação, bem como falhas <strong>de</strong>terminantes <strong>no</strong> que concerne às relações afectivasprecoces com adultos <strong>de</strong> referência e um e<strong>no</strong>rme vulnerabilida<strong>de</strong> psíquica. São meni<strong>no</strong>s queapresentam um la<strong>do</strong> carencial consi<strong>de</strong>rável, o qual é expresso <strong>no</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agradar e <strong>de</strong> sentir-sereconheci<strong>do</strong> pelos adultos que conhecem (<strong>familiar</strong>es, professores, a investiga<strong>do</strong>ra…), pelo quenecessitam <strong>de</strong> relações contentoras e protectoras para conseguirem algum senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> consistênciae organização internas. A ausência precoce <strong>do</strong> terceiro objecto relacional (pai), simultânea àsdiversas rupturas e intercorrências que ocorreram nas suas histórias <strong>de</strong> vida e que comportaramgran<strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> emocional, a par da falta da função reflexiva materna, geraram asdificulda<strong>de</strong>s ao nível da simbolização, levan<strong>do</strong> as crianças a agir o seu sofrimento, perante ainexistência <strong>de</strong> mecanismos e recursos inter<strong>no</strong>s mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à sua elaboração, e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-asvulneráveis a uma profunda angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo.57


Verificámos, também, que em todas elas se pareceu <strong>de</strong>senvolver (em regime <strong>de</strong> falso-self)um la<strong>do</strong> aparentemente auto-suficiente e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (a criança prove<strong>do</strong>ra, gratifica<strong>do</strong>ra epresta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s <strong>no</strong> lar <strong>familiar</strong>), <strong>do</strong> qual os afectos parecem <strong>de</strong>sliga<strong>do</strong>s; afinal pararsignifica pensar e pensar implica sofrer. Ainda assim, mesmo que lhes tenha si<strong>do</strong> difícil expressarquaisquer sentimentos, sentimos que são crianças tristes, com um fun<strong>do</strong> <strong>de</strong>pressivo carencial. Asdificulda<strong>de</strong>s manifestas em organizar o seu próprio sistema <strong>de</strong> contenção e regulação, sem aintegração a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong> Ego, <strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> ser alguém concreto, separa<strong>do</strong> e individual, dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, geram a adaptação <strong>de</strong> superfície, um funcionamento <strong>de</strong> segunda pele, o tal falso-self<strong>de</strong> que <strong>no</strong>s fala Winnicott.Consi<strong>de</strong>ramos que a presente investigação se tratou <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> precursor, ao abordarcom uma meto<strong>do</strong>logia nunca antes utilizada nesta população, um funcionamento psicopatológicoque tanto <strong>de</strong>safio oferece a investiga<strong>do</strong>res e clínicos, num perío<strong>do</strong> da infância tão largamenteme<strong>no</strong>spreza<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> que a maioria <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s acerca <strong>do</strong> funcionamento-limite é realizada comrecurso a indivíduos adultos e apenas num senti<strong>do</strong> retrospectivo e representacional (a partir <strong>do</strong>srelatos <strong>do</strong>s participantes), outra das conquistas <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> pren<strong>de</strong>-se com o facto <strong>de</strong> teranalisa<strong>do</strong> os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da patologia, assistin<strong>do</strong> ao impacto (real erepresentacional) <strong>do</strong>s seus factores etiopatogénicos. Parece-<strong>no</strong>s, pois, imperativo que o estu<strong>do</strong> dapatologia bor<strong>de</strong>rline na infância seja continua<strong>do</strong>. Não obstante a relevância <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s,consi<strong>de</strong>ramos as limitações inerentes à utilização <strong>do</strong>s instrumentos quantitativos, isto é, osquestionários <strong>de</strong> auto-preenchimento, os quais, tanto <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s pais como <strong>no</strong> das crianças,parecem ter sofri<strong>do</strong> o efeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> social, razão pela qual a a<strong>do</strong>pção <strong>de</strong> umaabordagem mista (com a realização <strong>de</strong> entrevistas) e complementar <strong>no</strong>s pareceu a mais a<strong>de</strong>quada.Por outro la<strong>do</strong>, o reduzi<strong>do</strong> número <strong>de</strong> participantes, necessariamente provenientes <strong>de</strong> umaamostra clínica, levou, porventura, a uma me<strong>no</strong>r representativida<strong>de</strong> da amostra e por conseguintea uma generalização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s criteriosa e parcimoniosa, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejável que em investigaçõesfuturas se recorra a amostras populacionais <strong>de</strong> maiores dimensões.ConclusãoSelma Fraiberg (cit. por Strecht, 1998, pg.62) dizia com esperança a propósito <strong>do</strong>s casos<strong>no</strong>s quais a transgeracionalida<strong>de</strong> é particularmente evi<strong>de</strong>nte que “a história não tem <strong>de</strong> ser o<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>”. No entanto, as raízes, profundas, infiltradas, <strong>do</strong> mal-estar da criança encontram-selonge <strong>no</strong> seu até aí pouco tempo <strong>de</strong> vida, na pré-história da sua família, reflexo <strong>do</strong> também difícil58


percurso <strong>de</strong>stes pais, avós, con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s, por ig<strong>no</strong>rância, a repetir padrões ou pelo me<strong>no</strong>s a agirneles inspira<strong>do</strong>s; efectivamente o passa<strong>do</strong>, por vezes, pesa. Todavia, <strong>de</strong> nada vale o olharculpabilizante, pois efectivamente, ninguém dá aquilo que não possui, é com as <strong>no</strong>tas queapren<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>senhamos a pauta, às vezes torta e pouco harmoniosa, da melodia da vida.Com as crianças bor<strong>de</strong>rline percebemos porque os <strong>de</strong>signam <strong>de</strong> fronteira, fronteira entre crescere permanecer na <strong>Terra</strong> <strong>do</strong> <strong>Nunca</strong>, on<strong>de</strong> pelo me<strong>no</strong>s idílico o afecto profun<strong>do</strong> e nutriente <strong>de</strong> umcolo <strong>familiar</strong> existirá para sempre; fronteira ente aproximar-se e afastar-se, entre ter e per<strong>de</strong>r; é,<strong>no</strong> fun<strong>do</strong>, esta fronteira que garante a possível estabilida<strong>de</strong> inerente à instabilida<strong>de</strong> da incerteza<strong>de</strong>stes funcionamentos. Não <strong>no</strong>s enganemos, esta é a organização possível perante o vazio e afragilida<strong>de</strong> da existência. Percebemos nestas crianças que elas lutam, <strong>de</strong>safiam as possibilida<strong>de</strong>s econfiam <strong>de</strong>sconfian<strong>do</strong>, manten<strong>do</strong> a esperança num olhar enfim contentor e protector que os façarecuperar e a quem possam dar a mão e ligar a um elo saudável.Sabemos que as crianças com um funcionamento limite lançam-<strong>no</strong>s um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>socorro contra um esta<strong>do</strong> mental <strong>de</strong> vazio, <strong>de</strong> letargia, <strong>de</strong> inconstância, traduzi<strong>do</strong>s num agirpermanente. Afonso foge, enfim, à <strong>de</strong>pressão, num agir constante que mais parece um turbilhão;João procura um colo que o proteja e o ame sem condições; Tomás precisa <strong>de</strong> saber que oMun<strong>do</strong> é um <strong>lugar</strong> maravilhoso e seguro e que, para o <strong>de</strong>scobrir e po<strong>de</strong>r crescer, o amor <strong>do</strong>s paisnão aperte mas sim observe e segure. Compreen<strong>de</strong>r estas crianças, as suas representações, a suahistória, o seu funcionamento, significa po<strong>de</strong>r ajudá-las melhor. Sem uma intervenção a<strong>de</strong>quada,a qual passa necessariamente pela compreensão profunda numa perspectiva dimensional e nãoapenas semiológica <strong>do</strong> seu funcionamento intrapsíquico, a criança continuará a vivenciar aintensa <strong>do</strong>r da separação e a angústia <strong>do</strong> constante aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, um sofrimento inter<strong>no</strong> que oacompanhará pela ida<strong>de</strong> adulta.Para estas crianças, pensar significa ter consciência clara <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> impossível <strong>de</strong>suportar para um Eu frágil e mal organiza<strong>do</strong> <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> <strong>de</strong>fensivo. Pensar é sofrer, é terque enten<strong>de</strong>r o não-dito <strong>de</strong> um passa<strong>do</strong> pessoal, <strong>familiar</strong> e cultural on<strong>de</strong> o afecto nãoligou a curiosida<strong>de</strong> e a avi<strong>de</strong>z da criança ao mun<strong>do</strong> objectal <strong>do</strong>s símbolos, das palavras edas coisas (Ferreira, 1990/2002).59


Referências bibliográficasAaronson, C. J., Ben<strong>de</strong>r, D. S., Sko<strong>do</strong>l, A. E. & Gun<strong>de</strong>rson, J. G. (2006). Comparison ofattachment styles in bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r and obsessive-compulsive personalitydisor<strong>de</strong>r. Psychiatric Quarterly, 77, 69-80.Adler, G. & Buie, D. (1979). Aloneness and bor<strong>de</strong>rline psychopathology: the possible relevanceof child <strong>de</strong>velopmental issues. International Journal of Psychoanalysis, 60, 83-96.Agrawal, H. R., Gun<strong>de</strong>rson, J., Holmes, B. M. & Lyons-Ruth, K. (2004). Attachment studies withbor<strong>de</strong>rline patients: a review. Harvard Review of Psychiatry, 12 (2), 94-104.Aguiar, E. (2004). Desenho Livre Infantil: Leituras Fe<strong>no</strong>me<strong>no</strong>lógicas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: E-Papers.Ajuriaguerra, J. (1980). Manual <strong>de</strong> Psiquiatria Infantil (2ª ed.). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Atheneu.Aleixo, T. (1999). As i<strong>de</strong>ntificações na latência: as relações <strong>de</strong>/com objectos – o méto<strong>do</strong> C.A.T. Dissertação<strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Psicopatologia e Psicologia Clínica. Lisboa: Instituto Superior <strong>de</strong>Psicologia Aplicada.Alexandre, M. F. G. (2007). Mudanças psíquicas <strong>no</strong> processo terapêutico – o papel <strong>do</strong> narcisismo. FendaEdições.Algarvio, S. & Leal, I. (2004). Preocupações parentais: validação <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong> medida.Psicologia, Saú<strong>de</strong> & Doenças, 5 (1), 145-158.American Psychiatric Association (1996/2002). DSM-IV- Manual <strong>de</strong> Diagnóstico e Estatística dasPerturbações Mentais. Lisboa: Climepsi Editores.Arrin<strong>de</strong>l, W.A., Gerlsma, C., Van<strong>de</strong>reycken, W., Hegeman, W. J. J. M., & Daeseleire, T. (1998).Convergence validity of the dimensions un<strong>de</strong>rlying the parental bonding instrument (PBI)and the EMBU. Personality and Individual Differences, 24 (3), 341-350.60


Ban<strong>de</strong>low, B., Krause, J., We<strong>de</strong>kind, D., Broocs, A., Hajak, G., & Ruther, E. (2005). Earlytraumatic life events, parental attitu<strong>de</strong>s, family history, and birth risk factors in patients withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r and healthy controls. Psychiatry Research, 134, 169-179.Baumrind, D. (1966). Effects of authoritative parental control on child behavior. ChildDevelopment, 37:887-907.Bayle, F. (2006). À volta <strong>do</strong> nascimento. Lisboa: Climepsi Editores.Bellak, L. & Bellak, S. (1991). Test <strong>de</strong> Apercepción Infantil con Figuras Animales (CAT-A). Bue<strong>no</strong>sAires: PAIDÓS SAICF.Bene, E., & Anthony, J. (1978/1985).Manual for the Family Relations Test: children’s version (3ª ed.).Lon<strong>do</strong>n: NFER-NELSON Publishing.Benveniste, D. (2005). Recognizing Defenses in the Drawings and Play of Children in Therapy.Psychoanalytic Psychology, 22 (3). Retira<strong>do</strong> em 15 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2012 através <strong>do</strong> Scholar Google.Bergeret, J. (1998). Psicologia patológica: teoria e clínica (2ª Ed.). Lisboa: Climepsi.Bezirganian, S., Cohen, P., & Brook, J. S. (1993). The impact of mother-child interaction on the<strong>de</strong>velopment of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal of Psychiatry, 150, 1836-1842.Boekholt, M. (2000). Provas temáticas na clínica infantil. Lisboa: Climepsi.Bornstein, M. H. (Ed.) (1995). Handbook of parenting. Mahwah, NJ: Erlbaum.Bradley, S.J. (1979). The relationship of early maternal separation to bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r in the children and a<strong>do</strong>lescents. American Journal of Psychiatry, 136, 424-426.Bradley, R. (2005). Etiology of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r: Disentangling the contributions ofintercorrelated antece<strong>de</strong>nts. Journal of Nervous and Mental Disease, 193, 24-31.61


Bradley, R. & Western, P. (2005). The psychodynamics of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r: A viewfrom <strong>de</strong>velopmental psychopathology. Development and Psychopathology, 17, 927-957.Canavarro, M.C., & Pereira, A.I.F. (2007a). A percepção <strong>do</strong>s filhos sobre os estilos parentaiseducativos: A versão portuguesa <strong>do</strong> EMBU-C. Revista Iberoamericana <strong>de</strong> Diag<strong>no</strong>stico yEvaluación Psicológica, 2, 193-210.Carapito, Pedro & Ribeiro (2008). Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (QDEP):Adaptação para o contexto português. Actas da XIII Conferência Internacional “AvaliaçãoPsicológica: Formas e Contextos”, Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Minho.Carr, S. & Francis, A. (2009).Childhood familial environment, maltreatment and bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r symptoms in a <strong>no</strong>n-clinical sample: A cognitive behavioral perspective.Clinical Psychologist, 13, 1, 28-37.Castro, J. Toro, J., Van Der En<strong>de</strong>, J., & Arrin<strong>de</strong>ll, W.A. (1993). Exploring the feasibility ofassessing perceived parental rearing styles in Spanish children with the EMBU. TheInternational Journal of Social Psychiatry, 39, (1), 47-57.Chabert, C. (1998/2000). A psicopatologia à prova <strong>no</strong> Rorschach. Lisboa: Climepsi.Conra<strong>de</strong>, G. & Ho, R. (2001). Differential parenting styles for fathers and mothers: Differentialtreatment for sons and daughters. Australian Journal of Psychology, 53(1), 29-35.Cruz, O. (2005). Parentalida<strong>de</strong>. Quarteto: Colecção Psicologias.Danielson, L. (2009). Un<strong>de</strong>rstanding bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r.Praxis,9.Decobert, S. & Sacco, F. (2000). O <strong>de</strong>senho <strong>no</strong> trabalho psicanalítico com a criança. Lisboa: Climepsi.Deutsch, H. (1942). Some forms of emotional disturbance and their relationship toschizophrenic. Psychoanalytic Quarterly, 11, 301-321.Di Leo, J. H. (1991). A interpretação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho infantil (3ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.62


Dias, C. A. (2004). Costuran<strong>do</strong> as linhas da patologia bor<strong>de</strong>rland (esta<strong>do</strong>s-limite). Lisboa: ClimepsiEditores.Ferreira, S. (1998). Imaginação e Linguagem <strong>no</strong> Desenho da Criança. Campinas: Papirus.Ferreira, T. (1990/2002). Em <strong>de</strong>fesa da criança: teoria e prática psicanalítica da infância. Lisboa: Assírio eAlvim.Ferro, A. (2005). A Técnica na Psicanálise Infantil – a criança e o analista: Da relação ao campo emocional.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago.Fonagy, P., Steele M., Steele, H., Leigh, T., Kennedy, R., Mattoon, G. & Target, M. (1995).Attachment, the reflective self, and bor<strong>de</strong>rline states: The predictive specificity of the AdultAttachment Interview and pathological emotional <strong>de</strong>velopment. In Attachment Theory: Social,Developmental and Clinical Perspectives, ed. S. Goldberg, R. Muir, & J. Kerr. New York:Analytic Press, pp. 233–278.Fonagy P., Target M., Gergely G., Allen J. G. & Bateman A. (2003): The <strong>de</strong>velopmental roots ofbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r in early attachment relationships: A theory and someevi<strong>de</strong>nce. Psychoanalytic Inquiry 23, 412-459.Fossati, A., Donati, D., Donini, M., Novella, L., Bagnato, M., & Maffei, C. (2001). Temperament,Character, and Attachment Patterns in Bor<strong>de</strong>rline Personality Disor<strong>de</strong>r. Journal of PersonalityDisor<strong>de</strong>rs: 15 (5), 390-402.Gabbard, G. O. (1998). Psiquiatria Psicodinâmica (2ª ed.). Porto Alegre: Artmed.Gaspar, M. F., & Paiva, P. S. (2008). Parenting Practices and Children’s Socio-EmotionalDevelopment: A Study with Portuguese Community Preschool Age Children. Retira<strong>do</strong> <strong>de</strong>http://www.incredibleyears.com/Library/items/parenting-practices-lift-portuguese-04.pdf.Goldman, S. J., D’Angelo, E. J., DeMaso, D. R. & Mezzacappa, E. (1992). Physical and sexualabuse histories among children with bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal ofPsychiatry, 149, 1723-1726.63


Greenspan, S. & Greenspan, N. (1993). Entrevista clínica com crianças. Porto Alegre: Artes Médicas.Guerreiro, E. M. (2001). As representações mentais maternas na construção da imago paterna em crianças <strong>do</strong>sexo masculi<strong>no</strong> <strong>do</strong>s 7 aos 12 a<strong>no</strong>s com perturbações <strong>do</strong> comportamento: Estu<strong>do</strong> exploratório. [Tese <strong>de</strong>mestra<strong>do</strong> em Psicologia Clínica] Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Psicologia e <strong>de</strong> Ciências da Educação,Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa.Guz<strong>de</strong>r, J. Paris, J., Zelkowitz, P. & Marchessault, K. (1996). Risk factors for bor<strong>de</strong>rlinepathology in children. Journal of the American Aca<strong>de</strong>my of Child and A<strong>do</strong>lescent Psychiatry, 35, 26-33.Gun<strong>de</strong>rson, J. G. (1996). The bor<strong>de</strong>rline patient’s intolerance of aloneness: insecure attachmentand therapist availability. American Journal of Psychiatry, 153, 752-758.Gun<strong>de</strong>rson, J. G. & Lyoo, I. K. (1997). Family problems and relationships for adults withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. Harvard Review of Psychiatry, 4, 272-278.Heimburger, S. M. (1995). Diagnóstico e tratamento da criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente bor<strong>de</strong>rline.Revista Neuropsiquiátrica da Infância e da A<strong>do</strong>lescência, 3 (2), 5-7.Herman, J. L., Perry, J. C. & van <strong>de</strong>r Kolk, B.A. (1989). Childhood trauma in bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r. American Journal of Psychiatry, 146, 490-495.Johnson, J. G., Smailes, E. M., Cohen, P., Brown, J. & Bernstein, D. P. (2000). Associationsbetween four types of childhood neglect and personality disor<strong>de</strong>r symptoms duringa<strong>do</strong>lescence and early adulthood: findings of a community-based longitudinal study. Journalof Personality Disor<strong>de</strong>rs, 14, p.17.Johnson, J. C., Cohen, P., Chen, H., Kasen, S. & Brook, J. S. (2006). Parenting behaviorsassociated with risk for offspring personality disor<strong>de</strong>r during adulthood. Archives of GeneralPsychiatry, 63, 579-587.Kaplan, H. I., Sa<strong>do</strong>ck, B. J. & Grebb, J. A. (1997). Compêndio <strong>de</strong> psiquiatria. Porto Alegre: ArtesMédicas.64


Keinänen, M., Johnson, J., Richards, E. & Courtney, E. (2012). A systematic review of theevi<strong>de</strong>nce-based psychosocial risk factors for un<strong>de</strong>rstanding of bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r. Psychoanalytic Psychotherapy, 26 (1), 65-91.Kernberg, O. (1975). Bor<strong>de</strong>rline conditions and pathological narcissism. Northvale, NJ: Jason Aronson.Kernberg, O. (1989). A psychoanalytic classification of character pathology. Essential papers ofcharacter neurosis and treatment. New York: University Press.Kernberg, P. F., Weiner, A. S. & Bar<strong>de</strong>nstein, K. K. (2003). Transtor<strong>no</strong>s da personalida<strong>de</strong> em crianças ea<strong>do</strong>lescentes. Porto Alegre: Artmed.Kirsten, D. K., Lellyveld, V. & Venter, C. A. (2006). Perceptions that patients diag<strong>no</strong>sed withBor<strong>de</strong>rline Personality Disor<strong>de</strong>r have of their families. South African Journal of Psychology, 36(2), 319-339.Klein, M. (1952/1987). Some Theoretical Conclusions Regarding the Emotional Life of theInfant. In Envy and Gratitu<strong>de</strong> and Other Works (1946-1963) (pp. 61-93). Lon<strong>do</strong>n: TheHogarth Press.Lindsey, E. W. & Mize, J. (2001). Interparental agreement, parent-child responsiveness, and children’speer competence. Family Relations: Journal of Applied Family & Child Studies, 50: 348-354.Liotti, G., & Pasquini, P. (2000). Predictive factors for bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r: Patients’early traumatic experiences and losses suffered by the attachment figure. The Italian Groupfor the Study of Dissociation. Acta Psychiatrica Scandinavica, 102, 282-289.Mahler, M. (1971). A study of the separation-individuation process and its possible application tobor<strong>de</strong>rline phe<strong>no</strong>mena in the psychoanalytic situation. Psychoanalytic Study of the Child, 20,403-424.Mahler, M. (1975). O nascimento psicológico da criança: simbiose e individuação. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar.Malpique, C. (1999). Pais/Filhos em Consulta Psicoterapêutica. Porto: Edições Afrontamento.65


Maranga, A. R. (2002). Organizações bor<strong>de</strong>rline: aspectos psicodinâmicos. Análise Psicológica, 2(XX), 219-223.Margolin, G., Gordis, E. B. & John, R. S. (2001). Coparenting: a Link Between Marital Conflictand Parenting in Two-Parent Families. Journal of Family Psychology, 15(1), 3-21.Masterson, J. F. & Rinsley, D. B. (1975). The bor<strong>de</strong>rline syndrome: the role of the mother in thegenesis and psychic structure of the bor<strong>de</strong>rline personality. International Journal ofPsychoanalysis, 56, 163-177.Matos, A. C. (1994). Esta<strong>do</strong>s-limite: etiopatogenia, patologia e tratamento. Revista Portuguesa <strong>de</strong>Pe<strong>do</strong>psiquiatria, 6, 7-25.Meekings, C., O’Brien, L. (2004). Bor<strong>de</strong>rline pathology in children and a<strong>do</strong>lescents. InternationalJournal of Mental Health Nursing, 13, 152- 163.Melges, F. T. & Swartz, M. O. (1989).Oscillations of attachment in bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r. American Journal of Psychiatry, 146, 1115-1120.Misès, R. (1990). Les pathologies-limites <strong>de</strong> l’enfance. Paris: PUF.Newman, K., Stevenson, C.S., Bergman, L.R. & Boyce, P. (2007). Bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r,mother-infant interaction and parenting perceptions: preliminary findings. Australian andNew Zealand Journal of Psychiatry, 41, 598-605.Ogata, S., Silk, K., Goodrich, S., Lohr, N., Western, D. & Hill, E. (1990). Childhood sexual andphysical abuse in bor<strong>de</strong>rline patients. American Journal of Psychiatry, 147, 1008-1013.Palacio-Espasa, F. & Dufour, R. (1994). Diag<strong>no</strong>stic structurel chez l’enfant. Paris: Masson.Palacio-Espasa, F. & Dufour, R. (2003). Diagnóstico estrutural en el niño (2ª ed.). Her<strong>de</strong>r.Palacio-Espassa, F. (2004). Esta<strong>do</strong> limite na infância. In Moggio, F., Houzel, D. & Emmanuelli,M. Dicionário <strong>de</strong> psicopatologia da criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente. Lisboa: Climepsi Editores.66


Paris, J. (2000). Childhood precursors of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. Psychiatric Clinics of NorthAmerica, 23, 77-88.Rey, J. M. (1996). Antece<strong>de</strong>nts of personality disor<strong>de</strong>r in young adults. Psychiatric Times, 13 (2), 37-38.Rinsley, D.B. (1981). Bor<strong>de</strong>rline psychopathology: the concepts of Masterson and Rinsley andbeyond. A<strong>do</strong>lescent Psychiatry I, 9, 259-274.Robinson, C., Mandleco, B., Olsen, S. F. & Hart, C. H. (2001).The Parenting Styles andDimension Questionnaire (PSDQ). In B.F. Perlmutter, J. Touliatos, & G. W. Hol<strong>de</strong>n(Eds.), Handbook of Family Measurement Techniques: Vol. 3. Instruments & In<strong>de</strong>x (pp. 319-321). Thousand Oaks, CA: Sage.Sable, P. (1997).Attachment, <strong>de</strong>tachment and bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. Psychotherapy, 34,171-181.Sá, E. (2007). Patologia bor<strong>de</strong>rline e psicose na clínica infantil. (2ª ed.). Lisboa: ISPA.Sack, A., Sperling, G, M. B., Fagen, G., & Foelsch, P. (1996). Attachment style, history andbehavioral contrast for a bor<strong>de</strong>rline and <strong>no</strong>rmal sample. Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 10(1),88-102.Schwoeri, L. & Schwoeri, F. (1982). Interactional and intrapsychic dynamics in a family with abor<strong>de</strong>rline patient. Psychotherapy: theory, research and practice, 19(2), 198-204.Shapiro, E. R., Zinner, J., Shapiro, R. L., & Berkowitz, D.A. (1975). The influence of familyexperience on bor<strong>de</strong>rline personality <strong>de</strong>velopment. International Review of Psycho-Analysis, 2,399-411.Silva, M. M. (1991). Criança asmática: subsídios para a compreensão das interrelações <strong>familiar</strong>es da criançaasmática. [Tese <strong>de</strong> Doutoramento em Psicologia Clínica], Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Psicologia e Ciênciasda Educação, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra.67


Soloff, H. P. & Millward, J. W. (1983). Developmental histories of bor<strong>de</strong>rline patients.Comprehensive Psychiatry, 24(6), 574-588.Strecht, P. (1998). Crescer vazio – repercussões psíquicas <strong>do</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, negligencia e maus-tratos em crianças ea<strong>do</strong>lescentes. Lisboa: Assírio e Alvim.Strecht, P. (2003). Interiores. Lisboa: Assírio e Alvim.Torgersen, S. & Alnaes, R. (1992). Differential perception of parental bonding in schizotypal andbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r patients. Comprehensive Psychiatry, 33, 34-38.Trull, T. J. (2000a). Structural relations between bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r features andputative etiological correlates. Journal of Ab<strong>no</strong>rmal Psychology, 110, 471-481.Trull, T. J. (2000b). Relationships of bor<strong>de</strong>rline features to parental mental illness, childhoodabuse, Axis I disor<strong>de</strong>r, and current functioning. Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 15, 19-32.Walsh, F. (1977). The family of bor<strong>de</strong>rline patient. In: Grinker, R. R. & Werble, B., eds. TheBor<strong>de</strong>rline Patient, 158-177. New York: Jason Aronson.Webster-Stratton, C., Reid, M. J., & Hammond, M. (2001). Social skills and problem solvingtraining for children with early-onset conduct problems: who benefits? Journal of ChildPsychology and Psychiatry, 42 (7) 943-952.Weiss, M., Zelkowitz, P., Feldman, R. Vogel, J., Heyman, M., & Paris, J. (1996). Psychopathologyin offspring of mothers with Bor<strong>de</strong>rline Personality Disor<strong>de</strong>r: a pilot study. Canadian Journalof Psychiatry, 41, 285–290.West, M., Keller, A., Links, P. &Patrick, J. (1993). Bor<strong>de</strong>rline disor<strong>de</strong>r and attachment pathology.Canadian Journal of Psychiatry, 38, 16-21.Winsler, A., Madigan, A. L. & Aquili<strong>no</strong>, S. A. (2005).Correspon<strong>de</strong>nce between maternal and paternalparenting styles in early childhood. Early Childhood Research Quarterly, 20(1): 1-12.68


Zanarini, M. C., Gun<strong>de</strong>rson, J. G., Mari<strong>no</strong>, M. F., Schwartz, E. O. & Frankenburg, F. R. (1989)Childhood experiences of bor<strong>de</strong>rline patients. Comprehensive Psychiatry 30, 18-25.Zanarini M. C. & Frankenburg F. R. (1997). Pathways to the <strong>de</strong>velopment of bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r. Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 11 (1), 93–104.Zanarini, M. C., Frankenburg, F. R., Reich, D. B., Mari<strong>no</strong>, M. F., Lewis, R. E., Williams, A. A. &Khera, G. S. (2000). Biparental failure in the childhood experiences of bor<strong>de</strong>rline patients.Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 14, 264-273.Zigler, E. (1995). Foreword. In M. H. Bornstein (Ed.), Handbook of parenting (X-XII). Mahwah,NJ: Erlbaum.Zelkovitz, P., Paris, J., Guz<strong>de</strong>r, J., Feldman, R. (2001). Diatheses and stressors in bor<strong>de</strong>rlinepathology of childhood: the role of neuropsychological risk and trauma. Journal of theAmerican Aca<strong>de</strong>my of Child and A<strong>do</strong>lescent Psychiatry, 40, 100-105.Zweig-Frank, H. & Paris, J. (1991).Parents’ emotional neglect and overprotection according tothe recollections of patients with bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal ofPsychiatry, 148, 648-651.69


Anexos70


Tabela <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s empíricosAnexo AAutor Data e Título Méto<strong>do</strong> Resulta<strong>do</strong>sAaronson, C. J., Ben<strong>de</strong>r, D. S., Sko<strong>do</strong>l, A. E. &Gun<strong>de</strong>rson, J. G. (2006). Comparison ofattachment styles in bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r and obsessive-compulsivepersonality disor<strong>de</strong>r.A investigação recorreu ao Reciprocal AttachmentQuestionnaire, com o objectivo <strong>de</strong> comparar os estilos<strong>de</strong> vinculação entre indivíduos com PBP (n=50) ePerturbação da Personalida<strong>de</strong> Obsessivo-Compulsiva(n=40).Pacientes com PBP <strong>de</strong>monstrarammaiores níveis <strong>do</strong> padrão <strong>de</strong> procuracompulsiva <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e atenção eretirada agressiva, pontuan<strong>do</strong> tambémmais eleva<strong>do</strong> nas dimensões <strong>de</strong> falta <strong>de</strong>disponibilida<strong>de</strong> da figura <strong>de</strong> vinculação,me<strong>do</strong> da perda da figura <strong>de</strong> vinculação,angústia perante a separação e me<strong>no</strong>rrecurso à figura <strong>de</strong> vinculação.Ban<strong>de</strong>low, B., Krause, J., We<strong>de</strong>kind, D., Broocs, A.,Hajak, G., & Ruther, E. (2005). Earlytraumatic life events, parental attitu<strong>de</strong>s,family history, and birth risk factors inpatients with bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r and healthy controls.Estu<strong>do</strong> retrospectivo (175 participantes – 66 com PBPe 109 <strong>de</strong> controlo) com recurso a entrevistas (203questões) com enfoque em diversos factores <strong>de</strong> riscoda Perturbação Bor<strong>de</strong>rline da Personalida<strong>de</strong>.Pacientes com PBP reportaram apresença <strong>de</strong> estilos parentais<strong>de</strong>sfavoráveis numa proporçãosignificativamente superior ao grupo <strong>de</strong>controlo.Bezirganian, S., Cohen, P., & Brook, J. S. (1993).The impact of mother-child interaction onthe <strong>de</strong>velopment of bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r.Estu<strong>do</strong> com a<strong>do</strong>lescentes (776 participantes) <strong>no</strong> qualas variáveis interacção mãe-criança, interacção pai-criança,personalida<strong>de</strong> materna e personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente foramavaliadas, longitudinalmente em <strong>do</strong>is momentos com<strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s e meio <strong>de</strong> intervalo.A combinação <strong>de</strong> inconstância materna esobre-envolvimento mater<strong>no</strong> predizem o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> PBP.Bradley, R. (2005). Etiology of bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r: Disentangling thecontributions of intercorrelatedantece<strong>de</strong>nts.Estu<strong>do</strong> com 524 pacientes com PBP, através <strong>do</strong>srelatos <strong>do</strong>s seus psicólogos e psiquiatras, visan<strong>do</strong> aanálise <strong>de</strong> vários factores <strong>de</strong> risco.Ambiente <strong>familiar</strong> e psicopatologiaparental predizem a PBP. A existência <strong>de</strong>abuso sexual na infância revelou-se umimportante preditor, sen<strong>do</strong> parcialmentemedia<strong>do</strong> pelo ambiente <strong>familiar</strong>.Bradley, S. J. (1979). The relationship of earlymaternal separation to bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r in the children anda<strong>do</strong>lescents.A investigação recorreu à comparação <strong>de</strong> 14 crianças ea<strong>do</strong>lescentes com OBP com uma amostra <strong>de</strong> controlo,preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> analisar a existência <strong>de</strong> separações da mãeou principal cuida<strong>do</strong>r, antes <strong>do</strong>s 10 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.Pacientes com funcionamento bor<strong>de</strong>rline<strong>de</strong>monstraram um númerosignificativamente superior <strong>de</strong> separaçõesantes <strong>do</strong>s 5 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mas não <strong>no</strong>intervalo etário entre os 5 e os 10 a<strong>no</strong>s.O autor conclui existir suporte para ateorização acerca da influência negativa daruptura <strong>do</strong>s laços precoces mãe-criança na71


patologia bor<strong>de</strong>rline.Goldman, S. J., D’Angelo, E. J., DeMaso, D. R. &Mezzacappa, E. (1992). Physical and sexualabuse histories among children withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r.A investigação recorreu à comparação entre os relatos<strong>de</strong> abuso em 44 crianças diag<strong>no</strong>sticadas com OBP e100 crianças <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> controlo.O grupo <strong>de</strong> crianças com OBP<strong>de</strong>monstrou uma percentagemsignificativamente superior <strong>de</strong> prevalência<strong>de</strong> abuso físico, bem como nacombinação <strong>de</strong> abuso físico e sexual <strong>do</strong>que o grupo <strong>de</strong> controlo.Os resulta<strong>do</strong>s confirmam a hipótese <strong>de</strong>que a existência <strong>de</strong> uma história <strong>de</strong>trauma na infância se encontrarelacionada com a OPB.Gun<strong>de</strong>rson, J. G. & Lyoo, I. K. (1997). Familyproblems and relationships for adults withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r.Investigação preten<strong>de</strong>u comparar os valores dapercepção <strong>de</strong> problemas <strong>familiar</strong>es em pacientes comPBP (21 participantes), com os valores da mesmavariável em pais <strong>de</strong> pacientes com PBP, face a valores<strong>de</strong> famílias <strong>no</strong>rmativas ou não clínicas.Pacientes com PBP percebem as relaçõese o ambiente <strong>familiar</strong> como maisnegativo. Pais <strong>de</strong> pacientes bor<strong>de</strong>rlinereportaram valores mais <strong>no</strong>rmativos.Herman, J. L., Perry, J. C. & van <strong>de</strong>r Kolk, B. A.(1989). Childhood trauma in bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r.Indivíduos com PBP (21), com características/traçosbor<strong>de</strong>rline (n=11) e sem funcionamento bor<strong>de</strong>rline(n=23) foram entrevista<strong>do</strong>s, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> seremavaliadas possíveis experiencias <strong>de</strong> trauma na infância.81% <strong>do</strong>s pacientes bor<strong>de</strong>rlineapresentaram relatos <strong>de</strong> acontecimentostraumáticos, incluin<strong>do</strong> maus-tratos físicos(71%), abusos sexuais (68%) epresenciamento <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica(62%), sen<strong>do</strong> estes valoressignificativamente me<strong>no</strong>s expressivos <strong>no</strong>grupo <strong>de</strong> indivíduos sem funcionamentobor<strong>de</strong>rline.Johnson, J. C., Cohen, P., Chen, H., Kasen, S. &Brook, J. S. (2006). Parenting behaviorsassociated with risk for offspringpersonality disor<strong>de</strong>r during adulthood.A investigação recorreu a uma amostra <strong>de</strong> 593 famílias,através <strong>de</strong> entrevistas na infância (ida<strong>de</strong> média dascrianças <strong>de</strong> 6 a<strong>no</strong>s), a<strong>do</strong>lescência (médias <strong>de</strong> 14 e 16a<strong>no</strong>s), inicio da adultícia (22 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> média) e adultícia(média <strong>de</strong> 33 a<strong>no</strong>s). Os investiga<strong>do</strong>res utilizaram aStructured Clinical Interview for DSM-IV PersonalityDisor<strong>de</strong>rs.O risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver OBP aumenta <strong>de</strong>forma consistente em função <strong>do</strong> número<strong>de</strong> comportamentos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>negativos perpetra<strong>do</strong>s pelos cuida<strong>do</strong>res.O reduzi<strong>do</strong> afecto e cuida<strong>do</strong> parental e amanifestação <strong>de</strong> comportamentosadversos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> (e.g. puniçõesseveras) encontram-se positivamenteassocia<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> OBP.Johnson, J. G., Smailes, E. M., Cohen, P., Brown, J.& Bernstein, D. P. (2000). Associationsbetween four types of childhood neglectand personality disor<strong>de</strong>r symptoms duringa<strong>do</strong>lescence and early adulthood: findingsof a community-based longitudinal study.Estu<strong>do</strong> longitudinal que compreen<strong>de</strong>u avaliação <strong>de</strong>variáveis psicológicas e psicossociológicas em 738jovens e mães <strong>de</strong> um centro comunitário.Verificou-se uma associação entre aexistência <strong>de</strong> comportamentos negligentesna infância e um eleva<strong>do</strong> risco <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver PBP.72


Kirsten, D., van Lellyveld, V. & Venter, C. (2006).Perceptions that patients diag<strong>no</strong>sed withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r have oftheir families.Investigação com o objectivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como éque os pacientes bor<strong>de</strong>rline percebem a sua família,recorren<strong>do</strong>, para tal, a três estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso comindivíduos adultos, analisa<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> a Groun<strong>de</strong>dTheory.As relações <strong>familiar</strong>es foram <strong>de</strong>scritascomo instáveis e emocionalmenteintensas, marcadas por sentimentos erepresentações ambivalentes em relaçãoaos membros da família, interacçõessentidas como abusivas e por fronteirasinterpessoais disfuncionais. Nos relatosforam também salientes dimensõesrelacionadas com a existência <strong>de</strong> regrasrígidas, sistemas <strong>de</strong> comunicaçãoineficazes, falhas ao nível <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> e <strong>do</strong>suporte afectivo, bem como padrões <strong>de</strong>parentalida<strong>de</strong> problemáticos.Newman, K., Stevenson, C.S., Bergman, L.R. &Boyce, P. (2007). Bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r, mother-infant interaction andparenting perceptions: preliminary findings.Investigação comparou <strong>do</strong>is grupos <strong>de</strong> participantes(34); ida<strong>de</strong>s mãe-criança, com (n=14) e sem PBP(n=20).Mães com PBP são me<strong>no</strong>s sensíveis eme<strong>no</strong>s consistentes na interacção com acriança;As crianças filhas <strong>de</strong> mães com PBPmostram-se me<strong>no</strong>s atentas e interessadasem interagir com as suas mães;Mães com PBP reportam sentir-se me<strong>no</strong>ssatisfeitas, me<strong>no</strong>s competentes e maisangustiadas.Ogata, S., Silk, K., Goodrich, S., Lohr, N., Western,D. & Hill, E. (1990). Childhood sexual andphysical abuse in bor<strong>de</strong>rline patients.A investigação contou com a participação <strong>de</strong> 24indivíduos com PBP (segun<strong>do</strong> a Diag<strong>no</strong>stic Interviewfor Bor<strong>de</strong>rline Patients) e 18 indivíduos comfuncionamento <strong>de</strong>pressivo, sem PBP, os quais foramentrevista<strong>do</strong>s <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se obter da<strong>do</strong>s relativos aexperiências infantis e <strong>familiar</strong>es.Os resulta<strong>do</strong>s indicam que um númerosignificativamente superior <strong>de</strong> pacientescom PBP relatou a existência <strong>de</strong>experiências <strong>de</strong> abuso sexual e maustratosfísicos.Soloff, H. P. & Millward, J. W. (1983).Developmental histories of bor<strong>de</strong>rlinepatients.A investigação analisou as histórias <strong>de</strong>senvolvimentais<strong>de</strong> 45 pacientes bor<strong>de</strong>rline, segun<strong>do</strong> os critérios<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s por Gun<strong>de</strong>rson-Singer e a Diag<strong>no</strong>sticInterview for Bor<strong>de</strong>rlines, comparan<strong>do</strong>-as com as <strong>de</strong>42 pacientes com esquizofrenia e 32 com síndrome<strong>de</strong>pressivo.Pacientes com funcionamento bor<strong>de</strong>rlineexperienciaram mais perdas parentaisprecoces e <strong>de</strong>monstraram maioresdificulda<strong>de</strong>s nas separações<strong>de</strong>senvolvimentais expectáveis.Pacientes com funcionamento bor<strong>de</strong>rline<strong>de</strong>screveram as relações com os paiscomo mais negativas e conflituosas, mãessobre-envolvidas e pais distantes ouausentes.Torgersen, S. & Alnaes, R. (1992).Differentialperception of parental bonding inschizotypal and bor<strong>de</strong>rline personalityInvestigação com uma amostra constituída por 219pacientes com PBP e 52 <strong>de</strong> controlo, na qual sepreten<strong>de</strong>u verificar se existiam diferenças relativas à73Pacientes com PBP reportaram maiorsobre-envolvimento parental negativo <strong>do</strong>


disor<strong>de</strong>r patients. percepção <strong>do</strong> bonding parental. que os restantes <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> controlo.Trull, T. J. (2000a). Structural relations betweenbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r features andputative etiological correlates.Estu<strong>do</strong> procurou avaliar em participantes com e semfuncionamento bor<strong>de</strong>rline a relação entre traçosbor<strong>de</strong>rline e múltiplos factores preditores tais como aocorrência <strong>de</strong> abusos na infância e perturbação mentalparental.Verificou-se que a existência <strong>de</strong>antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos parentais éum importante factor preditor <strong>no</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> PBP.Trull, T. J. (2000b). Relationships of bor<strong>de</strong>rlinefeatures to parental mental illness,childhood abuse, Axis I disor<strong>de</strong>r, andcurrent functioning.Investigação com recurso a instrumentos quantitativos<strong>de</strong> auto-preenchimento que incidiam sobre diversosfactores <strong>de</strong> risco e características <strong>de</strong> pacientes comPBP, numa amostra com 421 pacientes.Perturbações parentais <strong>do</strong> humor e<strong>de</strong>sinibitórias, bem como a existência <strong>de</strong>abusos na infância, efectivida<strong>de</strong> negativa e<strong>de</strong>sinibição revelaram-se associa<strong>do</strong>s àPBP.Weaver, T. & Clum, G. (1993). Early FamilyEnvironments and Traumatic ExperiencesAssociated With Bor<strong>de</strong>rline PersonalityDisor<strong>de</strong>r.As variáveis experiências <strong>de</strong> trauma na infância ecaracterísticas <strong>do</strong> ambiente <strong>familiar</strong> foram analisadas numquestionário aplica<strong>do</strong> a um total <strong>de</strong> 36 participantes (17com PBP e 19 sem PBP).Significativamente mais indivíduos comPBP reportaram ter experiencia<strong>do</strong> maustratosfísicos e abuso sexual e presencia<strong>do</strong>violência.As famílias <strong>de</strong> pacientes cm PBP foram<strong>de</strong>scritas como mais conflituais econtrola<strong>do</strong>ras, com me<strong>no</strong>res níveis <strong>de</strong>expressivida<strong>de</strong> e coesão.Zanarini, M.C., Frankenburg, F.R., Reich, D.B.,Mari<strong>no</strong>, M.F., Lewis, R.E., Williams, A.A.& Khera, G.S. (2000). Biparental failure inthe childhood experiences of bor<strong>de</strong>rlinepatients.A investigação recorreu a uma entrevista semiestruturadapara avaliar as experiências infantis <strong>de</strong>abuso e negligência parentais com 358 pacientesbor<strong>de</strong>rline e 109 indivíduos <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> controlo.84% <strong>do</strong>s pacientes bor<strong>de</strong>rline reportaramterem experiencia<strong>do</strong> algum tipo <strong>de</strong> abusoou negligência antes <strong>do</strong>s 18 a<strong>no</strong>s; 55%reportaram uma história <strong>de</strong> abusobiparental e 77% reportaram uma história<strong>de</strong> negligência biparental.Pacientes bor<strong>de</strong>rline revelaram valoressignificativamente superiores aos <strong>do</strong>grupo <strong>de</strong> controlo em termos dasexperiencias <strong>de</strong> abuso verbal, emocional efísico (não-sexual) por ambos osprogenitores;Pacientes bor<strong>de</strong>rline reportaram <strong>de</strong> umaforma mais significativa a negação porparte <strong>do</strong>s pais <strong>do</strong>s seus pensamentos esentimentos, a falha em promover umambiente protector, negligencian<strong>do</strong> o seubem-estar físico e psicológico,distancian<strong>do</strong>-se emocionalmente <strong>do</strong>sfilhos e lidan<strong>do</strong> com eles <strong>de</strong> uma formainconsistente;Verificou-se, também, que as pacientes <strong>do</strong>74


sexo femini<strong>no</strong> que reportavamnegligência por parte da cuida<strong>do</strong>ra (mãe)e abuso por parte <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>r (pai) seencontram num risco superior <strong>de</strong> seremsexualmente abusadas por um indivíduofora <strong>do</strong> contexto <strong>familiar</strong>.Os resulta<strong>do</strong>s sugerem a existência <strong>de</strong>falhas biparentais como importantespreditores da etiopatogenia da PBP.Zanarini, M. C., Gun<strong>de</strong>rson, J. G., Mari<strong>no</strong>, M. F.,Schwartz, E. O., Frankenburg, F. R. (1989)Childhood experiences of bor<strong>de</strong>rlinepatients.A investigação incluiu as histórias clínicas <strong>de</strong> 50pacientes com PBP, 29 pacientes com Perturbação <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong> Anti-Social e 26 pacientes com Distimia,obtidas através <strong>de</strong> uma entrevista semi-estruturada.Indivíduos com funcionamentobor<strong>de</strong>rline reportavam <strong>de</strong> uma formasignificativamente superior histórias <strong>de</strong>abuso, particularmente verbal e sexual.Indivíduos com funcionamentobor<strong>de</strong>rline reportaram <strong>de</strong> uma formasignificativamente superior <strong>do</strong> que osindivíduos com Perturbação <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong> Anti-Social histórias <strong>de</strong>negligência, particularmente <strong>de</strong>distanciamento afectivo, esignificativamente superior <strong>do</strong> que osindivíduos com Perturbação Distimica aexperiência <strong>de</strong> separações precoces.O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> PBP encontra-seassocia<strong>do</strong> à exposição a cuida<strong>do</strong>res comcomportamentos <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>perturba<strong>do</strong>s, a separações precoces e aexperiências <strong>de</strong> abuso e negligência.Zweig-Frank, H. & Paris, J. (1991). Parents’emotional neglect and overprotectionaccording to the recollections of patientswith bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r.A investigação recorreu a participares <strong>do</strong> sexomasculi<strong>no</strong> e femini<strong>no</strong> com funcionamento bor<strong>de</strong>rline(n=62) e não-bor<strong>de</strong>rline (n=99), aos quais foi aplica<strong>do</strong>o Parental Bonding Instrument.Os resulta<strong>do</strong>s indicam que pacientes comPBP (<strong>de</strong> ambos os sexos) recordavam osseus pais como significativamente me<strong>no</strong>scarinhosos e mais controla<strong>do</strong>res <strong>do</strong> que ogrupo <strong>de</strong> controlo.Os da<strong>do</strong>s corroboram as perspectivaspsicodinâmicas que postulam existirfalências parentais em ambos osprogenitores <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento daPBP.75


Referências <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s empíricosAaronson, C. J., Ben<strong>de</strong>r, D. S., Sko<strong>do</strong>l, A. E. & Gun<strong>de</strong>rson, J. G. (2006). Comparison ofattachment styles in bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r and obsessive-compulsive personalitydisor<strong>de</strong>r. Psychiatric Quarterly, 77, 69-80.Ban<strong>de</strong>low, B., Krause, J., We<strong>de</strong>kind, D., Broocs, A., Hajak, G., & Ruther, E. (2005). Earlytraumatic life events, parental attitu<strong>de</strong>s, family history, and birth risk factors in patients withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r and healthy controls. Psychiatry Research, 134, 169-179.Bezirganian, S., Cohen, P., & Brook, J. S. (1993). The impact of mother-child interaction on the<strong>de</strong>velopment of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal of Psychiatry, 150, 1836-1842.Bradley, S. J. (1979). The relationship of early maternal separation to bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r in the children and a<strong>do</strong>lescents. American Journal of Psychiatry, 136, 424-426.Bradley, R. (2005). Etiology of bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r: Disentangling the contributions ofintercorrelated antece<strong>de</strong>nts. Journal of Nervous and Mental Disease, 193, 24-31.Goldman, S. J., D’Angelo, E. J., DeMaso, D. R. & Mezzacappa, E. (1992). Physical and sexualabuse histories among children with bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal ofPsychiatry, 149, 1723-1726.Gun<strong>de</strong>rson, J. G. & Lyoo, I. K. (1997). Family problems and relationships for adults withbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. Harvard Review of Psychiatry, 4, 272-278.Herman, J. L., Perry, J. C. & van <strong>de</strong>r Kolk, B. A. (1989). Childhood trauma in bor<strong>de</strong>rlinepersonality disor<strong>de</strong>r. American Journal of Psychiatry, 146, 490-495.Johnson, J. G., Smailes, E. M., Cohen, P., Brown, J. & Bernstein, D. P. (2000). Associationsbetween four types of childhood neglect and personality disor<strong>de</strong>r symptoms duringa<strong>do</strong>lescence and early adulthood: findings of a community-based longitudinal study. Journalof Personality Disor<strong>de</strong>rs, 14, p.17.76


Johnson, J. C., Cohen, P., Chen, H., Kasen, S. & Brook, J. S. (2006). Parenting behaviorsassociated with risk for offspring personality disor<strong>de</strong>r during adulthood. Archives of GeneralPsychiatry, 63, 579-587.Newman, K., Stevenson, C. S., Bergman, L. R. & Boyce, P. (2007). Bor<strong>de</strong>rline personalitydisor<strong>de</strong>r, mother-infant interaction and parenting perceptions: preliminary findings.Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, 41, 598-605.Ogata, S., Silk, K., Goodrich, S., Lohr, N., Western, D. & Hill, E. (1990). Childhood sexual andphysical abuse in bor<strong>de</strong>rline patients. American Journal of Psychiatry, 147, 1008-1013.Soloff, H. P. & Millward, J. W. (1983). Developmental histories of bor<strong>de</strong>rline patients.Comprehensive Psychiatry, 24(6), 574-588.Torgersen, S. & Alnaes, R. (1992). Differential perception of parental bonding in schizotypal andbor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r patients. Comprehensive Psychiatry, 33, 34-38.Trull, T. J. (2000a). Structural relations between bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r features andputative etiological correlates. Journal of Ab<strong>no</strong>rmal Psychology, 110, 471-481.Trull, T. J. (2000b). Relationships of bor<strong>de</strong>rline features to parental mental illness, childhoodabuse, Axis I disor<strong>de</strong>r, and current functioning. Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 15, 19-32.Zanarini, M. C., Gun<strong>de</strong>rson, J. G., Mari<strong>no</strong>, M. F., Schwartz, E. O., Frankenburg, F. R. (1989).Childhood experiences of bor<strong>de</strong>rline patients. Comprehensive Psychiatry 30, 18-25.Zanarini, M. C., Frankenburg, F. R., Reich, D. B., Mari<strong>no</strong>, M. F., Lewis, R. E., Williams, A. A. &Khera, G. S. (2000). Biparental failure in the childhood experiences of bor<strong>de</strong>rline patients.Journal of Personality Disor<strong>de</strong>rs, 14, 264-273.Zweig-Frank, H. & Paris, J. (1991).Parents’ emotional neglect and overprotection according tothe recollections of patients with bor<strong>de</strong>rline personality disor<strong>de</strong>r. American Journal ofPsychiatry, 148, 648-651.77


Estu<strong>do</strong> Sobre os InstrumentosAnexo BDesignação Autores Tipo <strong>de</strong> instrumento ObjectivoQuestionário <strong>de</strong> autopreenchimento,Avaliar a percepção que asaplica<strong>do</strong> a crianças têm <strong>do</strong>s estiloscrianças entre os 6 e os 12 educativos parentais <strong>do</strong>sCastro, Toro, van <strong>de</strong>rEscala <strong>de</strong> percepção daa<strong>no</strong>s, constituí<strong>do</strong> por 32 seus progenitores, nasEn<strong>de</strong> & Arrin<strong>de</strong>ll, 1993;criança <strong>do</strong>s estilositens, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dimensões <strong>de</strong> SuporteVersão Portuguesa <strong>de</strong>parentais (EMBU-C)reposta entre Não, nunca e Emocional, Rejeição eCanavarro e Pereira, 2007.Sim, sempre, relativas Tentativa <strong>de</strong> Controlo.separadamente ao pai e àmãe.Prova projectiva constituída Permite compreen<strong>de</strong>r aspor 10 cartões quei<strong>de</strong>ntificações da criança,apresentam personagens bem como as angústias, osanimais (<strong>de</strong> forma a facilitar a mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, oChildren’sBellak, L. & Bellak, S. i<strong>de</strong>ntificação e a projecção) seu nível <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong>Apperception Test –(1949).em situações consi<strong>de</strong>radas afectiva, o <strong>de</strong>senvolvimentoAnimal Versionpelos autores como mais <strong>do</strong> superego e a interacçãosignificativas na vida <strong>do</strong>s papéis <strong>familiar</strong>es, bemfantasmática da criança. como a representação <strong>do</strong>simagos parentais.Teste projectivo objectivo, Permite a caracterização da<strong>de</strong> rápida aplicação e dinâmica <strong>familiar</strong> segun<strong>do</strong>cotação, com duas formas (A as representações internase B, segun<strong>do</strong> a ida<strong>de</strong> da da criança, bem como acriança e o seu nível <strong>de</strong> exploração e acompreensão), constituí<strong>do</strong> compreensão da percepçãopor 21 figuras humanas da criança acerca <strong>do</strong> querepresentativas <strong>de</strong> elementos sente pelos membros da suaFamily Relations Test – Bene, E., & Anthony, J. da família, nas quais a criança família, os sentimentosChildren’s Version (1985).<strong>de</strong>ve colocar mensagens <strong>de</strong>sses em relação a sirelativas <strong>de</strong> sentimentos mesmo, o seu grau <strong>de</strong>positivos fortes eenvolvimento com osmo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, negativos fortes elementos da família, o graue mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e <strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência face às<strong>de</strong>pendência.figuras parentais e osmecanismos <strong>de</strong>fensivosempregues perante aconflitualida<strong>de</strong> <strong>familiar</strong>.78


Teste projectivo constituí<strong>do</strong>Avaliar o processo <strong>de</strong>por 21 cartões com cenasfuncionamento e a estrutura<strong>familiar</strong>es, perante as quais o<strong>familiar</strong>, passível <strong>de</strong> serexaminan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve contaranalisa<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> diversasFamily AapperceptionSotile, Julian III, Henry euma história para cada umacategorias (Conflito e TipoTestSotile (1991)<strong>de</strong>las, passível <strong>de</strong> ser aplica<strong>do</strong><strong>de</strong> Resolução, Imposição <strong>de</strong>a crianças e a<strong>do</strong>lescentesLimites, Qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>entre 6 e 15 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.Relacionamento, Fronteiras,Modulação Emocional,Tipo <strong>de</strong> Comunicação).Instrumento quantitativo queAvaliar o ambiente <strong>familiar</strong>se constitui por umem várias dimensões –Family EnvironmentScaleVersão original <strong>de</strong> R. H.Moos & B. S. Moos, 1986;Adaptação portuguesa <strong>de</strong>Santos & Fontaine, 1992questionário <strong>de</strong> autopreenchimento<strong>de</strong> aplicaçãoa adultos.Relacional, CrescimentoPessoal e Manutenção <strong>do</strong>Sistema. Esta escala écomposta por <strong>de</strong>z <strong>do</strong>mínios<strong>do</strong> ambiente <strong>familiar</strong>,agrupa<strong>do</strong>s nas trêssubescalas.Questionário <strong>de</strong> auto-Avaliar e compreen<strong>de</strong>rpreenchimento aplica<strong>do</strong> aquais as principaisum <strong>do</strong>s pais ou <strong>de</strong>preocupações parentais, istopreenchimento conjuntoé, as dificulda<strong>de</strong>scom 37 itens e seispercepcionadas <strong>no</strong>s filhos epossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resposta,as dificulda<strong>de</strong>s associadas àEscala <strong>de</strong>Preocupações ParentaisAlgarvio & Leal, 2004.numa escala <strong>de</strong> Likert.função ou ao exercício daparentalida<strong>de</strong>, através dasdimensões <strong>de</strong> ProblemasFamiliares e PreocupaçõesEscolares,Desenvolvimento Infantil,Preparação, Me<strong>do</strong>s eComportamentosNegativos.Questionário <strong>de</strong> Estilose Dimensões ParentaisVersão original <strong>de</strong>Robinson, Mandleco,Olsen & Hart, 1995/2001;Adaptação Portuguesa <strong>de</strong>Carapito, Pedro & Ribeiro,2007.Questionário <strong>de</strong> autopreenchimento,aplica<strong>do</strong>separadamente a cada um<strong>do</strong>s progenitores, com 60itens que são respondi<strong>do</strong>snuma escala <strong>de</strong> Likert <strong>de</strong> 1(nunca) a 5 (sempre).Permite a avaliação <strong>do</strong>sestilos parentais <strong>de</strong> cada um<strong>do</strong>s pais, e a percepção quecada um tem sobre aspráticas parentais <strong>do</strong> outro,nas dimensões Autoritário,Autoritativo e Permissivo.79


Questionário que possibilitaPossibilita a i<strong>de</strong>ntificaçãoo formato <strong>de</strong> entrevista ou odas estratégias maispreenchimento pelos pais,utilizadas <strong>no</strong> exercício daVersão Original <strong>de</strong>composto por 7 subescalasparentalida<strong>de</strong>, <strong>no</strong> âmbitoWebster-Stratton, Reid &relativas às práticas parentaisdas dimensões: DisciplinaQuestionário <strong>de</strong>Hammond, 2001;a<strong>do</strong>ptadas, sen<strong>do</strong> a maiorApropriada, Parentalida<strong>de</strong>Práticas ParentaisAdapta<strong>do</strong> e aferição àparte <strong>do</strong>s itens cota<strong>do</strong>s numaPositiva, Expectativaspopulação portuguesa porescala <strong>de</strong> Likert <strong>de</strong> 5 pontos.Claras, Monitorização,Gaspar & Paiva, 2008.Disciplina Rígida,Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong> e DisciplinaInconsistente.Questionário <strong>de</strong> auto-Medir os níveis <strong>de</strong> suporte eQuestionário <strong>de</strong>Coparentalida<strong>de</strong>Versão original <strong>de</strong>Margolin et al., 2001;Adaptação experimentalportuguesa <strong>de</strong> Pedro &Ribeiro, 2008.preenchimento com 14 itens,agrupa<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> trêsdimensões que permitemavaliar a coparentalida<strong>de</strong> – acooperação (itens 1 a 5), atriangulação (itens 6 a 9) e ocoor<strong>de</strong>nação entre ambosos pais ou figuras parentais,<strong>no</strong> que concerne ao<strong>de</strong>sempenho das suasfunções e responsabilida<strong>de</strong>sna educação da criança.conflito (itens 10 a 14).Inventário <strong>de</strong> AliançaParentalVersão original <strong>de</strong> Abidin,1995;Adaptação experimentalportuguesa <strong>de</strong> Pedro &Ribeiro, 2007,Questionário <strong>de</strong> autopreenchimentoconstituí<strong>do</strong>por 20 itens que sãorespondi<strong>do</strong>s numa escala <strong>de</strong>Likert <strong>de</strong> 1 (discor<strong>do</strong> muito)a 5 (concor<strong>do</strong> muito).Avalia o grau <strong>de</strong>cooperação,comprometimento ecomunicação entre o pai e amãe <strong>no</strong> que diz respeito àeducação <strong>do</strong>(s) filho(s).Questionário individual <strong>de</strong>Avaliação <strong>do</strong>auto-avaliação, constituí<strong>do</strong>funcionamento <strong>familiar</strong>,Family Adaptabilityand CohesionEvaluation Scale(FACES II)Versão Original <strong>de</strong> Olson,Portner e Bell (1982);Versão Portuguesa <strong>de</strong>Curral (1999).por 30 itenspermitin<strong>do</strong> a classificaçãodas famílias.A escala foi <strong>de</strong>senvolvidapara avaliar duas gran<strong>de</strong>sdimensões da dinâmica<strong>familiar</strong>: a coesão e aadaptabilida<strong>de</strong> da família.Referências bibliográficasAbidin, R. R. & Brunner, J. F. (1995). Development of a parenting alliance inventory. Journal ofClinical Child Psychology, 24(1), 31-40.80


Aleixo, T. (1999). As i<strong>de</strong>ntificações na latência: as relações <strong>de</strong>/com objectos – o méto<strong>do</strong> C.A.T. Dissertação<strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Psicopatologia e Psicologia Clínica. Lisboa: Instituto Superior <strong>de</strong>Psicologia Aplicada.Algarvio, S. & Leal, I. (2004). Preocupações parentais: validação <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong> medida.Psicologia, Saú<strong>de</strong> & Doenças, 5 (1), 145-158.Bellak, L. & Bellak, S. (1991). Test <strong>de</strong> Apercepción Infantil con Figuras Animales (CAT-A). Bue<strong>no</strong>sAires: PAIDÓS SAICF.Bene, E., & Anthony, J. (1985).Manual for the Family Relations Test: children’s version (3ª ed.). Lon<strong>do</strong>n:NFER-NELSON Publishing.Canavarro, M. C., & Pereira, A. I. (2007). A percepção <strong>do</strong>s filhos sobre os estilos parentaiseducativos: A versão portuguesa <strong>do</strong> EMBU-C. Revista Iberoamericana <strong>de</strong> Diag<strong>no</strong>stico yEvaluación Psicológica, 2, 193-210.Carapito, E., Pedro, M. & Ribeiro, M. T. (2008). Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais(QDEP): Adaptação para o contexto português. Actas da XIII Conferência Internacional“Avaliação Psicológica: Formas e Contextos”, Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Minho.Castro, J. Toro, J., Van Der En<strong>de</strong>, J., & Arrin<strong>de</strong>ll, W.A. (1993). Exploring the feasibility ofassessing perceived parental rearing styles in Spanish children with the EMBU. TheInternational Journal of Social Psychiatry, 39, (1), 47-57.Curral, R., Doura<strong>do</strong>, F., Roma Torres, A., Barros, H., Palha, A., & Almeida L. (1999). Coesão eadaptabilida<strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es numa amostra portuguesa: Estu<strong>do</strong> com o Faces III. PsiquiatriaClínica, 20(3), 213-217Gaspar, M. F., & Paiva, P. S. (2003). Parenting Practices and Children’s Socio-EmotionalDevelopment: A Study with Portuguese Community Preschool Age Children. Retira<strong>do</strong> <strong>de</strong>http://www.incredibleyears.com/Library/items/parenting-practices-lift-portuguese-04.pdf.81


Margolin, G., Gordis, E. B. & John, R. S. (2001). Coparenting: a Link Between Marital Conflictand Parenting in Two-Parent Families. Journal of Family Psychology, 15(1), 3-21.Moos, R., & Moos, B. (1986). Family environment scale manual. Palo Alto, CA: ConsultingPsychologists Press.Olson, D., Portner, J., & Bell, R. Q. (1982; 1992). Faces II: Family Adaptability and CohesionEvaluation Scales. In D. Olson, H. McCubbin, H. Barnes, A. Larsen, M. Muxen, & M.Wilson (Eds.), Family inventories (pp. 5-24). St. Paul: University of Minnesota.Robinson, C. C., Mandleco, B. Olsen, S. F., Hart, C. H. (1995/2001). Authoritative, authoritarian,and permissive parenting practices: Development of a new measure. Psychological Reports,77, 819-830.Rota, M. (1999). Comunicar com a criança – da concepção à a<strong>do</strong>lescência. <strong>Terra</strong>mar.Santos, M., & Fontaine, A. (1995). Avaliação <strong>do</strong> ambiente <strong>familiar</strong> por crianças e préa<strong>do</strong>lescentes:alguns aspectos da adaptação da FES <strong>de</strong> Moos & Moos. In Almeida, L.,Simões, M., & Gonçalves, M. (Eds.). Avaliação psicológica: formas e contextos, 3, pp. 421-430.Sotile, W. M., Julian III, A., Henry, S. E. & Sotile, M. O. (1991). Family Apperception Test: Manual.Los Angeles: Western Psychological Services.Werlang, B., Fensterseifer, L. & Lima, G. (2006). Teste Aperceptivo Familiar (FAT): TécnicaProjectiva <strong>de</strong> Avaliação Psicológica. Avaliação Psicológica, 5(2), 255-260. Retira<strong>do</strong> em 12 <strong>de</strong>Abril através <strong>do</strong> Schoolar Google.82


Descrição <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong> Utiliza<strong>do</strong>Anexo CO méto<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> constitui-se por um carácter qualitativo, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a utilização<strong>de</strong> diversos instrumentos, cujos resulta<strong>do</strong>s preten<strong>de</strong>m obter uma abordagem complementar <strong>no</strong>senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r uma compreensão holística <strong>do</strong> funcionamento bor<strong>de</strong>rline na infância. Paratal, foi privilegiada a utilização <strong>de</strong> instrumentos projectivos com comprovadas qualida<strong>de</strong>spsicométricas (C.A.T.- A.; F.R.T; Desenhos) <strong>de</strong> forma a, não só, perceber as representações dacriança acerca da sua dinâmica <strong>familiar</strong> e <strong>do</strong>s imagos parentais, mas também a ace<strong>de</strong>r ao seumun<strong>do</strong> inter<strong>no</strong> (entre outros aspectos, angústia pre<strong>do</strong>minante, mecanismos <strong>de</strong>fensivos maisrecorrentes, tipo <strong>de</strong> relação objectal, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentalização), permitin<strong>do</strong>, ainda, confirmarou infirmar a hipótese diagnóstica previamente estabelecida <strong>de</strong> Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, a utilização <strong>de</strong> instrumentos que reflectem meto<strong>do</strong>logiasquantitativas, tais como os questionários, cumpriu essencialmente o propósito <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r adimensões, <strong>de</strong> comportamentos e processos mentais subjacentes, habitualmente relaciona<strong>do</strong>scom o construto avalia<strong>do</strong>, a parentalida<strong>de</strong>. Todavia, os questionários, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> fácil e rápidaaplicação e cotação, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais para fazerem uma leitura introspectiva e <strong>de</strong>auto-análise acerca <strong>do</strong>s seus papéis e funções parentais, sen<strong>do</strong> que o seu envolvimento não lhespermite o distanciamento necessário para reflectir acerca das situações e comportamentospropostos. Para além <strong>de</strong>sse factor, a dimensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> social, que leva os pais arespon<strong>de</strong>r consoante um padrão consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> expectável ou social/moralmente correcto,pareceu-<strong>no</strong>s particularmente evi<strong>de</strong>nte, condicionan<strong>do</strong> a transparência e a valida<strong>de</strong> das respostas.Neste senti<strong>do</strong>, e visto que se procurou superar as lacunas existentes nas duas meto<strong>do</strong>logias,salvaguardan<strong>do</strong> os benefícios <strong>de</strong> ambas, pareceu-<strong>no</strong>s pertinente recorrer à entrevista, a qualpermitiu estabelecer uma relação <strong>de</strong> maior proximida<strong>de</strong> com os pais, garantin<strong>do</strong> uma maiorgenuinida<strong>de</strong> e auto-revelação. Preten<strong>de</strong>u-se questionar os pais acerca <strong>de</strong> diversos temasrelaciona<strong>do</strong>s com a sua experiência da parentalida<strong>de</strong> em relação àquela criança em particular,<strong>no</strong>meadamente, as suas representações parentais, a expectativa face ao nascimento, o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>bebé, a relação <strong>do</strong> casal e a dinâmica <strong>familiar</strong> subsequente ao seu nascimento, o mo<strong>do</strong> comoagem habitualmente com o filho em diversas situações e perante os comportamentos <strong>de</strong>ste, asrepresentações que constroem acerca <strong>de</strong>sta criança.Os da<strong>do</strong>s foram submeti<strong>do</strong>s a um criterioso processamento da informação, não ten<strong>do</strong>objectivamente repercussão directa sobre os entrevista<strong>do</strong>s (ou sem essa intenção) da<strong>do</strong> que o seuobjectivo foi a recolha <strong>de</strong> informação especifica acerca da temática indicada, com a vantagem <strong>de</strong>reunir uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento, limita<strong>do</strong> <strong>no</strong> tempo. O83


contacto foi, portanto, breve, cingin<strong>do</strong>-se ao momento em questão através <strong>de</strong> uma entrevista <strong>de</strong>função informativa, isto é, com a finalida<strong>de</strong> única <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s. Assim sen<strong>do</strong>, quanto aotipo, foram entrevistas semi-estruturadas <strong>de</strong> investigação, por se <strong>de</strong>stinarem ao conhecimentoobjectivo <strong>do</strong>s parâmetros indica<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, foi efectua<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> questões, nasua maioria abertas, pré-estabelecidas, com um esquema previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, ainda que, <strong>no</strong><strong>de</strong>correr da entrevista, pu<strong>de</strong>ssem ser incluí<strong>do</strong>s aspectos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s relevantes. A entrevista foipreparada <strong>de</strong> forma a ter uma duração prevista, sem, <strong>no</strong> entanto, imposições <strong>de</strong> maior. Da<strong>do</strong>tratar-se <strong>de</strong> uma entrevista com carácter académico, e consi<strong>de</strong>radas as <strong>de</strong>svantagens <strong>de</strong> recorrer auma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> registo escrito da informação recolhida, após o consentimento informa<strong>do</strong><strong>do</strong>s indivíduos, todas as entrevistas foram gravadas em formato áudio, permitin<strong>do</strong> a recolhasimultânea <strong>de</strong> informação enquanto os entrevista<strong>do</strong>s falavam para evitar eventuais perdas,constrangimentos e interferências na situação <strong>de</strong> entrevista.84


1. Fluctuation of functioning;2. Severe anxiety states:Anexo DCriteria for Bor<strong>de</strong>rline Disor<strong>de</strong>r in Children(Bemporad et al, 1982)a) Rapid escalation to panic/terror;b) Prominent phobic symptoms;c) Fears of self-annihilation, body mutilation or world catastrophe;3. Disturbed thought content:a) Fluid fantasy/reality boundaries, psychotic thinking on psychological tests;b) Scholastic un<strong>de</strong>rachievement, learning disability, poor perceptual-motor skills;4. Disturbed personal relationships (hostile, sadistic, <strong>de</strong>manding, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt);5. Poor affect and mood controls;6. Associated symptoms:a) Poor social functioning;b) Failure to learn from experience;c) Lack of personal grooming;d) Difficulty adapting to new circumstances;e) Evi<strong>de</strong>nce of organic impairment.Critérios <strong>de</strong> diagnóstico <strong>de</strong> Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> na infância(Bemporad et al, 1982) – tradução livre1. Instabilida<strong>de</strong> (labilida<strong>de</strong>) <strong>do</strong> funcionamento;2. Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> severos:a. Reacções súbitas <strong>de</strong> pânico/terror;b. Existência <strong>de</strong> sintomas fóbicos;c. Me<strong>do</strong> da <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> Self, <strong>do</strong> da<strong>no</strong> físico e <strong>de</strong> catástrofes;3. Perturbações <strong>de</strong> pensamento:a. Porosida<strong>de</strong> das fronteiras entre realida<strong>de</strong> e fantasia; pensamento em processoprimário (psicótico) revela<strong>do</strong> em provas <strong>de</strong> exame psicológico;b. Dificulda<strong>de</strong>s escolares (rendimento abaixo das capacida<strong>de</strong>s cognitivas),<strong>de</strong>signadamente em áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho grafo-perceptivo;85


4. Dificulda<strong>de</strong>s relacionais (evidências <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>, sadismo, exigência,<strong>de</strong>pendência)5. Pobre regulação afectiva e motora;6. Presença <strong>de</strong> múltiplos sintomas:a. Pobre funcionamento social;b. Incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com o vivi<strong>do</strong> experiencial;c. Falta <strong>de</strong> preparação pessoal;d. Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação a <strong>no</strong>vas circunstâncias;e. Co-ocorrência <strong>de</strong> sintomatologia orgânica.Referências bibliográficasAcklin, M. (1995). Rorschach assessment of the bor<strong>de</strong>rline child. Journal of Clinical Psychology, 51(2), 294-302.Bemporad, J., Smith, H., Hanson, G. & Cicchetti, D. (1982). Bor<strong>de</strong>rline syndromes in childhood:criteria for diag<strong>no</strong>sis. American Journal of Psychiatry, 139, 566-602.86


Anexo ECritérios Diagnósticos para Perturbação Esta<strong>do</strong>-Limite <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong> - DSM-IV-TR(APA, 2002)Padrão global <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> <strong>no</strong> relacionamento interpessoal, auto-imagem e afectos,impulsivida<strong>de</strong> marcada com começo <strong>no</strong> início da ida<strong>de</strong> adulta e presente numa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>contextos, como indica<strong>do</strong> por cinco (ou mais) <strong>do</strong>s seguintes critérios:1. Esforços frenéticos para evitar um aban<strong>do</strong><strong>no</strong> real ou imagina<strong>do</strong>.Nota: Não incluir comportamento automutilante ou suicidário, <strong>de</strong>scritos <strong>no</strong> Critério 52. Padrão <strong>de</strong> relações interpessoais intensas e instáveis, caracterizadas pela alternânciaextrema entre i<strong>de</strong>alização e <strong>de</strong>svalorização3. Perturbação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: instabilida<strong>de</strong> persistente e marcada da auto-imagem ou <strong>do</strong>sentimento <strong>de</strong> si próprio;4. Impulsivida<strong>de</strong> pelo me<strong>no</strong>s em duas áreas que são potencialmente autolesivas (porexemplo, gastos financeiros, sexo, abuso <strong>de</strong> substâncias, condução ousada, voracida<strong>de</strong>alimentar).Nota: Não incluir comportamento automutilante ou suicidário, <strong>de</strong>scritos <strong>no</strong> Critério 55. Comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes <strong>de</strong> suicídio, ou comportamentoautomutilante6. Instabilida<strong>de</strong> afectiva por reactivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> humor marcada (por exemplo, episódiosintensos <strong>de</strong> disforia, irritabilida<strong>de</strong> ou ansieda<strong>de</strong>, habitualmente duran<strong>do</strong> poucas horas oumais raramente alguns dias)7. Sentimento crónico <strong>de</strong> vazio8. Raiva intensa e inapropriada ou dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> a controlar (por exemplo, episódios <strong>de</strong><strong>de</strong>stempero, raiva constante, brigas constantes)9. I<strong>de</strong>ação paranói<strong>de</strong> transitória reactiva ao stress ou sintomas dissociativos graves.87


Anexo FConsentimento Informa<strong>do</strong>Caro(a) participante,Enquanto aluna <strong>do</strong> Instituto Superior <strong>de</strong> Psicologia Aplicada – Instituto Universitário –<strong>do</strong> Mestra<strong>do</strong> Integra<strong>do</strong> em Psicologia Clínica, eu, Ana Raquel Silva Veríssimo, encontro-me arealizar um projecto <strong>de</strong> investigação, o qual preten<strong>de</strong> ser uma reflexão com o objectivo <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>familiar</strong>, as dimensões <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> e as representações parentais <strong>de</strong>crianças diag<strong>no</strong>sticadas com Organização Bor<strong>de</strong>rline <strong>de</strong> Personalida<strong>de</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, necessito da sua participação e <strong>do</strong> seu filho/educan<strong>do</strong> neste estu<strong>do</strong>, o qualinclui a realização <strong>de</strong> uma entrevista aos pais e à criança e o preenchimento <strong>de</strong> algunsinstrumentos complementares. A sua colaboração nesta pesquisa é voluntária e importante para oaumento <strong>do</strong> conhecimento acerca <strong>de</strong>sta temática.Informo que o V/ Exc.ª tem a garantia <strong>de</strong> acesso, em qualquer etapa <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, a to<strong>do</strong>sos esclarecimentos que entenda necessários.Todas as informações obtidas servirão unicamente para fins académicos e serão tratadascom o maior rigor e confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong>, não sen<strong>do</strong> divulgada a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> nenhum <strong>do</strong>sparticipantes.Em anexo po<strong>de</strong>rá encontrar o consentimento informa<strong>do</strong> para que possa assinar, casoaceite participar e não restem quaisquer dúvidas.Obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.88


Consentimento Informa<strong>do</strong>Eu, _____________________________________, fui suficientemente informa<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong>estu<strong>do</strong> em que vou participar subordina<strong>do</strong> ao tema “Dinâmica <strong>familiar</strong>, representações parentaise parentalida<strong>de</strong> – estu<strong>do</strong> exploratório com crianças com Organização Bor<strong>de</strong>rline daPersonalida<strong>de</strong>”. Da mesma forma, ficaram claros para mim quais os propósitos <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, osprocedimentos que serão efectua<strong>do</strong>s e as garantias <strong>de</strong> confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> esclarecimentospermanentes.Ficou claro, também, que a minha participação é isenta <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas e que tenho garantia<strong>de</strong> acesso aos resulta<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> esclarecer minhas dúvidas a qualquer momento, pelo que concor<strong>do</strong>,voluntariamente, em participar neste estu<strong>do</strong>.____________________________________Lisboa ___ <strong>de</strong> ______________ <strong>de</strong> 2012Assinatura <strong>do</strong> participante___________________________________ Lisboa ___ <strong>de</strong> ______________ <strong>de</strong> 2012Assinatura da investiga<strong>do</strong>ra89


Anexo GGuião <strong>de</strong> entrevistaCrianças Nome Ida<strong>de</strong>; data <strong>de</strong> nascimento On<strong>de</strong> mora; que escola frequenta O dia <strong>de</strong> hoje Como é a escola – gosta/não gosta; como corre; gosta da professora e <strong>do</strong>s colegas/ounão; disciplinas preferidas; Amigos; amigo especial; O que quer ser quan<strong>do</strong> crescer (profissão); Como se dá com os pais/irmãos; como percepciona a dinâmica <strong>familiar</strong>; Os sonhos/pesa<strong>de</strong>los que tem; como <strong>do</strong>rme e on<strong>de</strong>; Me<strong>do</strong>s/fobias; Activida<strong>de</strong>s preferenciais, tarefas que gosta <strong>de</strong> fazer; como passa os tempos livres; Brinca<strong>de</strong>iras preferidas; I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: Self real como percepciona<strong>do</strong> pela criança.90


Anexo HGuião <strong>de</strong> entrevistaPaisTrata-se <strong>de</strong> um filho único ou existem irmãos? Que posição ocupa na fratria?A motivação da escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me;O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> terem um filho antes <strong>do</strong> nascimento <strong>de</strong>ste - a gravi<strong>de</strong>z foi planeada e <strong>de</strong>sejada?;Como <strong>de</strong>screvem as circunstâncias <strong>do</strong> encontro <strong>do</strong> casal?Como <strong>de</strong>screvem a gravi<strong>de</strong>z?Como é que o pai reagiu ao nascimento? O pai esteve presente? Como foi a relação <strong>do</strong> casala partir daí e que modificações pensam que o nascimento <strong>de</strong>ste filho trouxe à dinâmica<strong>familiar</strong>?Evocação da 1ª infância: procura <strong>de</strong> sintomas, comportamentos habituais, semelhanças,dicotomia bebé/real bebé/imaginário, traços <strong>de</strong> carácter da criança enquanto pequena –como era o bebé <strong>no</strong>s <strong>do</strong>is primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> vida, sobretu<strong>do</strong> <strong>no</strong>s <strong>do</strong>is 1ºs meses? (<strong>do</strong>rmir,alimentação);A mãe trabalhava? Se sim, com quem ficou a criança quan<strong>do</strong> retomou o trabalho?Como foi a entrada para o jardim-<strong>de</strong>-infância (adaptação, primeiras socializações, o quediziam <strong>de</strong>le/a)?E a adaptação à escola primária?<strong>Na</strong>rração <strong>de</strong> acontecimentos traumáticos relativamente à criança e/ou a pessoassignificativas (hospitalização, separação, <strong>do</strong>ença e/ou morte <strong>de</strong> alguém significativo) e dasreacções da criança - maneira como foram geri<strong>do</strong>s pela família e a sua repercussão <strong>no</strong> seu<strong>de</strong>senvolvimento;Preocupações parentais actuais;Percepção relativa ao acompanhamento psicológico da criança (significa<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> à suacondição, sentimentos relativos à mesma, consequências a vários níveis – <strong>familiar</strong>, escolar erelacional);Existência ou não <strong>de</strong> um tratamento psicológico ou psicanalítico anterior <strong>no</strong> caso da criança.91


Anexo IQuestionário <strong>de</strong> caracterização sócio-<strong>de</strong>mográficaLeia atentamente todas as questões colocadas, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> na sua totalida<strong>de</strong> e com amaior sincerida<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> não tiver a certeza <strong>de</strong> um valor ou <strong>de</strong> uma resposta por favorseleccione a opção mais aproximada ou coloque <strong>no</strong> local <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a observações quepo<strong>de</strong>rá encontrar <strong>no</strong> final da última página. A sua participação é muito importante, pelo queagra<strong>de</strong>cemos a sua disponibilida<strong>de</strong>.Ida<strong>de</strong>Mãe: _____________ Pai: _____________Escolarida<strong>de</strong>MãeEnsi<strong>no</strong> Primário (0 a 4 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Ensi<strong>no</strong> Básico Preparatório (5 a 9 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Ensi<strong>no</strong> Secundário (10 a 12 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Frequência UniversitáriaEnsi<strong>no</strong> SuperiorPaiEnsi<strong>no</strong> Primário (0 a 4 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Ensi<strong>no</strong> Básico Preparatório (5 a 9 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Ensi<strong>no</strong> Secundário (10 a 12 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong>)Frequência UniversitáriaEnsi<strong>no</strong> SuperiorSituação ProfissionalMãeDesempregadaEmpregadaProfissão:________________________________________________________________PaiDesemprega<strong>do</strong>Emprega<strong>do</strong>Profissão:________________________________________________________________92


Esta<strong>do</strong> civilMãeCasa<strong>do</strong>/a Des<strong>de</strong>__________ Solteiro/a Des<strong>de</strong>__________Divorcia<strong>do</strong>/a Des<strong>de</strong>__________ Viúvo/a Des<strong>de</strong>__________União <strong>de</strong> facto Des<strong>de</strong>__________PaiCasa<strong>do</strong>/a Des<strong>de</strong>__________ Solteiro/a Des<strong>de</strong>__________Divorcia<strong>do</strong>/a Des<strong>de</strong>__________ Viúvo/a Des<strong>de</strong>__________União <strong>de</strong> facto Des<strong>de</strong>__________Situação relacional conjugalMãeCasamentoQuantos casamentos teve anteriormente? ______________União <strong>de</strong> factoQuantas uniões <strong>de</strong> facto teve anteriormente? ___________PaiCasamentoQuantos casamentos teve anteriormente? ______________União <strong>de</strong> factoQuantas uniões <strong>de</strong> facto teve anteriormente? ___________Composição <strong>do</strong> agrega<strong>do</strong> <strong>familiar</strong> (elementos e respectiva ida<strong>de</strong>)_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________Acompanhamento psicológico ou psiquiátricoMãe<strong>Nunca</strong> teve Teve anteriormente Tem actualmentePai<strong>Nunca</strong> teve Teve anteriormente Tem actualmente93


Características da zona habitacionalBairro resi<strong>de</strong>ncial on<strong>de</strong> o valor <strong>do</strong> terre<strong>no</strong> ou os alugueres são eleva<strong>do</strong>s.Bairro resi<strong>de</strong>ncial bom, <strong>de</strong> ruas largas com casas confortáveis e bem conservadas.Ruas comerciais ou estreitas e antigas com casas <strong>de</strong> aspecto geral me<strong>no</strong>s confortávele zonas rurais não <strong>de</strong>gradadas.Bairro populoso, mal areja<strong>do</strong> ou bairro em que o valor <strong>do</strong> terre<strong>no</strong> está diminuí<strong>do</strong> comoconsequência da proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oficinas, fábricas, estações <strong>de</strong> caminho <strong>de</strong> ferro, etc.Fontes <strong>de</strong> rendimentoFortuna herdada ou adquirida como principal origem <strong>do</strong>s rendimentos.Os rendimentos consistem em lucros <strong>de</strong> empresas, altos ho<strong>no</strong>rários, cargos bemremunera<strong>do</strong>s, etc.Os rendimentos correspon<strong>de</strong>m a um vencimento mensal fixo (funcionário).Os rendimentos resultam <strong>de</strong> salários; ou seja remuneração por semana, horas à tarefa.Beneficência pública ou privada que sustente o a família (excepto subsídios por<strong>de</strong>semprego ou <strong>do</strong>ença).Observações_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________Uma vez mais obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.94


Anexo JQuestionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (QDEP)Autor: Robinson, Mandleco, Olsen & Hart, 1995Versão Portuguesa: Elsa Carapito, Marta Pedro & M. Teresa Ribeiro, 2007InstruçõesO presente questionário avalia com que frequência e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> actua com o/aseu/sua filho(a) e com que frequência e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> o seu mari<strong>do</strong>/companheiro actua como(a) seu/sua filho(a).Por favor leia cada frase <strong>do</strong> questionário e pense com que frequência actua <strong>de</strong>stemo<strong>do</strong> com o(a) seu/sua filho(a). Coloque a sua resposta <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito da frase como <strong>no</strong>exemplo abaixo indica<strong>do</strong>.Exemplo1. Deixo que o meu filho(a) escolha a roupa que leva para a escola.Depois pense com que frequência o seu mari<strong>do</strong>/companheiro actua com o(a)seu/sua filho(a). Coloque a sua resposta <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito da frase como <strong>no</strong> exemplo abaixoindica<strong>do</strong>.Exemplo1. Ele <strong>de</strong>ixa que o <strong>no</strong>sso filho(a) escolha a roupa que leva para a escola.95


Por favor, para cada frase diga com que frequência actua da maneira apresentadacom o seu filho.<strong>Nunca</strong>Algumas vezesA meta<strong>de</strong> dasvezesMuitas vezesSempre1. Sou sensível às necessida<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>do</strong> meu filho. 1 2 3 4 52. Castigo fisicamente o meu filho para o disciplinar. 1 2 3 4 53. Tenho em conta os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> meu filho, antes <strong>de</strong> lhe pedir que faça algo. 1 2 3 4 54. Quan<strong>do</strong> o meu filho pergunta por que tem <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer digo-lhe “porque eu 1 2 3 4 5disse” ou “porque sou tua mãe e quero que o faças”.5. Explico ao meu filho como me sinto quan<strong>do</strong> ele se comporta bem e quan<strong>do</strong> 1 2 3 4 5se comporta mal.6. Bato ao meu filho quan<strong>do</strong> ele é <strong>de</strong>sobediente. 1 2 3 4 57. Encorajo o meu filho a falar <strong>do</strong>s seus problemas. 1 2 3 4 58. Acho difícil disciplinar o meu filho. 1 2 3 4 59. Encorajo o meu filho a expressar-se livremente mesmo quan<strong>do</strong> ele não 1 2 3 4 5concorda comigo.10. Castigo o meu filho retiran<strong>do</strong>-lhe privilégios, com poucas ou nenhumas 1 2 3 4 5explicações.11. Realço os motivos das regras. 1 2 3 4 512. Conforto e sou compreensiva quan<strong>do</strong> o meu filho está em baixo. 1 2 3 4 513. Quan<strong>do</strong> o meu filho se comporta mal falo alto ou grito. 1 2 3 4 514. Elogio o meu filho quan<strong>do</strong> ele se comporta bem. 1 2 3 4 515. Eu ce<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o meu filho faz birra. 1 2 3 4 516. Tenho explosões <strong>de</strong> raiva com o meu filho. 1 2 3 4 517. Ameaço o meu filho com castigos mais vezes <strong>do</strong> que o castigo1 2 3 4 5efectivamente.18. Tenho em conta as preferências <strong>do</strong> meu filho quan<strong>do</strong> se fazem pla<strong>no</strong>s para 1 2 3 4 5a família.19. Agarro o meu filho com força quan<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce. 1 2 3 4 520. Digo ao meu filho que o castigo e <strong>de</strong>pois não cumpro. 1 2 3 4 521. Mostro respeito pelas opiniões <strong>do</strong> meu filho, encorajan<strong>do</strong>-o a expressá-las. 1 2 3 4 522. Permito que o meu filho dê a sua opinião sobre as regras <strong>familiar</strong>es. 1 2 3 4 523. Repreen<strong>do</strong> e critico o meu filho para o bem <strong>de</strong>le. 1 2 3 4 524. Estrago o meu filho com mimos. 1 2 3 4 525. Explico ao meu filho os motivos porque <strong>de</strong>ve cumprir as regras. 1 2 3 4 526. Uso ameaças como castigos dan<strong>do</strong> poucas ou nenhumas explicações. 1 2 3 4 527. Passo momentos especiais e <strong>de</strong> afecto com o meu filho. 1 2 3 4 528. Castigo o meu filho <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o sozinho e dan<strong>do</strong>-lhe poucas explicações. 1 2 3 4 529. Aju<strong>do</strong> o meu filho a compreen<strong>de</strong>r o impacto <strong>do</strong> seu comportamento, 1 2 3 4 5encorajan<strong>do</strong>-o a falar sobre as consequências das suas acções.30. Repreen<strong>do</strong> ou critico o meu filho quan<strong>do</strong> ele não se comporta como nós 1 2 3 4 5esperamos.31. Explico as consequências <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> meu filho. 1 2 3 4 532. Dou uma bofetada ao meu filho quan<strong>do</strong> ele se comporta mal. 1 2 3 4 596


Agora, para cada frase, diga com que frequência o seu mari<strong>do</strong>/companheiro actua daforma apresentada com o(a) seu/sua filho(a).<strong>Nunca</strong>AlgumasvezesA meta<strong>de</strong>das vezesMuitasvezesSempre1. Ele é sensível às necessida<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 52. Ele castiga fisicamente o <strong>no</strong>sso filho para o disciplinar. 1 2 3 4 53. Ele tem em conta os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho, antes <strong>de</strong> lhe pedir que faça algo. 1 2 3 4 54. Quan<strong>do</strong> o meu filho pergunta por que tem <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer, ele diz-lhe: “porque 1 2 3 4 5eu disse” ou “porque sou teu pai e quero que o faças”.5. Ele explica ao <strong>no</strong>sso filho como se sente quan<strong>do</strong> ele se comporta bem e 1 2 3 4 5quan<strong>do</strong> se comporta mal.6. Ele bate ao <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> ele é <strong>de</strong>sobediente. 1 2 3 4 57. Ele encoraja o <strong>no</strong>sso filho a falar <strong>do</strong>s seus problemas. 1 2 3 4 58. Ele acha difícil disciplinar o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 59. Ele encoraja o <strong>no</strong>sso filho a expressar-se livremente mesmo quan<strong>do</strong> este não 1 2 3 4 5concorda com ele.10. Ele castiga o <strong>no</strong>sso filho retiran<strong>do</strong>-lhe privilégios, com poucas ou nenhumas 1 2 3 4 5explicações.11. Ele realça os motivos das regras. 1 2 3 4 512. Ele conforta e é compreensivo quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho está “em baixo”. 1 2 3 4 513. Quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho se comporta mal ele fala alto ou grita. 1 2 3 4 514. Ele elogia o <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este se comporta bem. 1 2 3 4 515. Ele ce<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho faz birra. 1 2 3 4 516. Ele tem explosões <strong>de</strong> raiva com o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 517. Ele ameaça o <strong>no</strong>sso filho com castigos mais vezes <strong>do</strong> que o castiga1 2 3 4 5efectivamente.18. Ele tem em conta as preferências <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> se fazem pla<strong>no</strong>s 1 2 3 4 5para a família.19. Ele agarra o <strong>no</strong>sso filho com força quan<strong>do</strong> este <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce. 1 2 3 4 520. Ele diz ao <strong>no</strong>sso filho que o castiga e <strong>de</strong>pois não cumpre. 1 2 3 4 521. Ele mostra respeito pelas opiniões <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho, encorajan<strong>do</strong>-o a expressálas.1 2 3 4 522. Ele permite que o <strong>no</strong>sso filho dê a sua opinião sobre as regras <strong>familiar</strong>es. 1 2 3 4 523. Ele repreen<strong>de</strong> e critica o <strong>no</strong>sso filho para o bem <strong>de</strong>le. 1 2 3 4 524. Ele estraga o <strong>no</strong>sso filho com mimos. 1 2 3 4 525. Ele explica ao <strong>no</strong>sso filho os motivos porque <strong>de</strong>ve cumprir as regras. 1 2 3 4 526. Ele usa ameaças como castigos dan<strong>do</strong> poucas ou nenhumas explicações. 1 2 3 4 527. Ele passa momentos especiais e <strong>de</strong> afecto com o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 528. Ele castiga o <strong>no</strong>sso filho <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o sozinho e dan<strong>do</strong>-lhe poucas explicações. 1 2 3 4 529. Ele ajuda o <strong>no</strong>sso filho a compreen<strong>de</strong>r o impacto <strong>do</strong> seu comportamento, 1 2 3 4 5encorajan<strong>do</strong>-o a falar sobre as consequências das suas acções.30. Ele repreen<strong>de</strong> ou critica o <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este não se comporta como nós 1 2 3 4 5esperamos.31. Ele explica as consequências <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 532. Ele dá uma bofetada ao <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este se comporta mal. 1 2 3 4 5Obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.97


Anexo KQuestionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais (QDEP)Autor: Robinson, Mandleco, Olsen & Hart, 1995Versão Portuguesa: Elsa Carapito, Marta Pedro & M. Teresa Ribeiro, 2007InstruçõesO presente questionário avalia com que frequência e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> actua com o/aseu/sua filho(a) e com que frequência e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> a sua esposa/companheira actua como(a) seu/sua filho(a).Por favor leia cada frase <strong>do</strong> questionário e pense com que frequência actua <strong>de</strong>stemo<strong>do</strong> com o(a) seu/sua filho(a). Coloque a sua resposta <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito da frase como <strong>no</strong>exemplo abaixo indica<strong>do</strong>.Exemplo2. Deixo que o meu filho(a) escolha a roupa que leva para a escola.Depois pense com que frequência a sua esposa/companheira actua com o(a)seu/sua filho(a). Coloque a sua resposta <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito da frase como <strong>no</strong> exemplo abaixoindica<strong>do</strong>.Exemplo2. Ela <strong>de</strong>ixa que o <strong>no</strong>sso filho(a) escolha a roupa que leva para a escola.98


Por favor, para cada frase diga com que frequência actua da maneira apresentadacom o seu filho.<strong>Nunca</strong>Algumas vezesA meta<strong>de</strong> dasvezesMuitas vezesSempre33. Sou sensível às necessida<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>do</strong> meu filho. 1 2 3 4 534. Castigo fisicamente o meu filho para o disciplinar. 1 2 3 4 535. Tenho em conta os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> meu filho, antes <strong>de</strong> lhe pedir que faça algo. 1 2 3 4 536. Quan<strong>do</strong> o meu filho pergunta por que tem <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer digo-lhe “porque eu 1 2 3 4 5disse” ou “porque sou tua mãe e quero que o faças”.37. Explico ao meu filho como me sinto quan<strong>do</strong> ele se comporta bem e quan<strong>do</strong> 1 2 3 4 5se comporta mal.38. Bato ao meu filho quan<strong>do</strong> ele é <strong>de</strong>sobediente. 1 2 3 4 539. Encorajo o meu filho a falar <strong>do</strong>s seus problemas. 1 2 3 4 540. Acho difícil disciplinar o meu filho. 1 2 3 4 541. Encorajo o meu filho a expressar-se livremente mesmo quan<strong>do</strong> ele não 1 2 3 4 5concorda comigo.42. Castigo o meu filho retiran<strong>do</strong>-lhe privilégios, com poucas ou nenhumas 1 2 3 4 5explicações.43. Realço os motivos das regras. 1 2 3 4 544. Conforto e sou compreensiva quan<strong>do</strong> o meu filho está em baixo. 1 2 3 4 545. Quan<strong>do</strong> o meu filho se comporta mal falo alto ou grito. 1 2 3 4 546. Elogio o meu filho quan<strong>do</strong> ele se comporta bem. 1 2 3 4 547. Eu ce<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o meu filho faz birra. 1 2 3 4 548. Tenho explosões <strong>de</strong> raiva com o meu filho. 1 2 3 4 549. Ameaço o meu filho com castigos mais vezes <strong>do</strong> que o castigo1 2 3 4 5efectivamente.50. Tenho em conta as preferências <strong>do</strong> meu filho quan<strong>do</strong> se fazem pla<strong>no</strong>s para 1 2 3 4 5a família.51. Agarro o meu filho com força quan<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce. 1 2 3 4 552. Digo ao meu filho que o castigo e <strong>de</strong>pois não cumpro. 1 2 3 4 553. Mostro respeito pelas opiniões <strong>do</strong> meu filho, encorajan<strong>do</strong>-o a expressá-las. 1 2 3 4 554. Permito que o meu filho dê a sua opinião sobre as regras <strong>familiar</strong>es. 1 2 3 4 555. Repreen<strong>do</strong> e critico o meu filho para o bem <strong>de</strong>le. 1 2 3 4 556. Estrago o meu filho com mimos. 1 2 3 4 557. Explico ao meu filho os motivos porque <strong>de</strong>ve cumprir as regras. 1 2 3 4 558. Uso ameaças como castigos dan<strong>do</strong> poucas ou nenhumas explicações. 1 2 3 4 559. Passo momentos especiais e <strong>de</strong> afecto com o meu filho. 1 2 3 4 560. Castigo o meu filho <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o sozinho e dan<strong>do</strong>-lhe poucas explicações. 1 2 3 4 561. Aju<strong>do</strong> o meu filho a compreen<strong>de</strong>r o impacto <strong>do</strong> seu comportamento, 1 2 3 4 5encorajan<strong>do</strong>-o a falar sobre as consequências das suas acções.62. Repreen<strong>do</strong> ou critico o meu filho quan<strong>do</strong> ele não se comporta como nós 1 2 3 4 5esperamos.63. Explico as consequências <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> meu filho. 1 2 3 4 564. Dou uma bofetada ao meu filho quan<strong>do</strong> ele se comporta mal. 1 2 3 4 599


Agora, para cada frase, diga com que frequência a sua esposa/companheira actuada forma apresentada com o(a) seu/sua filho(a).<strong>Nunca</strong>AlgumasvezesA meta<strong>de</strong>das vezesMuitasvezesSempre33. Ela é sensível às necessida<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 534. Ela castiga fisicamente o <strong>no</strong>sso filho para o disciplinar. 1 2 3 4 535. Ela tem em conta os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho, antes <strong>de</strong> lhe pedir que faça algo. 1 2 3 4 536. Quan<strong>do</strong> o meu filho pergunta por que tem <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer, ela diz-lhe: “porque 1 2 3 4 5eu disse” ou “porque sou tua mãe e quero que o faças”.37. Ela explica ao <strong>no</strong>sso filho como se sente quan<strong>do</strong> ele se comporta bem e 1 2 3 4 5quan<strong>do</strong> se comporta mal.38. Ela bate ao <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> ele é <strong>de</strong>sobediente. 1 2 3 4 539. Ela encoraja o <strong>no</strong>sso filho a falar <strong>do</strong>s seus problemas. 1 2 3 4 540. Ela acha difícil disciplinar o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 541. Ela encoraja o <strong>no</strong>sso filho a expressar-se livremente mesmo quan<strong>do</strong> este não 1 2 3 4 5concorda com ela.42. Ela castiga o <strong>no</strong>sso filho retiran<strong>do</strong>-lhe privilégios, com poucas ou nenhumas 1 2 3 4 5explicações.43. Ela realça os motivos das regras. 1 2 3 4 544. Ela conforta e é compreensiva quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho está “em baixo”. 1 2 3 4 545. Quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho se comporta mal ela fala alto ou grita. 1 2 3 4 546. Ela elogia o <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este se comporta bem. 1 2 3 4 547. Ela ce<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso filho faz birra. 1 2 3 4 548. Ela tem explosões <strong>de</strong> raiva com o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 549. Ela ameaça o <strong>no</strong>sso filho com castigos mais vezes <strong>do</strong> que o castiga1 2 3 4 5efectivamente.50. Ela tem em conta as preferências <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> se fazem pla<strong>no</strong>s 1 2 3 4 5para a família.51. Ela agarra o <strong>no</strong>sso filho com força quan<strong>do</strong> este <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce. 1 2 3 4 552. Ela diz ao <strong>no</strong>sso filho que o castiga e <strong>de</strong>pois não cumpre. 1 2 3 4 553. Ela mostra respeito pelas opiniões <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho, encorajan<strong>do</strong>-o a expressálas.1 2 3 4 554. Ela permite que o <strong>no</strong>sso filho dê a sua opinião sobre as regras <strong>familiar</strong>es. 1 2 3 4 555. Ela repreen<strong>de</strong> e critica o <strong>no</strong>sso filho para o bem <strong>de</strong>le. 1 2 3 4 556. Ela estraga o <strong>no</strong>sso filho com mimos. 1 2 3 4 557. Ela explica ao <strong>no</strong>sso filho os motivos porque <strong>de</strong>ve cumprir as regras. 1 2 3 4 558. Ela usa ameaças como castigos dan<strong>do</strong> poucas ou nenhumas explicações. 1 2 3 4 559. Ela passa momentos especiais e <strong>de</strong> afecto com o <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 560. Ela castiga o <strong>no</strong>sso filho <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o sozinho e dan<strong>do</strong>-lhe poucas explicações. 1 2 3 4 561. Ela ajuda o <strong>no</strong>sso filho a compreen<strong>de</strong>r o impacto <strong>do</strong> seu comportamento, 1 2 3 4 5encorajan<strong>do</strong>-o a falar sobre as consequências das suas acções.62. Ela repreen<strong>de</strong> ou critica o <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este não se comporta como nós 1 2 3 4 5esperamos.63. Ela explica as consequências <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 564. Ela dá uma bofetada ao <strong>no</strong>sso filho quan<strong>do</strong> este se comporta mal. 1 2 3 4 5Obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.100


Anexo LQuestionário <strong>de</strong> coparentalida<strong>de</strong>Autores: Gayla M., Elana B. G. & Richard S. J., 2001Versão Portuguesa: Marta Pedro & Teresa Ribeiro, 2008Instruções:Por favor, leia cada frase <strong>do</strong> questionário e pense com que frequência o seumari<strong>do</strong>/companheiro ou a sua mulher/companheira actua <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong> consigo. Depois <strong>de</strong>escolher a sua resposta, assinale-a com um círculo.O meu mari<strong>do</strong> / companheiro …ouA minha mulher / companheira…<strong>Nunca</strong>RaramenteÀs vezesNormalmenteSempre1. ... conta-me muitas coisas acerca <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 52. … põe-me a par <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que acontece durante o dia-a-dia <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 53. … fala muito bem <strong>de</strong> mim ao <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 54. … pergunta a minha opinião sobre assuntos relaciona<strong>do</strong>s com o ser pai/ser 1 2 3 4 5mãe.5. … participa na resolução <strong>do</strong>s problemas disciplinares relaciona<strong>do</strong>s com o <strong>no</strong>sso 1 2 3 4 5filho.6. … diz coisas cruéis acerca <strong>de</strong> mim, ou que me magoam, em frente <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso 1 2 3 4 5filho.7. … usa o <strong>no</strong>sso filho contra mim. 1 2 3 4 58. … quan<strong>do</strong> discutimos, tenta manipular o <strong>no</strong>sso filho para que este tome o 1 2 3 4 5parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong> nós.9. … envia-me mensagens pelo <strong>no</strong>sso filho em vez <strong>de</strong> falar directamente comigo. 1 2 3 4 510. … e eu temos regras diferentes <strong>no</strong> que diz respeito à alimentação, rotinas 1 2 3 4 5diárias, hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>itar ou trabalhos <strong>de</strong> casa <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho.11. … e eu temos níveis diferentes <strong>de</strong> exigência relativamente ao comportamento 1 2 3 4 5<strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho.12. … discute comigo por causa <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 513. … concorda com as minhas <strong>de</strong>cisões relativas à disciplina <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso filho. 1 2 3 4 514. … enfraquece, pouco a pouco, a minha posição <strong>de</strong> pai/mãe. 1 2 3 4 5Obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.101


Anexo MEscala <strong>de</strong> Preocupações ParentaisAutores: Algarvio e Leal, 2004As questões que se seguem pe<strong>de</strong>m-lhe a sua opinião acerca <strong>do</strong> que a/o preocupaactualmente em relação ao seu filho/a. Responda, por favor, a cada uma das questões marcan<strong>do</strong>com uma cruz (x) na opção que consi<strong>de</strong>ra mais a<strong>de</strong>quada à sua situação. Se não tiver a certeza <strong>de</strong>como respon<strong>de</strong>r a qualquer uma das questões, responda o melhor que pu<strong>de</strong>r e faça um comentário<strong>no</strong> espaço livre na margem direita da página. Se achar que a questão não lhe diz respeito <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> àida<strong>de</strong> da criança ou por qualquer outra razão, ponha uma cruz na opção “não se aplica”.Ida<strong>de</strong> da criança: _____ a<strong>no</strong>s ____ meses Sexo da criança: Masculi<strong>no</strong> Femini<strong>no</strong>MuitíssimoBastanteRazoavelmentePouco<strong>Na</strong>daNão se aplica1. Preocupa-me o meu filho não dar atenção ao que lhe digo 1 2 3 4 5 62. Preocupa-me o meu filho ter pesa<strong>de</strong>los 1 2 3 4 5 63. Preocupa-me o meu filho controlar dificilmente os seus comportamentos 1 2 3 4 5 64. Preocupa-me, em caso <strong>de</strong> separação <strong>do</strong>s pais, quem <strong>de</strong>ve ficar com a custódia 1 2 3 4 5 6da criança5. Preocupa-me o meu filho não me obe<strong>de</strong>cer 1 2 3 4 5 66. Preocupa-me o que o meu filho <strong>de</strong>ve comer 1 2 3 4 5 67. Preocupa-me o meu filho comer pouco 1 2 3 4 5 68. Preocupa-me os pais não estarem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> quanto às regras e disciplina 1 2 3 4 5 69. Preocupa-me o meu filho ter me<strong>do</strong> <strong>de</strong> animais 1 2 3 4 5 610. Preocupa-me se o meu filho tem o que precisa na escola 1 2 3 4 5 611. Preocupa-me saber como preparar o meu filho para mudar <strong>de</strong> casa 1 2 3 4 5 612. Preocupa-me o meu filho enten<strong>de</strong>r o que é a morte 1 2 3 4 5 613. Preocupa-me o meu filho queixar-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>res <strong>de</strong> cabeça 1 2 3 4 5 614. Preocupa-me o meu filho ter o so<strong>no</strong> agita<strong>do</strong> 1 2 3 4 5 615. Preocupa-me o meu filho sujar-se muito 1 2 3 4 5 616. Preocupa-me o meu filho fazer birras 1 2 3 4 5 617. Preocupa-me a educa<strong>do</strong>ra/professora enten<strong>de</strong>r o meu filho 1 2 3 4 5 618. Preocupa-me os pais discutirem muito 1 2 3 4 5 619. Preocupa-me o meu filho não gostar <strong>de</strong> partilhar 1 2 3 4 5 620. Preocupa-me o meu filho ter me<strong>do</strong> <strong>do</strong> escuro 1 2 3 4 5 621. Preocupa-me o meu filho não querer ir para a cama 1 2 3 4 5 622. Preocupa-me o meu filho ser mandão e exigente 1 2 3 4 5 623. Preocupa-me o meu filho não assumir responsabilida<strong>de</strong>s 1 2 3 4 5 624. Preocupa-me o meu filho chorar e/ou gritar muito 1 2 3 4 5 625. Preocupa-me o meu filho ser sujeito a maus tratos 1 2 3 4 5 626. Preocupa-me o meu filho mentir 1 2 3 4 5 627. Preocupa-me o que <strong>de</strong>ve ser dito à criança em caso <strong>de</strong> separação <strong>do</strong>s pais 1 2 3 4 5 628. Preocupa-me o meu filho ter me<strong>do</strong>s 1 2 3 4 5 629. Preocupa-me o meu filho queixar-se muito 1 2 3 4 5 630. Preocupa-me o meu filho queixar-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>res <strong>de</strong> barriga 1 2 3 4 5 631. Preocupa-me o meu filho enten<strong>de</strong>r a morte <strong>de</strong> alguém próximo 1 2 3 4 5 632. Preocupa-me se o meu filho está prepara<strong>do</strong> para ir para a escola 1 2 3 4 5 633. Preocupa-me o meu filho ter dificulda<strong>de</strong> em a<strong>do</strong>rmecer 1 2 3 4 5 634. Preocupa-me o meu filho ser muito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte 1 2 3 4 5 635. Preocupa-me o meu filho não comer certos alimentos 1 2 3 4 5 636. Preocupa-me o meu filho ter me<strong>do</strong> <strong>do</strong> papão ou <strong>de</strong> monstros 1 2 3 4 5 637. Preocupa-me o meu filho ser muito activo 1 2 3 4 5 6102Obriga<strong>do</strong> pela sua colaboração.


Anexo N103


104


105


106


107


Anexo O108


109


Anexo PFamily Relations TestDescrição das mensagens que compõem a forma B <strong>do</strong> Teste das Relações Familiares(Children’s Version) utilizada na presente investigação1. Sentimentos emiti<strong>do</strong>s pela criança em relação às pessoas que consi<strong>de</strong>ra família:- Afectos levemente positivos (afectuosos) (Outgoing mild positive feelings)00. Esta pessoa da minha família é muito simpática.01. Esta pessoa da minha família é muito alegre.02. Esta pessoa da minha família ajuda sempre os outros.03. Esta pessoa da minha família tem muito bom feitio.04. Esta pessoa da minha família apoia-me sempre.05. Esta pessoa da minha família tem imensa graça.06. Esta pessoa da minha família merece um presente bonito.07. Esta pessoa da minha família é mesmo boa pessoa.08. É muito bom brincar com esta pessoa da família.09. Esta pessoa da minha família é muito bon<strong>do</strong>sa.- Afectos fortemente positivos (afectuosos/erotiza<strong>do</strong>s) (Outgoing strong positive feelings)10. Gosto <strong>de</strong> fazer festas a esta pessoa da família.11. Gosto que esta pessoa da minha família me dê beijinhos.12. Às vezes gostava <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>do</strong>rmir na mesma cama com esta pessoa da minha família.13. Gostava que esta pessoa da minha família estivesse sempre ao pé <strong>de</strong> mim.14. Gostava que esta pessoa da minha família gostasse mais <strong>de</strong> mim <strong>do</strong> que <strong>do</strong>s outros.15. Quan<strong>do</strong> me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida com esta pessoa da minhafamília.16. Gosto que esta pessoa da minha família me faça cócegas.17. Gosto <strong>de</strong> dar abraços a esta pessoa da minha família.-Afectos levemente negativos (<strong>de</strong> <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>) (Outgoing mild negative feelings)20. Esta pessoa da minha família, às vezes é <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> picuinhas.21. Às vezes esta pessoa da minha família é muito chata.22. Esta pessoa da minha família é <strong>de</strong>smancha-prazeres.23. Esta pessoa da minha família por vezes irrita-se muito <strong>de</strong>pressa.24. Esta pessoa da minha família por vezes tem mau feitio.25. Esta pessoa da minha família, por vezes, queixa-se <strong>de</strong>mais.26. Esta pessoa da minha família fica chateada sem ter razão para isso.27. Esta pessoa da minha família nunca está satisfeita.28. Esta pessoa da minha família por vezes não tem muita paciência.29. Esta pessoa da minha família às vezes fica zangada <strong>de</strong>mais.-Afectos fortemente negativos (agressivos) (Outgoing strong negative feelings)30. Às vezes apetecia-me matar esta pessoa da minha família.31. Às vezes até gostava que esta pessoa da minha família se fosse embora.32. Às vezes sinto que o<strong>de</strong>io esta pessoa da minha família.33. Às vezes apetece-me bater nesta pessoa da minha família.34. Às vezes acho que era mais feliz se esta pessoa não fosse da minha família.35. Às vezes, sinto-me farto <strong>de</strong>sta pessoa da minha família.110


36. Às vezes, apetece-me fazer coisas só para aborrecer esta pessoa da minha família.37. Esta pessoa da minha família consegue fazer sentir-me muito zanga<strong>do</strong>.2. Sentimentos recebi<strong>do</strong>s pela criança das pessoas que consi<strong>de</strong>ra da família:-Afectos levemente positivos (afectuosos) (incoming mild positive feelings)40. Esta pessoa da minha família é muito carinhosa para mim.41. Esta pessoa da minha família é muito boa para mim.42. Esta pessoa da minha família gosta muito <strong>de</strong> mim.43. Esta pessoa da minha família presta-me muita atenção.44. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me ajudar.45. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> brincar comigo.46. Esta pessoa da minha família compreen<strong>de</strong>-me mesmo.47. Esta pessoa da minha família ouve o que tenho para dizer.- Afectos fortemente positivos (afectuosos/erotiza<strong>do</strong>s)50. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me dar beijinhos.51. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me abraçar.52. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me dar festinhas.53. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me ajudar quan<strong>do</strong> estou a tomar banho.54. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me fazer cócegas.55. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> estar na cama comigo.56. Esta pessoa da minha família quer estar sempre ao pé <strong>de</strong> mim.57. Esta pessoa da minha família gosta mais <strong>de</strong> mim <strong>do</strong> que qualquer outra pessoa <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>.- Afectos levemente negativos (<strong>de</strong> <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>) que a criança sente que recebe <strong>do</strong>s vários elementos da sua família(incoming mild negative feelings)60. Às vezes, esta pessoa da minha família mostra-me uma cara zangada.61. Esta pessoa da minha família gosta <strong>de</strong> me arreliar <strong>de</strong> propósito.62. Esta pessoa da minha família às vezes ralha comigo.63. Esta pessoa da minha família não brinca comigo quan<strong>do</strong> lhe peço.64. Esta pessoa da minha família nem sempre me ajuda quan<strong>do</strong> estou aflito.65. Esta pessoa da minha família é chata para mim.66. Esta pessoa da minha família às vezes fica zangada comigo.67. Esta pessoa da minha família está <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> ocupada e não tem tempo para mim.- Afectos levemente negativos (agressivos) que a criança sente que recebe <strong>do</strong>s vários elementos da sua família(incoming strong negative feelings)70. Esta pessoa da minha família bate-me muito.71. Esta pessoa da minha família castiga-me muito.72. Esta pessoa da minha família faz-me sentir burro.73. Esta pessoa da minha família mete-me me<strong>do</strong>.74. Esta pessoa da minha família é má para mim.75. Esta pessoa da minha família ás vezes faz-me sentir infeliz.76. Esta da minha família está sempre a queixar-se <strong>de</strong> mim.77. Esta pessoa da minha família não gosta o suficiente <strong>de</strong> mim.- Sentimentos <strong>de</strong> sobre protecção materna (Maternal Overprotection)80. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da família se constipe.81. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da família possa a<strong>do</strong>ecer.111


82. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da família possa ser atropelada.83. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da família se possa magoar.84. A minha mãe preocupa-se que possa acontecer uma coisa a esta pessoa da família.85. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da minha família an<strong>de</strong> à solta por aí.86. A minha mãe tem me<strong>do</strong> que esta pessoa da minha família brinque com meni<strong>no</strong>s brutos.87. A minha mãe preocupa-se que esta pessoa da minha família não coma o suficiente.-Sentimentos <strong>de</strong> sobreindulgência <strong>do</strong> pai (Paternal Overindulgence)90. O pai acha que esta pessoa da família é a mais simpática <strong>de</strong> todas.91. O pai dá atenção <strong>de</strong>mais a esta pessoa da minha família.92. O pai dá mimos <strong>de</strong>mais a esta pessoa da minha família.93. O pai passa tempo <strong>de</strong>mais com esta pessoa da minha família.94. Esta é a pessoa da minha família <strong>de</strong> quem o pai gosta mais.- Sentimentos <strong>de</strong> sobreindulgência da mãe (Maternal Overindulgence)95. Esta é a pessoa da minha família que a mãe acha a mais simpática <strong>de</strong> todas.96. A mãe dá atenção <strong>de</strong>mais a esta pessoa da minha família.97. A mãe dá mimos <strong>de</strong>mais a esta pessoa da minha família.98. A mãe passa tempo <strong>de</strong> mais com esta pessoa da minha família.99. Esta é a pessoa da minha família <strong>de</strong> quem a mãe gosta mais.112


Anexo QAnálise <strong>do</strong>s CasosCaso AfonsoHistória clínicaAfonso vem à Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta referencia<strong>do</strong> peloServiço <strong>de</strong> Pediatria Geral, realizan<strong>do</strong>-se a primeira consulta <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria em Junho <strong>de</strong>2009, na altura com 7 a<strong>no</strong>s e 3 meses, por alterações <strong>do</strong> comportamento com agressivida<strong>de</strong> edificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.Em termos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psico-motor, na recolha anamnésica <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s a mãeindica que a criança começou a andar aos 11 meses. No que concerne à linguagem, esta refereque se verificaram muitas dificulda<strong>de</strong>s, inclusive só aos três a<strong>no</strong>s é que os adultos começaram aperceber o que Afonso dizia. O controlo esfincteria<strong>no</strong> ter-se-á da<strong>do</strong> aos 24 meses. O so<strong>no</strong> dacriança é <strong>de</strong>scrito como agita<strong>do</strong>, e a mãe indica três episódios <strong>de</strong> enurese <strong>no</strong>cturna <strong>no</strong> mesmomês. Afonso <strong>do</strong>rme sozinho e em quarto próprio.Des<strong>de</strong> o nascimento e até aos 24 meses Afonso ficou aos cuida<strong>do</strong>s da mãe, ten<strong>do</strong> i<strong>do</strong>nessa altura para uma creche. Relativamente a <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> foro orgânico ou somático a mãeindica que a criança tem asma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, condição acompanhada até aomomento <strong>no</strong> mesmo hospital, e para a qual faz medicação diária (Flixoti<strong>de</strong>, 125, e Ventilan emS.O.S.), porém actualmente os sintomas encontram-se em remissão.No que diz respeito ao relacionamento com os pais, a mãe refere que Afonso este “temmuito respeito pelo pai, porta-se melhor quan<strong>do</strong> ele está presente”, sen<strong>do</strong> que o pai a<strong>do</strong>pta comoestratégias “ameaça bater <strong>de</strong> cinto mas nunca bateu, eu é que por vezes lhe bato”. Da mesmaforma, a mãe rapa-lhe o cabelo como castigo (<strong>de</strong>scrição sádica), já que outros castigos nãoparecem resultar.Quanto às circunstâncias <strong>de</strong> encontro <strong>do</strong>s pais esta conta que se conheceram ecomeçaram a namorar <strong>no</strong> mesmo dia e foram viver juntos <strong>no</strong> dia seguinte (“ele fazia-me feliz, eununca tinha si<strong>do</strong> feliz”). Em termos <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes <strong>familiar</strong>es, verifica-se a presença <strong>de</strong>alcoolismo (<strong>do</strong> la<strong>do</strong> pater<strong>no</strong>) e toxico<strong>de</strong>pendência (irmã da mãe). A mãe refere história <strong>de</strong> maustratospor parte <strong>do</strong>s pais e agressões entre o casal parental, perpetua<strong>do</strong>s, na sua maioria, pelocônjuge.<strong>Na</strong>s primeiras consultas, aos 7 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Afonso, a mãe <strong>de</strong>screve graves alterações<strong>de</strong> comportamento, com manifestação <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>, intensa, verbalizada e agida. “Estásempre a falar em matar e matar-se” e terá ameaça<strong>do</strong> atirar-se da janela - “estou farto <strong>de</strong>sta vida,113


<strong>de</strong>sta casa, vou arranjar outros pais”. A mãe refere também a baixa tolerância à frustração que<strong>no</strong>ta em Afonso, e aquilo que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por enviesamentos cognitivos <strong>de</strong> carácterpersecutório (atribuições <strong>de</strong> “gozo” ou pejorativas, por parte <strong>de</strong> pares, <strong>familiar</strong>es e estranhos,quan<strong>do</strong> as situações não tinham essa co<strong>no</strong>tação). Face às alterações <strong>de</strong> comportamento émedica<strong>do</strong>, nessa altura, com Risperi<strong>do</strong>na (0,5mg, <strong>de</strong> manhã e à <strong>no</strong>ite). Concomitantemente, <strong>no</strong>inicio das consultas pe<strong>do</strong>psiquiátricas a mãe menciona que a criança tem dificulda<strong>de</strong> em separarse<strong>de</strong> si (“antes andava sempre atrás <strong>de</strong> mim”, “fica em pânico se não encontra a mãe”). Com aintrodução da medicação, na escola apresenta melhorias ao nível da concentração e dairrequietu<strong>de</strong> psicomotora (consegue acompanhar melhor as tarefas), contu<strong>do</strong> em casa a situaçãomantém-se.Em termos <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> perdas na infância <strong>de</strong> Afonso, a mãe <strong>de</strong>staca que o avôpater<strong>no</strong> faleceu em Março <strong>de</strong> 2009 (próximo <strong>do</strong> inicio <strong>do</strong> seu acompanhamentope<strong>do</strong>psiquiátrico), sen<strong>do</strong> que a criança era muito chegada a este <strong>familiar</strong>, ten<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> muitoproximamente a <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> avô (já que viviam juntos), <strong>de</strong> quem manifesta ter muitas sauda<strong>de</strong>s.No que concerne às preocupações evocadas pela mãe nas primeiras consultas, esta refereas gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s sentidas ao nível da sua própria regulação emocional face aoscomportamentos mais disruptivos da criança (“consegue tirar-me <strong>do</strong> sério”), dizen<strong>do</strong> que se omanda parar ele ainda se comporta pior, e que, quan<strong>do</strong> tais situações acontecem, dada aimpotência sentida pela mãe, esta contacta o pai a quem Afonso obe<strong>de</strong>ce mais facilmente. Semprecisar uma data, a mãe esteve uma semana na qual esteve sem falar, na sequência <strong>de</strong> conflitoscom o mari<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> Afonso era pequeni<strong>no</strong>. Aproximadamente nessa data (2006) é medicadacom Fluoxetina através da consulta <strong>de</strong> neurologia, queixan<strong>do</strong>-se que se sentia triste e vazia, muitonervosa, não suportan<strong>do</strong> ouvir gritos - responsabiliza Afonso pelo “esgotamento”. Quan<strong>do</strong>Afonso se portava mal, por vezes a mãe chorava, ficava nervosa (“gagá”), gritava e dizia ao filhoque a <strong>de</strong>ixasse em paz, revelan<strong>do</strong>-se incapaz <strong>de</strong> conter e regular a tonalida<strong>de</strong> emocional dacriança. Dizia, <strong>no</strong> inicio <strong>do</strong> acompanhamento, que o filho tinha “atitu<strong>de</strong>s diabólicas” (“filho <strong>do</strong>Diabo”), tais como pegar numa faca e tentar matar a irmã (a qual por esta razão não conseguia<strong>do</strong>rmir). Conta, igualmente, que sentia me<strong>do</strong> <strong>de</strong> Afonso, já que ele lhe terá aperta<strong>do</strong> o pescoço.Verificam-se algumas idiossincrasias comportamentais <strong>de</strong> Afonso, <strong>de</strong>signadamente a mãe diz queele “odiava cortar as unhas” (“grita que parece que estou a matá-lo”). Afonso mostra-separticularmente agressivo com a irmã mais velha, porém os pais encontraram-<strong>no</strong> a dar pontapés àbebé quan<strong>do</strong> esta lhe mordia. “Os me<strong>do</strong>s <strong>do</strong>minam-<strong>no</strong> um boca<strong>do</strong>, sai à mãe e ao pai”.No contacto é <strong>de</strong>scrito pela pe<strong>do</strong>psiquiatria como uma criança simpática, que a<strong>de</strong>re <strong>de</strong>imediato à relação, globalmente imaturo (“parece um bebé cresci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sperta sentimentos <strong>de</strong>114


cuida<strong>do</strong>/holding”), manifestan<strong>do</strong> movimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agradar (quase colagemem resulta<strong>do</strong> da avi<strong>de</strong>z relacional) e gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> acerca <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> outros meni<strong>no</strong>s,ainda que se distraia facilmente, não conseguin<strong>do</strong> <strong>de</strong>dicar muito tempo à mesma tarefa, muitasvezes por <strong>de</strong>monstrar cumulativamente sentimentos <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> (“não sei, não consigo”).Em Outubro <strong>de</strong> 2009 é introduzida Ritalina (20mg), contu<strong>do</strong> na consulta seguinte,embora a mãe o <strong>de</strong>screva como muito mais calmo, verificam-se episódios <strong>de</strong> choro e isolamentoe <strong>no</strong>vas ameaças <strong>de</strong> suicídio. Diz que é burro, não quer estudar, não quer ser ninguém. No inicio<strong>de</strong> 2010 a medicação é aumentada (tanto a ritalina como a risperi<strong>do</strong>na). <strong>Na</strong> mesma ocasiãoverificam-se algumas regressões (quer a chucha da irmã, quer que a mãe lhe corte a comida e oalimente).<strong>Na</strong> escola são <strong>de</strong>scritas dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem e agressivida<strong>de</strong> junto <strong>de</strong> colegas,funcionários e professores. A professora indica “oscilações <strong>do</strong> humor e <strong>do</strong> comportamento ebaixa auto-estima”, e que, apesar das dificulda<strong>de</strong>s, a criança acaba por realizar as tarefas napresença <strong>de</strong> reforço positivo, e em particularmente num contexto <strong>de</strong> relação dual. Em termosacadémicos as maiores dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Afonso prendiam-se com a área <strong>de</strong> língua portuguesa,mais propriamente na leitura e na escrita, concomitantes com perturbações na dicção - o que nãofacilitaria o <strong>de</strong>senvolvimento da linguagem escrita. Por outro la<strong>do</strong>, as potencialida<strong>de</strong>s escolares dacriança prendiam-se com as áreas <strong>de</strong> matemática e <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio, on<strong>de</strong> se mostrava maisinteressa<strong>do</strong> e acompanhava mais facilmente os colegas. Ainda assim, nas Activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Enriquecimento Curricular (a <strong>de</strong>correr <strong>no</strong> perío<strong>do</strong> da tar<strong>de</strong>) Afonso manifestavacomportamentos mais <strong>de</strong>sajusta<strong>do</strong>s e ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> conflituoso com colegas e professores,não permanecen<strong>do</strong> quieto nem cooperante, não se concentran<strong>do</strong> e recusan<strong>do</strong>-se muitas vezes arealizar as activida<strong>de</strong>s propostas – situações que se mantêm até ao momento.No relatório <strong>de</strong> avaliação psicológica, elabora<strong>do</strong> em 2010 a pedi<strong>do</strong> da pe<strong>do</strong>psiquiatra queacompanha a criança são indicadas as seguintes informações: “alterações <strong>do</strong> comportamento,caracterizadas por dificulda<strong>de</strong> <strong>no</strong> controlo <strong>do</strong>s impulsos e condutas <strong>de</strong> oposição comrepercussões a nível pessoal, <strong>no</strong> contexto escolar e <strong>no</strong> relacionamento interpessoal.Simultaneamente a criança manifesta dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem que condicionam oaproveitamento escolar e influenciam a sua auto-estima. A partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s das provasemocionais <strong>de</strong>staca-se a imaturida<strong>de</strong> psico-afectiva e a diminuta auto<strong>no</strong>mia que condiciona osprocessos <strong>de</strong> aprendizagem, com repercussões ao nível <strong>do</strong> rendimento escolar. <strong>Na</strong> aplicação daWISC-III verifica-se uma eficiência intelectual que o situa na média esperada para o grupo<strong>no</strong>rmativo, ainda que os resulta<strong>do</strong>s revelem heterogeneida<strong>de</strong>, com valores mais eleva<strong>do</strong>s naEscala <strong>de</strong> Realização <strong>do</strong> que na Verbal, dan<strong>do</strong> conta <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s ao nível da aquisição <strong>de</strong>115


aprendizagens e na compreensão das <strong>no</strong>rmas e <strong>do</strong> funcionamento social que parecem relacionarsecom a imaturida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s processos psico-afectivos. Por outro la<strong>do</strong>, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>organização perceptiva e espacial parecem remeter, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, parauma dificulda<strong>de</strong> na integração <strong>do</strong> esquema corporal com a representação espacial e a acçãomotora, com consequências ao nível <strong>do</strong> processo simbólico. De igual forma, verificam-sedificulda<strong>de</strong>s instrumentais precoces ao nível da organização visuo-motora, espacial, gráfica eperceptiva, compatíveis com um quadro <strong>de</strong> dislexia que tem vin<strong>do</strong> a dificultar as aquisiçõesiniciais <strong>de</strong> leitura e escrita, bem como lentificação <strong>do</strong>s processos cognitivos pela presença <strong>de</strong>dificulda<strong>de</strong>s ao nível da atenção mantida/concentração e resistência à fadiga que po<strong>de</strong>rãointerferir <strong>no</strong> <strong>de</strong>sempenho escolar. Consi<strong>de</strong>ra-se pertinente a integração ao abrigo <strong>do</strong> <strong>de</strong>creto-lei3/2008 para que a criança beneficie <strong>de</strong> apoios educativos especializa<strong>do</strong>s e educações curricularesadaptadas às suas necessida<strong>de</strong>s individuais.”. <strong>Na</strong> sequência da referida avaliação, a criança iniciouuma modalida<strong>de</strong> psicoterapêutica semanal <strong>no</strong> âmbito <strong>do</strong> Projecto Área <strong>de</strong> Dia, para crianças comalterações <strong>de</strong> comportamento, <strong>no</strong> qual participa em <strong>do</strong>is ateliers, <strong>de</strong> expressão livre e <strong>de</strong>psicomotricida<strong>de</strong>.Ge<strong>no</strong>grama40 35? ?11 9415Observação geralAfonso é um meni<strong>no</strong> <strong>de</strong> 9 a<strong>no</strong>s, com um <strong>de</strong>senvolvimento estato-pon<strong>de</strong>ral a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> àida<strong>de</strong> cro<strong>no</strong>lógica, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser <strong>de</strong>scrito como uma criança harmónica, enérgica, simpática eapelativa ao contacto. É o segun<strong>do</strong> irmão <strong>de</strong> uma fratria <strong>de</strong> três, o único <strong>do</strong> sexo masculi<strong>no</strong>, eresi<strong>de</strong> com os pais, as duas irmãs (<strong>de</strong> 11 e 5 a<strong>no</strong>s) e uma prima por eles acolhida há cerca <strong>de</strong> <strong>do</strong>isa<strong>no</strong>s (com 15 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>). A sua apresentação é limpa e cuidada, sen<strong>do</strong> a criança autó<strong>no</strong>ma naescolha <strong>do</strong> vestuário e na realização das tarefas que se reportam ao seu cuida<strong>do</strong> e higiene.O seu contacto é agradável, principalmente em contextos <strong>de</strong> relação dual, e <strong>no</strong> casoparticular da investiga<strong>do</strong>ra a interacção é prontamente estabelecida e natural, sen<strong>do</strong> a contra-116


atitu<strong>de</strong> caracterizada como positiva ao longo das várias sessões <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, dada relação<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> para com esta. Afonso realiza contacto visual, <strong>de</strong> uma forma segura e interessada,e mostra-se cooperante e participativo em to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> avaliação, com um comportamentoa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e implica<strong>do</strong> nas tarefas, ainda que com alguma irrequietu<strong>de</strong> psicomotora. A atenção écaptável mas facilmente dispersa pelos estímulos presentes nas salas on<strong>de</strong> <strong>de</strong>correram asavaliações. O humor da criança é positivo e face à presença nas entrevistas <strong>de</strong> avaliação Afonsoencontra-se expectante e disponível, a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> estratégias para protelar o térmi<strong>no</strong> das sessões ouo aumento <strong>do</strong> número das mesmas. Exibe um bom nível <strong>de</strong> compreensão, uma verbalização clarae bem articulada, ainda que ligeiramente particular <strong>no</strong> pronunciamento fonético <strong>de</strong> algumasvocalizações, e um discurso organiza<strong>do</strong> e coerente, espontâneo e expressivo. Afonso vem àsconsultas <strong>de</strong> avaliação sempre acompanha<strong>do</strong> pela mãe, sen<strong>do</strong> a relação entre os <strong>do</strong>is na sala <strong>de</strong>espera próxima e cúmplice, quase fraterna.EntrevistaPara Greenspan e Greenspan (1993), a entrevista clínica com a criança permite um acessosingular ao seu mun<strong>do</strong> altamente individual bem como às suas experiências sociais. Deste mo<strong>do</strong>,o clínico <strong>de</strong>ve ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observar e estar atento às várias dimensões da comunicação aque a criança recorre: as crianças comunicam através <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como olham (ou evitam ocontacto ocular), pela forma como se relacionam, pelos seus gestos, humor, pelas emoções quemanifestam, pela forma como negoceiam o espaço <strong>do</strong> ambiente da entrevista, pelos temas que<strong>de</strong>senvolvem <strong>no</strong>s jogos e <strong>no</strong> diálogo (Greenspan & Greenspan, 1993).<strong>Na</strong> entrevista Afonso revela-se espontâneo, cooperante e bastante disponível, parecen<strong>do</strong>entusiasma<strong>do</strong> com o contacto com a investiga<strong>do</strong>ra. Diz-se que gosta <strong>de</strong> fazer ginástica, jogarBaybla<strong>de</strong>s, berlin<strong>de</strong>s e à bola e andar <strong>de</strong> skate. Conta-me que a mãe é cozinheira e o pai solda<strong>do</strong>r eque tem duas irmãs, respectivamente <strong>de</strong> 14 e quatro a<strong>no</strong>s., com as quais brinca e vê filmes masdiz ter conflitos (“andamos às turras, às vezes provocam-me e eu também”), e que resi<strong>de</strong>m comuma prima <strong>de</strong> 15 a<strong>no</strong>s que o pai a<strong>do</strong>ptou quan<strong>do</strong> esta tinha oito a<strong>no</strong>s. <strong>Na</strong> escola conta-me que ascoisas correm “mais ou me<strong>no</strong>s”, e que as suas disciplinas favoritas são educação física e educaçãomusical, ao paço que as que me<strong>no</strong>s gosta são língua portuguesa, matemática, teatro e inglês. Dizmeque tem muito amigos e enumera uma série <strong>de</strong> <strong>no</strong>mes, não conseguin<strong>do</strong> especificar um <strong>de</strong>quem se sinta mais próximo. Quan<strong>do</strong> for gran<strong>de</strong> diz querer ser astronauta ou futebolista. Dormebem, sozinho e em quarto próprio, e conta ter pesa<strong>de</strong>los quan<strong>do</strong> vê filmes <strong>de</strong> terror. Quan<strong>do</strong>questiona<strong>do</strong> acerca <strong>de</strong> me<strong>do</strong>s ou fobias diz-me não ter me<strong>do</strong> <strong>de</strong> nada, ainda que não goste <strong>de</strong>escaravelhos porque “po<strong>de</strong>m mor<strong>de</strong>r o <strong>de</strong><strong>do</strong>”. Ao longo <strong>de</strong> toda a entrevista o seu117


comportamento revela gran<strong>de</strong> irrequietu<strong>de</strong>, olhan<strong>do</strong> em muitas ocasiões em volta, pelo quequan<strong>do</strong> lhe é solicita<strong>do</strong> que faça um <strong>de</strong>senho recorre a um <strong>do</strong>s disponíveis na sala.118


Desenho livre119


História“Era uma vez <strong>do</strong>is carros que eram inimigos, que foram treinar e <strong>de</strong>pois eles fizeram uma corridapara ver quem chegava à meta e empataram. E <strong>de</strong>pois passou dias e dias e eles foram para casa. Echegou o dia da corrida, que ‘tavam lá tantos carros que eles ficaram assusta<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>pois elescomeçaram-se a meter em fila para começar a corrida e o carro <strong>de</strong>u a partida. Depois elespassaram carros, fizeram tantas curvas e foram mudar <strong>de</strong> pneus. E eles já ‘tavam tão perto dameta que empataram e ficaram amigos. Já ‘tá.”Análise psicodinâmica<strong>Na</strong> realização <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho evi<strong>de</strong>ncia-se a procura <strong>de</strong> suporte, <strong>no</strong> outro, na realida<strong>de</strong>, com<strong>de</strong>staque da função <strong>de</strong> anáclise <strong>do</strong> objecto, parece-<strong>no</strong>s que por dificulda<strong>de</strong> em reunir ouencontrar recursos inter<strong>no</strong>s suficientes para dar senti<strong>do</strong> e respon<strong>de</strong>r à realida<strong>de</strong> experiencial eemocional – realiza o <strong>de</strong>senho por imitação <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos que se encontram expostos <strong>no</strong>gabinete. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte visual para o <strong>de</strong>senho é patente na execução <strong>do</strong> mesmo,como se não houvesse riqueza simbólica e fantasmática interior suficiente, o que remete para adificulda<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> expressão projectiva. A figura que reproduz revela <strong>no</strong>ções estéticas,porém sem preocupações com os limites, exce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o espaço da folha ou o contor<strong>no</strong> das figurasque <strong>de</strong>senha, o que também po<strong>de</strong> remeter para a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Afonso em lidar com a frustraçãoe com a imposição <strong>de</strong> limites/regras. Da mesma forma verifica-se alguma sobreposição dasimagens/formas, como se eu e outro não estivessem bem <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>s, diferencia<strong>do</strong>s e integra<strong>do</strong>s,revelan<strong>do</strong> a porosida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> envelope psíquico (Anzieu, 1995). Em termos <strong>do</strong>conteú<strong>do</strong>, a produção <strong>de</strong> <strong>do</strong>is carros em situação se colisão parece remeter para umarepresentação <strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong>, confronto. Por outro la<strong>do</strong>, e em termos da qualida<strong>de</strong> gráfica, otraço da criança é forte, intencional e <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>.120


1º Desenho da Figura Humana121


Questionamento:1. Quem é, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“É o avô, chama-se Diogo e tem mais ou me<strong>no</strong>s 67 a<strong>no</strong>s. Está a fazer um filme.”2. Qual foi o dia mais feliz da sua vida?“Sei lá, foi quan<strong>do</strong> saiu-lhe o Euro Milhões”3. E o mais triste?”“Foi quan<strong>do</strong> a mãe <strong>de</strong>le morreu.”4. Qual o seu maior <strong>de</strong>sejo?“Ser rico.”5. Qual a parte mais bem <strong>de</strong>senhada?“A orelha.” (corrige)6. E a me<strong>no</strong>s?“Os <strong>de</strong>ntes.”7. Conta-me uma boa recordação.“Não sei.”8. E uma má.“Também não. Não falo assim muito com ele.”9. Ele é feliz?“É.”10. E saudável?“Também.”11. Mudavas alguma parte <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho?“Mudava. A boca.”12. Conta-me uma história sobre ele.“Era uma vez o Diogo que vivia com a Cinda. E <strong>de</strong>pois eles tiveram uma menina chamada Paula.(E mais?) E <strong>de</strong>pois eles tiveram outra filha chamada Xana. E <strong>de</strong>pois a Paula fez a<strong>no</strong>s e fizeramuma gran<strong>de</strong> festa muito gran<strong>de</strong>, foram ao cinema, foram ao Sul, e foram…ao Oceanário. E<strong>de</strong>pois ‘tava <strong>de</strong> <strong>no</strong>ite e eles foram-se <strong>de</strong>itar e já passa<strong>do</strong>s muitos a<strong>no</strong>s, a Paula e a Xana já viviamsozinhas e a Paula foi a uma discoteca e conheceu o Mário. E acabou. Eles casaram e viveramfelizes para sempre.”Análise psicodinâmicaO <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma pessoa é útil, enquanto forma <strong>de</strong> expressão emocional e simbólica <strong>do</strong>sconflitos e afectos prepon<strong>de</strong>rantes na realida<strong>de</strong> afectiva da criança que <strong>de</strong>senha, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>122


inclusivamente informar quanto ao autoconceito, na medida em que algumas das característicasdas figuras humanas ten<strong>de</strong>m expressar através <strong>do</strong> mecanismo projectivo, a forma como o própriose percepciona (Osten, & Gould, 1978). Neste senti<strong>do</strong>, o Desenho da Figura Humana <strong>de</strong> Afonsofoi realiza<strong>do</strong> <strong>no</strong>vamente com recurso a um suporte visual, o que <strong>no</strong>s faz pensar na existência <strong>de</strong>alguma imobilização simbólica que impe<strong>de</strong> uma produção espontânea e projectiva. Ainda assim, anarrativa que acompanha a produção, totalmente elaborada a partir <strong>de</strong> referências <strong>familiar</strong>es,remete para dimensões importantes <strong>de</strong> perda, as quais evocam o afecto <strong>de</strong>pressivo e revelam aressonância afectiva <strong>de</strong>le <strong>de</strong>corrente, remeten<strong>do</strong> para uma angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo. Relativamenteaos aspectos gráficos, a produção assume um aspecto algo bizarro e <strong>de</strong>sarmónico, sen<strong>do</strong> otraça<strong>do</strong> amplo e forte sinal <strong>de</strong> uma tendência à abertura e extroversão (Corman, 2003), associada,por outro la<strong>do</strong>, à rapi<strong>de</strong>z e à impulsivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução, revelan<strong>do</strong> a força emergente das pulsões,as quais não estão contidas e mas sim projectadas.123


2º Desenho da figura humana feminina124


Questionamento:1. Quem é esta pessoa/personagem, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“Não sei o <strong>no</strong>me <strong>de</strong>la.” (olha para mim e ri-se) “Ana, tem 16 a<strong>no</strong>s e ‘tá a fazer claque <strong>de</strong>basquetebol.”2. Conta-me uma história sobre ela.“Era uma vez uma menina que ‘tava a treinar para a claque e <strong>de</strong>pois veio um senhor para ela irfazer outra coisa e ela não quis, quis fazer claque <strong>de</strong> basquetebol e an<strong>do</strong>u à porrada e foram os<strong>do</strong>is presos e <strong>no</strong> fim morreram. E ficaram tristes para sempre. Eu inventei uma históriaagressiva.”Análise psicodinâmicaNo caso <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho da figura humana relativo ao sexo oposto, a personagemrepresentada é elaborada <strong>de</strong> forma me<strong>no</strong>s investida, o que parece remeter para a inquietação faceà solicitação latente relacionada com o femini<strong>no</strong> e por conseguinte o mater<strong>no</strong>. Da mesma forma,a narrativa que acompanha a produção revela a intensida<strong>de</strong> pulsional agressiva face a estatemática. Relativamente à expressão gráfica, parece existir alguma inibição e retracção, o quesublinha a angústia relacionada com o femini<strong>no</strong>, provavelmente razão pela qual o tempo <strong>de</strong>execução tenha si<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ravelmente inferior.125


Auto-retrato126


Questionamento:1. Quem é, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“É o Afonso, tem 9 a<strong>no</strong>s e ‘tá a andar <strong>de</strong> skate.”2. Qual foi o dia mais feliz da sua vida?“Foi o dia (data) porque ele fez a<strong>no</strong>s.”3. E o mais triste?”“Foi quan<strong>do</strong> caiu a andar <strong>de</strong> skate.”4. Quan<strong>do</strong> for gran<strong>de</strong> o que quer ser?“Skater. Porque gosta <strong>de</strong> andar <strong>de</strong> skate.”5. Qual a parte mais bem <strong>de</strong>senhada?“O fio.”6. E a me<strong>no</strong>s?“A cara.”7. Conta-me uma boa recordação.“Foi quan<strong>do</strong> ele fez a<strong>no</strong>s, a mãe ofereceu-lhe uma Playstation 3.”8. E uma má.“Foi quan<strong>do</strong> a avó <strong>de</strong>le morreu e avô sentiu-se triste.”9. Ele é feliz?“É. Porque tem tu<strong>do</strong> o que quer quan<strong>do</strong> se porta bem.”10. E saudável?“Mais ou me<strong>no</strong>s. Há dias que come chocolate e há dias que come coisas saudáveis.”11. Mudavas alguma parte <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho?“Não.”12. Conta-me uma história sobre ele.“Era uma vez um meni<strong>no</strong> chama<strong>do</strong> Afonso que ‘tava sempre a sonhar que era Skater. E eletreinava, treinava skate. E houve um dia que um senhor que trabalhava numa coisa <strong>de</strong> skates viuele a andar <strong>de</strong> skate e viu ele e falou com ele para fazer uma corrida e uns truques. E foi falar como pai e a mãe e eles aceitaram. E houve o dia da competição, houve o dia que ele foi fazertruques. E ele ganhou, e ganhou o cheque <strong>de</strong> 500 milhões <strong>de</strong> Euros. Isso é tanto, não é? E ele foimostrar o cheque aos pais e ele e os pais viveram felizes para sempre.”127


Análise psicodinâmicaA produção gráfica é muito investida na presente prova, sen<strong>do</strong> o ritmo mais pausa<strong>do</strong>,revelan<strong>do</strong> o da criança interesse na mesma. <strong>Na</strong> figura são incluí<strong>do</strong>s elementos que lhe conferemexpressão i<strong>de</strong>ntitária, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> da afirmação <strong>de</strong> uma certa irreverência e <strong>de</strong> uma masculinida<strong>de</strong>que Afonso preten<strong>de</strong> atribuir à própria projecção. O traça<strong>do</strong> é mais leve e inseguro o que,concomitante com o posicionamento da figura na base da folha, e já que se trata <strong>do</strong> auto-retrato,<strong>no</strong>s parece indicar não só a sua fragilida<strong>de</strong> da criança como a sua necessida<strong>de</strong> regressiva <strong>de</strong> umabase segura que lhe forneça suporte e protecção. Po<strong>de</strong> referir-se que Afonso se projecta emtermos <strong>de</strong> imagem e esquema corporal e representa uma figura concordante com a sua faixaetária.A narrativa evoca <strong>no</strong>vamente elementos relativos a uma representação <strong>de</strong> perda <strong>do</strong>objecto <strong>de</strong> amor, os quais remetem <strong>no</strong>vamente para uma angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo. São evoca<strong>do</strong>selementos <strong>de</strong> tipo narcísico, como forma superficial <strong>de</strong> realizar a leitura da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>compensação das importantes falhas afectivas que se verificam. Verifica-se um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>proximida<strong>de</strong> emocional com os representantes <strong>do</strong>s imagos parentais. Por outro la<strong>do</strong>, o discursoapresenta algumas nuances características <strong>de</strong> uma dimensão <strong>de</strong> omnipotência infantil, as quaistestemunham as suas necessida<strong>de</strong>s precoces <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, afecto e protecção.128


Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanFamília imaginária129


Questionamento:1. Quem são estas personagens? Como se chamam e que ida<strong>de</strong> têm?“É o Leandro, tem 18 a<strong>no</strong>s e é o pai. Esta é a Rute, tem 14 a<strong>no</strong>s e é a mãe.”2. O que está a acontecer? Porquê?“Estão a aparecer <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho. Estão a jogar an<strong>de</strong>bol porque é o <strong>de</strong>sporto preferi<strong>do</strong> <strong>de</strong>les.”3. Quem é o mais feliz e o me<strong>no</strong>s feliz? Porquê?“O mais feliz é o homem. Porque é mais bonito.O me<strong>no</strong>s feliz é a mulher, porque ’tá sempre mal disposta.” (<strong>de</strong>senha o balão <strong>de</strong> diálogo nafigura feminina)4. Quem é o mais simpático e o me<strong>no</strong>s simpático? Porquê?“O mais simpático é o homem, porque ele diz bom dia às pessoas, respeita e isso, e ela não.”5. Quem manda mais e quem manda me<strong>no</strong>s? Porquê?“É o homem, ‘pera aí, porque têm-lhe respeito. Quem manda me<strong>no</strong>s é ela, porque ela nãorespeita ninguém e as pessoas também não lhe respeitam.”6. Se pu<strong>de</strong>sses escolher, quem <strong>de</strong>stas personagens gostarias <strong>de</strong> ser? Porquê?“O homem claro, porque é o mais charmoso.”7. Se pu<strong>de</strong>sses mudar alguma coisa neste <strong>de</strong>senho, o que mudavas? Porquê?“Não.”8. Se to<strong>do</strong>s fossem dar um passeio <strong>de</strong> carro e um <strong>de</strong>les não coubesse, quem ficaria <strong>de</strong> fora?“Era ela porque ele é que tem carta.”9. Se uma das crianças se portasse mal, qual <strong>de</strong>las seria? Como seria castigada? Por quem?“Era ela, porque ‘tava sempre a dizer asneiras, ela era mesmo má. Não via televisão, arrumava acasa sozinha e não jogava computa<strong>do</strong>r. É às vezes o que o mau pai faz.”10. História“Era uma vez um homem chama<strong>do</strong> Leandro que tinha muito estilo e ia sempre às discotecas eapaixo<strong>no</strong>u-se pela Rute numa discoteca. E <strong>de</strong>pois apaixonaram-se, foram falar…e chegaram-se aapaixonar. Depois começaram a namorar e <strong>de</strong>pois casaram-se. E eles que eram pobres sócompraram um carro <strong>de</strong> um <strong>lugar</strong> e um tem que ficar sempre em casa. E houve um dia que amulher não sabia conduzir, foi conduzir o carro. ‘Teve um aci<strong>de</strong>nte e morreu. E o Leandroarranjou uma chamada Solange e <strong>de</strong>pois eles viveram felizes para sempre.”Análise psicodinâmica<strong>Na</strong> produção mais livre e projectiva da constelação <strong>familiar</strong> <strong>de</strong>staca-se a gran<strong>de</strong><strong>de</strong>svalorização com que é elaborada a figura feminina, apresentan<strong>do</strong> me<strong>no</strong>r qualida<strong>de</strong> expressiva,maior imaturida<strong>de</strong> gráfica e me<strong>no</strong>res dimensões, colocada numa posição <strong>de</strong> total subalternida<strong>de</strong> e130


humilhação face à figura masculina, muito mais investida e i<strong>de</strong>alizada, sen<strong>do</strong> esta tendênciareflectida igualmente na narrativa que acompanha a produção. Defensivamente, enquanto realizaa produção, na primeira realização da figura masculina, esta encontra-se a chorar, porém Afonsoexclama em voz alta «Não, <strong>no</strong> meu <strong>de</strong>senho ninguém chora!», apagan<strong>do</strong> <strong>de</strong> imediato e colocan<strong>do</strong>lheum sorriso, negan<strong>do</strong> o afecto <strong>de</strong>pressivo que espontaneamente é evoca<strong>do</strong>. No mesmosenti<strong>do</strong>, investe a figura <strong>de</strong> elementos agressivos, os quais vêm a conferir uma aparência<strong>de</strong>linquencial e bizarro à personagem.131


Família Real132


Questionamento:1. Quem são estas personagens? Como se chamam e que ida<strong>de</strong> têm?“Este é o pai, chama-se Mário e tem 40 a<strong>no</strong>s. Esta é a mãe, chama-se Paula, tem 35 a<strong>no</strong>s. Este éo Afonso, tem <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s e esta é a R que tem quatro, três a<strong>no</strong>s. São os filhos.”2. O que está a acontecer? Porquê?“Não sei… ‘Tão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa para a filha tirar fotos.”3. Quem é o mais feliz e o me<strong>no</strong>s feliz? Porquê?“O mais feliz é o Afonso, porque é o filho mais velho. O me<strong>no</strong>s feliz é o Mário. Porque ‘tá aficar velho.”4. Quem é o mais simpático e o me<strong>no</strong>s simpático? Porquê?“O mais simpático é o Mário, porque fala a todas as pessoas. E me<strong>no</strong>s é o Afonso. Porque nãofala a quase nenhumas pessoas.”5. Quem manda mais e quem manda me<strong>no</strong>s? Porquê?“É o Mário. Porque é o pai. Me<strong>no</strong>s é a R porque é a mais pequena.”6. Se pu<strong>de</strong>sses escolher, quem <strong>de</strong>stas personagens gostarias <strong>de</strong> ser? Porquê?“O pai, por causa que queria ser o mais velho <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s.”7. Se pu<strong>de</strong>sses mudar alguma coisa neste <strong>de</strong>senho, o que mudavas? Porquê?“Não.”8. Se to<strong>do</strong>s fossem dar um passeio <strong>de</strong> carro e um <strong>de</strong>les não coubesse, quem ficaria <strong>de</strong> fora?“O Afonso. Porque gosta <strong>de</strong> andar a pé.”9. Se uma das crianças se portasse mal, qual <strong>de</strong>las seria? Como seria castigada? Por quem?“A R. Ia para o quarto sem ver televisão. Partiu a máquina <strong>do</strong> café.”10. História“É… Era uma vez um homem chama<strong>do</strong> Mário que viveu com uma mulher chamada Paula.Depois eles tiveram um meni<strong>no</strong> chama<strong>do</strong> Afonso e <strong>de</strong>pois passa<strong>do</strong> 9 meses tiveram uma meninachamada R. E eles saíram <strong>no</strong> carro <strong>de</strong> três, pensavam que não iam ter muitos filhos, e um teveque ficar em casa, ficou a mãe porque eles eram muito peque<strong>no</strong>s. Depois eles já tinham muitodinheiro e compraram um carro para quatro. E foram felizes para sempre. Vitória, vitória,acabou-se a história.”Análise psicodinâmicaO <strong>de</strong>senho da família é utiliza<strong>do</strong> principalmente enquanto forma <strong>de</strong> discernir algumascaracterísticas da percepção da criança em relação ao seu contexto <strong>familiar</strong>, e à sua inclusão <strong>no</strong>mesmo (Osten, & Gould, 1978), o que é particularmente relevante para o estu<strong>do</strong> da organização133


or<strong>de</strong>rline na infância, cuja natureza afectiva e relacional tem vin<strong>do</strong> a ser sistematicamentesustentada na literatura psicanalítica.Sen<strong>do</strong> comum, <strong>no</strong>rmal e constituin<strong>do</strong>-se por um <strong>do</strong>s mais importantes propulsores <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento infantil (Corman, 2003), a rivalida<strong>de</strong> fraterna parece ser um <strong>do</strong>s movimentosassinaláveis <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho da família <strong>de</strong> Afonso, sen<strong>do</strong> inclusivamente uma das irmãs escotomizada(com a qual Afonso mantém uma relação <strong>de</strong> maior conflitualida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> o maior alvo das suasprojecções agressivas), parecen<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s que esta se encontra relacionada com a necessida<strong>de</strong> que acriança tem da exclusivida<strong>de</strong> da relação dual com os imagos parentais. A percepção <strong>do</strong>s laços<strong>familiar</strong>es parece ser concomitante com uma representação <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sprotecção edistanciamento (patente na gran<strong>de</strong> retracção das figuras e na ausência <strong>de</strong> contacto entre elas) –até mesmo o posicionamento das figuras <strong>no</strong> espaço da folha <strong>no</strong>s faz pensar na possibilida<strong>de</strong> daexistência <strong>de</strong> uma angústia <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, <strong>de</strong> queda ou perda <strong>do</strong> amor <strong>do</strong> objecto.Se consi<strong>de</strong>rarmos que a primeira personagem <strong>de</strong>senhada é quase sempre a maisimportante aos olhos da criança (Corman, 2003), tomamos aqui em consi<strong>de</strong>ração o <strong>lugar</strong>primordial que o pai ocupa na dinâmica interna da criança, sen<strong>do</strong> a personagem mais investida evalorizada, tanto na produção como na narrativa que a acompanha, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tanto revelar algumai<strong>de</strong>alização como o <strong>de</strong>sejo edipia<strong>no</strong> <strong>de</strong> ocupar o seu <strong>lugar</strong>. A personagem representativa da figuramaterna encontra-se, por sua vez, consi<strong>de</strong>ravelmente <strong>de</strong>svalorizada, e ainda, que mais próximadas figuras infantis, remete para uma representação <strong>de</strong> ausência e indisponibilida<strong>de</strong>.Salienta-se, igualmente, a pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> uma temática relativa à dicotomiacheio/vazio, a qual parece reportar-se aos processos <strong>de</strong> clivagem operante, mas também aossentimentos <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong> e esvaziamento. Assinala-se, ainda assim, que, a partir da presenteprodução, Afonso parece ter integrada a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> estrutura <strong>familiar</strong> bem como das diferençasetárias e <strong>de</strong> género. Salienta-se, porém, a pobreza simbólica e a imaturida<strong>de</strong> gráfica da produção.134


Children’s Apperception Test – animal version1.“ Era uma vez um galo e uma galinha e o galo engravi<strong>do</strong>u a galinha e saiu três ovos. Depois elachocava, chocava, chocava to<strong>do</strong>s os ovos que houve um dia que ela ouviu os ovos a estalar edisse: «Oh galo, oh galo, olha os ovos ‘tão-se a partir!». E <strong>de</strong>pois o galo ficou a olhar e saiu trêspintainhos. E <strong>de</strong>pois eles ficaram tão felizes com os filhos e <strong>de</strong>ram <strong>no</strong>mes aos filhos. O galo maisbonito era o galão e o me<strong>no</strong>s bonito era o calão, não, era galinha. E o mais preguiçoso chamavasecalão. E a mãe chamava-se galinha. E o galo chamava-se campeão e era a hora <strong>do</strong> almoço e daconversa; conversaram tanto e chegou à hora <strong>do</strong> almoço e os pintainhos comeram puré e o galo ea galinha comeram bife e batatas. E houve um dia que um lobo apanhou um pintainho e foi lá ocampeão (porque to<strong>do</strong>s têm me<strong>do</strong> <strong>do</strong> campeão) e ele chegou lá e ele <strong>de</strong>slargou o pintainho. E foià enfermeira para ver se o galo ‘tava bem. E ele ‘tava bem e viveram felizes para sempre.”Análise qualitativa:O presente cartão remete para a relação com o imago mater<strong>no</strong> ao nível dasrepresentações relacionadas com a oralida<strong>de</strong>, e com um conjunto <strong>de</strong> representações inconscientes<strong>de</strong> gratificação ou <strong>de</strong> frustração (Boekholt, 2000), isto é, o quanto a criança se sente alimentadapor um ou outro progenitor - po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a comida ser percebida como recompensa e a suaausência como castigo -, e ainda solicitan<strong>do</strong> temas <strong>de</strong> competição <strong>no</strong> seio da fratria. Perante talsignificação latente, a criança elabora uma narrativa bastante rica <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> visa simbólico,construída com recurso a personagens que não figuram na imagem, e introduzin<strong>do</strong> uma dinâmicarelacional que vai para além <strong>do</strong> representa<strong>do</strong> <strong>no</strong> cartão. Efectivamente, Afonso evoca arepresentação <strong>de</strong> uma constelação <strong>familiar</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua génese (o que po<strong>de</strong>ria remeter para umacerta curiosida<strong>de</strong> acerca da cena primitiva e da natureza da relação heterossexual entre o casalparental), passan<strong>do</strong> pelo nascimento das personagens-criança (po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> relacionar-se com o la<strong>do</strong>mais regressivo da criança e até mesmo com questões ao nível da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>ntes na escolha<strong>do</strong>s <strong>no</strong>mes), até à dinâmica subjacente à vivência <strong>familiar</strong> por si representada. Sublinha-se atonalida<strong>de</strong> afectiva implícita na narrativa, patente na vertente <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização da situação <strong>familiar</strong>através <strong>do</strong> investimento parental liga<strong>do</strong> a uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e protecção, masfundamentalmente na i<strong>de</strong>alização da figura paterna (o herói da narrativa, apresenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> formaalgo omnipotente), ao passo que o imago mater<strong>no</strong> parece ser evoca<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma formaambivalente, entre uma dimensão funcional, sem ressonância afectiva, e um la<strong>do</strong> não-protector.Parece verificar-se alguma i<strong>de</strong>ntificação a um <strong>do</strong>s pintainhos, o narcisicamente mais valoriza<strong>do</strong>135


(“o mais bonito”), o qual é, também, mais investi<strong>do</strong>, ainda que possamos pensar que se trata <strong>de</strong>um movimento <strong>de</strong> reparação, reflexo da dualida<strong>de</strong> (<strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Afonso) na percepção <strong>de</strong> si,entre um la<strong>do</strong> mais investi<strong>do</strong>, em falso-self, e um la<strong>do</strong> mais genuí<strong>no</strong> <strong>de</strong> maior fragilida<strong>de</strong>, frutodas falhas narcísicas que apresenta. No entanto, na construção da história parece-<strong>no</strong>s que énecessário que este mesmo pintainho se encontre numa situação <strong>de</strong> perigo e vulnerabilida<strong>de</strong> paraser alvo <strong>de</strong> atenção por parte <strong>do</strong>s imagos parentais, <strong>de</strong>signadamente o pater<strong>no</strong>. Efectivamente,verificamos uma certa angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, visto que ainda que a personagem seja resgatadapelo correspon<strong>de</strong>nte pater<strong>no</strong>, parece encontrar-se permeável à invasão, e a ameaças externasrepresentativas <strong>de</strong> perigo, sen<strong>do</strong>, portanto, <strong>no</strong>tória uma certa <strong>de</strong>sprotecção. Esta <strong>de</strong>sprotecçãoevocada, resolvida <strong>de</strong> forma algo omnipotente, é reparada por uma figura externa que ofereceprotecção e cuida<strong>do</strong> (a enfermeira que po<strong>de</strong>rá, também, revelar um movimento transferencialpara o acompanhamento psicoterapêutico que Afonso tem manti<strong>do</strong>). A tónica da narrativa écolocada na constante acção <strong>do</strong>s personagens, num discurso consi<strong>de</strong>ravelmente impulsivo equase verborreico, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguma instabilida<strong>de</strong> psicomotora, o que <strong>no</strong>s parece revelar ainquietação interna evocada pela conflitualida<strong>de</strong> latente.Procedimentos fundamentais:IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;IF3 – importância dada às interacções, transparência das mensagens simbólicas;IF1 – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na história;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;RE5 – sobreinvestimento na qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objecto (valência narcísica positiva).2.“Ah, são os ursos a jogarem à corda. Não sei histórias para isso. Houve um dia que … o ursosreceberam uma corda para o jogo da corda. E eles foram comer e começaram a treinar. E elestreinaram tanto e tanto que não <strong>de</strong>ram pela hora, ficaram acorda<strong>do</strong>s to<strong>do</strong> o dia e toda a <strong>no</strong>ite. Eo seguinte dia era o dia <strong>do</strong> campeonato, e eles ‘tavam cheios <strong>de</strong> so<strong>no</strong> e foram, e o urso que erasempre o campeão daquilo ganhou e eles enervaram-se e <strong>do</strong> outro campeonato eles ganharam ato<strong>do</strong>s e ganharam a taça mundial da corda. Vitória, vitória, acabou-se a história!”Análise qualitativa:No presente cartão, o qual reenvia para a relação triangular progenitores-filho numcontexto agressivo e /ou libidinal (Boekholt, 2000), a narrativa elaborada parece distante das136


solicitações latentes, já que Afonso coloca a tónica em representações <strong>de</strong> acção que parecemremeter para alguma inquietação interna e que surgem como recursos <strong>de</strong>fensivos, impedin<strong>do</strong> oconfronto. De facto, não se verifica a evocação <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong>, por impossibilida<strong>de</strong> emace<strong>de</strong>r e representar a experiência da triangulação relacional, salientan<strong>do</strong>-se, ainda, a emergência<strong>de</strong> mecanismos mais arcaicos, tais como a omnipotência e o acting out. Neste senti<strong>do</strong>, a relaçãoentre os personagens na sua vertente <strong>de</strong> triangulação não é reconhecida, <strong>de</strong>sempenhan<strong>do</strong> osprotagonistas a mesma activida<strong>de</strong>, sem diferenciação que não pela força, ligada a uma certaomnipotência, e portanto sem a dialéctica edipiana que subjaz o cartão entre gran<strong>de</strong>-peque<strong>no</strong>,progenitor-filho. Ainda assim, parece verificar-se uma vez mais uma certa i<strong>de</strong>ntificação ao herói,o “campeão”, representa<strong>do</strong> como o mais forte, o que, já que se torna uma conteú<strong>do</strong> repetitivo,<strong>no</strong>s parece revelar as fragilida<strong>de</strong>s narcísicas da criança. Refere-se, ainda, que são evocadasnecessida<strong>de</strong>s regressivas na or<strong>de</strong>m da oralida<strong>de</strong>, revela<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma certa avi<strong>de</strong>z relacional,resolvida pela funcionalida<strong>de</strong> da alimentação.Procedimentos fundamentais:IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;RE5 – sobreinvestimento na qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objecto (valência narcísica positiva);RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, aofazer;RA1 – expressão verbalizada <strong>de</strong> afectos;EI1 – tendência à recusa.3.“Era uma vez <strong>do</strong>is ratos, ‘tavam a correr a selva. E o rato que era mais corajoso passava por tu<strong>do</strong>e o outro que era me<strong>no</strong>s corajoso. E ele passou por uma coisa com muito pêlo, pensou que erauma rocha, e <strong>de</strong>pois ele levantou-se e começa a fazer urahhhh e a ressonar. E o rato corajoso foiseescon<strong>de</strong>r atrás <strong>de</strong> uma rocha. E <strong>de</strong>pois o leão foi passear e foi apanha<strong>do</strong> por um caça<strong>do</strong>r. E‘tava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> corda e ele chamou o rato para roer aquilo, e o rato tinha me<strong>do</strong> <strong>de</strong>le,não foi capaz. E <strong>de</strong>pois to<strong>do</strong>s gozaram com ele e <strong>de</strong>pois ele chegou lá, roeu a corda e salvou oleão. E eles foram os melhores amigos para sempre. Vitória, vitória, acabou-se a história.”Análise qualitativa:Pela saturação <strong>de</strong> elementos significativos através da presença <strong>do</strong> próprio bestiário e seusatributos fálicos e <strong>do</strong>minantes, as narrativas elaboradas neste cartão po<strong>de</strong>m ser associadas quer à137


imagem paterna quer à materna, ainda que mais frequentemente possibilitem a evocação <strong>de</strong> umimago pater<strong>no</strong>. No caso <strong>de</strong> Afonso, os atributos <strong>de</strong> força e po<strong>de</strong>r aparentemente relativos àimagem paterna são <strong>de</strong>svaloriza<strong>do</strong>s, inclusivamente escotomiza<strong>do</strong>s. Parece-<strong>no</strong>s que se verificaalguma nuance edipiana, pela anulação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r à figura paterna, a qual <strong>de</strong>veria encontrar-serelacionada com uma imagem <strong>de</strong> potência fálica, retiran<strong>do</strong>-lhe a força e o <strong>do</strong>mínio, associada ài<strong>de</strong>ntificação a um personagem que serve como elemento <strong>de</strong> auxilio, inverten<strong>do</strong>-se os papéis<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r/<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ainda indicar algum <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aproximação ao masculi<strong>no</strong>pater<strong>no</strong>(“e foram os melhores amigos para sempre”), ambivalente com uma representação <strong>de</strong>me<strong>do</strong>. Relativamente aos processos i<strong>de</strong>ntificatórios, parece-<strong>no</strong>s que a criança estabelece umai<strong>de</strong>ntificação com o ratinho, o personagem que, em vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito como imaturo eimpotente, é investi<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> algo omnipotente, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, através, <strong>de</strong>signadamente <strong>de</strong> ummecanismo <strong>de</strong> formação reactiva. Ainda assim, e neste senti<strong>do</strong>, verifica-se uma certa ambivalênciaentre coragem e me<strong>do</strong>/incapacida<strong>de</strong>, a qual po<strong>de</strong> remeter para o conflito crescimento/auto<strong>no</strong>miae <strong>de</strong>pendência. Refere-se, ainda, que as questões narcísicas i<strong>de</strong>ntitárias surgem, uma vez mais,<strong>de</strong>sta vez pela vergonha face à situação <strong>de</strong> ser humilha<strong>do</strong>, goza<strong>do</strong>, por outros animais.Procedimentos fundamentais:IF1 – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na história;IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;IF3 – importância dada às interacções, transparência das mensagens simbólicas;OC3 – elementos <strong>de</strong> formação reactiva (<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> auxilio);OC9 – perturbações da sintaxe;OC8 – escotomas.4.“Era uma vez uma família <strong>de</strong> cangurus…que a canguru levou os cangurus à escola e eles, e ofilho, a andar <strong>de</strong> bicicleta, tropeçou numa rampa, caiu e partiu uma perna. E a mãe levou ele aocolo e eles chegaram atrasa<strong>do</strong>s à escola, e quan<strong>do</strong> chegaram a escola ‘tava fechada, e era oprimeiro dia <strong>de</strong> aulas, vê só! Depois a mãe começou a refilar com ele: «Porque é que partiste aperna canguru?! E era o teu primeiro dia <strong>de</strong> aulas. Agora vais chegar atrasa<strong>do</strong> e a professora vai sezangar!». E <strong>no</strong> outro dia eles conseguiram chegar rápi<strong>do</strong> à escola e a mãe ficou muito feliz comele e ele e a mãe viveram felizes para sempre porque ele já sabia ler. Vitória, vitória, acabou-se ahistória! E o padre morreu e a igreja fechou.”138


Análise qualitativa:O presente cartão remete para a relação com a imagem materna, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> suscitar temas<strong>de</strong> rivalida<strong>de</strong> fraterna e conflitos <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia/<strong>de</strong>pendência. As vicissitu<strong>de</strong>s <strong>no</strong> processo <strong>de</strong>separação-individuação <strong>de</strong>sta criança parecem tornar-se evi<strong>de</strong>ntes na narrativa elaborada face aoestímulo latente neste cartão, através da ambivalência evocada face à representação <strong>do</strong> imagomater<strong>no</strong>, <strong>no</strong> qual se sublinha a dimensão da falta <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s parentais, <strong>de</strong> culpabilização daprópria criança, da ambivalência entre cuidar num nível mais regressivo e auto<strong>no</strong>mizar a criança.Neste senti<strong>do</strong>, a separação parece ser percebida como algo perigoso. O foco <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>ser, não o bem-estar da criança, mas a a<strong>de</strong>quação (superficial) às <strong>no</strong>rmas sociais – superegoexter<strong>no</strong> (a professora). Destaca-se a ligação excessivamente próxima com o representante dafigura materna (“e viveram felizes para sempre”). Uma vez mais, Afonso evoca umarepresentação <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> afecto, reduzida à sua dimensão instrumental efuncional, privilegian<strong>do</strong> um contexto dual e exclusivo da relação mãe-filho, o que revela as suasnecessida<strong>de</strong>s a esse nível. No mesmo senti<strong>do</strong> da primeira prancha não há referência à relaçãocontentora e protectora vivida com o imago mater<strong>no</strong>. A sintaxe, invadida porventura pelasangústias internas e pelo processo primário <strong>de</strong> pensamento, torna-se progressivamente mais<strong>de</strong>sorganizada e sem senti<strong>do</strong>.Procedimentos fundamentais:OC9 – perturbações da sintaxe;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;IF3 – importância dada às interacções, encenações, diálogos;OC5 – isolamento <strong>de</strong> personagens;OC3 – elementos <strong>de</strong> tipo formação reactiva;RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, aofazer.5.“Eu sei lá quem é que ‘tá na cama?! (…) Era uma vez um meni<strong>no</strong> que tinha nasci<strong>do</strong> há poucotempo e fizeram uma cama para ele e …ele não gostou da cama, e começou a chorar, a chorar esó chamava: «Mãe! Pai!»…e eles não conseguiram <strong>do</strong>rmir e tiveram que ir buscar ele…e ele aindacomeçou a chorar na cama <strong>do</strong>s pais, e os pais acordaram cheios <strong>de</strong> <strong>do</strong>res <strong>de</strong> cabeça e <strong>do</strong>res <strong>de</strong>costas e tiveram que ir comprar uma cama <strong>no</strong>va, para o bebé, e ele conseguiu <strong>do</strong>rmir bem e os139


pais também e viveram felizes para sempre. Vitória, vitória, acabou-se a história. E o pai morreu ea missa acabou. Fim.”Procedimentos fundamentais:IF3 – importância dada às interacções, encenações, diálogos;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;RE3 – insistência <strong>no</strong> enquadramento, nas <strong>de</strong>limitações e <strong>no</strong>s suportes (em falta);RE5 – sobreinvestimento na qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objecto.Análise qualitativa:Ainda que o presente cartão remeta para a curiosida<strong>de</strong> sexual infantil e para os fantasmasda cena primitiva, a narrativa elaborada por Afonso parece distanciar-se das solicitações latentes,dan<strong>do</strong> um enfoque nas necessida<strong>de</strong>s regressivas da personagem-bebé, que necessita <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>,atenção e contenção, e portanto <strong>de</strong> uma relação mais dual, escotomizan<strong>do</strong> o outro personageminfantil presente na imagem (po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tratar-se neste caso, também, <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong>vista da individuação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is ursinhos, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como um só). A elaboração <strong>de</strong>pressiva,segun<strong>do</strong> Boekholt (2000) concomitante com o conteú<strong>do</strong> latente <strong>do</strong> cartão, parece impossível, jáque o registo edipia<strong>no</strong> expectável não se torna evi<strong>de</strong>nte, sen<strong>do</strong> evoca<strong>do</strong>s sentimentos <strong>de</strong><strong>de</strong>sprotecção, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> face ao material-continente, a cama, eventualmente representativa <strong>do</strong>primeiro continente, o mater<strong>no</strong>. Fundamentalmente, e num primeiro tempo, os imagos parentaisparecem impotentes face à angustia da criança, não contingentes face às suas necessida<strong>de</strong>s(expressas com alguma omnipotência infantil), apenas satisfeitas a posteriori, não pelas capacida<strong>de</strong>sparentais <strong>do</strong>s progenitores, mas por próteses em objectos exter<strong>no</strong>s (compensação narcísica).6.“Gruta, já sei! «O que é que vamos fazer? Vamos fazer uma cama <strong>no</strong>va para nós e quero arranjaruma gruta sem humida<strong>de</strong>.». «Filho, mas essa é a única gruta que existe em Portugal.». E o filhovira-se: «Não, não é pai. Então vamos para outro país. Há grutas em Algarve, em Lisboa, emSetúbal, porque não po<strong>de</strong>mos ir para uma <strong>de</strong>ssas?» e o pai disse: «Oh filho, mas essa é mais perto<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os ursos têm família! Por isso temos <strong>de</strong> ficar nessa, senão os ursos vêm atrás <strong>de</strong> nós eatacam-<strong>no</strong>s. E nós po<strong>de</strong>mos morrer.». A mãe ainda não apareceu aqui. E <strong>de</strong>pois a mãe chamoupara ir comer e eles tiveram uma confusão na mesa e os pais chatearam-se. E o urso e a ursaandaram à porrada, e a ursa, que não pertencia à família <strong>do</strong>s ursos, chamou o filho para ir paraoutra gruta. E o filho foi to<strong>do</strong> contente a bater palmas e perguntou à mãe: «Oh mãe, mas ali não140


há morcegos e humida<strong>de</strong>?». «As grutas são todas iguais meu filho.» e o urso que era o chefedaquilo tu<strong>do</strong> man<strong>do</strong>u atacar eles, e eles estavam bem escondi<strong>do</strong>s, conseguiam ir buscar eles pelocheiro da roupa e o urso pren<strong>de</strong>u-os a uma corda e era para os mandar para uma piscina cheia <strong>de</strong>crocodilos. E apareceu o super-herói, to<strong>do</strong>s não gostavam <strong>de</strong>le, e salvou a ursa e levou a ursa aocolo e <strong>de</strong>pois levou para a sua caverna, e o urso virou-se para ela: «’Tás bem?»” e ela disse assim«Eu ‘tou, mas o meu filho não <strong>de</strong>ve ‘tar», e ele foi lá outra vez, muito cuidadinho para não terpistas…e conseguiu ver ele, ‘tava preso numa jaula, a morrer à fome e ele foi lá falar com ele e ourso mais pequeni<strong>no</strong> virou-se “Aquele homem não é o meu pai, aquele homem fez uma plástica aimitar o meu pai!” e eles foram salvar o pai, e foram salvar to<strong>do</strong>s e os ursos viveram felizes parasempre. Vitória, vitória, acabou-se a história.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções;IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;OC9 – perturbações da sintaxe;IF1 – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na história.Análise qualitativa:Remeten<strong>do</strong> <strong>no</strong>vamente para as representações acerca da curiosida<strong>de</strong> sexual, da cenaprimitiva e da relação entre os progenitores, na narrativa <strong>de</strong> Afonso <strong>no</strong> presente cartão parece<strong>no</strong>ssaliente a <strong>de</strong>sarmonia em tor<strong>no</strong> da relação parental, na qual parece permanentemente existirum <strong>de</strong>sencontro, não conseguin<strong>do</strong> ambas as figuras estar integradas numa relação a<strong>de</strong>quada,culminan<strong>do</strong> sempre em situações <strong>de</strong> conflito, perigo e agressivida<strong>de</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, parece-<strong>no</strong>sque a criança não consegue integrar os <strong>do</strong>is elementos <strong>do</strong> casal parental em conjunto (a narrativaé constituída por partes nas quais o urso bebé ora interage com um ora com outro <strong>do</strong>s pais, eportanto maioritariamente em relações diádicas), o que inviabiliza a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representarsimbolicamente a relação triangular edipiana. Pre<strong>do</strong>mina a <strong>de</strong>limitação <strong>do</strong>s espaços inter<strong>no</strong>s eexter<strong>no</strong>s, investi<strong>do</strong>s positiva e negativamente. Parece, igualmente, ser evocada uma representaçãoambivalente face a um imago pater<strong>no</strong>, o qual tanto é percebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma agressiva, com algumgrau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança e <strong>de</strong>sconhecimento associa<strong>do</strong>, como i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>. Perante o conteú<strong>do</strong> latentesubjacente a este cartão, a inquietação solicitada parece reflectir <strong>no</strong>vamente uma problemática <strong>de</strong>aban<strong>do</strong><strong>no</strong> e perda <strong>de</strong> objecto, a par <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> analida<strong>de</strong>, pela co<strong>no</strong>tação agressiva danarrativa e pela representação <strong>do</strong> espaço continente/gruta (equivalente mater<strong>no</strong>), o qual, em vez141


<strong>de</strong> tranquiliza<strong>do</strong>r, afectuoso, e diferencia<strong>do</strong>r face ao exterior, se apresenta como precário, poucoseguro, vulnerável a ameaças externas.7.“Um tigre e um macaco e acabei. (…) Era uma vez um tigre que ‘tava a viver, a <strong>do</strong>rmir sossega<strong>do</strong>e o macaco aman<strong>do</strong>u-se para cima <strong>de</strong>le, e ele enerva-se e vai atrás <strong>do</strong> macaco. Depois o macaco,agressivo, agressivo, foi chamar o gorila que matou o tigre e os macacos viveram felizes parasempre. Fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;EI1 – tendência à restrição;RA2 – dramatização, exagero, labilida<strong>de</strong> emocional;RA4 – afectos maciços;IF1 - introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem.Análise qualitativa:A temática da agressivida<strong>de</strong> parece causar gran<strong>de</strong> inquietação (patente na tendência inicialà restrição e à recusa) e ansieda<strong>de</strong> na criança, a qual constrói uma narrativa pouco integrada oua<strong>de</strong>quada, pelo que <strong>no</strong>s parece que as pulsões agressivas não se encontram internamente bemintegradas e organizadas. Efectivamente, perante as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mentalização, parecem faltarmecanismos secundários para elaborar e integrar as pulsões agressivas, já que o discurso incluiconteú<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>ravelmente crus e revela<strong>do</strong>res <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>, emergin<strong>do</strong> um importante la<strong>do</strong>impulsivo. Verifica-se uma inversão <strong>do</strong>s papéis agressor-agredi<strong>do</strong>. Aquele que <strong>de</strong>veria ser opersonagem <strong>do</strong>minante acaba por ser a vítima <strong>do</strong> conflito, não o ten<strong>do</strong> motiva<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que éintroduzi<strong>do</strong> um personagem que não figura na imagem, uma figura externa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r eagressivida<strong>de</strong>, o qual resolve negativamente o conflito.8.“Era uma vez que uma família <strong>de</strong> macacos foram caçar bananas e a macaca mais velha tropeçounum pau e partiu uma perna e eles levaram ela para casa para tratar e, e, <strong>de</strong>pois ela ‘tava tãoagressiva que <strong>de</strong>ram remédios para acalmar e tu<strong>do</strong> mas ela acabou por morrer, e viveram tristespara sempre. Vitória, vitória, acabou-se a história.”142


Procedimentos fundamentais:RA2 – dramatização, exagero;RA4 – afectos maciços;IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;EI3 – evitamentos específicos.Análise qualitativa:Parece-<strong>no</strong>s existir alguma contaminação <strong>do</strong> pensamento, a qual começa <strong>no</strong> sexto cartão, ese prolonga até ao final da prova, não sen<strong>do</strong> este excepção. Efectivamente, Afonso elabora umahistória que se afasta <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> manifesto <strong>do</strong> cartão, construin<strong>do</strong> uma narrativa com umaintensa agressivida<strong>de</strong> face a uma figura feminina. Uma vez que o presente cartão remete, emtermos <strong>do</strong> seu simbolismo latente, para a representação da constelação <strong>familiar</strong>, po<strong>de</strong>mos pensarque para a criança estes imagos compreen<strong>de</strong>m elementos <strong>de</strong> confusão e perda, concomitantescom uma dimensão <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> relativamente ao femini<strong>no</strong>, a qual parece remeter para umimago mater<strong>no</strong>, associa<strong>do</strong> a uma percepção <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> e incapacida<strong>de</strong>.9.“Era uma vez um coelho que vivia sozinho em casa e queria ter uma mãe e apareceu uma macacaque ficou com ele e chamou-lhe Tarzan e a mãe gostava muito <strong>de</strong> dançar Kuduro e meteu o filhoa dançar e o gorila não gostava naaaaaada <strong>de</strong>le. E meteu ele na rua porque ele ‘tava sempre adançar e a cantar e ele <strong>de</strong>sapareceu e ela procurou ele <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s, cinquenta a<strong>no</strong>s, vinte a<strong>no</strong>s, to<strong>do</strong>o tempo que era preciso e ele não apareceu, e ele ‘tava atrás da ponte, morto, esmaga<strong>do</strong> e a ursaviveu triste para sempre. Fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;OC9 – perturbações da organização temporal;OC10 - ligações arbitrárias.Análise qualitativa:No cartão que remete para a elaboração da posição <strong>de</strong>pressiva verificamos que Afonsoassocia o estímulo apresenta<strong>do</strong> a uma dimensão <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, perda, <strong>de</strong>sencontro (mãe-filho) esolidão, uma angústia <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto tão intensa que torna a narrativa pouco coerente (aonível da sintaxe e da organização espaço-temporal, <strong>no</strong>meadamente) e invadida pelo processo143


primário <strong>de</strong> pensamento, como se a perda implicasse a falência <strong>do</strong>s recursos <strong>de</strong>fensivos <strong>do</strong>funcionamento mental. Face à impossibilida<strong>de</strong> em confrontar-se com a solidão, a ausência <strong>do</strong>objecto, introduz uma figura materna (que parece relacionada com a narrativa <strong>do</strong> cartão anterior,reparan<strong>do</strong> a mãe anterior indisponível e face à qual <strong>de</strong>monstrou gran<strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>), parecen<strong>do</strong>sentir prazer na relação mas que se torna impossível e tragicamente <strong>de</strong>struída, encontran<strong>do</strong>-se,aqui, presente um e<strong>no</strong>rme <strong>de</strong>samparo. Esta impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao mater<strong>no</strong> parece, poroutro la<strong>do</strong>, ligada à presença <strong>de</strong> um terceiro elemento bastante agressivo. Parece verificar-se umsentimento <strong>de</strong> que a relação com um mater<strong>no</strong> gratificante e i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> é violentamenteinterrompida, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> também relacionar-se com as falhas precoces na introjecção <strong>de</strong> umobjecto inter<strong>no</strong> securizante e protector e na constância objectal, restan<strong>do</strong> a representação <strong>de</strong> quea separação implica necessariamente a perda (morte). Afonso parece sensível ao afecto<strong>de</strong>pressivo, liga<strong>do</strong> a um nível mais regressivo, pelo receio da perda, sen<strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>s o cuida<strong>do</strong> ea atenção <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s parentais, o que <strong>no</strong>s remete para as fragilida<strong>de</strong>s ao nível das relaçõesprecoces; não sen<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, elaborada a posição <strong>de</strong>pressiva.10.“Logo o mais difícil! Era uma vez <strong>do</strong>is cães que gostavam muito <strong>de</strong> ir à sanita para beber a águada sanita. E o <strong>do</strong><strong>no</strong> viu ele ali, <strong>de</strong>u-lhe tanta porrada que ele chegou a morrer e o pai <strong>de</strong>le que eraum pitbull e acabou por matar o <strong>do</strong><strong>no</strong>, e o pitbull teve outro filho e foi feliz para sempre. Fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;RC3 – critica ao material;RA4 – afectos ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, maciços.Análise qualitativa:Os imagos parentais parecem aqui evoca<strong>do</strong>s, por um la<strong>do</strong> na figura <strong>de</strong> uma personagemexterna que <strong>no</strong>s parece remeter a princípio para uma referência à instância <strong>de</strong> regulaçãosuperegóica, e por outro na evocação <strong>de</strong> uma figura paterna i<strong>de</strong>alizada. Uma vez mais a narrativaelaborada faz recurso a um colori<strong>do</strong> agressivo bastante intenso, levan<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s <strong>no</strong>vamente a pensarna constelação <strong>familiar</strong> como algo que para a criança é representa<strong>do</strong> como extremamenteambivalente e inconstante, oscilan<strong>do</strong> entre um afecto mal balancea<strong>do</strong> com hostilida<strong>de</strong> eagressivida<strong>de</strong> física e psicológica, na qual a fragilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s laços <strong>familiar</strong>es é evi<strong>de</strong>nte, numa<strong>de</strong>sregulação que traz imensa instabilida<strong>de</strong> psico-afectiva a Afonso.144


Prova das escolhas:+: 2 – “Porque o que ‘tava a jogar à corda sozinho ganhou.”10 – “Porque o cão <strong>de</strong>u um mergulho <strong>de</strong>ntro da sanita para ir buscar a bola.”-: 5 – “Porque não tinha nada para eu contar a história e ‘tava-me sempre a atrapalhar.”8 – “É porque a história era muito secante.”Análise <strong>do</strong> protocolo <strong>de</strong> C.A.T. -.A.<strong>Na</strong>s narrativas construídas <strong>no</strong> protocolo <strong>de</strong> CAT-A <strong>de</strong> Afonso verifica-se a representação<strong>de</strong> uma relação <strong>familiar</strong> hostil, confusa, ambivalente, inconsistente e pouco contingente face àsnecessida<strong>de</strong>s percebidas pela criança. Encontra-se presente uma dimensão mais regressiva ligadaà primeira infância, a qual se revela a partir da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e protecção numa relaçãodual. As representações <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> são significativamente ausentes, porém quan<strong>do</strong>evocadas parecem assentes numa dimensão funcional, sem afecto e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção,encontran<strong>do</strong>-se patente uma representação ligada à necessida<strong>de</strong>, à avi<strong>de</strong>z relacional. Por outrola<strong>do</strong>, verifica-se uma intensa ambivalência face à representação <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong>, o qual éevoca<strong>do</strong> tanto <strong>de</strong> uma forma i<strong>de</strong>alizada como agressiva, po<strong>de</strong>rosa e <strong>do</strong>minante. A triangulaçãoedipiana não é integrada e nem a<strong>de</strong>quadamente resolvida, verifican<strong>do</strong>-se muitas dificulda<strong>de</strong>sinerentes aos cartões que abordam o tema <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong> e da cena primitiva, não sen<strong>do</strong> oconflito aborda<strong>do</strong> (ou apenas aborda<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma muito superficial) e dan<strong>do</strong> <strong>lugar</strong> a temas maisregressivos. Verificam-se importantes dificulda<strong>de</strong>s ao nível das pulsões agressivas, as quais nãoparecem organizadas e integradas, sen<strong>do</strong> expressas <strong>de</strong> uma forma intensa e crua e em narrativas<strong>de</strong>sorganizadas, pouco contidas e invadidas pelo processo primário <strong>do</strong> pensamento. Ainda que oafecto <strong>de</strong>pressivo seja evoca<strong>do</strong> parece, ainda, existir dificulda<strong>de</strong> em mobilizar recursos inter<strong>no</strong>sa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s que permitam a resolução <strong>do</strong>s conflitos latentes, pelo que são utiliza<strong>do</strong>s recursos<strong>de</strong>fensivos <strong>de</strong> natureza mais arcaica, através da omnipotência, da projecção e <strong>do</strong> acting out, - pelacorporalida<strong>de</strong> -, patente na irrequietu<strong>de</strong> <strong>do</strong> comportamento e na impulsivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sorganização<strong>do</strong> discurso, as quais revelam importantes dificulda<strong>de</strong>s em mentalizar e representarsimbolicamente as dinâmicas intrapsíquicas. Salienta-se, também, que se encontra patente umatonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressiva, a par <strong>de</strong> uma angústia pre<strong>do</strong>minante <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong>objecto. Neste senti<strong>do</strong> são evi<strong>de</strong>ntes núcleos <strong>de</strong> maior fragilida<strong>de</strong>, <strong>no</strong>s quais se verifica anecessida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> suporte, <strong>de</strong> uma relação securizante e contentora, e o seu<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser (afectivamente) cuida<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>, remeten<strong>do</strong> para falhas anteriores na relaçãocom uma figura <strong>de</strong> referência protectora e contentora.145


Teste das relações <strong>familiar</strong>esResulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> envolvimento percebi<strong>do</strong> pela criança em relação a cada elemento da família(sentimentos positivos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e sentimentos negativos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s).16141210141215108642073 3 3 31Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Mãe60Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - Mãe472Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Pai532 20Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - Pai146210 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -Ninguém32Sentimentosemiti<strong>do</strong>s -Ninguém7Positivos fortes Positivos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Negativos fortes Negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Total20181614121086420361618 186 6 665 5 5 5 5 54332 2 22 20 0 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Irmãmais velhaSentimentosemiti<strong>do</strong>s - Irmãmais velhaSentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Irmãmais <strong>no</strong>va14Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - Irmãmais <strong>no</strong>va9Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Self210Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - SelfPositivos fortes Positivos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Negativos fortes Negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Total146


Resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sobreprotecção materna e sobre indulgência materna e paterna percebi<strong>do</strong>s pelacriança.7666543553545 543 3MãePaiSelfIrmã mais velha22Irmã mais <strong>no</strong>vaNinguém100 00 00Sobreprotecção materna Sobre-indulgência materna Sobre indulgência paternaPu<strong>de</strong>mos verificar, <strong>no</strong> contexto da aplicação <strong>de</strong>sta prova, que o Teste das RelaçõesFamiliares (FRT-revised) (Bene & Anthony, 1978) se revelou um instrumento projectivoextremamente rico, e com potencialida<strong>de</strong>s clínicas e <strong>de</strong> investigação muito interessantes, uma vezque consegue ace<strong>de</strong>r à realida<strong>de</strong> idiossincrática da criança, particularmente <strong>no</strong> que concerne àssuas representações <strong>familiar</strong>es e às dinâmicas internas, conflituais ou a-conflituais. Cumpre-<strong>no</strong>s,igualmente, salientar que alguns <strong>do</strong>s itens da prova <strong>no</strong>s parecem <strong>de</strong>sactualiza<strong>do</strong>s, da<strong>do</strong> que o tipo<strong>de</strong> linguagem empregue está relativamente distante <strong>do</strong> necessário para que a compreensão <strong>do</strong> seuconteú<strong>do</strong> seja perfeita, situação que foi <strong>no</strong>tória na aplicação a to<strong>do</strong>s os meni<strong>no</strong>s da amostra.Neste senti<strong>do</strong>, revelou-se necessário esclarecer, por diversas vezes, o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> item para que as crianças conseguissem fazer a escolha <strong>de</strong> forma autêntica eparcimoniosa.Posto isto, segue-se a interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Afonso <strong>no</strong> Teste das RelaçõesFamiliares (Bene, & Anthony, 1985), em relação aos aspectos clínicos mais pertinentes para acompreensão <strong>do</strong> seu caso. Em primeiro <strong>lugar</strong>, em relação ao envolvimento total (afectivida<strong>de</strong>consciente e inconsciente, tal como avaliada pela prova) <strong>do</strong> Afonso com os elementos quecompõem o seu círculo <strong>familiar</strong> subjectivo, importa referir que a criança reporta um hiperinvestimentoafectivo (tanto positivo como negativo) nas irmãs, as pessoas que parecem revelar-147


se mais significativas na sua vida afectiva <strong>familiar</strong>, imediatamente seguidas <strong>do</strong>s pais. Em termos<strong>do</strong> envolvimento <strong>familiar</strong> ao nível <strong>do</strong>s sentimentos positivos percebi<strong>do</strong>s como recebi<strong>do</strong>s<strong>de</strong>stacam-se as figuras materna e paterna, em igual proporção, logo seguidas das irmãs,igualmente com resulta<strong>do</strong>s semelhantes. Relativamente ao envolvimento percebi<strong>do</strong> ao nível <strong>do</strong>ssentimentos recebi<strong>do</strong>s negativos, a situação inverte-se, já que as figuras representativas das irmãsda criança assumem um <strong>lugar</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na distribuição <strong>do</strong>s itens, <strong>de</strong> uma forma muitosemelhante, quer numa dimensão negativa forte como mo<strong>de</strong>rada. No que se refere aoinvestimento <strong>familiar</strong> relativo aos sentimentos emiti<strong>do</strong>s pela criança <strong>de</strong> forma positiva po<strong>de</strong>m ser<strong>de</strong>stacadas as figuras <strong>do</strong>s pais e irmãs, em proporções muito semelhantes, com valores que quasenão revelam qualquer distinção entre os membros da família. Ainda relativo à dimensão <strong>de</strong>envolvimento <strong>familiar</strong> percebi<strong>do</strong>, <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s sentimentos emiti<strong>do</strong>s negativos por Afonso,verifica-se que as figuras alvo <strong>de</strong> maior investimento são as irmãs, respectivamente a irmã maisvelha, seguida da mais <strong>no</strong>va, principalmente <strong>no</strong>s sentimentos negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, seguidas <strong>do</strong>Sr. Ninguém. Efectivamente, a gran<strong>de</strong> diferença entre a representação das duas irmãs pren<strong>de</strong>-secom o facto <strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> Afonso reportar receber sentimentos negativos <strong>de</strong> ambas, só sãoemiti<strong>do</strong>s por si sentimentos negativos fortes em relação à irmã mais velha, com a qual pareceexistir uma conflitualida<strong>de</strong> e uma hostilida<strong>de</strong> particulares.Destacamos, ainda, que a figura representativa da criança (Self) é a figura me<strong>no</strong>s investidapor si próprio, parecen<strong>do</strong> verificar-se uma certa tendência à auto-<strong>de</strong>preciação, ainda que os itenspositivos ultrapassem ligeiramente os negativos.Em segun<strong>do</strong> <strong>lugar</strong>, parece verificar-se alguma discrepância geral em relação aossentimentos emiti<strong>do</strong>s e recebi<strong>do</strong>s pela criança, particularmente <strong>no</strong> que concerne à atribuição <strong>de</strong>itens positivos ou negativos aos elementos da família. Esta tendência revela-se <strong>de</strong> forma maisexpressiva <strong>no</strong> caso das figuras representativas <strong>do</strong>s pais, sen<strong>do</strong> (tanto <strong>no</strong> caso geral como nestecaso concreto) distribuí<strong>do</strong>s mais itens positivos <strong>do</strong>s que negativos, e mais mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> quefortes, evitan<strong>do</strong>, assim, a conflitualida<strong>de</strong> latente ao conteú<strong>do</strong> das mensagens. Não obstante, eainda que <strong>de</strong> forma me<strong>no</strong>s significativa, verifica-se que a criança reporta receber maiorenvolvimento <strong>familiar</strong> <strong>do</strong> que aquele que investe <strong>no</strong>s elementos da sua família.Em terceiro <strong>lugar</strong>, e <strong>no</strong> que se refere aos mecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues, mesmo queas figuras relativas ao pai e à mãe sejam investidas <strong>de</strong> uma forma bastante semelhante, pareceverificar-se uma certa i<strong>de</strong>alização da figura paterna - o que se revela congruente com osresulta<strong>do</strong>s manifestos nas restantes provas -, a qual parece ser o maior alvo e objecto <strong>de</strong>sentimentos positivos e portanto <strong>do</strong> amor da criança. No entanto, os resulta<strong>do</strong>s verifica<strong>do</strong>sparecem indicar que esta relação, parecen<strong>do</strong> próxima e i<strong>de</strong>alizada, não <strong>de</strong>ixa, todavia, <strong>de</strong> conter148


em si uma dimensão <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>, sentida pela criança como proveniente <strong>do</strong> pai. Por outrola<strong>do</strong>, os valores pouco expressivos empregues na <strong>de</strong>scrição da relação materna po<strong>de</strong>m revelaralguma <strong>de</strong>svalorização <strong>de</strong>ste imago, sen<strong>do</strong> inclusivamente, emiti<strong>do</strong>s sentimentos negativos emrelação a esta figura - o que não acontece <strong>no</strong> caso da figura paterna -, bem como percebi<strong>do</strong>scomo recebi<strong>do</strong>s pela criança por parte da mãe. Verifica-se, igualmente, uma negação parcial <strong>do</strong>afecto negativo (<strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> e agressivida<strong>de</strong>) - sen<strong>do</strong> a figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém quem recebe omaior número <strong>de</strong> itens <strong>de</strong>sta natureza -, particularmente se aten<strong>de</strong>rmos ao facto <strong>de</strong> a criança nãoatribuir a si própria sentimentos negativos fortes (nem enquanto recebi<strong>do</strong>s nem enquantoemiti<strong>do</strong>s), e assumin<strong>do</strong> apenas <strong>de</strong> forma muito ligeira os sentimentos negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, o quepo<strong>de</strong> revelar algum efeito <strong>do</strong> recalcamento sobre as pulsões agressivas, com as quais Afonsoparece sentir alguma inquietação. Neste senti<strong>do</strong>, a agressivida<strong>de</strong> encontra-se projectadamaioritariamente nas figuras da fratria, em particular na irmã mais velha. <strong>Na</strong>s escalas <strong>de</strong>sobreprotecção e sobre-indulgência maternas assinala-se, também um <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong>ssentimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência para os vários elementos da família (fratria completa e pai), aindaque o Afonso e a irmã mais <strong>no</strong>va pareçam ser as figuras que mais beneficiam <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> eprotecção maternas. Este <strong>de</strong>slocamento, ainda que permita revelar uma dimensão mais regressiva<strong>de</strong> Afonso, parece, igualmente, indicar alguma indiferenciação <strong>no</strong>s limites geracionais, já queprogenitores e crianças parecem encontrar-se muitas vezes em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias nadinâmica <strong>familiar</strong> <strong>do</strong> presente caso.Por último, em termos da escala <strong>de</strong> Inibição/Desinibição, ainda que os valores nasrespectivas subescalas, tanto na negativa quanto positiva, não sejam muito revela<strong>do</strong>res <strong>de</strong> inibição(2 pontos numa escala <strong>de</strong> 1 a 5, o que revelaria uma inibição mo<strong>de</strong>rada perante a prova), parece<strong>no</strong>spertinente assinalar que, se consi<strong>de</strong>rarmos os resulta<strong>do</strong>s globais, se verifica uma forte<strong>de</strong>sinibição relativamente à caracterização da dinâmica relacional da fratria, sen<strong>do</strong> estas as figurasmais investida na prova, manifesta quer pela <strong>de</strong>posição <strong>de</strong> itens positivos quer negativos,imediatamente seguida pelas figuras representativas <strong>do</strong>s pais, a qual, segun<strong>do</strong> os autores (Bene &Anthony, 1985), po<strong>de</strong>rá ser encontrada em crianças com problemáticas ao nível da externalização(alterações <strong>do</strong> comportamento, com ou sem agressivida<strong>de</strong>), como é o caso <strong>de</strong> Afonso.Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s paisAtravés <strong>do</strong> presente instrumento salienta-se o facto <strong>de</strong> Afonso não ter reporta<strong>do</strong> qualquertipo <strong>de</strong> diferenciação na percepção <strong>do</strong> estilo educativo parental entre os progenitores, nãoparecen<strong>do</strong> conseguir distinguir as práticas educativas utilizadas por cada um <strong>do</strong>s pais. Em termos<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s pela criança, e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao índice factorial triparti<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong>149


anteriormente, verifica-se que o aspecto mais positivamente assinala<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong> factor SuporteEmocional (=3,14), segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> factor Tentativa <strong>de</strong> Controlo (=2,1), o qual prece<strong>de</strong> o último factor,Rejeição (=1,87).Análise da entrevista com os pais<strong>Na</strong> entrevista realizada com os pais <strong>de</strong> Afonso procurou-se obter informação relativa àinfância da criança, em termos não só <strong>do</strong>s aspectos <strong>de</strong>senvolvimentais mais relevantes, mastambém da dinâmica <strong>familiar</strong> na qual ela se insere. A entrevista <strong>de</strong>correu com um climaemocional positivo, revelan<strong>do</strong>-se os pais bastante acessíveis e disponíveis. Posto isto, parece-<strong>no</strong>spertinente <strong>de</strong>stacar alguns <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s mais relevantes que foram reporta<strong>do</strong>s para os pais, emtermos da pertinência clínica e <strong>de</strong> investigação. A entrevista teve início com os temas da gravi<strong>de</strong>ze nascimento da criança, <strong>no</strong>s quais <strong>de</strong>stacamos a falta <strong>de</strong> um planeamento em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong>stagravi<strong>de</strong>z, que só vem a ser <strong>de</strong>scoberta aos 4 meses <strong>de</strong> gestação, o que não significan<strong>do</strong> a falta <strong>do</strong><strong>de</strong>sejo por um bebé, já que o casal manifestava vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir um projecto <strong>de</strong> família comfilhos, implica a existência <strong>de</strong> quatro meses <strong>de</strong> um vazio fantasmático, um <strong>de</strong>sconhecimento naressonância íntima que ocupava o <strong>lugar</strong> <strong>de</strong> um bebé que precisava <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, queri<strong>do</strong> e <strong>de</strong>ganhar um <strong>lugar</strong>, um espaço <strong>de</strong> elaboração e <strong>de</strong> afecto. Po<strong>de</strong>mos, então, consi<strong>de</strong>rar, este, oprimeiro vazio da criança, o vazio da primeira existência. A gravi<strong>de</strong>z foi <strong>de</strong> risco, com ameaças <strong>de</strong>parto recorrentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 meses, e uma instabilida<strong>de</strong> reconhecida <strong>no</strong> bebé que parece, numaleitura posterior da mãe, extremamente inquietante e o primeiro indício <strong>do</strong> temperamento <strong>de</strong>Afonso cuja impulsivida<strong>de</strong> e pressa para ver o mun<strong>do</strong> fez nascer antes <strong>do</strong> tempo, aos 8 meses.Indicam que ficaram felizes por ser um rapaz, embora quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>s refiram não terexpectativas <strong>de</strong> maior, já que “era mais um”. A mãe permaneceu sozinha <strong>no</strong> momento <strong>do</strong> parto(“ele não vai assistir, não tem coragem”), circunstâncias recordadas como <strong>de</strong> intenso sofrimentofísico.Em relação à escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me, trata-se da terceira geração masculina, pelo la<strong>do</strong> pater<strong>no</strong>,com o mesmo <strong>no</strong>me, um pedi<strong>do</strong> da avó paterna aceite pela mãe, embora releve que não seria asua preferência. No que concerne a acontecimentos significativos na infância <strong>de</strong> Afonso, os pais<strong>de</strong>stacam a perda a avó paterna aos três a<strong>no</strong>s, situação que a criança diz recordar mas que os paisrelativizam e dizem não ser possível (“ele ouve-<strong>no</strong>s a falar e vai construin<strong>do</strong>”), bem como a perda<strong>do</strong> avô aos sete a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> quem a criança era muito próxima e com quem viviam, essa sim sentidapelos pais como mais difícil para Afonso.Os pais abordam diversas vezes a dinâmica da fratria, estabelecen<strong>do</strong> comparações emdiversas ocasiões, particularmente com a filha mais velha. Indicam que esta sempre foi muito150


protectora e cuida<strong>do</strong>sa para com o irmão, ten<strong>do</strong> uma diferença <strong>de</strong> 18 meses <strong>de</strong> Afonso, dizen<strong>do</strong>várias vezes “vocês não ouvem o vosso filho chorar?”, e sen<strong>do</strong> ela quem conseguia conter oirmão-bebé quan<strong>do</strong> este chorava, dan<strong>do</strong>-lhe o seu boneco, o seu objecto transitivo. Porém, éprecisamente com esta irmã que se verifica a relação <strong>de</strong> maior conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto<strong>familiar</strong>, relatada através <strong>de</strong> diversas situações <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> e hostilida<strong>de</strong>. Com a mais <strong>no</strong>va, ospais indicam existir maior proximida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificação, segun<strong>do</strong> os mesmos, dada a imaturida<strong>de</strong><strong>de</strong> Afonso. Afirmam que a relação com a mãe, se bem que mais próxima <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às por vezesprolongadas ausências paternas, é também mais difícil, indican<strong>do</strong> a mãe que não consegue queAfonso cumpra as regras que impõe nem encontrar estratégias mais a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> lidar com acriança, baten<strong>do</strong>-lhe por vezes quan<strong>do</strong> sente que per<strong>de</strong> o controlo das situações. Verificamos quea omnipotência infantil <strong>de</strong>scrita em muitos <strong>do</strong>s comportamentos <strong>de</strong> Afonso é reforçada pelo pai(“tu é que é que mandas filho”), o que, a par da i<strong>de</strong>alização da figura paterna e da suai<strong>de</strong>ntificação ao masculi<strong>no</strong>, tem conduzi<strong>do</strong> a situações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> em relação aofemini<strong>no</strong>. Relatam uma gran<strong>de</strong> preocupação com a filha mais velha aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong>irmão (“a gente dava mais atenção à L para ela não sentir e o Afonso ainda não percebia o queera a vida”), a qual parece ter <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> um papel compensatório, mas acentuan<strong>do</strong>inconscientemente as diferenças entre ambos os irmãos.Os pais realizam diversas atribuições negativas em relação ao Afonso-bebé, <strong>de</strong> quem<strong>de</strong>stacam um temperamento negativo a priori (“virava o ovo”, “puxava o fio <strong>do</strong> ferro <strong>de</strong>engomar”, “partiu tu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> começou a andar”). As atribuições mais negativas, <strong>no</strong>rmalmenteexpressas pela mãe, mesmo que me<strong>no</strong>s carga projectiva <strong>do</strong> que as observadas na história clínica,aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> inicio <strong>do</strong> acompanhamento, são entrecortadas com alguns movimentos <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificação materna e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpabilização paterna. Parece-<strong>no</strong>s subjacente ao discurso da mãeuma certa nuance <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> insuficiência na sua função materna (“o meu leite erafraco para ele, precisava <strong>de</strong> um reforço”). Por outro la<strong>do</strong>, verificamos alguma i<strong>de</strong>alização porparte <strong>do</strong> pai <strong>de</strong>ste filho, por quem ficou tão feliz após saber que era um rapaz (“é um espectáculo,é o filho que to<strong>do</strong> o pai queria”), a par <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong> papel da mãe.Os pais sublinham que o <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor <strong>de</strong>correu nas etapas expectáveis,excepto <strong>no</strong> caso da linguagem, a qual aconteceu <strong>de</strong> forma tardia e idiossincrática, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> difícilcompreensão. Relatam alguma avi<strong>de</strong>z alimentar, a qual parece remeter para a avi<strong>de</strong>z relacional dacriança e as suas necessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> ser cuida<strong>do</strong> e conti<strong>do</strong>.O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> crescer e os movimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação ao masculi<strong>no</strong>-pater<strong>no</strong> parecem seralguns <strong>do</strong>s aspectos mais apresenta<strong>do</strong>s pela criança e actuar em simultâneo, sen<strong>do</strong> processos151


intrinsecamente liga<strong>do</strong>s (“julga-se adulto”, “«Pai, já ‘tou a crescer, ‘tou a ficar um homem!»”),reforça<strong>do</strong>s igualmente pelas mudanças pubertárias que se encontram a ocorrer.Os pais <strong>de</strong>stacam algumas características da criança, positivas e negativas. Dizem, por umla<strong>do</strong>, que se trata <strong>de</strong> uma criança meiga, solidária, atenciosa e preocupada, não exigente mas queprecisa muito <strong>de</strong> atenção e afecto. Referem, <strong>no</strong> entanto, que Afonso é um meni<strong>no</strong> muitoimpulsivo, muito irrequieto, que não aceita regras nem ser corrigi<strong>do</strong> em frente <strong>de</strong> outros, comuma instabilida<strong>de</strong> transversal a vários <strong>do</strong>mínios (relações com adultos e pares e <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>activida<strong>de</strong>s/tarefas) que indicam ser constitucional da criança, e agressivo, ainda que justifiquemactualmente os comportamentos agressivos <strong>do</strong> filho com factores exter<strong>no</strong>s (escola, colegas,provocações), sem se evi<strong>de</strong>nciar qualquer tipo <strong>de</strong> insight ou ressonância acerca <strong>do</strong> seu papelparental e das suas implicações na regulação <strong>do</strong>s comportamentos da criança. É, também,mencionada pelos pais a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Afonso <strong>de</strong> ser elogia<strong>do</strong> e reforça<strong>do</strong>, concomitante comsentimentos <strong>de</strong> insegurança e <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação, os quais revelam as já conhecidas eimportantes falhas narcísicas. Indicam que Afonso sente uma intensa ansieda<strong>de</strong> em situações nasquais se encontra fecha<strong>do</strong> num espaço, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da presença <strong>do</strong>s pais, fican<strong>do</strong>geralmente em pânico e com falta <strong>de</strong> ar (angústia claustrofóbica que po<strong>de</strong> ser encontrada emindivíduos com funcionamento limite (Sá, 2009)). Como estratégias educativas, os pais indicamque preferem a<strong>do</strong>ptar os castigos <strong>do</strong> que as punições físicas, porém o pai revela que se a mãebatesse mais <strong>no</strong>s filhos conseguiria maior respeito. A mãe, por outro la<strong>do</strong>, diz sentir-se impotenteperante a criança, acreditan<strong>do</strong> que o pai tem maior controlo e autorida<strong>de</strong> sobre os seuscomportamentos, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> também dificulda<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>limitar as fronteiras geracionais,entre ela e os filhos.São mencionadas dificulda<strong>de</strong>s precoces grafo-motoras e <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista simbólico(“não sabia <strong>de</strong>senhar, não fazia uma bola”), a par <strong>de</strong> uma aparentemente dificulda<strong>de</strong> da criançaem fantasmizar (“ele não gosta <strong>de</strong> fantasias, gosta mais <strong>de</strong> viver a realida<strong>de</strong>”). Oscomportamentos hetero-agressivos severos parecem ter começa<strong>do</strong> durante a pré-primária,<strong>no</strong>meadamente para com os colegas e <strong>familiar</strong>es próximos, crianças e adultos. Depois <strong>de</strong>questiona<strong>do</strong>s, os pais atribuíram primeiramente a disruptivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes comportamentos ao local<strong>de</strong> residência, mas posteriormente ao temperamento da própria criança.152


Entrevista com os paisΨ: “Olá boa tar<strong>de</strong>. Eu queria começar por perguntar-vos alguns da<strong>do</strong>s relativos à primeirainfância <strong>do</strong> Afonso, <strong>no</strong>meadamente se ele é filho único ou se existem mais irmãos?”Mãe: “Não, o Afonso tem mais a L, a R e a S que é a<strong>do</strong>ptiva que é uma sobrinha que a gente foibuscar ao colégio.”Ψ: “Mas que vive convosco?”Mãe: “Sim, vive com a gente já há um a<strong>no</strong> e <strong>do</strong>is meses.”Ψ: “E qual a ida<strong>de</strong> das irmãs? Portanto o Afonso veio em que or<strong>de</strong>m?”Mãe: “O Afonso é o segun<strong>do</strong>; é a L com 11, o Afonso com 9 e a R com 4. E a S tem 15.”Ψ: “E relativamente ao vosso projecto <strong>de</strong> família, tinham planea<strong>do</strong> ter filhos?”Mãe: “A <strong>do</strong> Afonso não foi…”Pai: “Nem a da R…”Mãe: “Nem a da R, a única que foi, foi a L. Foi a primeira que a gente até já ia começar a fazerum tratamento para começar a ter filhos, que eu não conseguia engravidar.”Ψ: “Portanto já tinham planea<strong>do</strong> ter filhos…”Mãe: “Sim, mas não conseguíamos, não conseguíamos, até tínhamos i<strong>do</strong> a uma consulta e íamoscomeçar, eu ia começar a fazer uns tratamentos quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>u-me uma <strong>do</strong>r <strong>de</strong> barriga e<strong>no</strong>rme epronto…porque eu tive hepatite aos 11 a<strong>no</strong>s e, ai a papeira aos 11 a<strong>no</strong>s, e ela recolheu-me aosovários e os médicos disseram que eu não podia mais ter filhos, então mas olhe... Do Afonso eutinha a menstruação e a gente <strong>de</strong>scobriu que eu ‘tava grávida aos quatro meses, aos quatro mesese quan<strong>do</strong> ele disse, disse que era um mioma que eu tinha numa eco que fizeram nunca disseramque eu tinha, que era um bebé.”Ψ: “Portanto, souberam que estava grávida aos quatro meses <strong>de</strong> gestação…”Mãe: “Aos quatro meses, aos quatro, aqui <strong>no</strong> Garcia <strong>de</strong> Orta. Deu-me uma <strong>do</strong>r <strong>de</strong> barriga, quedá-me sempre <strong>do</strong>res <strong>de</strong> barriga quan<strong>do</strong> estou grávida.”Pai: “Desta vez <strong>de</strong>u mesmo que fazer, ela teve ‘pa morrer…”Mãe: “Da R tive…”Pai: “Foi muito complica<strong>do</strong>.”Mãe: “Do Afonso também tive uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> alto risco porque o Afonso não sei o que é quelhe <strong>de</strong>u aos quatro meses e meio <strong>de</strong>u a volta. Ele ameaçou aos 5 meses, ameaçou aos 6, aos 7meses já tive que levar a injecção para não ter ele – já ‘tava com <strong>do</strong>is <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> dilatação – foi <strong>no</strong>fim <strong>de</strong> a<strong>no</strong>, <strong>no</strong> dia 31, fim <strong>de</strong> a<strong>no</strong>.”153


Ψ: “Mas havia algum antece<strong>de</strong>nte, algum factor <strong>de</strong> risco associa<strong>do</strong> à gravi<strong>de</strong>z, ou algumacondição da mãe…”Mãe: “Não, foi ele que <strong>de</strong>u a volta mais ce<strong>do</strong>, e não podia mesmo fazer nada, nem andar,nem…tinha que ficar <strong>de</strong> repouso absoluto mesmo por causa <strong>do</strong> Afonso. O Afonso <strong>de</strong>poisnasceu às 36 semanas, ainda foi aos 8. Mas pronto foi…quan<strong>do</strong> a gente soube aos 4 meses queera um rapaz a gente ficou contente.”Ψ: “E tiveram a <strong>no</strong>tícia quan<strong>do</strong> souberam que iam ter um bebé…”Mãe: “Foi, mas também foi aquele pânico porque a gente olhava ‘pa L e a L ainda tão bebé, eramuito pequenina…”Pai: “ E nós não podíamos pensar nisso…”Ψ: “A diferença é pequenina…”Pai: “É, é, era muito pequenina.”Mãe: “É…18 meses. Ele ia trabalhar, eu tinha que andar com a R, com o Afonso, <strong>no</strong> carro ou <strong>no</strong>colo e às vezes a L coitadinha pedia colo e às vezes lá tinha que andar com os <strong>do</strong>is…”Pai: “Foi preocupante…”Mãe: “É, foi difícil... Mas digo-lhe uma coisa, custou-me mais agora a criar a R <strong>do</strong> que a criaraqueles <strong>do</strong>is…”Pai: “Aqueles <strong>do</strong>is juntos…”Mãe: “É… porque as coisas todas que a gente comprava p’ra L era unisexo, lá <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong>comprávamos uma saiinha ou um vestidinho, mas <strong>de</strong> resto era tu<strong>do</strong>…eu guardava. Agora on<strong>de</strong> éque eu guar<strong>do</strong> roupa <strong>de</strong> 11 a<strong>no</strong>s para 4 a<strong>no</strong>s?”Ψ: “Então quan<strong>do</strong> dizem que custou mais está a referir-se…”Mãe: “Às condições…”Pai: “ Às condições <strong>de</strong> vida…”Mãe: “Tu<strong>do</strong>, porque…às vezes eu vejo os pais «Ai agora eu tenho um pequeni<strong>no</strong> e engravi<strong>de</strong>i…»e às vezes eu digo logo, por experiência própria, que custou-me mais a ter esta que os outros<strong>do</strong>is.”Pai: “ É… Porque <strong>no</strong>rmalmente saía <strong>de</strong> um para outro.”Mãe: “A R foi mesmo…a gente diz que a R é fora <strong>de</strong> horas…”Pai: “ A R já não ’távamos a espera mesmo, ‘tava fora <strong>de</strong> pla<strong>no</strong>s mesmo.”Ψ: “E voltan<strong>do</strong> ao Afonso, como é que viveram essa gravi<strong>de</strong>z?”154


Mãe: “Oh…Ficámos felizes porque era um meni<strong>no</strong>…”Pai: “ Lutámos por mais ele…”Mãe: “Foi mais um…”Pai: “ Com muita luta eles andam aí, graças a Deus…”Ψ: “Mas tinham alguma expectativa com a chegada <strong>de</strong>le?”Mãe: “Era sempre aquela ansieda<strong>de</strong> que a gente também teve <strong>do</strong> primeiro, isso…”Ψ: “Hum, hum…”Mãe: “Isso também…”Pai: “P’ra mulher foi o mesmo, <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, <strong>do</strong> terceiro…”Mãe: “P’ra ele é que foi mais…pior, porque quan<strong>do</strong> que fui ter ele ao hospital ele teve que ficarcom a pequenina…” (riem-se)Ψ: “E portanto a mãe esteve sozinha durante o parto?”Mãe: “Tive…tive porque ele não gosta…”Pai: “Eu não fui assistir ao parto, mas ela ‘tava bem guardada!”Mãe: “Ele ‘tava comigo, ele ‘tava lá, não quis foi assistir.”Pai: “E ‘tava com um irmão meu…”Mãe: “Não, isso foi da L.”Pai: “Não, foi <strong>do</strong> Afonso.”Mãe: “Do Afonso ficou tu e a S.”Pai: “Foi, foi, foi isso…”Mãe: “Ele não vai assistir, ele não tem coragem.” (riem-se)Ψ: “E como é que correu o parto?”Mãe: “É assim, foi muito…eu ‘tava com <strong>do</strong>res p’a ter mas não tinha dilatação. Mas como eupensava que sabia mais <strong>do</strong> que eles e só faço é asneiras…” (riem-se)Ψ: “Provavelmente porque já não era a primeira vez…”Mãe: “Também não era a primeira vez, da L fiquei com vonta<strong>de</strong> – como se diz – <strong>de</strong> fazer cocó, a<strong>no</strong>ssa <strong>do</strong>r mesmo quan<strong>do</strong> temos um bebé é essa mesmo, é aquela <strong>do</strong>r mesmo que é como a155


vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir à casa <strong>de</strong> banho, comecei a fazer força, podia-me ter mata<strong>do</strong>, a mim e ao Afonso,porque ele nasceu sem dilatação e podia ter…”Pai: “Sufoca<strong>do</strong>.”Mãe: “Sufoca<strong>do</strong>-me a mim e a ele, mas não, correu bem… Ele rasgou-me foi toda.”Ψ: “Era um bebé gran<strong>de</strong>…”Mãe: “Hum…tinha 49 cm , com 3,375kg . A L nasceu com um centímetro a me<strong>no</strong>s.”Ψ: “E em relação à escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me?”Mãe: “Ah isto é assim, a escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me foi a minha sogra que pediu, queria que fosse o <strong>no</strong>me<strong>do</strong> pai <strong>de</strong>le, que era Afonso, que ele também é Afonso. E <strong>de</strong>pois eu gostava <strong>de</strong> pôr AfonsoJúnior, mas ficou só Afonso porque eu <strong>de</strong>pois…eu penso, sou maluca, penso <strong>no</strong> futuro, porque aL é só L e <strong>de</strong>pois se o Afonso tivesse mais um <strong>no</strong>me ainda dizia «eu tenho mais um <strong>no</strong>me, eu soumais importante», porque ela é só L [apeli<strong>do</strong>s] e ele é Afonso [apeli<strong>do</strong>s], mas eu queria por AfonsoJúnior, porque o avô era Afonso, o pai é Afonso e ele ficava o Afonso Júnior.”Ψ: “Mas foi uma <strong>de</strong>cisão conjunta, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is?”Pai: “Sim, sim, sim.”Mãe: “Sim, foi. A avó pediu, a avó pediu. Se não pusesse Afonso punha J que eu já tinha dito,mas pronto, a minha sogra pediu-me e eu também gosto <strong>do</strong> <strong>no</strong>me Afonso, ficou Afonso.”Ψ: “Já que falam nisso, relativamente à família extensiva, para além da vossa família nuclear,existe suporte <strong>familiar</strong>?”Mãe: “Sim, o Afonso da parte <strong>do</strong> pai só teve a avó até aos três a<strong>no</strong>s, que ela faleceu…não temmuita…”Pai: “Ele não tem muita lembrança…”Mãe: “Pronto, ele diz que se lembra da avó…mas não.”Mãe: “Não, não…”Pai: “Eu não me acredito, com três a<strong>no</strong>s e meio lembra-se assim tanto da avó como ele diz…”Mãe: “Ele ouve-<strong>no</strong>s a falar…”Pai: “Ouve-<strong>no</strong>s a falar, ouve a L… E vai construin<strong>do</strong>.”Mãe: “E vai construin<strong>do</strong>. Agora com o avô, que o avô morreu há <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s, e ele tambémpassou muito com o avô, que até o avô morrer sofreu muito e ele acompanhou o avô até ao fim.Nos vivíamos com eles. E ele até quan<strong>do</strong> o avô morreu ele quis ir ao velório, ao velório, que aoenterro a gente não <strong>de</strong>ixou ele ir. Não mas ele queria ir, a gente é que disse que não…”156


Pai: “Fez birra mesmo!”Mãe: “Porque ele… A L também quis ir ver o avô <strong>no</strong> caixão mas <strong>de</strong>pois fugiu. O Afonso não, oAfonso ficou ali, até ao fim a ver o avô. Até teve mais coiso que a L. Ou ele é daqueles que achaseque é forte…”Pai: “Não é… Eu acho que o Afonso gosta mais <strong>de</strong> viver a realida<strong>de</strong>, não gosta <strong>de</strong> fantasias,gosta mesmo <strong>de</strong> viver a realida<strong>de</strong>. Nós se lhe formos dizer que aquilo não é aquilo, essa respostapara ele não serve. O Afonso tem que viver mesmo a realida<strong>de</strong>, ele não…se lhe tiverem a mentirele fica com o pé atrás, e aí começam as brigas com os colegas. Os outros a gozar, e a quereremendar os erros <strong>de</strong>le e ele fica assim «será que eu ‘tou a falar mal ou a falar bem» e ele <strong>de</strong>poisparte para a ig<strong>no</strong>rância por causa disso, o erro <strong>do</strong> Afonso é esse. É viver a realida<strong>de</strong>, julga-seadulto. Não vês hoje <strong>de</strong> manhã? ‘Tava na casa <strong>de</strong> banho, ‘tava-me a lavar, chega-se lá ele ao pé <strong>de</strong>mim «pai, já ‘tou a ficar um homem, hã?», «pai, já ‘tou a crescer!».”Mãe: “É, é, ele agora é que já per<strong>de</strong>u, mas antes cada pelinho mais escuro que tinha vinha-mesempre «oh mãe, oh mãe, anda cá, anda cá, anda ver que já tenho!», era to<strong>do</strong>s os dias, to<strong>do</strong>s osdias... Ele já vai fazer agora 10 a<strong>no</strong>s, este <strong>do</strong>mingo, não…não é este, é para o outro <strong>do</strong>mingo.”Pai: “É para o outro, dia 12.”Mãe: “Já vai fazer 10 a<strong>no</strong>s.”Ψ: “Falan<strong>do</strong> ainda <strong>do</strong>s primeiros dias com ele, como é que foi o regresso a casa?Pai: “Foi uma gran<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> mesmo.”Mãe: “A L…”Pai: “Foi um momento <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>...porque era um homem,..”Mãe: “Foi uma felicida<strong>de</strong> mesmo. A gente achava imensa piada porque o Afonso chorava e a Ldizia «oh vocês não ouvem o vosso filho chorar?!».”Pai: “Ele era muito preocupada com o irmão, muito.”Mãe: “Ia pôr a chucha …e <strong>de</strong>pois a L meteu-lhe o vicio, que a L tinha um boneco que era o«Dódó», que saiu nas fraldas Do<strong>do</strong>t e ela atão punha-o – chamava-lhe o ranhoso – ela ainda hojetem o boneco.”Pai: “A gente não conseguia lavar aquilo, não lho tirávamos <strong>de</strong> maneira nenhuma, aquilo chegavaa ficar encardi<strong>do</strong>…aquilo tem o cheiro.”Mãe: “E atão ela tinha o segun<strong>do</strong> e então meteu o vício ao irmão.”Pai: “Não pôs assim…porque o irmão ‘tava a chorar <strong>no</strong> berço, ela pegou <strong>no</strong> Dódó e pôs ao la<strong>do</strong><strong>de</strong>le.”Mãe: “Houve um dia que o Afonso chorava-me tanto, tanto, tanto, que a gente mudava a fralda,mudava a roupa, ela chega, vai buscar o Dódó, mete ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le e ele calou-se.”157


Pai: “Calou-se… E quan<strong>do</strong> ela fazia birra, queria que a mãe o pusesse ao colo era mesmo para‘tar a fazer assim ao bebe (gesto com os braços a embalar o bebé)…a embalá-lo.Mãe: “É, ela sempre foi, ainda hoje a L é muito cuida<strong>do</strong>sa com o irmão…”Pai: “Eles são, são…muito uni<strong>do</strong>s eles.”Mãe: “Muito uni<strong>do</strong>s. É muito cuida<strong>do</strong>sa…muito refilona com ele, mas ele também massacroumuito a L, na fase mais difícil… ele queria espetar facas, ele mandava-lhe martelos, fazia-lhemuita coisa a ela. Agora não, agora já acalmou.”Pai: “Já acalmou já não…”Mãe: “A L chegou ao ponto <strong>de</strong> não me conseguir <strong>do</strong>rmir <strong>de</strong> <strong>no</strong>ite, tive que andar quase um a<strong>no</strong>a <strong>do</strong>rmir com ela…não foi brinca<strong>de</strong>ira. A L passou muito com ele, mas a L é assim, a L quan<strong>do</strong>vê que o irmão ta assim também já não diz nada. No sába<strong>do</strong> ele foi para a avó e elas forampassear lá para [localida<strong>de</strong>] e ela disse «Ah, se tivesse aqui o Afonso a gente ainda passava melhor otempo». O Afonso é assim, faz aquelas macacadas…”Pai: “Faz Aquelas brinca<strong>de</strong>iras…”Mãe: “Pronto…o Afonso é o homem, e ele acha-se homem e quer mandar nelas.”Pai: “E <strong>de</strong>pois eu meto-me assim para ele «<strong>Na</strong> ausência <strong>do</strong> pai tu é que mandas filho! Tomaconta <strong>de</strong>las.»”Mãe: “É, mas a gente não lhe po<strong>de</strong> dizer isso, ainda da outra vez <strong>no</strong>s saímos e <strong>de</strong>ixámos otelemóvel – que a gente quan<strong>do</strong> sai <strong>de</strong>ixa sempre o telemóvel «Vá Afonso se elas se portaremmal…» olhe, foi <strong>de</strong> 5 em 5 minutos, ‘tava-<strong>no</strong>s a ligar «Oh mãe! Oh pai, a L ta a fazer isto! Ohpai!» e a gente «’Tá bem Afonso.».”Ψ: “E como é que caracterizam o Afonso em bebé?”Mãe: “Muito rabi<strong>no</strong>! O Afonso com seis meses virava-me o ovo ao contrário!”Pai: “Pois é…”Mãe: “Eu passava a ferro…eu não podia <strong>de</strong>ixar o Afonso <strong>no</strong> ovo enquanto ‘tava a passar a ferroque ele puxava-me o fio.”Pai: “O ovo, ele dava uma cambalhota que virava-o assim…”Mãe: “E eu tinha sempre a mania para eles não ‘tarem sempre presos tinha a mania <strong>de</strong> por ocinto aqui pela cintura para prendê-los, mas com o Afonso não, tinha que por mesmo! O Afonsobalançava aquilo tu<strong>do</strong> duma maneira que…pumba!”Pai: “Virava o ovo.”Mãe: “Virava o ovo! E o Afonso quan<strong>do</strong> começou a andar…minha <strong>no</strong>ssa senhora!”Ψ: “E quan<strong>do</strong> é que ele começou a andar?”158


Mãe: “Tinha para aí 11 meses, 11, 12 meses. Não gatinharam, nem um nem outro, foi logo.”Pai: “Começaram logo a andar.”Mãe: “O Afonso partiu-me tu<strong>do</strong> em casa, eu até dizia «tu on<strong>de</strong> metes a mãe lixas-me tu<strong>do</strong>»,partiu-me tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> mesmo.”Pai: “Mas foi só ele, elas não <strong>de</strong>struíram nada.”Mãe: “A L não e a R também não. Eu tinha porcelaninhas, bonequinhos <strong>de</strong> porcelana e oAfonso partiu-me tu<strong>do</strong>.”Pai: “Mas o Afonso sempre foi bom a <strong>de</strong>smanchar tu<strong>do</strong>. Eu tenho lá um busca-pólos paraquan<strong>do</strong> há alguma coisa, para <strong>de</strong>sapertar. Ele vai me buscar aquilo…brinque<strong>do</strong>s, tu<strong>do</strong>. Eu vou edigo-lhe «oh filho, o que é que tas a fazer?» «oh pai, tou a arranjar»…<strong>de</strong>smancha tu<strong>do</strong>.” (riem)Mãe: “Uma vez como <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s ficou tu<strong>do</strong> parvo com ele…”Pai: “Ele é muito esperto mesmo…”Mãe: “Tinha <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s, foi buscar uma chave <strong>de</strong> fendas, uma chave inglesa…”Pai: “Uma chave <strong>de</strong> fendas.”Mãe: “Não foi? Para <strong>de</strong>sapertar uma porca <strong>de</strong> uma torneira. A torneira ‘tava lá <strong>no</strong> chão, o meusogro juntava a sucatazinha nas caixas para <strong>de</strong>pois ven<strong>de</strong>r e então ele pegou nas chaves e…”Pai: “O meu filho, <strong>de</strong>sculpe, é…”Mãe: “Foi lá para tentar <strong>de</strong>sapertar…”Pai: “O meu filho, ele vê fazer e vai, faz igual. Ele já me arranjou furos das bicicletas,<strong>de</strong>smontava e arranjava. Se furar a bicicleta e tiver lá as coisas à mão, ele vai buscar, tira o pneufora, remenda o pneu e mete a bicicleta a andar.”Mãe: “o Afonso é uma criança que sabe se virar sozinho, como se diz…não é daqueles meni<strong>no</strong>sque vê um furinho, começa logo «oh pai, oh pai!», não…”Pai: “A corrente sai, ele mete a corrente, se for preciso trocar a roda ele troca a roda.”Ψ: “E a alimentação como é que era?”Mãe: “Sempre boa. É assim, ele amamentou até aos 2 meses, e <strong>de</strong>pois ele precisava <strong>de</strong>…”Pai: “Um reforço…”Mãe: “Um reforçozinho, porque o meu leite era um bocadinho fraco para ele.”Pai: “Ele tinha apetite?”159


Mãe: “Sempre teve, até hoje.”Pai: “E <strong>de</strong>pois nunca mais quis nada com a mama.”Mãe: “Não quis mais…”Ψ: “E a partir daí a base da alimentação passou a ser o biberão?”Mãe: “Sim, sim, só aos seis meses é que eu <strong>de</strong>i <strong>de</strong> vaca. Eu mu<strong>de</strong>i por minha autoria, que leveinas orelhas da médica, mas mu<strong>de</strong>i. Também as vidas às vezes não dá… A gente antigamenteéramos cria<strong>do</strong>s com os leites <strong>de</strong> vacas e ‘tamos aqui são e salvos…eu não ligo! Eles tão bemcria<strong>do</strong>s.”Ψ: “E <strong>de</strong>pois introduziu os outros alimentos…”Mãe: “Sim, aos 4 meses começou com a sopinha, carninha , tu<strong>do</strong>…”Pai: “<strong>Na</strong> alimentação sempre teve bem.”Mãe: “Ele é um bom prato. O Afonso come bem, come bem…”Pai: “Chi!”Mãe: “E agora ‘tá, ou é o crescimento ou a a<strong>do</strong>lescência, ele é que diz «oh mãe, tenho quecomeçar a fazer dieta».”Pai: “Oh mãe» ele é assim «oh mãe, porra…nunca mais faço a minha dieta.». ‘Tou sempre a dizerpara fazeres a minha dieta e tu nunca me fazes a minha dieta!» e eu digo-lhe assim «oh filho, tu éque tens <strong>de</strong> te controlar a ti próprio», «’Tá bem pai, já não quero mais».”Mãe: “Ele come «Mãe, posso repetir?» «Então, po<strong>de</strong>s, ainda há, repete.», <strong>de</strong>pois começa a olharpara os pratos <strong>de</strong>las …”Pai: “Ele come bem…”Mãe: “Para ver se sobra. Se sobrar lá vai ele rapar tu<strong>do</strong>.”Pai: “Ele come bem.”Mãe: “Às vezes até ralhamos, porque é assim, à <strong>no</strong>ite a gente por volta das <strong>no</strong>ve e meia ‘tá tu<strong>do</strong> a<strong>do</strong>rmir. Mas ele também não para, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que come até ir para a cama, não pára. Ele só sossegaquan<strong>do</strong> ‘tá mesmo com aquele so<strong>no</strong>.”Pai: “E quan<strong>do</strong> a gente lhe diz que ele vai ficar gor<strong>do</strong>. Mas ele consome muito…”Mãe: “O Afonso, acho que o que come não da para alimentar a genica que ele tem…ele nãopára. Parece que tem pilhas.”Pai: “O Afonso é aquele tipo <strong>de</strong> criança que quer fazer tu<strong>do</strong> mas não se agarra a nada, nada,nada… Faz, se for preciso faz mil e uma coisas, mas não se agarra a nada.”160


Ψ: “Não <strong>de</strong>dica muito tempo a uma activida<strong>de</strong>…”Pai: “É isso mesmo.”Mãe: “O Afonso tem playstation cansa-se, pe<strong>de</strong> o portátil à irmã, «ah, não quero», «vou andar <strong>de</strong>bicicleta»…”Pai: “Se for preciso <strong>de</strong>sce a escada <strong>de</strong> bicicleta e volta a subir tu<strong>do</strong> com a bicicleta…já não vai.”Mãe: “«Oh Afonso vai jogar à bola!», «Não quero.» .”Ψ: “Mas ele tem alguma activida<strong>de</strong> preferencial?”Mãe: “Não, não tem nada!”Pai: “Ele gosta <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mas…”Mãe: “Ele gosta <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mas não consegue fixar-se a nada.”Pai: “A gente pôs o Afonso <strong>no</strong> futebol…”Mãe: “Largou.”Mãe: “Não quer ir, não quer não quer.”Pai: “Diz que o treina<strong>do</strong>r manada vir muito com ele.”Mãe: “É, diz que manda vir com ele e já não quer ir.”Pai: “Aí está o problema, o Afonso não gosta <strong>de</strong> ser manda<strong>do</strong>! “Mãe: “Agora comprámos um skate…”Pai: “Tá encosta<strong>do</strong>.”Mãe: “’Tá encosta<strong>do</strong>! Não liga! É só o primeiro dia!”Pai: “Depois mete tu<strong>do</strong> para um canto.”Mãe: “Não é daquelas crianças que tem um <strong>de</strong>sporto ou alguma coisa…”Pai: “Atão bicicletas faço i<strong>de</strong>ia…”Mãe: “Bicicletas a gente já per<strong>de</strong>u a conta à quantida<strong>de</strong>. Passa<strong>do</strong> um dia ou <strong>do</strong>is, ‘tá arrumada. OAfonso tem três bicicletas e não pega em nenhuma…não pega mesmo. Às vezes a gente temassim uma oportunida<strong>de</strong> e pensa assim que vai aproveitar para comprar o melhor jogo que elegosta, pega um dia! «Ah, já ‘tou cansa<strong>do</strong>.»”Ψ: “Ainda relativamente à infância <strong>do</strong> Afonso, ele teve alguma <strong>do</strong>ença?”161


Mãe: “Asmático. Apareceu aos 5 meses e teve a lombriga <strong>do</strong> glúten. Ainda hoje ela existe <strong>no</strong>organismo <strong>do</strong> Afonso. Não po<strong>de</strong> comer coisas à base <strong>de</strong> farinhas com glúten, essas coisas nãopo<strong>de</strong> comer. De seis em seis meses tem <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sparasita<strong>do</strong>. Ele agora da asma já teve alta. OAfonso com um a<strong>no</strong> e meio tomava o flexotan 250mg – o <strong>de</strong>le era o 125 e ele já tomava o 250.Também o sítio que a gente mora e isso que é lá na [localida<strong>de</strong>] é muito húmi<strong>do</strong>, ao pé <strong>do</strong> mar, eaquilo dava cabo <strong>de</strong>le. De resto só teve varicela…e agora a <strong>do</strong>ença da chapada.”Pai: “Da bofetada.”Ψ: “E a relação <strong>do</strong> casal, como é que ficou <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong> Afonso?”Pai: “Foi igual… Tivemos que trabalhar mais…”Mãe: “Mais trabalho, que eram duas crianças. Às vezes a L chorava num la<strong>do</strong> e o Afonsochorava <strong>no</strong>utro, dividíamos «vais tu para um, e eu vou para outro». A gente também não queriapôr o Afonso muito <strong>de</strong> parte, mas tínhamos <strong>de</strong> dar mais atenção à L para ela não ver que…comoquem diz «o Afonso ‘tá cá e agora sou rejeitada» .”Pai: “Porque ela na altura percebia melhor que ele que era bebé, ele era recém-nasci<strong>do</strong> e ela não.“Mãe: “E então a gente dava um bocadinho mais <strong>de</strong> atenção à L para ela não sentir tanto.”Pai: “Nessa altura dávamos mais atenção a L que ao próprio Afonso, que ainda não percebia oque era a vida. A L com 18 meses se a gente pegasse <strong>no</strong> Afonso ela ficava assim a olhar, ‘tá aperceber? Então a gente dava mais atenção a ela <strong>do</strong> que a ele que ainda era bebé. Depois já elanão passava cartão, já era ela que queria dar os mimos to<strong>do</strong>s ao irmão, mais <strong>do</strong> que a gentepróprios. A L punha-se assim: subia para a cama e <strong>de</strong>pois dizia assim: «pai, mete aqui», p’a pegarnele. ”Ψ: “Portanto em termos <strong>do</strong> casal organizaram-se em função daqueles <strong>do</strong>is meni<strong>no</strong>s.”Os <strong>do</strong>is: “Sim, sim.”Pai: “E <strong>de</strong>pois veio o terceiro e olhe…até hoje, graças a Deus.”Ψ: “E na fase posterior, com quem é que o Afonso ficou?”Mãe: “Ficou com a mãe, até aos <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s e meio ficou comigo. A mana foi aos quatro p’ra pré eo Afonso p’ra creche p’ra Santa Casa que eu fui tirar um curso <strong>de</strong> cozinheira, aproveitei essaoportunida<strong>de</strong>, e ganhar também…”Pai: “As coisas ‘tavam complicadas.”Ψ: “E como foi a adaptação <strong>do</strong> Afonso à creche?”Mãe: “Ele foi bem. O Afonso sempre teve aquele problema na fala, eu dizia que o Afonso erauma criança muito remexida.”Ψ: “Mas quan<strong>do</strong> se refere à fala, quan<strong>do</strong> é que o Afonso começou a falar?”162


Mãe: “O Afonso não falou.”Ψ: “Até quan<strong>do</strong>?”Mãe: “Até aos <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s…”Pai: “Era muito complica<strong>do</strong> mesmo…”Mãe: “<strong>Na</strong>da! O Afonso não dizia uma frase correcta. Não dizia pai, não dizia água, ai como éque era? Aga, aga.”Ψ: “Mas o Afonso mostrava intenção <strong>de</strong> comunicar?”Pai: “Sim, sim.”Mãe: “Comunicava à maneira <strong>de</strong>le…”Pai: “E a gente percebia o que ele queria.”Mãe: “Sim, a gente entendia.”Ψ: “Então o que os pais estão a dizer é que o Afonso não articulava bem as palavras é isso?”Os <strong>do</strong>is: “Sim, sim.”Pai: “Isso mesmo.”Mãe: “E quan<strong>do</strong> ele não sabia explicar apontava e se a gente não conseguisse <strong>de</strong>tectar o que elequeria lá ia ele.”Ψ: “Portanto, quan<strong>do</strong> ele entrou na creche ainda tinha essa questão da fala?”Mãe: “Sim, sim tinha bastante, que eu até me queixava bastante que o Afonso ainda ‘tava assim,a ver se ele ia para uma consulta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.”Ψ: “E o que é que as educa<strong>do</strong>ras pensavam disso?”Mãe: “Diziam que a mãe é que tinha pancada.”Ψ: “Não estranharam o meni<strong>no</strong> não falar?”Mãe: “Não, não, diziam que era <strong>no</strong>rmal, a mãe é que tem um boca<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência. Como oAfonso andava a ser segui<strong>do</strong> <strong>no</strong> hospital a médica achava espesso porque o Afonso não falavae…ela achava espesso que quan<strong>do</strong> ele ‘tava na sala e ela fechava a porta para auscultá-lo elevirava bicho, não parava, em pânico…”Pai: “Assustava-se.”Mãe: “Ela abria, o Afonso calava-se e ela já conseguia fazer as coisas.”163


Ψ: “E <strong>no</strong>tava diferença quan<strong>do</strong> a mãe estava presente?”Mãe: “Não, não, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> eu estar presente.”Pai: “Ainda hoje. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s pais estarem presentes ele se se fechar sozinho numadivisão ele entra em pânico, fica aflito e diz que já lhe ‘tá a faltar o ar e tu<strong>do</strong>.”Ψ: “Mas é costume em espaços fecha<strong>do</strong>s é isso?”Os <strong>do</strong>is: “É, é.”Pai: “O Afonso é.”Mãe: “Então ela passou uma carta para a consulta <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Foi rápi<strong>do</strong>, aos três a<strong>no</strong>sjá ‘tava lá. Puseram ele logo na terapia da fala, tu<strong>do</strong> <strong>no</strong> hospital. O Afonso ‘tá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os três a<strong>no</strong>snestas consultas, <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é que passou para ape<strong>do</strong>psiquiatria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os três a<strong>no</strong>s, não é brinca<strong>de</strong>ira… e a Dr.ª <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento achavaespesso que o Afonso não sabia <strong>de</strong>senhar. Com 4 a<strong>no</strong>s não sabia <strong>de</strong>senhar. Com 5 a<strong>no</strong>s não sabia<strong>de</strong>senhar.”Ψ: “E ele começou a <strong>de</strong>monstrar melhorias com a terapia da fala?”Mãe: “Sim, sim. Começou a dizer os R’s, os L’s. Mas ele não sabia fazer um quadra<strong>do</strong>, uma bola,pronto; e ele lá andava com as consultas com a psicóloga e eu pedi à Santa Casa para tambémfazer sessões <strong>de</strong> psicóloga com ele, e elas diziam que ele não precisava, que a mãe é que punhamais lareira…”Pai: “Lenha na lareira.”Mãe: “Lenha na fogueira, porque o Afonso não era aquilo que a mãe dizia.”Ψ: “Como é que o <strong>de</strong>screviam então?”Mãe: “Que era um meni<strong>no</strong> calmo e que ‘tava sempre senta<strong>do</strong> <strong>no</strong> chão. Atão o Afonso passava otempo to<strong>do</strong> senta<strong>do</strong>, ‘tava sempre <strong>de</strong> castigo.”Pai: “Não lhe passavam cartão…”Mãe: “Porque o Afonso fazia um disparate «Afonso assenta-te», passava o tempo assim.Entretanto não havia melhorias, recusaram a psicóloga três vezes então a Dr.ª escreveu uma cartase até esta data o Afonso não ter uma psicóloga vamos tomar outras medidas e pediu para mudaro Afonso <strong>de</strong> escola, logo, naquele momento. O Afonso saiu, foi p’rá pré e ali em seis mesesmelhorou.”Pai: “A atenção das funcionárias valeu tu<strong>do</strong>…”Mãe: “Ele continuava com a terapia <strong>no</strong> Garcia, e elas mandavam relatórios acerca <strong>do</strong> Afonso,que tinha vestígios <strong>de</strong> dislexia, muita dificulda<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho, na pintura, ainda hoje tem aqueladificulda<strong>de</strong>, mas na primeira classe os riscos saiam to<strong>do</strong>s p’ra fora, mas agora ‘tá melhor. Mas elascomeçaram a ensinar e tu<strong>do</strong> e em seis meses o Afonso (estala os <strong>de</strong><strong>do</strong>s)…diferente. Foi nessa alturaque a Dr.ª começou a preocupar-se porque o Afonso virava-se aos colegas.”164


Ψ: “E aí começaram as alterações <strong>de</strong> comportamento?”Mãe: “Do comportamento sim, aos quatro, cinco a<strong>no</strong>s. Começou a revoltar-se com os colegas, aapontar facas à irmã, a mandar tu<strong>do</strong> o que encontrava <strong>no</strong> chão aos primos, partiu a cabeça aoprimo duas vezes.”Pai: “Ele não tem <strong>no</strong>ção <strong>do</strong> perigo.”Mãe: “Como quem diz «és meu até ao fim», ele não media.”Ψ: “Não havia meio termo…”Mãe: “Não, e <strong>de</strong>pois não tem <strong>no</strong>ção.”Ψ: “Portanto os pais aperceberam-se ao mesmo tempo que a escola, fazia esses comportamentosem casa e na escola?”Os <strong>do</strong>is: “Sim.”Ψ: “E os que é que os pais achavam disto? Que i<strong>de</strong>ias é que iam formulan<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> que seestava a passar com o Afonso?”Mãe: “Às vezes a gente pensava «Será que é da gente morar aqui <strong>no</strong> bairro?», mas não, eramesmo <strong>do</strong> Afonso, até porque mesmo com os adultos ele era assim, com cinco a<strong>no</strong>s atirou ummacha<strong>do</strong> ao meu sobrinho <strong>de</strong> <strong>de</strong>zassete a<strong>no</strong>s que ‘tava a gozar com a maneira <strong>de</strong>le falar.”Pai: “Mas o Afonso agora ‘tá muito melhor.”Mãe: “E então o Afonso começou a agredir os colegas e as auxiliares e as educa<strong>do</strong>ras. No<strong>de</strong>senvolvimento começaram a dar a Ritalina, não, a Risperi<strong>do</strong>na, em xarope, em gotinhas, mas oAfonso não reagia àquilo. Foi quan<strong>do</strong> em reunião com a pe<strong>do</strong>psiquiatria falaram <strong>do</strong> caso <strong>do</strong>Afonso, que o Afonso era uma criança muito violenta, muito agressiva, que se virava aos adultos,não tinha…ele regras tinha mas não queria assumir as regras, porque lá na escola explicaram queele tinha as regras todas ele é que não queria saber, em casa também tinha, ele é que não queira,porque as professoras um dia chamaram-<strong>no</strong>s ordinários, que tínhamos um filho ordinário e queos pais também eram ordinários como o filho, e eu fui logo lá, ninguém me conhece para dizerque eu sou ordinária! E foi quan<strong>do</strong> eu disse que o meu filho po<strong>de</strong> ser assim mas a minha filhanão é, que a L andava lá <strong>no</strong> terceiro a<strong>no</strong> e eu até hoje não tenho queixas da minha filha, elaquan<strong>do</strong> soube quem era a minha filha ficou <strong>de</strong> boca aberta.”Pai: “Disse logo que era impossível.”Mãe: “Que ela era uma menina tão santinha, ela não abre a boca…”Pai: “E o mesmo com a mais <strong>no</strong>va, ela é uma santa.”Mãe: “É assim, ela tem as duas personalida<strong>de</strong>s, tanto é rabina como o Afonso, como ‘tásossegada como a L.”165


Pai: “Mas o Afonso também é assim. Se não o chatearem ele fica assim… O Afonso tira a roupase alguém precisar, dá tu<strong>do</strong>, mas não lhe chateiem a cabeça nem lhe passem a perna senão ‘tátu<strong>do</strong> estraga<strong>do</strong>. “Mãe: “Ele não me<strong>de</strong>, passa logo à acção! “Pai: “O mal é esse.”Ψ: “E que estratégias é que os pais utilizavam nessa altura para lidar com o Afonso? Ou mesmoactualmente?”Mãe: “Metemos ele <strong>de</strong> castigo, nós não batemos, vai logo <strong>de</strong> castigo. Às vezes fico envergonhadae <strong>de</strong> boca aberta…”Pai: “Às vezes a gente fica sem saber o que é que há-<strong>de</strong> fazer. Porque eu penso assim: «Bem, oAfonso ‘tava sossega<strong>do</strong>, eles é que o provocaram , eles já sabem como é que o Afonso é, vão àprocura <strong>de</strong> chatices» . Ele nem olha, parece que cega naqueles momentos.”Mãe: “Ele respon<strong>de</strong> às pessoas, seja adulto, seja criança, e <strong>de</strong>pois é que vê «Eh, já fiz asneira!».”Pai: “Então não foi ameaçar o professor comigo?!”Mãe: “Pois foi. O professor <strong>de</strong> apoio. «Ah eu não posso contigo, mas vem cá o meu pai e parteteto<strong>do</strong>!”». E o professor foi ter como ele. «Olhe, o Sr. é que é o pai <strong>do</strong> Afonso?. «Sou sim.».”Pai: “E eu fui pedir <strong>de</strong>sculpa, então o que é que havia <strong>de</strong> fazer?! Porque eles também não sabemo comportamento <strong>do</strong> Afonso.”Mãe: “Eles não mostram os relatórios <strong>do</strong> Afonso!”Pai: “Eles entram lá na escola e não lhes dão conhecimento <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> Afonso. “Ψ: “E é importante que isso aconteça, não para justificar mas para ajudar a compreen<strong>de</strong>r…”Pai: “Para ajudar a compreen<strong>de</strong>r o Afonso. Às vezes o Afonso ‘tá a comportar-se que nem umbicho e eles não sabem os porme<strong>no</strong>res <strong>do</strong> comportamento <strong>de</strong>le, <strong>do</strong> porquê que ele faz isso.”Mãe: “O Afonso se for leva<strong>do</strong> com atenção e com carinho têm tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>le.”Pai: “Quem souber levar o Afonso tem ali um…”Mãe: “A professora <strong>de</strong> inglês sofreu muito com ele. Como ela era muito gorda era gozada comele a torto e a direito. «Gorda!». E então ela veio-me dizer: «Ai a sua L é tão diferente! Não temnada a ver com o Afonso e eu não sei o que hei-<strong>de</strong> fazer ao Afonso, o Afonso dá-me <strong>do</strong>ida». Eeu tive-lhe a explicar que o Afonso é assim, o Afonso, dê-lhe um bocadinho <strong>de</strong> atenção, dê-lheum carinho. Ela passou duas semana veio-me dizer: «Ai o Afonso é um amor nas minhas aulas.».Mu<strong>do</strong>u radicalmente.”Pai: “O Afonso é uma criança que gosta <strong>de</strong> ser mimada. Se vê que lhe tão a passar a perna… Sefor muito amiga <strong>do</strong> Afonso e <strong>de</strong>pois vem outra pessoa o Afonso já se ta a sentir inferior, «oh, jánão presto».”166


Mãe: “É isso e chamar a atenção a ele à frente <strong>de</strong> outros, aí então ‘tão trama<strong>do</strong>s.”Pai: “Ele não gosta <strong>de</strong> ser corrigi<strong>do</strong> a frente <strong>do</strong>s outros. «Oh pai, elas põem-se a gozar à frente<strong>do</strong>s meus colegas to<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>pois eu enervo-me, eles gozam comigo».”Mãe: “Ele empurra mesmo, ele bate mesmo à professora…”Pai: “«Se ela chamasse à parte e falasse comigo…».”Mãe: “Ele entendia.”Pai: “É, mas não. Elas se calhar p’ra rebaixá-lo envergonham-<strong>no</strong> a frente <strong>do</strong>s colegas.”Mãe: “Ele começa logo aos pontapés, enerva-se, atira as ca<strong>de</strong>iras…”Pai: “E <strong>de</strong>pois chora.”Mãe: “Eu já disse a eles, quan<strong>do</strong> virem o Afonso aos pontapés às coisas, <strong>de</strong>ixem ele, não vão lá,porque elas vão ter com ele, ele ‘tá enerva<strong>do</strong>, pumba, dá logo.”Pai: “Ele chora, vai corrigi-lo e se se sentir muito em baixo chora, fica nervoso…”Mãe: “Fica muito vermelho, a tremer, nervoso e começa a chorar…”Pai: “É a raiva <strong>de</strong>le.”Mãe: “Faz aquelas coisas da loucura, não pensa…”Pai: “Não pensa…”Mãe: “Ele da outra vez queria saltar <strong>do</strong> primeiro andar, foi ca<strong>de</strong>iras, foi mesas, ainda agrediu aprofessora.”Ψ: “E <strong>de</strong>pois os pais falam com ele sobre isso, sobre o que se passou?”Os <strong>do</strong>is: “Falamos!”Mãe: “Falamos pois.”Ψ: “E o que é que ele diz, o que acha que aconteceu?”Mãe: “Ele não…eu acho que ele não tem <strong>no</strong>ção.”Pai: “Ele diz aquilo que a gente ‘tá a falar, que chamam ele à atenção, ou a professora aponta-o eele tem razão. É isso que eu ‘tou a dizer: se ele tem razão ele enfrenta qualquer um, ele enerva-se,e vai-se prejudicar. Se ele não tem culpa, e é outro que tem e ele é que fica <strong>de</strong> castigo, ele vira-secontra os professores.”Ψ: “E ele em casa percebe quan<strong>do</strong> está a ser castiga<strong>do</strong>?”167


Mãe: “É assim, quan<strong>do</strong> ‘tá só a mãe é <strong>de</strong> dar em maluca…”Pai: “Não é bem assim, não é bem assim, é assim...”Mãe: “É sim, porque ele a mim sente-se como «tu falas, falas, refilas, mas não fazes nada»…”Pai: “É verda<strong>de</strong>.”Mãe: “Ele lá é, bate a uma, bate à outra, vem a R e dá-lhe com a vassoura, tão sempre assim, àsturras.”Pai: “Mas isso é das mães mesmo, as mães prometem, prometem mas <strong>de</strong>pois não fazem nada.Eu não toco <strong>no</strong>s meus filhos, basta dizer assim: «Afonso, vai pró quarto. Só sais <strong>de</strong> lá quan<strong>do</strong> eudisser.».”Mãe: “Ele abre os olhos…”Pai: “Ele <strong>de</strong>pois diz lá <strong>do</strong> quarto: «pai, já posso?», «não, ainda não». Depois passa<strong>do</strong> assim umboca<strong>do</strong>: «Afonso, já po<strong>de</strong>s vir p’ra sala». Eu não bato <strong>no</strong>s meus filhos, basta olhar para eles queeles vêm logo que estou chatea<strong>do</strong> com eles.”Mãe: “É muito raro, muito raro. Eu já sou mais <strong>de</strong> bater, dar uma palmada ou assim…”Pai: “Bater? Se batesses eles tinham-te mais respeito. Ela manda vir, manda vir mas não faznada.”(Riem)Mãe: “Ele dá-me em maluca. É isso e os trabalhos da escola. Eu e ele não combinamos com ostrabalhos da escola, é sempre a irmã.”Ψ: “É a irmã que o acompanha <strong>no</strong>s trabalhos…”Mãe: “É porque a irmã só diz «Olha, vou fazer queixa ao pai».” (riem)Ψ: “E que aspectos positivos po<strong>de</strong>m referir acerca <strong>do</strong> Afonso?”Pai: “É tu<strong>do</strong>, é tu<strong>do</strong>…”Mãe: “É uma criança muito meiga, gosta <strong>de</strong> mimos, gosta <strong>de</strong> dar mimos, é atencioso, é muitopreocupa<strong>do</strong>…”Pai: “E <strong>de</strong> que maneira.”Mãe: “Eu as vezes estou <strong>do</strong>ente e ele fica to<strong>do</strong> coisinho. De aspecto da outra, da L…”Pai: “A L isso…não tem nada a ver.”Mãe: “A L já não gosta <strong>de</strong> beijos, já não gosta <strong>de</strong> carinho, quan<strong>do</strong> ela vem para o colo a gente dizlogo «hum, já tas a tramar alguma coisa, já». “168


Pai: “Não faz nada por interesse…”Mãe: “O Afonso é uma criança que pe<strong>de</strong> isto ou aquilo, a gente explica que não po<strong>de</strong> agora ouassim e ele diz «então está bem, quan<strong>do</strong> pu<strong>de</strong>res».”Pai: “A L já não, já fica assim com um pé atrás «se calhar não me querem comprar». O Afonsonão, ele enten<strong>de</strong> mesmo.”Mãe: “E cada vez ‘tá a fazer mais progressos, na escolinha, já sabe ler, com as dificulda<strong>de</strong>zinhas<strong>de</strong>le, mas já sabe, tenta fazer um esforço, que ele só começou a ler na terceira classe.”Pai: “Não é para me gabar mas isto é assim: não é por ser meu filho mas se não fossem essesproblemas da hiperactivida<strong>de</strong> que ele tem, esses tratamentos, eu acho que ele é o filho que to<strong>do</strong> opai queria, é um espectáculo mesmo.”Mãe: “É, é…”Ψ: “E a relação com os pais, com o pai, já que pegou nesse assunto, como é?Pai: “Ele convive mais com a mãe, que eu ‘tou sempre fora a trabalhar. Ele ‘tá mais tempo com amãe, ta me<strong>no</strong>s horas comigo. Mas o pouco tempo que passa comigo…fazemos tu<strong>do</strong>, para on<strong>de</strong>eu vou eu levo-o, por exemplo que vou mexer num carro ele gosta <strong>de</strong> vir comigo para ver comoé que é. Eu gosto <strong>de</strong> ir passear para a feira da ladra e ele a<strong>do</strong>ra vir comigo, <strong>de</strong>lira.”Mãe: “Para ver as velharias…”Pai: “Eu a<strong>do</strong>ro, gosto mesmo, aquilo é muito giro lá, vê-se <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> um pouco, ricos, pobres, alivê-se <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>. Eu compro muita coisa lá.”Ψ: “E com a mãe? O que é que vocês costumam fazer em conjunto…”Mãe: “Oh, jogamos playstation,” (riem-se).Pai: “Pois é, só serve p’ra isso mesmo.”Mãe: “Não, brincamos…”Pai: “Jogamos playstation, <strong>de</strong>pois jogamos playstation, a seguir jogamos playstation …Mãe: (ri-se) “Eu, o Afonso e a L fazemos concursos com aquilo, a gente gosta <strong>de</strong> jogar. Às <strong>no</strong>ve emeia o Afonso está na cama, a R às oito horas já está a dizer «Oh mãe, vou só <strong>de</strong>scansar osolhos».”Ψ: “E ele <strong>do</strong>rme sozinho?”Os <strong>do</strong>is: “Sozinho.”Mãe: “No seu quarto, tem o quarto <strong>de</strong>le.”Pai: “Elas tem o quarto <strong>de</strong>las, divi<strong>de</strong>m, tem que ser.”169


Mãe: “O Afonso <strong>do</strong>rme sozinho, <strong>no</strong> quarto próprio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nasceu a R.”Pai: “Antes <strong>do</strong>rmia num beliche com a L.”Mãe: “Dormiu com a gente, na caminha <strong>de</strong>le, até ao a<strong>no</strong> e tal, um a<strong>no</strong> e três meses, <strong>de</strong>pois foipara a caminha <strong>de</strong>le. Depois quan<strong>do</strong> nasceu a R tivemos que modificar a casa…”Pai: “Fizemos obras à casa…pusemos os quartos mais peque<strong>no</strong>s.”Mãe: “E fizemos um quartinho para ele. Pronto, há quatro a<strong>no</strong>s <strong>do</strong>rme ali, sozinho. Dormebem…”Pai: “Ele já sabe. Às vezes a gente prolonga assim um bocadinho, por exemplo à sexta, ele pe<strong>de</strong>p’ra ficar mais um bocadinho e diz que <strong>de</strong>pois acorda ce<strong>do</strong> à mesma…”Mãe: “É o primeiro a acordar <strong>no</strong> dia seguinte.” (riem-se)Ψ: “E que tipo <strong>de</strong> acontecimentos é que os pais acham que marcaram a infância <strong>do</strong> Afonso?”Mãe: “Quan<strong>do</strong> ele começou a andar, as primeiras falas, as primeiras gracinhas, não me lembromesmo da primeira palavra porque o Afonso era difícil <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, as gracinhas <strong>de</strong>les…”Pai: “Porque ele sempre foi cómico…”Mãe: “As traquinices <strong>de</strong>le…”Pai: “Ainda hoje…o Afonso é muita cómico…”Mãe: “Parece um palhacito autêntico…”Pai: “<strong>Na</strong> mesa só se levantam quan<strong>do</strong> eu acabar <strong>de</strong> comer, nem que leve três horas.”Mãe: “Mas o Afonso não consegue ficar muito tempo na mesa, vai à casa <strong>de</strong> banho, <strong>de</strong>pois dizque se esqueceu <strong>de</strong> lavar as mãos, <strong>de</strong>pois dói-lhe a barriga, só p’ra não estar na mesa, sempre foiassim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenininho…”Pai: “Não consegue ‘tar quieto <strong>no</strong> mesmo sítio.”Mãe: “E eu antes andava sempre atrás <strong>de</strong>le com o prato para lhe dar <strong>de</strong> comer.”Pai: “Aquilo é um espectáculo, é mesmo um espectáculo.”Mãe: “Tem, pronto, o estilo <strong>de</strong>le…”Pai: “Mas é assim, a gente também lhe faz um pouco as vonta<strong>de</strong>s, agora não quer cortar ocabelo, mas ele também tem um cabelo bonito. Quan<strong>do</strong> ele diz assim: «Pai, elas andam todasatrás <strong>de</strong> mim», «Filho, tens que arranjar uma namorada certa, senão <strong>de</strong>pois acabas por não ternenhuma.».” (ri-se)170


Mãe: “O Afonso é mesmo…ele tem uma coisa e diz «vou conseguir». Por exemplo, ontemestu<strong>do</strong>u e disse «mãe, vais me elogiar à frente <strong>de</strong>las?», e eu «claro que vou!».”Ψ: “Delas, das manas?”Mãe: “Sim, sim, porque elas tiveram negas e eu disse «oh, meninas, suas burras, o vosso irmãoesforçou-se, tem mais dificulda<strong>de</strong>s e tirou um satisfaz bastante! Já viram?! Quem é agora ointeligente?».”Pai: “E ele fica to<strong>do</strong> <strong>de</strong> papo cheio claro.”Mãe: “Porque a L sempre foi menina <strong>de</strong> excelentes, agora com a mudança <strong>do</strong> 5º para o 6º,primeiro teve tu<strong>do</strong> satisfaz bastante mas agora lixou-se, não quis estudar. Então ele ontem ‘tavato<strong>do</strong> coiso, «sou mais inteligente que elas» (prima e irmã mais velha). E nós claro que ficámoscontentes. Fiquei muito triste quan<strong>do</strong> vi a <strong>no</strong>ta <strong>de</strong>le a português, não satisfaz. Porque é assim, ostestes <strong>de</strong>le, ‘tá ali tu<strong>do</strong>, porque ele faz o teste por cruzes, e ‘tá lá a resposta certa e a errada.”Ψ: “Por estar ao abrigo <strong>do</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial, é isso?Mãe: “Sim. Se o Afonso ler o texto com atenção e se precisar <strong>de</strong> ajuda, eu disse-lhe mesmo àfrente da professora, que ele tem que pedir ajuda, tem que falar. A professora ‘tá lá, só tem é queajudar. A professora serve é para isso, é paga para isso, mais nada.”Ψ: “E com as irmãs, como é que é o relacionamento entre eles?”Mãe: “Ele com a mais velha tem aquelas turras, com a R, ui! A R faz tu<strong>do</strong> o que ele quer.”Pai: “Ele fecha-se <strong>no</strong> quarto com a irmã e passam o tempo to<strong>do</strong> a brincar, ele tem televisão <strong>no</strong>quarto e a playstation 2, e ele mete-se <strong>no</strong> quarto mais a R a ver um filme, faz uma cabana lá <strong>no</strong>quarto… E tão ali entreti<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>is.”Mãe: “Ele dá-se muito bem com ela. O Afonso é um bocadinho ainda muito criança, entãocomo ele ainda é muito infantil dá-se melhor com a R. Mas ele não consegue fazer muito farinhacom a R. No outro dia andavam os <strong>do</strong>is à chapada.”Pai: “A R também vai ser rabina, tanto que ela tem um pouco <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is.”Mãe: “O Afonso já não, o Afonso faz as avarias e culpa-se logo…”Pai: “Ele não tem problemas em dizer que foi ele.”Ψ: “O Afonso tem algum amigo preferencial?”Mãe: “O Afonso tem o seu grupo <strong>de</strong> amigos, mas o Afonso é uma criança que é assim: se vê ummeni<strong>no</strong> que não ‘tá ninguém a brincar com ele, ele vai ter com ele. Há lá um meni<strong>no</strong> <strong>de</strong>ficienteque ele vai sempre ter com ele…”Pai: “Ele dá muita atenção a essas pessoas. O Afonso dá mais atenção às pessoas que têm maisdificulda<strong>de</strong>s. Amigos ele tem muitos, que ele dá-se bem com toda a gente, po<strong>de</strong> ‘tar à bulha <strong>de</strong>manha e <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> já são amigos, e toda a gente lá gosta <strong>de</strong>le. Depois tem aquele grupo…”171


Mãe: “Os terríveis…”Pai: “Porque preferência <strong>de</strong> um ele não tem, brinca com to<strong>do</strong>s. Melhores amigos ele não tem,porque hoje po<strong>de</strong>m ser amigos e amanha já não, por isso ele não consegue ter assim só umamigo. O Afonso é assim, fracções <strong>de</strong> segun<strong>do</strong>s, ora tá bem, ora não ‘tá. Não tem rancor aninguém. É uma criança <strong>de</strong> se levar bem, e <strong>de</strong> se dar bem com toda a gente.Mãe: “A única coisa é que ele diz que não consegue…é o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong>le, «não sei, não consigo».”Pai: “«Oh pai não sei, oh pai não consigo»…”Mãe: “Diz logo que não consegue e bate naquela até ao fim.”Ψ: “E se tiver algum reforço, consegue?”Os <strong>do</strong>is: “A gente ajuda…”Pai: “Pai: “E com reforço ele acaba por fazer.”Mãe: “É <strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong> se falam mal <strong>de</strong>le…”Pai: “É isso das atitu<strong>de</strong>s… Eu acho que o Afonso não tem capacida<strong>de</strong> para ter <strong>de</strong>sconfianças <strong>de</strong>ninguém, não consegue analisar isso.”Mãe: “É como nós, se virmos um grupinho a olhar e a falar já vamos achar que ‘tão a falar mal<strong>de</strong> nós.”Pai: “Ele só consegue tirar provas se tiver a falar consigo e você o puser <strong>de</strong> la<strong>do</strong>, é aí que eleparte para as parvoíces <strong>de</strong>le. É isso só, mais nada, <strong>de</strong> resto ele não tem malda<strong>de</strong> nenhuma. Mãe:“Não pensa p’a ter malda<strong>de</strong>.”Mãe: “A gente só <strong>no</strong>ta que o Afonso tá pior quan<strong>do</strong> o Afonso veste o casaco e não tira ocarapuço.”Pai: “A gente aí vê que há qualquer coisa que não tá bem. Abafa-se mesmo, a ele próprio.”Ψ: “É a vossa maneira <strong>de</strong> reconhecer quan<strong>do</strong> o Afonso não está bem…”Mãe: “Sim, até na escola e tu<strong>do</strong>, ele mete o carapuço e não tira.”Pai: “É quan<strong>do</strong> ‘tá a guardar alguma coisa que não quer contar à gente, ele faz isso, protege,abafa-se. Aí eu já sei.”Mãe: “O Afonso é aquela criança que sempre que eu vou à escola fazem-me queixas <strong>do</strong> Afonso.E a preocupação <strong>de</strong>le «Não vais dizer ao pai, pois não?», digo-lhe que não, mas <strong>de</strong>pois conto aopai e digo-lhe p’ra não dizer nada que eu prometi-lhe que não dizia.”Pai: “Mas eu já sei que não posso ‘tar lá que senão ta a professora ou a funcionária a falar e elecomeça a chorar, fica nervoso só com a minha presença lá.”172


Mãe: “O Afonso quan<strong>do</strong> ‘tá mais nervoso mor<strong>de</strong> as mangas ou a camisola ou então na gola dablusa. Vê o pai, fica vermelho, muda logo, como quem diz «já ‘tou trama<strong>do</strong>». Bem, ele agora vai‘tar com a Dr.ª não é?”Ψ: “É sim. Ficamos então por aqui, muito obriga<strong>do</strong> pela vossa presença aqui hoje, foi muitoimportante terem participa<strong>do</strong> nesta entrevista.”Mãe: “De nada.”173


Resulta<strong>do</strong>s individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19)Da<strong>do</strong>s socio<strong>de</strong>mográficos: Nível <strong>de</strong> Graffar: 4; Escolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais: Mãe – Ensi<strong>no</strong> Básico Preparatório, Pai – Ensi<strong>no</strong> Primário; Antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos: Mãe – acompanhamento anterior; Situação relacional parental: Casa<strong>do</strong>s; Situação profissional parental: Mãe – empregada, Pai – <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>.Nota: Refere-se que o reduzi<strong>do</strong> número <strong>de</strong> participantes não permitiu conduzir testes estatísticosque indiquem se as diferenças manifestas são ou não significativas, pelo que a análise realizadaaos da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s é meramente <strong>de</strong>scritiva.Resulta<strong>do</strong>s na Escala <strong>de</strong> Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo <strong>do</strong>s Pais -EMBU-CNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEMBU_Suporte1 3,14 3,14 3,1429 .Emocional_MãeEMBU_Rejeição_Mãe 1 1,88 1,88 1,8750 .EMBU_Tentativa <strong>de</strong>1 2,10 2,10 2,1000 .Controlo_MãeEMBU_Suporte1 3,14 3,14 3,1429 .Emocional_PaiEMBU_Rejeição_Pai 1 1,88 1,88 1,8750 .EMBU_Tentativa <strong>de</strong>1 2,10 2,10 2,1000 .Controlo_PaiValid N 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção <strong>do</strong> paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 4,00 4,00 4,0000 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,25 1,25 1,2500 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_P 1 1,80 1,80 1,8000 .aiValid N 1174


Resulta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção da mãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 4,40 4,40 4,4000 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,00 1,00 1,0000 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_1 3,80 3,80 3,8000 .MãeValid N 1AnáliseAs respostas <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> Afonso ao Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> revelam umatendência semelhante <strong>no</strong> padrão das dimensões assinaladas. Assim, a dimensão <strong>de</strong> Cooperação (=mãe: 4,4; pai: 4) é a mais assinalada por ambos, ainda que com valores mais expressivos <strong>no</strong> casoda mãe, reflectin<strong>do</strong> o quanto os pais afirmam apoiar-se, valorizar-se e respeitar-se um ao outroenquanto tal. A dimensão <strong>de</strong> Conflito (= mãe: 3,8; pai: 1,8), a frequência com que os paisdiscutem ou estão em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> filho e se me<strong>no</strong>sprezam enquanto pais, segue-se naavaliação <strong>do</strong>s cônjuges e a dimensão <strong>de</strong> Triangulação (= mãe: 1; pai: 1,25), o grau em que um <strong>do</strong>spais cria uma aliança com o filho, excluin<strong>do</strong> o outro progenitor, é a me<strong>no</strong>s <strong>de</strong>stacada.Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção da mãe sobresi própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Mãe 1 3,20 3,20 3,2000 .Estilo autoritário Mãe_Mãe 1 2,08 2,08 2,0833 .Estilo permissivo Mãe_Mãe 1 2,00 2,00 2,0000 .Valid N 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção da mãe sobreo paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Pai 1 2,80 2,80 2,8000 .Estilo autoritário Mãe_Pai 1 1,50 1,50 1,5000 .Estilo permissivo Mãe_Pai 1 1,60 1,60 1,6000 .Valid N 1175


Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais - percepção <strong>do</strong> pai sobre sipróprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Pai 1 3,13 3,13 3,1333 .Estilo autoritário Pai_Pai 1 1,42 1,42 1,4167 .Estilo permissivo Pai_Pai 1 1,40 1,40 1,4000 .Valid N 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção <strong>do</strong> pai sobre amãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Mãe 1 2,73 2,73 2,7333 .Estilo autoritário Pai_Mãe 1 1,50 1,50 1,5000 .Estilo permissivo Pai_Mãe 1 1,60 1,60 1,6000 .Valid N 1AnáliseO estilo parental com o qual a mãe <strong>de</strong> Afonso parece rever-se trata-se daquele que sepren<strong>de</strong> com um registo autoritativo (= 3,2), assim como o estilo que reconhece <strong>no</strong> seu cônjuge(= 2,8), o qual, segun<strong>do</strong> Baumrind (1966), se traduz <strong>no</strong> estabelecimento <strong>de</strong> regras e limites,reforça<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma consistente, e na monitorização <strong>do</strong>s comportamentos da criança, <strong>de</strong> forma acorrigir os negativos e a gratificar os positivos. De igual forma, o pai percebe-se a si própriocomo sen<strong>do</strong> fundamentalmente autoritativo (= 3,13), bem como a sua esposa (= 2,73). Noentanto, nestes resulta<strong>do</strong>s parece-<strong>no</strong>s que há a salientar que o pai ten<strong>de</strong> a reconhecer a mãe comomais permissiva <strong>do</strong> que autoritária, contrariamente ao que afirma em relação a si próprio,resulta<strong>do</strong>s interessantes se observarmos igualmente a análise que a mãe <strong>de</strong> Afonso faz <strong>do</strong> estiloparental <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, na medida em que indica que este é mais permissivo <strong>do</strong> que autoritário(contrarian<strong>do</strong> a avaliação que o pai faz <strong>de</strong> si mesmo), e que a própria age <strong>de</strong> uma forma maisautoritária <strong>do</strong> que permissiva. Em suma, parece-<strong>no</strong>s que, para estes pais, aquilo que para si sãocomportamentos congruentes com um estilo autoritário são percebi<strong>do</strong>s pelo cônjuge comopermissivos, mas também que os pais <strong>de</strong> Afonso mais facilmente assumem ser autoritários(dimensão porventura mais valorizada <strong>no</strong> contexto social e cultural em que se encontram) <strong>do</strong> quepermissivos.176


Resulta<strong>do</strong>s da Escala <strong>de</strong> Preocupações ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Problemas <strong>familiar</strong>es e1 2,75 2,75 2,7500 .preocupações escolaresPP_Desenvolvimento1 2,13 2,13 2,1250 .InfantilPP_Comportamentos1 2,57 2,57 2,5714 .negativosPP_Preparação 1 2,67 2,67 2,6667 .PP_Me<strong>do</strong>s 1 2,75 2,75 2,7500 .Valid N 1AnáliseOs pais <strong>de</strong> Afonso parecem assumir <strong>de</strong> forma bastante homogénea as preocupações quesentem relativamente ao filho, pelo que os resulta<strong>do</strong>s nas diferentes dimensões não diferemsubstancialmente. Ainda assim, os respon<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>finem como seus principais focos <strong>de</strong>apreensão as questões relacionadas com a existência <strong>de</strong> problemas <strong>familiar</strong>es e o impacto queestes possam ter <strong>no</strong> bem-estar da criança com a aprendizagem e o rendimento escolar (=2,75),e, por outro la<strong>do</strong>, a existência <strong>de</strong> me<strong>do</strong>s e focos <strong>de</strong> inquietação fóbica na criança (me<strong>do</strong> <strong>do</strong>escuro, <strong>de</strong> animais diversos, entre outros) (=2,75).Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Práticas ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_1 2,21 2,21 2,2143 .Disciplina RígidaPráticas Parentais_1 3,00 3,00 3,0000 .Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong>Práticas Parentais_1 1,83 1,83 1,8333 .Disciplina InconsistentePráticas Parentais_1 3,19 3,19 3,1875 .ApropriadaPráticas Parentais_1 1,00 1,00 1,0000 .Expectativas ClarasPráticas1 3,20 3,20 3,2000 .Parentais_Parentalida<strong>de</strong>PositivaPráticas1 2,89 2,89 2,8889 .Parentais_MonitorizaçãoValid N 1177


AnáliseAs estratégias a que os pais <strong>de</strong> Afonso admitem recorrer com mais frequência <strong>no</strong> senti<strong>do</strong><strong>de</strong> gerir o comportamento da criança tratam-se das práticas que reflectem uma Parentalida<strong>de</strong>Positiva – “quan<strong>do</strong> a criança se porta bem ou faz um bom trabalho elogia-a, dá-lhe os parabéns oudá-lhe um beijo ou um abraço” - (=3,2), com valores muito próximos das práticas Apropriadas <strong>de</strong>Disciplina – “quan<strong>do</strong> a criança faz algo que não <strong>de</strong>ve faz com que corrija o comportamento oucompense o mal que fez” - (=3,18), ainda que a par da aplicação <strong>de</strong> Disciplina Rígida para a Ida<strong>de</strong> -quan<strong>do</strong> a criança faz algo que não <strong>de</strong>ve castiga-a” - (=3).178


Caso JoãoHistória clínicaJoão vem à Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, referencia<strong>do</strong> pelaconsulta <strong>de</strong> pediatria geral <strong>do</strong> mesmo hospital na qual foram assinala<strong>do</strong>s obesida<strong>de</strong> e alterações<strong>de</strong> comportamento (com comportamentos agressivos) em Abril <strong>de</strong> 2010. Tem a primeiraconsulta em Agosto <strong>de</strong> 2010, na altura com 10 a<strong>no</strong>s.Das origens biológicas da criança sabe-se que é o segun<strong>do</strong> filho <strong>de</strong> uma mãe a<strong>do</strong>lescente<strong>de</strong> 16 a<strong>no</strong>s (cuja primeira gravi<strong>de</strong>z terá ocorri<strong>do</strong> aos 14 a<strong>no</strong>s), fruto <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z nãoplaneada nem vigiada, <strong>no</strong> âmbito <strong>de</strong> uma situação social consi<strong>de</strong>rada grave. Por volta <strong>do</strong>s trêsa<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Tribunal da área <strong>de</strong> residência, João foi retira<strong>do</strong> à família <strong>de</strong> origeme institucionaliza<strong>do</strong> por <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> maus-tratos severos, permanecen<strong>do</strong> numa instituição localdurante cerca <strong>de</strong> três a<strong>no</strong>s, ainda que em situação inconstante já que a avó materna, terá,entretanto, i<strong>do</strong> buscá-lo. No entanto, dada a continuida<strong>de</strong> da situação gravosa para o bem-estarda criança, João volta a ser institucionaliza<strong>do</strong>, vin<strong>do</strong> a ser a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> <strong>no</strong> inicio da escolarida<strong>de</strong>básica, com aproximadamente cinco a<strong>no</strong>s.<strong>Na</strong> altura da a<strong>do</strong>pção a mãe a<strong>do</strong>ptiva encontrava-se com 48 a<strong>no</strong>s (reformada) e o pai com52 (bate-chapas). Os pais estiveram seis a<strong>no</strong>s enquanto candidatos à a<strong>do</strong>pção, já que não lhes erapossível terem um filho biológico por infertilida<strong>de</strong> da mulher, razão pela qual encetaram diversostratamentos sem sucesso com técnicas <strong>de</strong> procriação medicamente assistida, <strong>no</strong>meadamenteatravés <strong>de</strong> fertilização in vitro.Referem que João “veio na pior altura”, já que pouco tempo após o acolhimento dacriança a mãe a<strong>do</strong>ptiva entrou em programa <strong>de</strong> hemodiálise, mas acharam que “ele já tinhasofri<strong>do</strong> muito”. Relativamente às motivações <strong>do</strong> casal para a<strong>do</strong>ptar João em particular, a mãe dizque “leu o processo e sem olhar para ele”, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> que iriam ficar com a criança “por tu<strong>do</strong>o que ele já tinha passa<strong>do</strong>”.Esta refere que inicialmente “lhe fazia todas as vonta<strong>de</strong>s mas que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há um a<strong>no</strong> issonão acontece” por consi<strong>de</strong>rar que não seria a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> filho. <strong>Na</strong> mesmaconsulta a mãe conta que João é um meni<strong>no</strong> “que passou muito”, referin<strong>do</strong> situações <strong>de</strong> privaçãoalimentar e maus tratos físicos e psicológicos (indica que a criança esteve “amarrada à camadurante <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s”, que era alvo <strong>de</strong> queimaduras <strong>de</strong> cigarros, que fazia as necessida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> mesmolocal on<strong>de</strong> se encontrava, sen<strong>do</strong> lambi<strong>do</strong> por cães) e diz que este se lembra das situaçõesenunciadas. A mãe refere que João “veio com maus costumes e sem regras” e que se sente“muito revolta<strong>do</strong> com a mãe a<strong>do</strong>ptiva” – “massacra-a, faz birras, amua”, apresentan<strong>do</strong>agressivida<strong>de</strong> verbal e física quan<strong>do</strong> é contraria<strong>do</strong> – razão pela qual mencionam que <strong>no</strong> inicio da179


transição para a família a<strong>do</strong>ptante João teve algum acompanhamento psicológico (através <strong>de</strong> umaclínica privada) mas ao momento não se verificava por razões económicas.Acerca <strong>do</strong> filho contam, igualmente, que este nunca está quieto, que não se concentra naescola, embora tenha transita<strong>do</strong> sempre <strong>de</strong> a<strong>no</strong>. Ingressou <strong>no</strong> primeiro a<strong>no</strong> ainda na instituiçãoon<strong>de</strong> se encontrava, contu<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u <strong>de</strong> escola <strong>no</strong> final <strong>do</strong> a<strong>no</strong> lectivo, altura em que foia<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong> boa adaptação, segun<strong>do</strong> os pais. Ainda assim, a mãe diz que perceberam“que ele era nervoso e que os colegas o picavam”, motivo pelo qual tinham <strong>lugar</strong> alguns conflitoscom pares. Os pais continuam referin<strong>do</strong> que nessas circunstâncias João era sempre o culpa<strong>do</strong>,sen<strong>do</strong> a presença da mãe solicitada à escola constantemente, até que esta começou a ir espreitaros intervalos e a filmá-los durante o 4º a<strong>no</strong> lectivo para <strong>de</strong>pois reunir com a professora. “João émuito provoca<strong>do</strong>r, também respon<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> há confusão está sempre lá. Não obe<strong>de</strong>ce à mãe. Nãotem <strong>no</strong>ção <strong>do</strong> perigo e é bastante <strong>de</strong>sastra<strong>do</strong>.” Com ao pai, continua a relatar a mãe, “tem maisrespeito; ele dava-lhe palmadas porque o João me faltava ao respeito, chamava-me porca”. A mãerefere na consulta que “faz ver ao João que tem tu<strong>do</strong>, que lhe dão tu<strong>do</strong>” e pergunta-lhe porque éque é assim, repetin<strong>do</strong>, frequentemente, que é a mãe <strong>de</strong>le.Ainda nas consultas <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria os pais referem consi<strong>de</strong>rar que, quan<strong>do</strong> crescer,João po<strong>de</strong> querer ver a mãe biológica, e por isso guardam o processo da criança para ele ver e<strong>de</strong>cidir se realmente a quer ver. No mesmo senti<strong>do</strong> indicam que o filho tem uma irmã,actualmente com 10 a<strong>no</strong>s, da qual foi separa<strong>do</strong> uma vez que não foi possível que fossema<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s juntos, e que João fala muito na irmã, porém os pais a<strong>do</strong>ptivos <strong>de</strong>sta não permitem ocontacto da fratria.Os pais indicam que, na altura da a<strong>do</strong>pção, a criança tinha me<strong>do</strong> <strong>de</strong> estar sozinha,acordava muitas vezes e tinha muitos pesa<strong>de</strong>los (recorren<strong>do</strong> na altura ao pai para que estivessejunto <strong>de</strong>le), e que ainda hoje, apesar <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir bem e a<strong>do</strong>rmecer rapidamente, chama a mãevárias vezes para o a<strong>do</strong>rmecer. A mãe conta um sonho <strong>de</strong> João, próximo da data da consulta, emque segun<strong>do</strong> a criança “entravam pela janela e queriam roubá-lo. Sempre teve a preocupação <strong>de</strong>fechar bem a janela à <strong>no</strong>ite”.No que concerne à alimentação, a mãe diz que a criança come bem, “<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”, e que jáemagreceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que frequenta a consulta <strong>de</strong> obesida<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> foi viver com os pais, a mãeconta que João engor<strong>do</strong>u 20 quilos, e que tem o hábito <strong>de</strong> abrir o frigorifico “100 vezes ao dia”, eque por isso não po<strong>de</strong>m ter “<strong>do</strong>cinhos porque ele é muito guloso”. Mãe diz que quan<strong>do</strong> João ficanervoso “a tendência é logo para ir comer” e que, <strong>no</strong> inicio, a criança ia comer para <strong>de</strong>baixo dacama.180


Quan<strong>do</strong> foi a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>, aos seis a<strong>no</strong>s, a criança usava fralda uma vez que mantinha enurese<strong>no</strong>cturna, mas os pais referem que a remoção da mesma revelou-se fácil.Relativamente ao comportamento <strong>do</strong> filho indicam que quan<strong>do</strong> faz alguma asneira e ospais ralham ou batem, João abraça-os e pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa, dizen<strong>do</strong> que não volta a fazer. “Vai comtoda agente, é muito da<strong>do</strong>, mete conversa na praia, arranja logo amigos. Depois <strong>de</strong> as pessoas oconhecerem dizem que João os enga<strong>no</strong>u”, relata a mãe. Ainda neste senti<strong>do</strong>, esta refere que <strong>no</strong>sprimeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> o filho “dava tesouradas <strong>no</strong> cabelo”. Ao <strong>de</strong>screver a criança ospais indicam que “é muito obstina<strong>do</strong> e irrequieto”, fazen<strong>do</strong> por vezes algumas birras, referin<strong>do</strong>que em relação ao pai João é “mais obediente”. Indicam que o filho rói muito as unhas, mente –“as <strong>de</strong>sculpas saem-lhe como se fosse a verda<strong>de</strong>” -, não mostran<strong>do</strong> os testes e dizen<strong>do</strong> que nãotem TPC’s, interrompe as conversas <strong>do</strong>s pais porque tem que dizer algo naquele momento senãoesquece-se, está sempre a pedir coisas, e faz chantagem. O pai emociona-se diversas vezesdurante a consulta (quan<strong>do</strong> diz que o João é meigo e quan<strong>do</strong> conta que lhe bate) e diz que“castigar o João lhe dói mais a ele <strong>do</strong> que ao João”.Revela auto<strong>no</strong>mia em termos <strong>do</strong>s hábitos <strong>de</strong> higiene e veste-se sozinho, ainda que,segun<strong>do</strong> a mãe, tenha tendência para pedir aos pais para fazerem as coisas por ele (e.g. atar osataca<strong>do</strong>res). Em termos da dinâmica <strong>familiar</strong>, a mãe conta que João gosta muito <strong>de</strong> estar com opai e manifesta muitas solicitações afectivas, tais como “pedir muitos beijinhos”, ainda quecontinue dizen<strong>do</strong> que a criança seja “muito agarrada aos pais -cola-se muito”.A mãe passava-lhe trabalhos <strong>de</strong> casa adicionais, até que a directora <strong>de</strong> turma lhe disse queestava a “massacrar” o João. Em termos da re<strong>de</strong> social <strong>de</strong> suporte, os pais referem que esta éextensa e presente, <strong>no</strong>meadamente em termos da disponibilida<strong>de</strong> da família paterna(geograficamente mais próxima) para, por exemplo, levar e ir buscar o João à escola (“a avó fazlhetodas as vonta<strong>de</strong>s”). O pai indica ter um bom relacionamento com a família <strong>de</strong> origem.Sempre quis ter filhos, “gosta muito <strong>de</strong> crianças”. Juntos “praticamente criaram” uma sobrinha, etêm muito convívio com os sobrinhos.<strong>Na</strong> primeira consulta <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria os pais indicam que João tem bomaproveitamento escolar (sem, contu<strong>do</strong>, conseguir ler nem escrever <strong>no</strong> final <strong>do</strong> primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong>escolarida<strong>de</strong>), e mencionam como principal preocupação as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento coma mãe.A mãe fazia hemodiálise por insuficiência renal e foi recentemente transplantada (osirmãos, por motivo <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença não pu<strong>de</strong>ram <strong>do</strong>ar-lhe um rim). O mari<strong>do</strong> tem rim compatível masnão quiseram essa opção por me<strong>do</strong> que este morra e por “protecção <strong>do</strong> João <strong>no</strong> futuro”. Joãodizia que queria ser médico para dar um rim à mãe. A criança tem me<strong>do</strong> que a mãe morra, mas181


também que entrem ladrões <strong>no</strong> seu quarto à <strong>no</strong>ite, lhe tirem órgãos, o matem ou lhe cortem ocabelo e ele <strong>de</strong>pois não ser reconheci<strong>do</strong> pelos pais. Afirma que “quan<strong>do</strong> a mãe morrer fica com opai, quan<strong>do</strong> o pai morrer fica com a avó e quan<strong>do</strong> a avó morrer fica com a tia”.Em termos <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos na família refere-se a indicação <strong>de</strong> Depressão <strong>no</strong>irmão da mãe, mas também que esta, durante um perío<strong>do</strong>, tomou Diazepam em S.O.S, Triticumpara <strong>do</strong>rmir e Val<strong>do</strong>xan, com acompanhamento psiquiátrico e psicológico (quinzenal), queactualmente não mantém.Em Setembro <strong>de</strong> 2010 o pai indica numa consulta “está há quatro a<strong>no</strong>s con<strong>no</strong>sco e aindanão lhe consegui tirar o teimoso, o mentiroso e o guloso!”. Nesta altura começa a apresentargran<strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização pessoal (dizen<strong>do</strong> frequentemente “ninguém gosta <strong>de</strong> mim”) e a serchama<strong>do</strong> <strong>de</strong> gay, por ser a única criança a levar sapatilhas para a aula <strong>de</strong> ginástica e “calção eblusinha” – “<strong>de</strong>pois é um miú<strong>do</strong> que se revolta”. A impressão da pe<strong>do</strong>psiquiatra é a <strong>de</strong> que setratam <strong>de</strong> “pais muito <strong>de</strong>scontentes com este filho que pensam ter salvo da instituição. Devolvempermanentemente a imagem <strong>de</strong> um mau filho, que não correspon<strong>de</strong> às suas expectativas e quenão os recompensa pelo bem que lhe fizeram, que é um mau meni<strong>no</strong> – João acredita nisto tu<strong>do</strong>.A criança não sente segurança nesta família nem amor incondicional - mensagens (directas eindirectas) alusivas a viver na instituição”.Em Março <strong>de</strong> 2011, verificam-se sérias alterações <strong>de</strong> comportamento na escola -implicava com os colegas, atirava pedras, picou o pescoço <strong>de</strong> uma colega com o lápis, ainda queos pais refiram que João é muito provoca<strong>do</strong> pelos pares – mas também em casa - muitoimpulsivo, sai <strong>de</strong> casa sem dizer nada. É introduzida terapêutica farmacológica através <strong>do</strong> Invega(3mg). Em Novembro <strong>de</strong> 2011 começa a tomar Metilfenidato (Ritalina, 20mg). Em Setembro <strong>de</strong>2011, na consulta <strong>de</strong> pediatria (11 a<strong>no</strong>s) aumentou muito <strong>de</strong> peso (9 kg em 7 meses), o que ospais atribuem à medicação. A mãe refere, nessa altura, a hipótese <strong>de</strong> colocar João num colégio“on<strong>de</strong> tenha <strong>de</strong> se portar bem” e diz que este se porta melhor com professores <strong>do</strong> que comprofessoras. É orienta<strong>do</strong> para a consulta <strong>de</strong> psicologia <strong>do</strong> Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, on<strong>de</strong> mantémseguimento quinzenal. Em contacto com a professora esta conta que a criança ameaçou atirar-seda janela, grita na sala <strong>de</strong> aula, perturba o funcionamento da turma e exibe comportamentos <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> violência com os pares. <strong>Na</strong> mesma altura, a família indica à pe<strong>do</strong>psiquiatra que confrontao João com <strong>do</strong>cumentos anteriores à a<strong>do</strong>pção por reforçarem a chantagem que exercem sobre ofilho e ameaças <strong>de</strong> retor<strong>no</strong> à instituição, concomitantes com situações <strong>de</strong> punição física. Joãorefere que a mãe lhe bate com o cinto, manda-o sentar na cama e bate-lhe nas costas, com o caboda vassoura e com o mata-moscas. A criança fica com marcas <strong>no</strong> corpo e “<strong>de</strong>pois a mãe põe umapomada”, conta João. A mãe diz que ele é verbalmente extremamente agressivo consigo, acha182


convictamente que ele é mau, que tem <strong>de</strong> lhe fazer todas as vonta<strong>de</strong>s, caso o frustre torna-seagressivo, pelo que o relacionamento com a mãe se revela particularmente conflituoso. Verificaseque a criança se mantém em processo <strong>de</strong> negação “está tu<strong>do</strong> bem” – diz que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ape<strong>do</strong>psiquiatra falou com a mãe que ela já não bate, dá castigos. Em 2012 é introduzi<strong>do</strong>Topiramato (150mg).<strong>Na</strong> consulta <strong>de</strong> pe<strong>do</strong>psiquiatria é observada agitação/instabilida<strong>de</strong> psicomotora,solicitação <strong>de</strong> vários objectos para levar para casa, discurso organiza<strong>do</strong> mas por vezes confuso ecom <strong>de</strong>fesas pouco eficazes face à angústia (pensamento em processo primário, por vezesfragmenta<strong>do</strong>), <strong>de</strong>scrições cruas relativas a situações agressivas e angustiantes. Salienta-se, também,e <strong>no</strong> que diz respeito ao discurso da mãe, a utilização <strong>de</strong> frases pautadas por uma co<strong>no</strong>taçãonegativa em relação à criança (“estou <strong>de</strong>siludida contigo”, “só fazes asneiras”, “só te portas mal”)e que remetem para os tempos <strong>de</strong> institucionalização (“fui-te buscar à instituição e é assim que tuagra<strong>de</strong>ces?!”). A mãe afirma que muitas vezes tem <strong>de</strong> lhe bater para que ele a respeite, já que ofilho “estraga tu<strong>do</strong>, muitas vezes com malda<strong>de</strong>”.Um relatório escolar relativo ao a<strong>no</strong> lectivo 2010/11, <strong>no</strong> 5º a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> refere queJoão apresenta “dificulda<strong>de</strong>s significativas <strong>de</strong> integração à escola e à turma. São feitos relatossistemáticos <strong>de</strong> conflitos, comportamentos <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, recusa em aceitar a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sadultos, e diversas ocorrências com vários professores que só não registam as faltas disciplinarespor consi<strong>de</strong>ração à sua história <strong>de</strong> vida. Faltas constantes por atrasos, por vezes superiores a 35minutos, faltas <strong>de</strong> material, não realização <strong>do</strong>s TPC’s e comportamentos incorrectos em sala <strong>de</strong>aula. Quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong> acerca das motivações para os seus comportamentos, reage alegan<strong>do</strong>sintomas orgânicos preocupantes, tais como <strong>do</strong>res <strong>no</strong> coração, dificulda<strong>de</strong>s significativas emrespirar, <strong>do</strong>res intensas <strong>no</strong> corpo, pedin<strong>do</strong> para ir para casa. Contu<strong>do</strong>, caso os professores nãoaceitem <strong>de</strong> imediato as suas queixas e falarem com ele, João ace<strong>de</strong> em ficar na aula e trabalhar,sem mais queixas. Gran<strong>de</strong> alheamento quanto ao espaço e ao tempo – quan<strong>do</strong> toca e os colegasse dirigem à sala, João continua a brincar <strong>de</strong>spreocupadamente, sem maturida<strong>de</strong> suficiente parareconhecer priorida<strong>de</strong>s. Dificulda<strong>de</strong>s em gerir os seus sentimentos e postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio face àscontrarieda<strong>de</strong>s condicionam a socialização, e o relacionamento com os pares, constantes<strong>de</strong>sacatos físicos e verbais com os pares, particularmente com colegas <strong>do</strong> 9º a<strong>no</strong>. Quanto à turmanão houve aceitação e integração imediatas, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> rejeita<strong>do</strong>. Não apresenta dificulda<strong>de</strong>ssignificativas <strong>de</strong> perceber e <strong>de</strong> interpretar os conteú<strong>do</strong>s lecciona<strong>do</strong>s, mas como a sua capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> concentração tem perío<strong>do</strong>s mínimos, é-lhe difícil acompanhar os 90 minutos <strong>de</strong> aula.” Nopresente a<strong>no</strong> lectivo, a criança encontra-se ao abrigo <strong>do</strong> <strong>de</strong>creto-lei 3/2008 referente ao regime <strong>de</strong>Ensi<strong>no</strong> Especial.183


Refere-se, ainda, que através da aplicação da Escala <strong>de</strong> Inteligência <strong>de</strong> Wechsler paraCrianças (WISC-III), os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s nas provas que avaliam as competências cognitivas <strong>de</strong>João permitiram concluir, em avaliação realizada recentemente, que a sua capacida<strong>de</strong> intelectualglobal se situa num nível muito inferior ao espera<strong>do</strong> para a sua faixa etária, apresentan<strong>do</strong> umperfil cognitivo homogéneo, pelo que as competências verbais e <strong>de</strong> realização se encontram-seigualmente <strong>de</strong>senvolvidas abaixo da média para a ida<strong>de</strong>.Ge<strong>no</strong>grama56 5211Observação geralJoão, 11 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, é um rapaz com um <strong>de</strong>senvolvimento estato-pon<strong>de</strong>ral superiorrelativamente à sua ida<strong>de</strong> cro<strong>no</strong>lógica e resi<strong>de</strong> com os pais. Fisicamente po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito comoum jovem alto e <strong>de</strong> estrutura larga, cabelo e olhos castanhos, apresentan<strong>do</strong> <strong>no</strong> rosto diversasmarcas que parecem provir <strong>de</strong> maus-tratos recorrentes, consequência das relações precoces coma família <strong>de</strong> origem/biológica. A sua apresentação é simples e pouco investida, ainda que asseada.No contacto inicial revela-se algo inibi<strong>do</strong>, porém rapidamente passa a ser saliente uma criançacarente, afável, apelativa, ávida <strong>de</strong> relação. A criança realiza contacto visual, <strong>de</strong> forma constantemas muito insegura, quase tímida, ainda que por vezes observe atentamente a investiga<strong>do</strong>ra, numolhar que parece perscrutar. <strong>Na</strong> evolução <strong>do</strong> contacto, e apesar da reserva inicial, João estabeleceuma interacção natural e próxima na relação com a investiga<strong>do</strong>ra, sen<strong>do</strong> a contra-atitu<strong>de</strong>caracterizada como positiva ao longo das várias sessões <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s. O rapaz mostra-secooperante e participativo em to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> avaliação, com um comportamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> eimplica<strong>do</strong> nas tarefas, ainda que com alguma irrequietu<strong>de</strong> psicomotora, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong>particularmente algumas particularida<strong>de</strong>s posturais – reclina-se para os la<strong>do</strong>s <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> dasca<strong>de</strong>iras, ou para a frente, fican<strong>do</strong> com a parte superior <strong>do</strong> corpo pousada na secretaria. Aatenção é captável e constante.184


EntrevistaJoão inicia a entrevista indican<strong>do</strong> alguns da<strong>do</strong>s relativos à sua i<strong>de</strong>ntificação, referin<strong>do</strong> asua ida<strong>de</strong>, o local on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> e a escola que frequenta. Quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong> acerca <strong>de</strong> comocorrem as coisas na escola, indica que “correm bem, com os professores to<strong>do</strong>s”, que se encontra<strong>no</strong> 5º a<strong>no</strong>, “porque chumbei, só tive positiva a Educação Física mas a minha preferida éHistória”. Relativamente à socialização com pares a criança refere “<strong>do</strong>u-me bem com os colegasto<strong>do</strong>s”, e diz que tem um amigo preferencial, um vizinho da sua ida<strong>de</strong>. A criança refere gostar <strong>de</strong>jogar ténis <strong>de</strong> mesa e futebol e que quan<strong>do</strong> crescer quer ser médico para ajudar as pessoas. Falana sua irmã, que já não vê há sete a<strong>no</strong>s e <strong>de</strong> quem diz ter sauda<strong>de</strong>s. Espontaneamente vem acontar que é a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>, e que resi<strong>de</strong> com “esta família <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seis a<strong>no</strong>s”. Acerca <strong>do</strong> so<strong>no</strong> indicaque <strong>do</strong>rme sozinho, em quarto próprio, <strong>no</strong> “quarto cor <strong>de</strong> laranja” e que por vezes sonha comladrões. Acerca da relação com os pais, João diz que se dá bem com a mãe mas “às vezes esticome,porque ela chateia-se com coisas que eu não faço, acusa-me”, e com o pai refere que “gostomuito <strong>de</strong>le, abraço-o e <strong>do</strong>u-lhe beijinhos”. João afirma não ter quaisquer me<strong>do</strong>s – “não tenhome<strong>do</strong>s nem nada”.185


Desenho livre186


História“Este sou eu… Este tem <strong>de</strong> ter uma cabecinha pequenina, é o meu pai. (escreve os <strong>no</strong>mes por cima dasfiguras) Agora é a minha mãe. Era uma vez o João que ia para casa buscar a mala para ir para aescola e o pai e a mãe <strong>do</strong> João iam com ele e iam levá-lo para a escola. Mas aconteceu uma coisa<strong>no</strong> carro que o carro avariou-se. Não havia mais gasolina. Não havia mais gasolina. E o João teveque ligar para o primo a dizer que era preciso ir buscar mais gasolina. E <strong>de</strong>pois foram falar com otio. E <strong>de</strong>pois…já não me lembro. E <strong>de</strong>pois o primo foi buscar gasolina à bomba e veio trazer aotio. E <strong>de</strong>pois lá foi levar à escola. Vitória, vitória, acabou-se a história.”Análise psicodinâmicaPerante a solicitação <strong>de</strong> que realize um <strong>de</strong>senho à sua vonta<strong>de</strong>, João <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> elaborar umaprodução alusiva à família e a uma situação quotidiana. Efectivamente, com um traça<strong>do</strong> inseguro,pouco firme e graficamente imaturo, João inclui a representação <strong>de</strong> uma figura masculina – o pai-, pela qual começa, o que <strong>no</strong>s parece indicar o alvo <strong>de</strong> maior investimento afectivo da criança,segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma figura que o representa a si, encontran<strong>do</strong>-se ambos significativamente perto, epor fim uma figura feminina representativa da mãe, separada por uma casa. Esta separação entreos personagens parece simbolicamente indicar uma representação <strong>de</strong> distanciamento associada aoimago mater<strong>no</strong>. As figuras encontram-se como que a flutuar, parecen<strong>do</strong> efectivamente<strong>de</strong>samparadas, o que remete para uma representação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> suporte e segurança. A casa-larparece-<strong>no</strong>s, por outro la<strong>do</strong>, extremamente fechada (<strong>de</strong>staca-se a ausência <strong>de</strong> janelas) e<strong>de</strong>sinvestida, ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong> inacabada, fazen<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s, neste caso, pensar na indisponibilida<strong>de</strong> e nafalta <strong>de</strong> segurança, afecto e conforto provenientes da fantasmática associada ao lar e a umarepresentação contentora ligada ao imago mater<strong>no</strong>. Parece-<strong>no</strong>s, ainda, importante referir aausência <strong>de</strong> uma diferenciação <strong>do</strong>s personagens em termos geracionais, e uma representação <strong>de</strong>um e<strong>no</strong>rme vazio (inter<strong>no</strong>, afectivo e relacional) que a produção evoca.187


1º Desenho da figura humana188


Questionamento:1. Quem é, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“Sou eu. Sou o João e tenho 11 a<strong>no</strong>s. Aqui estou a jogar à bola.”2. Qual foi o dia mais feliz da sua vida?“Foi quan<strong>do</strong> marquei o golo.”3. E o mais triste?”“Não sei… Quan<strong>do</strong> man<strong>de</strong>i a bola à barra.”4. Quan<strong>do</strong> for gran<strong>de</strong> o que quer ser?“Médico para ajudar as pessoas.”5. Qual a parte mais bem <strong>de</strong>senhada?“A cara, mais ou me<strong>no</strong>s.”6. E a me<strong>no</strong>s?“Os pés…’tão sempre a crescer.”7. Conta-me uma boa recordação.“Os meus antigos joga<strong>do</strong>res <strong>de</strong> futebol, colegas.”8. E uma má.“Foi não os voltar a ver mais.”9. Ele é feliz?“É.”10. E saudável?“É.”11. Mudavas alguma parte <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho?“Não.”12. Conta-me uma história sobre ele.“Era uma vez o João que ‘tava <strong>no</strong> banco <strong>de</strong> suplentes mas o mister ‘tava tão irrita<strong>do</strong> que disse:«João, vai aquecer.», chamou-me e eu entrei. Marquei um golo e ganhámos um jogo. E acabou ahistória.”Análise psicodinâmica<strong>Na</strong> narrativa que acompanha a produção parece ser evoca<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s liga<strong>do</strong>s a umaangústia <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto, e ao afecto <strong>de</strong>pressivo a ela associada, e uma representação <strong>de</strong>insuficiência narcísica, patente em sentimentos <strong>de</strong> insegurança e auto-<strong>de</strong>preciação e <strong>no</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>ser ama<strong>do</strong> e admira<strong>do</strong>. <strong>Na</strong> produção relativa à figura humana, João realiza uma figurarepresentativa <strong>de</strong> si, projectan<strong>do</strong>-se a<strong>de</strong>quadamente em termos da i<strong>de</strong>ntificação ao sexo <strong>de</strong>189


pertença. Relativamente às características gráficas, trata-se, uma vez mais, <strong>de</strong> uma figuragraficamente imatura e <strong>de</strong> uma pobreza simbólica significativa, sen<strong>do</strong>, em termos <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,uma produção que evi<strong>de</strong>ncia representações <strong>de</strong> vazio e <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo muito substanciais.190


2º Desenho da figura humana - sexo oposto191


Questionamento:1. Quem é, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“É a minha mãe, a A. ‘Tá a dançar ballet.”2. Conta-me uma história sobre ela.“(…) Não sei nenhuma.”Análise psicodinâmicaA produção relativa ao <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma figura humana feminina evoca na criança o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> realizar uma personagem representativa da mãe, parecen<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s que po<strong>de</strong>rá tratar-se <strong>de</strong>um movimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>. Em termos gráficos é, <strong>no</strong>vamente, umaprodução plana, com pouco dinamismo e imatura, localizada <strong>no</strong> meio da página e portantototalmente <strong>de</strong>samparada e sem qualquer suporte.192


Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanImaginária193


Questionamento:1. Quem são estas personagens? Como se chamam e que ida<strong>de</strong> têm?“É tio R, não sei quantos a<strong>no</strong>s tem e a tia I, tem 50 a<strong>no</strong>s. É a irmã <strong>do</strong> pai e ele é o mari<strong>do</strong> <strong>de</strong>la.”2. O que está a acontecer? Porquê?“Eles vão-se casar. É o tio R que vai dar a aliança <strong>de</strong> casamento à tia I.”3. Quem é o mais feliz e o me<strong>no</strong>s feliz? Porquê?“Mais feliz são os <strong>do</strong>is. A tia I. Porque sim, não consigo explicar. Me<strong>no</strong>s é o tio R porque é muitorabugento e ralha muito com a tia I.”4. Quem é o mais simpático e o me<strong>no</strong>s simpático? Porquê?“Mais é a tia I. Porque não ralha muito nem grita muito e ele grita muito.”5. Quem manda mais e quem manda me<strong>no</strong>s? Porquê?“Quem manda mais são os <strong>do</strong>is. (Se tivesses que escolher mesmo só uma pessoa?) O tio R. Não seiexplicar. A tia I é quem manda me<strong>no</strong>s, porque tem mais respeito pelo tio R.”6. Se pu<strong>de</strong>sses escolher, quem <strong>de</strong>stas personagens gostarias <strong>de</strong> ser? Porquê?“A tia I. Porque é mais simpática.”7. Se pu<strong>de</strong>sses mudar alguma coisa neste <strong>de</strong>senho, o que mudavas? Porquê?“O comportamento <strong>do</strong> tio R. É muito rabugento e ralha muito com a tia I.”8. Se to<strong>do</strong>s fossem dar um passeio <strong>de</strong> carro e um <strong>de</strong>les não coubesse, quem ficaria <strong>de</strong> fora?“A tia I. Não, o tio R. O tio R é que vai sempre a conduzir o carro.”9. Se uma das crianças se portasse mal, qual <strong>de</strong>las seria? Como seria castigada? Por quem?“O tio R. Não sei o que tinha feito mas o castigo era correr muito.”10. História“Era uma vez o tio R. Era para ir ao casamento. E <strong>de</strong>ixou a tia I <strong>no</strong> espaldar, <strong>no</strong> altar e ela ficoumuito zangada. Ele vestiu-se, foi para o casamento e casaram. Vitória, vitória, acabou-se ahistória. E ficaram felizes para sempre.”Análise psicodinâmicaQuan<strong>do</strong> lhe é solicita<strong>do</strong> que <strong>de</strong>senhe uma família, apesar <strong>de</strong> anteriormente ter feito umarepresentação da sua família nuclear actual aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Desenho Livre, João realiza umaprodução graficamente muito semelhante às anteriores, que inclui um casal da sua famíliaa<strong>do</strong>ptiva. Neste senti<strong>do</strong>, nas respostas que se seguem ao questionamento a criança revelaconteú<strong>do</strong>s auto-biográficos, por referência à sua realida<strong>de</strong> <strong>familiar</strong>, e por isso muito pobres <strong>do</strong>ponto <strong>de</strong> visa simbólico e fantasmático. Ainda assim, ao nível <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, salienta-se a194


epresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro com que percebe o casal heterossexual, não se encontran<strong>do</strong> omasculi<strong>no</strong> internamente numa dinâmica <strong>de</strong> conciliação.195


Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanReal196


Questionamento:1. Quem são estas personagens? Como se chamam e que ida<strong>de</strong> têm?“É o primo M, tem 20 a<strong>no</strong>s, e o primo R que tem 24 a<strong>no</strong>s.”2. O que está a acontecer? Porquê?“O primo M não faz nada. O primo M ‘tá agarra<strong>do</strong> ao computa<strong>do</strong>r, é o que ele faz sempre. E oprimo R ‘tá a trabalhar.”3. Quem é o mais feliz e o me<strong>no</strong>s feliz? Porquê?“O mais feliz é o primo R, porque o primo M é mais alvoroço. O me<strong>no</strong>s feliz é o primo M, já sesabe porquê.”4. Quem é o mais simpático e o me<strong>no</strong>s simpático? Porquê?“Mais é o primo R porque a falar parece psicólogo. Me<strong>no</strong>s é o primo M. É muito…muito chato.”5. Quem manda mais e quem manda me<strong>no</strong>s? Porquê?“O primo R é mais velho. O primo M manda me<strong>no</strong>s porque é o mais <strong>no</strong>vo.”6. Se pu<strong>de</strong>sses escolher, quem <strong>de</strong>stas personagens gostarias <strong>de</strong> ser? Porquê?“O primo R porque é o melhor comporta<strong>do</strong>.”7. Se pu<strong>de</strong>sses mudar alguma coisa neste <strong>de</strong>senho, o que mudavas? Porquê?“O primo R porque porta-se melhor, gosto muito <strong>de</strong>le. Do primo M também mas só às vezes,chateia-me.”8. Se to<strong>do</strong>s fossem dar um passeio <strong>de</strong> carro e um <strong>de</strong>les não coubesse, quem ficaria <strong>de</strong> fora?“Ia o primo R, o primo M ficava <strong>de</strong> fora.”9. Se uma das crianças se portasse mal, qual <strong>de</strong>las seria? Como seria castigada? Por quem?“O primo M, seria castiga<strong>do</strong> a não ir ao computa<strong>do</strong>r. ‘Tá to<strong>do</strong> o dia <strong>no</strong> computa<strong>do</strong>r.”10. História“Era uma vez o primo M, ‘tava agarra<strong>do</strong> ao computa<strong>do</strong>r e a tia I man<strong>do</strong>u largar o computa<strong>do</strong>r.Ele não largou e a tia I <strong>de</strong>u-lhe uma chapada e castigou-lhe não ir mais ao computa<strong>do</strong>r.”Análise psicodinâmicaA partir da solicitação para que realize a sua família, a criança vai executar uma produçãoque graficamente segue o mesmo senti<strong>do</strong> das restantes e que representa <strong>do</strong>is primos, o que <strong>no</strong>scoloca algumas questões relativamente à dinâmica interna da criança face à temática proposta jáque a compreensão inicial <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> proposto pareceu verificar-se. <strong>Na</strong> narrativa que se segue197


ao questionamento po<strong>de</strong>mos verificar que existe uma percepção clivada <strong>do</strong>s personagens, comi<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les e <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong> outro. Efectivamente a proximida<strong>de</strong> afectiva queparece existir em relação a um <strong>do</strong>s personagens é <strong>no</strong>tória não só na narrativa como também naexpressão gráfica da produção, na qual um <strong>de</strong>les se encontra numa posição <strong>de</strong> me<strong>no</strong>rdistanciamento e maior dimensão que o outro. Salienta-se, ainda, a presença <strong>de</strong> elementos <strong>no</strong>discurso que parecem revela<strong>do</strong>res da existência <strong>de</strong> um superego exter<strong>no</strong> (e portanto superficial enão integra<strong>do</strong>) que configura uma atitu<strong>de</strong> moraliza<strong>do</strong>ra entre as figuras.198


Children’s Apperception Test – animal version1.“Uns pintainhos. Era uma vez uma galinha que foi dar comer aos seus filhotes. Mas não tinhaminhocas… E daí tiveram <strong>de</strong> comer papas <strong>de</strong> aveia.”Procedimentos fundamentais:RE1 – recurso à evidência, apego ao conteú<strong>do</strong> manifesto;RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, aofazer, ao conformismo, referências à realida<strong>de</strong> ambiente;RE3 – insistência <strong>no</strong>s suportes (em falta);EI1 – restrição.Análise da narrativa:No presente cartão, o qual remete para a representação da relação com o imago mater<strong>no</strong>num contexto <strong>de</strong> oralida<strong>de</strong>, ainda que se verifique uma tonalida<strong>de</strong> afectiva positiva, arepresentação <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> evocada na narrativa é apresentada como pouco gratificante,sen<strong>do</strong> associada à falta, à necessida<strong>de</strong> e à carência. Ainda assim, salienta-se o carácter repara<strong>do</strong>rque é atribuí<strong>do</strong> posteriormente ao imago, sen<strong>do</strong> a falta suprimida mesmo que por um objectome<strong>no</strong>s nutriente, remeten<strong>do</strong> para uma representação <strong>de</strong> substituição.2.“O jogo da corda. Era uma vez o urso que estava a jogar o jogo da corda. E ‘tavam a fazer umaaposta. O urso polar (aponta para o urso <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>) apostou: se per<strong>de</strong>sse dava a sua casa aosoutros e o urso polar e o urso pequeni<strong>no</strong> se per<strong>de</strong>ssem davam tu<strong>do</strong> o que tinham ao urso polar.E daí quem ganhou foi o urso polar. Vitória, vitória, acabou-se a história.”Procedimentos fundamentais:OC5 – isolamento <strong>de</strong> personagens (“urso polar”);EI1 – tendência à restrição;IF3 – importância dada às interacções.199


Análise da narrativa:A narrativa elaborada por João <strong>no</strong> presente cartão não evoca o seu conteú<strong>do</strong> latente, oqual remete para a relação triangular progenitor-filho, expressa num contexto libidinal e/ouagressivo (Boekholt, 2000). Efectivamente, é apresentada uma representação <strong>de</strong> perda, <strong>de</strong>precarieda<strong>de</strong> e vulnerabilida<strong>de</strong> associada à <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> lar, a qual remete para a fragilida<strong>de</strong> oumesmo a falta <strong>do</strong> continente mater<strong>no</strong>, encontran<strong>do</strong>-se o personagem infantil numa situação <strong>de</strong><strong>de</strong>sprotecção.3.“O rei leão. Era uma vez um rei que se armava muito que conseguia <strong>de</strong>rrotar to<strong>do</strong>s; conseguia<strong>de</strong>rrotar cobras, conseguia <strong>de</strong>rrotar dragões. Até que um dia um dragão chegou ao palácio <strong>de</strong>le edisse: «Não me vences!». «Atão vamos ver». E daí ele per<strong>de</strong>u a batalha e disse que vencia to<strong>do</strong>s. Eo dragão conseguiu vencer toda a gente. Ponto final.”Procedimentos fundamentais:OC8 - escotoma (personagem rato);IF1 - introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem;IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções.Análise da narrativa:<strong>Na</strong> presente narrativa, o personagem que <strong>de</strong>veria encontrar-se associa<strong>do</strong> a uma figura <strong>de</strong>força e po<strong>de</strong>r fálico, e portanto evocar a representação <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong>, é representada como<strong>de</strong>svitalizada, <strong>de</strong>rrotada e impotente perante um personagem exter<strong>no</strong> que é introduzi<strong>do</strong> <strong>no</strong>discurso, o qual é configura<strong>do</strong> com capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> omnipotência mágica.4.“Era o canguru. A mãe canguru e os seus filhos. Era uma vez a mãe canguru que ia <strong>de</strong> bicicletacom os filhos, Tomás e João, às compras. Ia comprar pão, etc… Mas a mãe canguru encontrouum dragão <strong>no</strong> bosque que a assustou muito e <strong>de</strong>ixou o seu dinheiro lá e a comida lá e já não havianada com que comer. Vitória, vitória, acabou-se a história.”Procedimentos fundamentais:RE3 – insistência <strong>no</strong>s suportes em falta;IF1 - introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem;200


RA1 – expressão verbalizada <strong>de</strong> afectos.Análise da narrativa:No cartão que evoca a relação com a imagem materna, eventualmente num contexto <strong>de</strong>rivalida<strong>de</strong> fraterna, a narrativa <strong>de</strong> João apresenta uma representação <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> associa<strong>do</strong>às funções instrumentais <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>, ou seja, através da alimentação, com a qual não se verificaqualquer ressonância afectiva. Neste senti<strong>do</strong>, verifica-se que o imago mater<strong>no</strong> é representa<strong>do</strong>como incapaz <strong>de</strong> proteger as crianças, revelan<strong>do</strong>-se igualmente vulnerável e <strong>de</strong>sprotegida. Perantea introdução <strong>de</strong> uma personagem que não consta <strong>do</strong> cartão, a qual representa uma fonte externa<strong>de</strong> ameaça, é manifesta uma angústia <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> objecto, através das representações <strong>de</strong><strong>de</strong>sprotecção, <strong>de</strong>samparo, carência e falta. Salienta-se, ainda, a clara i<strong>de</strong>ntificação estabelecida porJoão a um <strong>do</strong>s personagens infantis constantes na imagem5.“O quarto. Era uma vez um quarto da menina Julieta e da sua irmã Marta, que um dia foram àscompras juntas, comprar roupa, roupa para irem à escola, para irem agasalhadas. Compraram umcachecol, uma saia, umas luvas, um barrete e umas collants e uma blusa.”Procedimentos fundamentais: RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana; EI2 – razões <strong>do</strong>s conflitos não evocadas, banalização <strong>do</strong> discurso; OC8 – escotoma.Análise da narrativa:No presente cartão, o qual remete para as fantasias elaboradas acerca da cena primitiva e acuriosida<strong>de</strong> sexual, a narrativa elaborada por João não evoca as solicitações latentes, verifican<strong>do</strong>sea ausência da triangulação, manifesta a partir da escotomização <strong>do</strong>s elementos referentes àfantasmática da cena primitiva. Por outro la<strong>do</strong>, a referência implícita a uma <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> frio, po<strong>de</strong>ránão só remeter para o afecto <strong>de</strong>pressivo (sem contu<strong>do</strong> se verificar elaboração da posiçãocorrespon<strong>de</strong>nte) como remete, igualmente, para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contenção pelo contacto e asensorialida<strong>de</strong> (“agasalhadas”), remeten<strong>do</strong> para as falhas precoces na função materna <strong>de</strong> holding.Desta forma, a presença <strong>de</strong> elementos sensoriais e <strong>de</strong> suporte permitem consi<strong>de</strong>rar uma vez maisa intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma angústia <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> objecto.201


6.“Uma gruta. Era uma vez uma gruta muito, muito escura, ninguém conseguia entrar lá <strong>de</strong>ntro, sócom uma lanterna. Se alguém entrasse lá <strong>de</strong>ntro nunca mais saía <strong>de</strong> lá. Há lá ursos, ursos muitoassusta<strong>do</strong>res, terríveis e perigosos.”Procedimentos fundamentais: RE3 – insistência <strong>no</strong> enquadramento, nas <strong>de</strong>limitações e <strong>no</strong>s suportes; RE4 – insistência nas qualida<strong>de</strong>s sensoriais <strong>do</strong> material; RA1 – expressão verbalizada <strong>de</strong> afectos.Análise da narrativa:<strong>Na</strong> presente narrativa, a situação relacional edipiana latente ao cartão não é <strong>de</strong> to<strong>do</strong>percebida. Efectivamente, a triangulação não é evocada, pre<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>limitação <strong>do</strong>s espaçosinter<strong>no</strong>s e exter<strong>no</strong>s (Boekholt, 2000), <strong>no</strong> caso investida negativamente. Verifica-se <strong>no</strong>vamente aausência da triangulação edipiana, colocan<strong>do</strong> a narrativa num nível pré-genital. Neste senti<strong>do</strong>, anarrativa é elaborada com uma tonalida<strong>de</strong> fantasmática muito intensa, revela<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> umaconsi<strong>de</strong>rável angústia interna, <strong>de</strong>signadamente associada a uma representação <strong>de</strong> formacontinente-conteú<strong>do</strong>com características <strong>de</strong> me<strong>do</strong>, perigo, ameaça e <strong>de</strong>sprotecção, a qual pareceremeter para o continente mater<strong>no</strong>. Torna-se evi<strong>de</strong>nte a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> suporte e <strong>de</strong>uma relação contentora e securizante que permita apaziguar a angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, solidão eaban<strong>do</strong><strong>no</strong>.7.“Um tigre na selva. Era uma vez um tigre muito perigoso. Ninguém o conseguia caçar. Mas haviauma poção que se metia <strong>no</strong> tigre e ele enfraquecia e o caçavam e <strong>de</strong>pois metiam-<strong>no</strong> numa jaula. E<strong>de</strong>pois aí ele é morto e nunca mais volta a viver na selva… Só.”Procedimentos fundamentais: IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção; OC8 – escotoma; EI2 – a<strong>no</strong>nimato, banalização, razões <strong>do</strong>s conflitos não esclarecidas; OC5 – isolamento <strong>de</strong> personagens.202


Análise da narrativa:No cartão cujo simbolismo latente remete para a expressão da agressivida<strong>de</strong>, verifica-seefectivamente a evocação da relação agressiva com recurso a mecanismos <strong>de</strong>fensivos arcaicoscomo a omnipotência e a i<strong>de</strong>alização primitiva, mas também à inversão das posições atribuíveis aagressor/agredi<strong>do</strong>, <strong>do</strong>minante/submisso, parecen<strong>do</strong> faltar a João mecanismos secundários paraelaborar e integrar a<strong>de</strong>quadamente as pulsões agressivas, o que evi<strong>de</strong>ncia as suas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mentalização.8.“Os macacos em casa. Era uma vez a D. Palmira que foi beber chá com o Sr. José… O Sr. José‘tava-lhe a fazer cócegas nas pernas. ‘Tavam a falar os <strong>do</strong>is e a beber chá sossega<strong>do</strong>s. Não seimais nada.”Procedimentos fundamentais: EI2 – banalização, razões <strong>do</strong>s conflitos não esclarecidas; RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, aoconformismo; RE1 – recurso à evidência, apego ao conteú<strong>do</strong> manifesto; OC8 – escotoma (da relação em <strong>de</strong>staque mãe-filho).Análise da narrativa:No cartão que convida a criança a evocar a percepção da dinâmica <strong>familiar</strong>, as diferençasgeracionais e a culpabilida<strong>de</strong> associada à curiosida<strong>de</strong> e à transgressão na relação pais-filhos(Boekholt, 2000), a narrativa <strong>de</strong> João revela a inquietação causada pelo conteú<strong>do</strong> (manifesto elatente) <strong>do</strong> estímulo, o que implica que a criança evite abordar a temática da família nuclear,alargan<strong>do</strong> a relação e a narrativa a personagens periféricos da constelação <strong>familiar</strong>, aos quais éconferida particular importância.9.“O coelhinho na cama. Era uma vez um coelhinho muito <strong>do</strong>ente e não conseguia sair da cama,tinha que tomar muitos comprimi<strong>do</strong>s. Mas houve um certo dia que ele ‘tava a ser opera<strong>do</strong> e aí<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> tomar comprimi<strong>do</strong>s. E viveram felizes para sempre. (Quem?) Os <strong>do</strong><strong>no</strong>s <strong>do</strong> coelho e ocoelho também.”203


Procedimentos fundamentais:RA3 – acentuação da tradução corporal <strong>do</strong>s afectos.Análise da narrativa:A narrativa <strong>de</strong> João <strong>no</strong> cartão que remete para uma problemática <strong>de</strong> aban<strong>do</strong><strong>no</strong> e/ousolidão evi<strong>de</strong>ncia a expressão da perda <strong>de</strong> objecto passou tanto directamente pela representação<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong> como indirectamente através da intervenção <strong>de</strong> estratégias<strong>de</strong>fensivas que actuam como modalida<strong>de</strong>s anti<strong>de</strong>pressivas, <strong>de</strong>signadamente na fuga ao sofrimentointer<strong>no</strong> e na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar uma reparação <strong>do</strong> mesmo. Por conseguinte, ainda que severifique o reconhecimento <strong>do</strong> afecto <strong>de</strong>pressivo, a elaboração da posição correspon<strong>de</strong>nte nãoparece ser possível.10.“Os cãezinhos. Era uma vez os cãezinhos que foram passear até à praia e viram uma concha,alevantaram e era um caranguejo e mor<strong>de</strong>u <strong>no</strong> nariz… Depois foram para casa tratar o nariz combetadine, meteram um penso. Ponto final e acabou a história.”Procedimentos fundamentais:RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, ao concreto;RE1 – recurso à evidência, apego ao conteú<strong>do</strong> manifesto;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção.Análise da narrativa:A temática latente presente <strong>no</strong> último cartão da prova, o qual remete para a relaçãoagressiva progenitor/filho num contexto <strong>de</strong> analida<strong>de</strong> (Boekholt, 2000), não parece ser abordada,nem tão pouco é estabelecida qualquer relação entre os personagens. A precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>investimento narcísico é uma vez mais evi<strong>de</strong>nciada, <strong>no</strong> caso a partir da necessida<strong>de</strong> patente <strong>de</strong>cuida<strong>do</strong> e protecção, num contexto <strong>de</strong> contacto e proximida<strong>de</strong> corporal, cuja representaçãoparece encontra-se ligada à reactivação <strong>de</strong> perturbações significativas <strong>no</strong> handling mater<strong>no</strong> e <strong>de</strong>falhas anteriores na relação com uma figura <strong>de</strong> referência protectora, contentora e cuida<strong>do</strong>ra.Prova das escolhas:Cartões +:II – “Porque, por causa que gosto <strong>do</strong> jogo da corda e isso.”204


VIII – “Foi engraça<strong>do</strong> ele a fazer cócegas nas pernas, foi engraça<strong>do</strong>.”Cartões -:VII – “Porque é muito violento.”III - E o <strong>do</strong> tigre também, este aqui, o <strong>do</strong> rei. Por causa <strong>do</strong> dragão. Ele pensa que é muito bommas <strong>de</strong>pois não é.”Análise <strong>do</strong> C.A.T.-AAten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às narrativas construídas <strong>no</strong> protocolo <strong>de</strong> C.A.T.-A <strong>de</strong> João verifica-se quepre<strong>do</strong>mina uma temática <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, concomitantes com umarepresentação da relação <strong>de</strong> objecto interna pouco securizante, protectora, contentora. Estãopatentes importantes lacunas precoces na construção da relação e da representação objectalcontentora, apazigua<strong>do</strong>ra e que fortaleça a estrutura egóica. De igual forma, encontra-se presenteum recorrente sentimento <strong>de</strong> ameaça - através da introdução <strong>de</strong> elementos exter<strong>no</strong>s querepresentam a fonte <strong>de</strong> perigo, o qual perante a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> da estrutura, inva<strong>de</strong> e compromete oself (o bom objecto) - face à qual não dispõe <strong>de</strong> recursos inter<strong>no</strong>s para enfrentar. Ainda que aposição correspon<strong>de</strong>nte não seja elaborada, verificam-se importantes núcleos <strong>de</strong>pressivos, osquais remetem para uma falha primitiva da estrutura básica, sen<strong>do</strong> a temática da perda muitopresente. Neste senti<strong>do</strong>, a angústia <strong>do</strong>minante parece ser <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong> objecto (a qualparece associada a falhas importantes ao nível da relação mais precoce). São evi<strong>de</strong>ntes núcleos <strong>de</strong>maior fragilida<strong>de</strong>, <strong>no</strong>s quais se verifica a necessida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> suporte, <strong>de</strong> umarelação securizante e contentora, e o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser (afectivamente) cuidada e protegida. Asrepresentações <strong>de</strong> relações são na sua maioria duais, sem evocação e integração <strong>do</strong> conflitoedipia<strong>no</strong>, sen<strong>do</strong> as representações <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong> ausentes e <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>significativamente reduzidas e quan<strong>do</strong> apresentadas reduzidas a funções instrumentais, pelafuncionalida<strong>de</strong> e pela ausência <strong>de</strong> afecto, surgin<strong>do</strong> nas histórias da prova temática temas relativosà oralida<strong>de</strong> e ao cuida<strong>do</strong> pela alimentação.Do ponto <strong>de</strong> vista simbólico as narrativas são construídas com algum grau <strong>de</strong> restrição ecom recurso ao conteú<strong>do</strong> manifesto <strong>do</strong>s cartões e portanto pouco elaboradas, o que, a par <strong>do</strong>smecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues (projecção, omnipotência), parece remeter para a existência<strong>de</strong> algumas dificulda<strong>de</strong>s em mentalizar e representar simbolicamente as dinâmicas conflituaisintrapsíquicas. Ainda assim, a sua aproximação frequente a temas <strong>do</strong> contexto quotidia<strong>no</strong> erelacional parece indicar uma tentativa, ainda que superficial, <strong>de</strong> se adaptar à realida<strong>de</strong>.205


Teste das relações <strong>familiar</strong>esResulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> envolvimento percebi<strong>do</strong> pela criança em relação a cada elemento da família(sentimentos positivos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e sentimentos negativos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s).25202015151510507 75 554332210 0 0 0 0 0 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -MãeSentimentosemiti<strong>do</strong>s -Mãe9Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -PaiSentimentosemiti<strong>do</strong>s -Pai0 08 8 87Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -Ninguém31Sentimentosemiti<strong>do</strong>s -Ninguém976220 0 0 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -Self8Sentimentosemiti<strong>do</strong>s -SelfPositivos fortes Positivos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Negativos fortes Negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s TotalResulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sobreprotecção materna e sobre indulgência materna e paterna percebi<strong>do</strong>s pelacriança.76543210654220 000 0 0 0Sobreprotecção materna Sobre indulgência materna Sobre indulgência paternaMãe Pai Self NinguémSegue-se a interpretação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> João <strong>no</strong> Teste das Relações Familiares, emrelação aos aspectos clínicos mais pertinentes para a compreensão <strong>do</strong> seu caso. Em primeiro206


<strong>lugar</strong>, em relação ao envolvimento total (afectivida<strong>de</strong> consciente e inconsciente, tal como avaliadapela prova) da criança com os elementos que compõem o seu círculo <strong>familiar</strong> subjectivo, importareferir que a criança reporta uma maior atribuição <strong>de</strong> itens globais à figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém,revelan<strong>do</strong> a forte retracção exibida <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso da prova, a qual parece cumprir o propósito <strong>de</strong>evitar <strong>de</strong>fensivamente o confronto com angústias e conflitualida<strong>de</strong>s latentes à temática emquestão, <strong>no</strong>meadamente à representação da dinâmica <strong>familiar</strong>. Ainda assim, e excluin<strong>do</strong> a figura<strong>do</strong> Sr. Ninguém, a figura com a qual João reporta maior envolvimento refere-se à representação<strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong>. Efectivamente, verificamos que a mãe <strong>de</strong> João é eleita na sua realida<strong>de</strong>afectiva como a maior fonte <strong>de</strong> amor e como o mais significativo objecto <strong>de</strong> amor. Por outrola<strong>do</strong>, João, na caracterização <strong>do</strong> seu investimento afectivo na relação com a mãe, omite quase porcompleto a expressão <strong>de</strong> afectos negativos, algo que revela uma tendência pouco sanígena para ofuncionamento psico-afectivo da criança, na qual a agressivida<strong>de</strong> e a negativida<strong>de</strong> (naturais,típicas <strong>de</strong> uma relação ambivalente e matura) são negadas e/ou recalcadas. Relativamente aoenvolvimento percebi<strong>do</strong> <strong>no</strong> que concerne aos senti<strong>do</strong>s positivos reporta<strong>do</strong>s como recebi<strong>do</strong>s pelacriança <strong>de</strong>staca-se a figura materna, com igual proporção <strong>de</strong> itens fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, seguida dapaterna, com mais mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que fortes, e <strong>do</strong> próprio (Self). Em relação ao envolvimentorelaciona<strong>do</strong> com os sentimentos negativos percebi<strong>do</strong>s como recebi<strong>do</strong>s pela criança estes são,como pu<strong>de</strong>mos verificar, praticamente ausentes <strong>no</strong> caso da representação materna e totalmenterejeita<strong>do</strong>s <strong>no</strong> caso da figura paterna, encontran<strong>do</strong>-se, porém, presentes em termos daagressivida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rada <strong>no</strong> Self e maciçamente presentes, tanto intensa como mo<strong>de</strong>radamente, nafigura <strong>do</strong> Sr. Ninguém. Em termos <strong>do</strong> envolvimento percebi<strong>do</strong> face aos sentimentos positivosemiti<strong>do</strong>s pela criança em relação aos membros da sua família, os pais foram as figuraspreferenciais para receber o afecto representacional <strong>de</strong> João, quer a um nível forte comomo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, segui<strong>do</strong>s da figura <strong>do</strong> próprio, revelan<strong>do</strong>, neste último caso, um importante la<strong>do</strong>carencial e as suas intensas necessida<strong>de</strong>s afectivas <strong>de</strong> ser cuida<strong>do</strong> e acarinha<strong>do</strong>. Por último, emtermos <strong>do</strong> envolvimento relativo aos sentimentos negativos reporta<strong>do</strong>s como emiti<strong>do</strong>s pelacriança, estes encontram-se totalmente ausentes nas figuras parentais, muito suprimi<strong>do</strong>s <strong>no</strong> Self etotalmente <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>s para o Sr. Ninguém, a figura <strong>do</strong> recalcamento, ou seja, <strong>do</strong> espaçoinconsciente <strong>de</strong> retenção e não-elaboração <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s inaceitáveis numa dimensão consciente,<strong>no</strong> caso, pela sua natureza negativa e agressiva, a qual não é suportada.No que concerne às escalas relativas à representação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência intra<strong>familiar</strong>,verifica-se que João indica ser o maior alvo <strong>de</strong> sobreprotecção materna, sen<strong>do</strong> esta atribuição <strong>de</strong>sentimentos “auto-dirigi<strong>do</strong>s” ou egocêntricos revela<strong>do</strong>ra das importantes falhas ao nível darelação mais precoce. Concomitantemente, a atribuição <strong>de</strong> itens na escala <strong>de</strong> sobreprotecção207


materna na figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém parece expressar a carência afectiva da criança, como seinconscientemente sentisse que a mãe lhe po<strong>de</strong>ria dar mais atenção, afecto, carinho e protecção.Refere-se, ainda, que a sobre-indulgência materna se encontra dividida entre a figura da criança ea <strong>do</strong> pai, e que a sobre-indulgência paterna se <strong>de</strong>stina unicamente à relação com a mãe.Por outro la<strong>do</strong>, verifica-se uma clara discrepância entre a atribuição <strong>de</strong> itens positivos enegativos, os quais se encontram quase totalmente atribuí<strong>do</strong>s à figura <strong>do</strong> ninguém, aspecto quepo<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se à intensa culpabilida<strong>de</strong> em expressar a agressivida<strong>de</strong>.Relativamente aos mecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues na representação da dinâmica<strong>familiar</strong>, <strong>de</strong>staca-se o recurso à negação, <strong>no</strong> caso da agressivida<strong>de</strong>, principalmente face às figuraspaternas, a qual é intensamente <strong>de</strong>slocada para a figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém, não sen<strong>do</strong> portantosaudavelmente integrada e elaborada e sim recalcada ou <strong>de</strong>slocada para outras fontes.Destacamos, também, a i<strong>de</strong>alização da figura materna, a qual recebe numerosos itens positivos,principalmente <strong>no</strong> que se refere ao afecto que a criança reporta receber. Esta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<strong>de</strong>alização da figura materna parece encontrar-se relacionada com a existência <strong>de</strong> angústias maisprimitivas <strong>de</strong> separação, <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> amor <strong>do</strong> objecto, e <strong>do</strong> próprio objecto. Verificamos, ainda,alguma tendência regressiva, maioritariamente expressa na relação com a mãe, resulta<strong>do</strong>s queremetem para as intensas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afecto, cuida<strong>do</strong> e protecção maternas.Por último, a análise da escala <strong>de</strong> Inibição/Desinibição permite aferir que se verifica umainibição mo<strong>de</strong>rada (2 valores em ambas as escalas, positiva e negativa), a qual se revelaparticularmente significativa <strong>no</strong> caso <strong>do</strong>s itens negativos, já que a culpabilida<strong>de</strong> ligada à expressãoda agressivida<strong>de</strong> parece ligar-se ao me<strong>do</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r afectiva e efectivamente os objectos parentais,a qual <strong>no</strong>s parece substancialmente ligada à história <strong>de</strong> vida da criança, marcada por perdas,<strong>de</strong>sprotecção, violência e aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, às suas angústias internas <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e separação, ao tipo<strong>de</strong> relações que estabelece (<strong>de</strong> natureza anaclítica, por não perceber o objecto como total eambivalente, mas sim cliva<strong>do</strong>, e pela gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência afectiva que <strong>de</strong><strong>no</strong>ta), e às <strong>de</strong>fesas queemprega (i<strong>de</strong>alização primitiva, clivagem <strong>do</strong> self e <strong>do</strong> objecto e negação).Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s pais – EMBU-CAtravés <strong>do</strong> presente instrumento salienta-se o facto <strong>de</strong> João não ter reporta<strong>do</strong> qualquertipo <strong>de</strong> diferenciação na percepção <strong>do</strong> estilo educativo parental entre os progenitores, facto quepo<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se à sua dificulda<strong>de</strong> em conseguir distinguir as práticas educativas utilizadas porcada um <strong>do</strong>s pais, mas também à tendência para a <strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> e para revelar resulta<strong>do</strong>s social emoralmente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s (não se comprometen<strong>do</strong> <strong>de</strong>fensivamente com os itens constituintes daprova). Em termos <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s pela criança, e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao índice factorial208


triparti<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> anteriormente, verifica-se que o aspecto mais positivamente assinala<strong>do</strong> setrata <strong>do</strong> factor Suporte Emocional (=3,5), segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> factor Tentativa <strong>de</strong> Controlo (=2,9), o qualprece<strong>de</strong> o último factor, Rejeição (=1,9).Análise da entrevista com os paisNum primeiro momento a entrevista realizada aos pais <strong>de</strong> João, e procuran<strong>do</strong> obteralguma informação acerca da infância da criança, as questões colocadas nesse senti<strong>do</strong> revelaramuma quase ausência representacional <strong>do</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> vida, o que seria porventuracompreensível da<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptiva, mas não <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>s<strong>de</strong>ixar sensíveis a um quase total vazio simbólico infantil (<strong>de</strong>sconhecimento acerca das etapas<strong>de</strong>senvolvimentais da criança, <strong>de</strong>signadamente <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor). As referênciasao passa<strong>do</strong> – emocionalmente ainda tão presente – da criança restringem-se a um relato duro ecruel <strong>de</strong> alguns episódios que marcaram negativamente os primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> vida (maus tratosseveros, aban<strong>do</strong><strong>no</strong>s e intercorrências <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>res sucessivos, inconsistência e alternância <strong>do</strong>ambiente, separações bruscas e violentas, rostos anónimos e indiferencia<strong>do</strong>s como alternativainstitucional a uma família hostil e maltratante).No <strong>de</strong>curso da entrevista, por outro la<strong>do</strong>, os pais referem que João se recorda <strong>do</strong>s maustratos<strong>de</strong> que foi vítima, ainda que actualmente não queira falar <strong>de</strong>sse assunto, contrariamente aoque acontecia <strong>no</strong>s primeiros tempos que se seguiram à a<strong>do</strong>pção, o que se tratava <strong>de</strong> um processonatural já que a criança sente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar da sua <strong>de</strong>pressão, raiva e revolta, <strong>de</strong> inicioprovavelmente não por palavras, já que não consegue ter i<strong>de</strong>ias claras sobre isso, mas sim porcomportamentos. Estas alterações <strong>de</strong> comportamento, por vezes acompanhadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>agressivida<strong>de</strong>, são o reflexo <strong>de</strong> intensas angústias internas que originam movimentosinconscientes <strong>de</strong> clivagem e projecção, não compreendidas pelos pais, os quais não conseguemefectuar uma leitura emocional, simbólica e contentora. Neste senti<strong>do</strong>, este passa<strong>do</strong> pareceextremamente presente, consciente e inconscientemente, para a criança, já que os pais fazem porvezes referência aos maus-tratos e ao aban<strong>do</strong><strong>no</strong> (perguntan<strong>do</strong> se um dia vai querer conhecer ospais biológicos, mencionan<strong>do</strong> que estes os maltratavam e o aban<strong>do</strong>naram, que o salvaram daInstituição, entre outros comentários), <strong>de</strong>svalorizan<strong>do</strong> a família <strong>de</strong> origem (o que cria umaclivagem artificial muito prejudicial), culpabilizan<strong>do</strong> a criança, oferecen<strong>do</strong> um amor condicionalao comportamento da criança e reagin<strong>do</strong> com algum sadismo <strong>no</strong> que concerne a <strong>de</strong>ixarentreaberta a porta <strong>de</strong> saída da vida <strong>de</strong>stes pais com um retor<strong>no</strong> implícito ao ambienteinstitucional.209


O <strong>de</strong>sejo da parentalida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptiva, e perante a impossibilida<strong>de</strong> biológica <strong>de</strong> terem umfilho, não era inicialmente partilha<strong>do</strong> por ambos os pais, e foi resultante <strong>de</strong> circunstâncias muitoparticulares, não se constituin<strong>do</strong> como um projecto <strong>familiar</strong> <strong>de</strong> mútuo envolvimento emocional,pelo que as próprias motivações para a a<strong>do</strong>pção <strong>de</strong>vem ser alvo <strong>de</strong> uma leitura parcimoniosa, jáque parecem cumprir propósitos <strong>de</strong> compensação emocional <strong>do</strong> casal (“sempre fomos felizes,fomos buscar o João para completar a <strong>no</strong>ssa felicida<strong>de</strong>”). Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma a<strong>do</strong>pção legal, esegun<strong>do</strong> <strong>no</strong>s parece <strong>de</strong> uma a<strong>do</strong>pção psicológica, já que configura a projecção sobre a criança,não sen<strong>do</strong> biologicamente sua filha, <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s psicológicos que originaram e organizaram o<strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> filho, não <strong>no</strong>s parece, ainda assim, que se trate <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira filiação simbólica aqual <strong>de</strong>veria assentar em momentos partilha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> bem-estar, um sentimento <strong>de</strong> prazertransmiti<strong>do</strong> pelos pais. Ora, as <strong>de</strong>scrições <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> João não <strong>no</strong>s parecem revelar umaexperiencia parental <strong>de</strong> gratificação, facto que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se às expectativas que, apesar <strong>de</strong>negarem conscientemente ter estabeleci<strong>do</strong>, não viram cumpridas nesta criança que os <strong>de</strong>saponta,em virtu<strong>de</strong> da severida<strong>de</strong> <strong>do</strong> funcionamento psicopatológico – <strong>do</strong> qual dizem não ter si<strong>do</strong>avisa<strong>do</strong>s -, sen<strong>do</strong> o balanço entre os cuida<strong>do</strong>s empregues e o investimento percebi<strong>do</strong> e asgratificações daí resultantes senti<strong>do</strong> como <strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong> (“se fosse outro casal não tinha fica<strong>do</strong>com ele por causa <strong>do</strong> comportamento”). Efectivamente, ainda que indiquem também algoafectuosamente que se trata <strong>de</strong> uma criança bonita, meiga e extremamente carente, os paisreferem em diversos momentos que João é um meni<strong>no</strong> agressivo, impulsivo, irrequieto,provoca<strong>do</strong>r, mentiroso, com alterações <strong>de</strong> humor, ciumento, e inseguro. Indicam, igualmente,que a criança tem importantes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> socialização e <strong>de</strong> concentração.Em termos da dinâmica das relações intra<strong>familiar</strong>es salienta-se, na entrevista, a diferençana tomada <strong>de</strong> posições em relação à percepção <strong>do</strong>s comportamentos da criança e às estratégias <strong>de</strong>intervenção e educação parental. De facto, se a mãe afirma sentir maior agressivida<strong>de</strong> por parteda criança, o seu discurso, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong><strong>no</strong>ta alguma <strong>de</strong>sculpabilização <strong>do</strong> filho, quer porfactores atribuí<strong>do</strong>s às violentas experiências anteriores, quer por factores exter<strong>no</strong>s, comoprovocações <strong>de</strong> colegas, a incompreensão <strong>de</strong> alguns professores. O pai, por sua vez, ainda queclaramente investi<strong>do</strong> nesta criança, revela-se me<strong>no</strong>s tolerante e mais agressivo em relação a João,assumin<strong>do</strong> que as estratégias a que frequentemente recorre para lidar com a criança passam pelaviolência física (“<strong>do</strong>mesticar um animal”). Em qualquer <strong>do</strong>s casos, em ambos é evi<strong>de</strong>nte adificulda<strong>de</strong> em efectuar uma leitura <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s emocionais da criança e a falta <strong>de</strong> contingênciaentre as suas necessida<strong>de</strong>s e as respostas parentais, bem como uma falta <strong>de</strong> implicação <strong>no</strong>sacontecimentos e <strong>no</strong> esta<strong>do</strong> actual da criança. Relativamente às mudanças que a chegada <strong>de</strong> Joãotrouxe ao casal os pais admitem que a a<strong>do</strong>pção veio uni-los ainda mais. Destacam importantes210


diferenças entre o relacionamento com o pai e com a mãe, o qual é senti<strong>do</strong> como mais conflituale agressivo, facto que associam à relação diferenciada que João estabelece entre pessoas <strong>do</strong> sexomasculi<strong>no</strong> e femini<strong>no</strong> (“o comportamento <strong>de</strong>le com mulheres, com a parte feminina, é pior, érevoltante para ele”), segun<strong>do</strong> os pais <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às suas representações maternas maltratantes.Salientamos, igualmente, que, relativamente às circunstâncias <strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong> João,os pais consi<strong>de</strong>raram algo <strong>de</strong> positivo o contacto indiferencia<strong>do</strong> que a criança estabeleceu àpartida (“ligou-se logo a nós”), quan<strong>do</strong> sabemos que é necessário dar tempo para que a criançapossa projectar sobre aquelas pessoas os afectos liga<strong>do</strong>s à sua vivência pessoal <strong>de</strong> pai e <strong>de</strong> mãe, <strong>de</strong>forma a po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>signá-los posteriormente por esse <strong>no</strong>me.Entrevista com os paisΨ: “Vamos então dar inicio à entrevista. Uma vez que os senhores estão com o João <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osseis a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, gostaria <strong>de</strong> saber o que é que…”Mãe: “Quer dizer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seis a<strong>no</strong>s, veio ainda um mês antes <strong>de</strong> fazer os seis a<strong>no</strong>s.”Ψ:“Muito bem. Então que i<strong>de</strong>ia têm acerca <strong>do</strong> que foi a infância <strong>do</strong> João?”Mãe: “Eu tenho lá o relatório <strong>de</strong>le, era p’ra trazer. Ele foi maltrata<strong>do</strong> pela mãe, foi queima<strong>do</strong>com pontas <strong>de</strong> cigarro, era ata<strong>do</strong> a uma cama, comia pão com bolor, tinha cães, foi um meni<strong>no</strong>maltrata<strong>do</strong>.Ψ: “E portanto não sei se os senhores têm conhecimento da família biológica ou se souberam<strong>de</strong>stas informações através <strong>do</strong> Serviço <strong>de</strong> A<strong>do</strong>pção…”Pai: “Não, não, a gente não conhece os pais…”Mãe: “Sabemos só que a mãe se chama P e o pai T, mais nada.”Ψ: “Aquilo que os senhores sabem foi o que vos foi dito pelos técnicos e que constava <strong>no</strong>srelatórios…”Pai: “Sim, sim. Nos relatórios que a Segurança Social facultou à gente <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> João, eutenho tu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> o João foi retira<strong>do</strong> é que se passou a saber o que se tinha passa<strong>do</strong> com ele.”Ψ: “E ele tem recordação, fala convosco sobre a sua história?Pai: “Conta, conta…”Mãe: “A princípio contava muito”Pai: “Mas agora não quer falar sobre isso…”Mãe: “Ele diz que a família somos nós e a irmã M.”Ψ: “Porque é que eu coloco estas questões? Uma vez que era importante termos algumasinformações acerca <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> João, o andar, o falar, acerca da primeira infância<strong>de</strong>le...”211


Pai: “Não, não…”Mãe: “Isso não, não, não sabemos nada… Ele com três aninhos já andava que me disseram lá nainstituição, que com três aninhos ele ‘tava lá.”Ψ: “Foi quan<strong>do</strong> o João foi institucionaliza<strong>do</strong>?”Mãe: “Foi quan<strong>do</strong> a família foi lá roubar ele. O João ‘teve na casa da mãe até ao um a<strong>no</strong> epicos…”Pai: “A marta é mais <strong>no</strong>va que ele…”Mãe: “Praticamente até aos <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s ‘teve na casa da mãe, aos <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s ainda veio para ainstituição, que os vizinhos estranhavam que ela tinha mais filhos e só andava com a mais <strong>no</strong>va,que nunca mais o viam, e foi a participação das vizinhas que…”Pai: “A Marta tem me<strong>no</strong>s <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s que o João. Mas <strong>de</strong>pois ou foi a mãe ou foi a avó que oforam sacar <strong>de</strong> lá [da Instituição] ele voltou para casa…”Mãe: “’Teve lá até aos três a<strong>no</strong>s.”Pai: “E nesse perío<strong>do</strong> voltou a ter ligação com a irmã. Tanto que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>le na irmã é <strong>de</strong>staaltura em que regressou para a família…”Mãe: “Porque até o Tribunal tirar e não tirar levou até aos três a<strong>no</strong>s veja lá. Foi rapta<strong>do</strong> aos <strong>do</strong>is.E <strong>de</strong>pois aos três volta a ser coloca<strong>do</strong> na Instituição.”Ψ: “Foi na mesma Instituição?”Os <strong>do</strong>is: “<strong>Na</strong> mesma Instituição.”Mãe: “O pai <strong>do</strong> João só o foi ver uma vez e a mãe foi umas duas vezes ou três, e a avó é que foimais. Mas foram ver a casa e tu<strong>do</strong>, ‘tava uma <strong>de</strong>sgraça…”Ψ: “Mas sabem se era uma família nuclear?”Mãe: “Sei, foi um gran<strong>de</strong> erro da Segurança Social, embora ele ainda não saiba e possa a vir umadia ser revolta<strong>do</strong> por causa disso, mas é assim, o João, os pais moram <strong>no</strong> [localida<strong>de</strong>], e eu moro na[localida<strong>de</strong> muito próxima da anterior]. Eu já fui abordada a princípio <strong>no</strong> Jumbo…”Pai: “Até porque eu já ‘tive com o João praticamente quase <strong>no</strong> sítio em que ele habitou e ele nãotem i<strong>de</strong>ia, não se lembrou <strong>de</strong> nada, não sabia <strong>de</strong> nada.”Ψ: “E ele morava com quem nessa altura?”Mãe: “Com a avó, com a mãe, mas ele era fecha<strong>do</strong> num quarto.”Ψ: “E existiam irmãos antes <strong>de</strong>le?”Pai: “Há, há. Só não percebi como é que uma mãe tão jovem tinha tantos filhos?!”Ψ: “Era uma mãe jovem portanto.”Pai: “Tinha 16 a<strong>no</strong>s.”212


Mãe: “Mas era má…muita má. Ele fazia os xixis, fazia os cocós, tanto que ao principio ele não sechegava ao pé <strong>de</strong> um cão. E ele agora gosta é <strong>de</strong> cães pequeni<strong>no</strong>s, que cães gran<strong>de</strong>s, ui, temme<strong>do</strong>, põe-se ao longe.”Ψ: “Então se calhar po<strong>de</strong>mos começar por antes, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é que vem esta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptar?”Mãe: “Ele não queria, digo já, ele nunca quis…”Pai: “A minha mulher é açoriana e partiu <strong>de</strong>, <strong>de</strong>…”Mãe: “De uma visita que a minha prima fez surpresa.”Pai: “Portanto, fomos passar umas férias e houve uma visita a uma instituição on<strong>de</strong> haviacrianças e portanto, nessa altura houve uma criança que…”Mãe: “Se agarrou a ele…”Pai: “E eu fiquei sensibiliza<strong>do</strong> com aquilo…”Mãe: “Foi lhe pedir chocolates.”Pai: “Era a J, e a minha intenção era ir lá e tentar trazê-la.”Ψ: “Foi, portanto nessa altura, em que surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptarem uma criança.”Mãe: “Foi, que eu até an<strong>de</strong>i às voltas para trazer a menina. Eu ao tempo que andava a pensara<strong>do</strong>ptar. Ele não, porque ele teve um colega que teve uma menina, já tinha um quartinho e tu<strong>do</strong>,e <strong>de</strong>pois foram lá e tiraram a menina, mas também não ‘tava legal. Não tinha cabimento nenhumterem a menina sem estar legal. Isso nunca se faz. Apanha-se amor à criança…”Pai: “Depois, vim p’ra cá, mesmo cá ainda tentei trazer a menina porque ela tem família lá, faleiaté com o padre que era o director da instituição e ele começou a pôr problemas…”Mãe: “Não, ele disse «Por mim a criança ia já.».”Pai: “Mas começaram a pôr muitos problemas por causa da família e tu<strong>do</strong>. E eu acabei por<strong>de</strong>sistir.”Mãe: “Eu ainda liguei para lá, mas os Doutores ‘tavam a passar férias aqui, e eles disseram queera impossível porque eu não morava lá, era uma estupi<strong>de</strong>z e passa<strong>do</strong> um mês saiu a lei que já sepodia a<strong>do</strong>ptar em qualquer sítio. Eu então aí recebi uma carta que tinha lá um meni<strong>no</strong>, tinha queser também um meni<strong>no</strong>.”Ψ: “E tinham preferência, entre um meni<strong>no</strong> e uma menina?”Os <strong>do</strong>is: “Não, não.”Pai: “Era indiferente.”Mãe: “Ele tinha me<strong>do</strong>, mas foi porque a minha prima fez-me esta surpresa <strong>de</strong> ir ver meni<strong>no</strong>s auma instituição e aquela menina se agarrou a ele e era muito bonita, cabelo lin<strong>do</strong>, olhos pretos,loirinha, era muito gira e agarrou-se a ele e pediu-lhe chocolates e ele foi buscar.”Pai: “E foi a partir daí.”Mãe: “Foi. Depois quan<strong>do</strong> eu cheguei….”213


Pai: “Viemos p’ra cá, fomos à Segurança Social inscrever-se. E <strong>de</strong>pois, ao final <strong>de</strong> seis a<strong>no</strong>s,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanta espera, <strong>de</strong> tanta procura, <strong>de</strong> tantas entrevistas, já ‘tava naquela, já nem…”Mãe: “Já nem acreditava…”Pai: “Acabou. E um dia tocou o telefone e pronto, era o João.”Ψ: “E na altura o que é que vos disseram <strong>do</strong> João?”Mãe: “Disseram que era um meni<strong>no</strong>, para nós irmos lá e <strong>de</strong>pois fecha<strong>do</strong> numa sala, assim,<strong>de</strong>ram-me a fotografia…”Pai: “Não…”Mãe: “Não, não me <strong>de</strong>ram a fotografia e mandaram-<strong>no</strong>s ler o processo <strong>do</strong> João e nós lemostu<strong>do</strong>, e até foi ele primeiro, e eu até fiquei espantada com ele porque ele não queria e não sei quê,olhou p’ra mim e disse: «Custe o que custar, vamos fazer tu<strong>do</strong> para ficar com esta criança» e eudisse «E eu ‘tou contigo.». Por causa <strong>do</strong> que ele tinha passa<strong>do</strong>, nem vi fotografia nem nada, sóquis saber se ele era perfeito, porque é assim se fosse meu, eu tinha que me aguentar, mas já queeu ia buscar um meni<strong>no</strong>, ‘tá a perceber, Deus me per<strong>do</strong>e, mas eu também não tinha assim aquelavida, se eu fosse riquíssima digo-lhe já, eu não sei…”Ψ: “E portanto viram o processo <strong>de</strong>le…”Pai: “Falamos com a Segurança Social e fez-se uma proposta que foi esta: «Vão a<strong>do</strong>ptar omeni<strong>no</strong>, mas ele não po<strong>de</strong> ser recusa<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira nenhuma.»Mãe: “Mas ela errou, ela para mim errou, nunca me disseram que o João era difícil…”Pai: “Ele era difícil…”Mãe: “Disseram-<strong>no</strong>s que ele não tinha nada, que era um meni<strong>no</strong> bem comporta<strong>do</strong>, e mentiramme.Mas eu também não recusava que eu dizia, seja o que Deus quiser, estamos cá, nós fazemostu<strong>do</strong> por ele, tanto na escola como aqui e estou a fazer tu<strong>do</strong> por ele, eu e o meu mari<strong>do</strong>.”Pai: “Nós aceitámos o <strong>de</strong>safio…”Mãe: “Pois, mas podiam dizer a verda<strong>de</strong>, não é? Eu digo-lhe sinceramente, ele não andava bemna escola e os professores até <strong>de</strong>ram um conselho <strong>de</strong> o pôr num colégio. O meu mari<strong>do</strong> que digao que foi naquela casa naquele dia, eu já não jantei, eu já não <strong>do</strong>rmi, eu chorei tanto que <strong>no</strong> outrodia ‘tava toda inchada e era o meni<strong>no</strong> a chorar, tadinho, «eu não quero ir, eu não quero ir». E eudisse ao meu mari<strong>do</strong> «os professores não têm nada que te ligar para te dar esses conselhos».Então se eu fui buscar a criança a uma Instituição, que passou tanto, ia agora fazer uma coisa<strong>de</strong>ssas? Atão mas o que é isto?! O miú<strong>do</strong> não sai daqui, há-<strong>de</strong> ser o que Deus quiser, nem admitoa mais ninguém que me diga isso!Ψ: “E como é que foi o primeiro contacto, quan<strong>do</strong> conheceram o João?”Mãe: “Não passou muito tempo…”Pai: “Não, foi logo.”Mãe: “Depois <strong>de</strong> ver a fotografia e tu<strong>do</strong>…”Pai: “Marcámos um encontro e o encontro foi <strong>no</strong> Fórum.”214


Mãe: “O encontro foi lá, com elas.”Pai: “Fomos fazer uma visita ao Fórum com ele. Depois, ele gostou, consi<strong>de</strong>rou-<strong>no</strong>s logo ospais, começou a logo chamar e tu<strong>do</strong>…”Mãe: “Foi logo <strong>no</strong> primeiro dia. Pai. Ele até disse quan<strong>do</strong> chegou à Instituição, «Quan<strong>do</strong> é quevêm os meus pais <strong>no</strong>vos?». Este viu logo quem era, porque viu-o a espreitar mais a Dr.ª. Eu não,pensei que fosse uma das crianças que ‘tava a comer na mesa. E ele já ‘tava <strong>de</strong>spachadinho etu<strong>do</strong>. Parece que o ‘tou a ver, sempre ‘teve aquele jeitinho, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> <strong>no</strong> sofá e a gente foi logo láter.”Pai: “Ele veio para nós <strong>no</strong> dia 25 <strong>de</strong> Abril e <strong>de</strong>pois fui lá levá-lo à <strong>no</strong>ite. E <strong>no</strong> dia 27 <strong>de</strong> Abrilrecebo um telefonema. No dia 27 <strong>de</strong> Abril passou o dia con<strong>no</strong>sco.”Ψ: “De qualquer das formas o importante é como se sentiram nessa altura…”Mãe: “Ah, foi uma alegria. Ele é um meni<strong>no</strong> muito bonito…”Pai: “Foi logo um encanto à primeira vista.”Ψ: “Tinham i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> algum tipo <strong>de</strong> criança?”Mãe: “Não, não, por causa disso é que muitos pais estão tanto tempo à espera.”Ψ: “Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidiram a<strong>do</strong>ptar o que é que tinham em mente?”Mãe: “Eu pedi um meni<strong>no</strong> ou uma menina, o que viesse, mas que viesse com saú<strong>de</strong>, pronto,podia ser russa, inglesa, portuguesa, o que fosse.”Ψ: “E na sua imaginação, o que é que lá estava?”Mãe: (sorri) “<strong>Na</strong> minha imaginação, sem ver a fotografia nem nada, só <strong>de</strong> ler o processo, pensei:«Este meni<strong>no</strong> já passou tanto, não merece ter uns pais? Oh pá, vai ser o que Deus quiser.». Eestávamos os <strong>do</strong>is um com o outro, sempre fomos felizes. Fomos buscar o João para completar afelicida<strong>de</strong>. O João veio para mim, começou a comer <strong>de</strong>baixo da cama, fugia para <strong>de</strong>baixo dacama.”Ψ: “E como é que estava o João em termos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, da locomoção, da fala?”Mãe: “Sim, sim, <strong>no</strong>rmal. Era só a maneira <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>le…”Pai: “O comportamento…”Mãe: “Sim, o comportamento.”Pai: “O comportamento <strong>de</strong>le não é, não é…100%...”Mãe: “Mas digo-lhe uma coisa, seis a<strong>no</strong>s que o João ‘tá comigo, o João ao fim <strong>de</strong> uma semana sefosse preciso já não ‘tava com outro casal.”Ψ: “Acha que ele se apegou logo muito a vocês, é isso?”Mãe: “Ele apegou-se muito a nós, mas nem é por isso. Eu conheço uma senhora que a<strong>do</strong>ptouuns irmãos, e eles <strong>no</strong> inicio ‘tavam assim, muito agita<strong>do</strong>s e isso. Ao fim <strong>de</strong> uma semana não ficoumais com eles…”Pai: “Não suportaram, não é?”215


Mãe: “Foram-se embora, ela meteu-os lá. Eu não sou assim.”Ψ: “E existiu essa hipótese, <strong>de</strong> terem a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is irmãos?”Mãe: “Não, não, porque é assim… E daí, se fosse possível, a gente se calhar até trazia. Só quequan<strong>do</strong> nós fomos buscar o João já a irmã <strong>do</strong> João tinha si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ptada por um casal <strong>de</strong> [Concelhodistante], que e já liguei para eles, ela perguntou como é que eu sabia o <strong>no</strong>me <strong>de</strong>les e eu disse-lheque visse <strong>no</strong> processo da menina que <strong>de</strong>viam estar os meus da<strong>do</strong>s assim como eu tinha os <strong>de</strong>la <strong>no</strong>processo <strong>do</strong> João, para os irmãos po<strong>de</strong>rem comunicar.”Ψ: “E eles mostraram-se receptivos a essa i<strong>de</strong>ia?”Mãe: “Não.”Pai: “Eu já tentei ligar e eles não…e o João <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong> dá-me isso em cara.”Mãe: “O João dá-me isso em cara: «Vocês não querem que eu veja a minha irmã.». eu acho queisso é chantagem…”Pai: “Eu digo-lhe que um dia vamos conseguir, um dia vamos conseguir. Eu digo-lhe sempre: «Opai já te disse o que é que se passou, aconteceu isto assim, assim… Agora o que é que tu fazias?Eu não sei on<strong>de</strong> é que eles moram, tenho muitas portas p’ra bater»…Mãe: “Eu ainda quero ir a [localida<strong>de</strong>], e um dia <strong>de</strong>stes vou, só que em vez <strong>de</strong> ligar <strong>de</strong> casa, não, ese tiver a morada <strong>de</strong>les, ponho-me à porta e ligo para aquele número.”Pai: “Um dia, nas férias, quem sabe… Vamos dar uma voltinha e po<strong>de</strong> ser que apareçamos <strong>de</strong>surpresa.”Ψ: “E que modificações é que o João trouxe à vossa dinâmica <strong>familiar</strong>, à vossa relação comocasal, às vossas rotinas?”Mãe: “Ah, foi uma volta <strong>de</strong> 500, 800 graus para mim, mu<strong>do</strong>u a <strong>no</strong>ssa vida. Nós sempre saímosmuito, agora não sou capaz <strong>de</strong> ir a algum la<strong>do</strong> sem o meu filho, eu e o meu mari<strong>do</strong>. Eu, porexemplo, se fizer a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> casada, sei lá, às vezes precisamos <strong>de</strong> ter o <strong>no</strong>sso espaço, um com ooutro, ir jantar fora, eu não sou capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o meu filho, não sou, vai con<strong>no</strong>sco. Atão a gentevai buscá-lo para ele ficar com outros?!”Pai: “A diferença foi que parece que <strong>no</strong>s unimos ainda mais (riem-se)…”Mãe: “Agora é tu<strong>do</strong> p’ró filho, tu<strong>do</strong> p’ró filho, abrimos uma conta p’ra ele, mas o João não mexesem or<strong>de</strong>m minha.”Pai: “O abo<strong>no</strong> vai para lá, é <strong>de</strong>le.”Mãe: “O abo<strong>no</strong> e mais dinheiro que a gente põe. Pronto, a gente somos uni<strong>do</strong>s, somos, maspronto, mu<strong>do</strong>u um bocadinho, há sempre aquela coisa, somos muito felizes, graças a Deus, maso João tem-<strong>no</strong>s da<strong>do</strong> tanta ralação, tanta ralação.”Pai: “Mas ele comigo dá-se muito bem, eu para ele sou, sou… Com a mãe é diferente, talvezporque foi a mãe que lhe fez mal.”Mãe: “Mas para pedir alguma coisa ou assim é comigo, o pai não lhe faz as vonta<strong>de</strong>s como eu…Ele também me abraça muito…”216


Ψ: “E em termos <strong>de</strong> suporte social, <strong>de</strong> família extensiva por exemplo, os senhores têm famíliapor perto?”Pai: “Temos, temos… É tu<strong>do</strong> perto.”Mãe: “Oh sim, o João tem tu<strong>do</strong>. Aos sába<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>mingos, a minha sogra ’tá numa quinta e nósvamos para lá to<strong>do</strong> o dia, comer e beber.”Pai: “E ele ‘tá sempre a perguntar: «Quan<strong>do</strong> é que vamos à avó, quan<strong>do</strong> é que vamos à tia?».”Ψ: “E como é que foi com o João e esta família <strong>no</strong>va?”Mãe: “Foi logo, foi logo. Com a minha sogra foi avó, logo <strong>no</strong> primeiro dia: «Olá avó.».”Pai: “É uma família.”Mãe: “E a reacção <strong>de</strong>les a mesma coisa. Com os primos então… O meu sobrinho, primo <strong>de</strong>le,tem 20 a<strong>no</strong>s, é tal e qual o João, e o outro primo, é professor <strong>de</strong> educação física, é como se fossepsicólogo <strong>de</strong>le. É muito calmo, fala com ele: «eu não quero que faças mal à minha tia, não queroque a enerves, porque eu nunca fiz mal à minha tia, nem eu nem o meu irmão, e tu, ‘tás a fazerisso à tua mãe». Que eu fazia-lhe as vonta<strong>de</strong>s todas, comprava-lhe tu<strong>do</strong> como se fosse um filho,agora não, mas também já tem 24 a<strong>no</strong>s.”Pai: “Somos mesmo uma família!”Mãe: “Desculpe lá, mas há uma coisa que nós temos que, eu já disse ao meu mari<strong>do</strong>, que eu járeparei, o João é muito meigo, é a verda<strong>de</strong>, o João é muito meigo, mas é reguila, só que eu achoque o mal to<strong>do</strong> que ‘tá com o João é com a escola e é comigo. Quan<strong>do</strong> vai p’ra qualquer la<strong>do</strong>, seeu comprar uma peça <strong>de</strong> roupa para mim, tenho que comprar para ele, se eu comprar uns sapatosp’ra mim, tenho que comprar para ele, mas é só comigo, pe<strong>de</strong>-me tu<strong>do</strong> a mim, e eu tenho-lhefeito sempre as vonta<strong>de</strong>s, ‘tá aqui ele que diga. E o pai não faz um quarto.”Pai: “O João até na escola, o comportamento <strong>de</strong>le com mulheres, com a parte feminina, é pior, érevoltante p’ra ele…”Mãe: “Agora já ‘tá melhor…”Pai: “Eu já apresentei isso aos professores e eles concordaram comigo…”Mãe: “Mas ‘tá melhor.”Pai: “O comportamento <strong>de</strong>le com professoras é pior…”Mãe: “Ele veio p’ra nós ‘tava na primeira classe, lá na Instituição, mas não fazia nada, aprofessora metia-o a um canto…”Ψ: “E já fez o último perío<strong>do</strong> convosco, <strong>no</strong>utra escola…”Os <strong>do</strong>is: “Sim.”Pai: “O pouco tempo que ele ‘teve com o professor <strong>no</strong>tou-se logo…”Mãe: “Nem sabia fazer o A, o U, nem nada. Ele também era péssimo, livros rasga<strong>do</strong>s, tu<strong>do</strong>, massentia-se <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>. Em vez <strong>de</strong> o apoiarem, não, puseram-<strong>no</strong> a um canto.”Pai: “Ela não tinha capacida<strong>de</strong> para lidar com ele…”217


Mãe: “Não tinha mesmo…”Pai: “E eu digo-lhe mesmo, quan<strong>do</strong> o João veio, era difícil qualquer pessoa lidar com ele. O Joãoao princípio <strong>de</strong>u-<strong>no</strong>s um trabalhão! O João fazia-me passar <strong>do</strong>s carretos, nem imagina. Eramesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir, mas eu disse «não», eu aceitei este <strong>de</strong>safio, ele não há-<strong>de</strong> ser mais teimoso <strong>do</strong>que eu!”Mãe: “Ao princípio chorámos lágrimas <strong>de</strong> sangue com ele.”Pai: “Eu não tenho vergonha <strong>de</strong> dizer: bater <strong>no</strong> João tive que lhe bater, não ia lá <strong>de</strong> outramaneira, não ia lá com palavras, e castigar o João, mas ele não aceitava os castigos, foi muitodifícil…mas, tenho meia luta ganha.”Mãe: “Mas ainda hoje, o João não gosta muito <strong>de</strong> regras. Se eu disser: «João, não vai aocomputa<strong>do</strong>r.», eu saio e ele já ‘tá <strong>no</strong> computa<strong>do</strong>r. Chegou-me a empurrar, eu cheguei a ‘tar negraporque o João, era braços e pernas.”Ψ: “E é diferente em relação à mãe e ao pai?”Pai: “Sim, sim, a diferença é <strong>no</strong> comportamento.”Mãe: “No comportamento havia.”Ψ: “E quan<strong>do</strong> ele veio para casa, tinham um quarto pronto para ele…”Mãe: “De inicio não tínhamos, mas <strong>de</strong>pois as Dr.ªs não se calavam «tem que ter um quarto, temque ter um quarto», mas eu vi que tinha que tirar o móvel da sala, que era tão gira a minha sala,p’ra fazer um quarto p’ó João, e ficou muita giro, é maior que esta sala.”Pai: “E também não <strong>de</strong>morou muito…”Mãe: “Não, foi um mês, e <strong>de</strong>pois compramos a mobília <strong>de</strong>le, foi logo, teve tu<strong>do</strong>.”Ψ: “E o que é que ele achou <strong>do</strong> quarto?”Mãe: “Ficou to<strong>do</strong> contente. Depois meti lá o computa<strong>do</strong>r. Ele apren<strong>de</strong> sozinho, o João éinteligente. Eu continuo a dizer, o problema que eu tenho <strong>no</strong> João é ele não gostar <strong>de</strong> regras equeria que ele se aplicasse à escola e não faltasse às aulas, e por mim o João ‘ta cura<strong>do</strong>!”Ψ: “São as suas maiores preocupações…”Mãe: “É.”Ψ: “E o pai?”Pai: “O João ainda na semana passada faltou a duas aulas. É que ele vai à escola mas não vai àsaulas…”Mãe: “Ele tem o Ensi<strong>no</strong> Especial.”Pai: “Eu também digo aos professores, o que é que os pais po<strong>de</strong>m fazer? Eu não estou lá, eu nãoposso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trabalhar para ir tomar conta <strong>do</strong> João, pegar <strong>no</strong> braço <strong>do</strong> meu filho e levá-lo àsaulas. O João ‘tá <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas reuniões, porque o João não tem nenhumatraso, mas o Ensi<strong>no</strong> Especial não é só para meni<strong>no</strong>s atrasa<strong>do</strong>s. O João como era adianta<strong>do</strong>, eraavança<strong>do</strong> <strong>de</strong>mais, que o João não parava, também tem que ter o Ensi<strong>no</strong> Especial. Houve lá uma218


situação com uma professora, que o João agrediu um colega, e a professora não os conseguiuseparar, e ela queria que eu fosse imediatamente…”Mãe: “Ele cega, o João cega…”Pai: “E eu disse-lhe: «Oh minha Sr.ª, a Sr.ª sabe on<strong>de</strong> eu estou para me dizer uma coisa <strong>de</strong>ssas?Desculpe lá, mas a Sr.ª não tem capacida<strong>de</strong> para ser professora»…”Mãe: “Foi há coisa <strong>de</strong> três meses, antes <strong>do</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial.”Pai: “Eu levo duas horas a chegar aqui, que eu não tenho transporte próprio, «’Tou-lhe a dizerque a Sr.ª já me está a enervar, a Sr.ª não tem capacida<strong>de</strong> para ser professora. São vocêsprofessores a fazer alguma coisa, não sou eu.». Depois lá me pediu <strong>de</strong>sculpa, eu também lhe pedi<strong>de</strong>sculpa que ela enervou-me. Depois, sentamo-<strong>no</strong>s to<strong>do</strong>s, reunimos, e lá acharam que <strong>de</strong>via ter oEnsi<strong>no</strong> Especial, que eu já tinha dito que ele precisava <strong>de</strong> qualquer coisa. Ele teve um psicólogo,ao fim <strong>de</strong> três meses eu achei que ele ‘tava mais ou me<strong>no</strong>s…”Mãe: “Foi a pagar, particular…”Pai: “Deixa-me concluir. Teve um psicólogo na escola, e enquanto an<strong>do</strong>u lá <strong>no</strong> psicólogo acheique fazia me<strong>no</strong>s avarias, mas acabou o contrato e ele teve que ir embora. E a partir daí,<strong>de</strong>smoro<strong>no</strong>u, ficou muito pior <strong>do</strong> que o que estava, o João sentiu-se. É como quan<strong>do</strong> estamos a<strong>do</strong>mesticar um animal, <strong>de</strong>pois ele ainda não ‘tá <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>, damos-lhe liberda<strong>de</strong> ele fica aindamais selvagem <strong>do</strong> que o que estava.”Mãe: “E prometeram-<strong>no</strong>s mun<strong>do</strong>s e fun<strong>do</strong>s…”Pai: “<strong>Na</strong> escola. «Ah e vai haver, vai haver.», nunca houve. E eu disse: «Meus amigos, ou o Joãoentra num sistema aqui na escola, ou então, vocês não o seguram, eu não o seguro…», tinha quese fazer alguma coisa.”.Mãe: “Isto foi já <strong>no</strong> quinto a<strong>no</strong>, que eu ‘tava transplantada, não podia sair <strong>de</strong> casa…”Pai: “Ele repetiu o quinto a<strong>no</strong>.”Ψ: “Então como vieram parar à Unida<strong>de</strong>, o que vos fez procurar ajuda?”Mãe: “Porque foi assim: ele andava numa consulta pelo particular, uma psicóloga que eraespectacular, mas era 70 e tal euros e a gente não podia. E eu marquei uma consulta para ohospital para o João, para a obesida<strong>de</strong>, que o João engor<strong>do</strong>u muito.”Ψ: “E <strong>de</strong>sculpe interromper, mas quan<strong>do</strong> procuraram essa psicóloga, foi por vossa iniciativa…”Mãe: “Foi, foi, quer dizer, a minha cunhada que é cabeleireira e disse-me para ir lá por causa <strong>do</strong>scomportamentos <strong>do</strong> João, que ela conhecia a Dr.ª. Foi a partir <strong>do</strong> Garcia da Orta, da obesida<strong>de</strong>,que eu procurei à Dr.ª uma consulta <strong>de</strong> psiquiatria ou <strong>de</strong> psicologia que ele ‘tava a precisar e nãotinha um acompanhamento <strong>de</strong> semana a semana. E ela disse: «Deixe lá que a gente vai já tratar <strong>de</strong>marcar isso.», e foi assim. Marcaram para aqui, e eu falei com esta pe<strong>do</strong>psiquiatra porque naescola disseram que ele não tinha direito ao Ensi<strong>no</strong> Especial, mas a Dr.ª disse que sim, que eletinha direito, que ele era um meni<strong>no</strong> a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>, que já trazia problemas <strong>de</strong> maus-tratos. Ele eraum meni<strong>no</strong> muito meiguinho, mas tinha um problema, dizia aos meni<strong>no</strong>s to<strong>do</strong>s que eraa<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>. E eu dizia-lhe sempre: «Oh João, tu não estejas sempre a dizer que és a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>,porque eles <strong>de</strong>pois começam-te a tratar como inferior». Mas ele dizia, coitadinho. Então ele jurouque…os outros começavam a insultar e a provocá-lo, e a chamar <strong>no</strong>mes aos pais <strong>de</strong>le, e aprofessora castigava-o a ele, que ele chorou tanto na razão <strong>de</strong>le, que disse: «Tu vais pagá-las». O219


João ‘tá <strong>no</strong> Karaté, o João não me<strong>de</strong> as forças que tem, esperou por ele, rebentou-lhe a bocatoda, «Agora vai dizer ao teu pai porque é que eu te <strong>de</strong>ixei assim. Chamaste <strong>no</strong>mes à minha mãe,e eu não admito.». E ele não admite mesmo. Ainda <strong>no</strong> outro dia houve um que agarrou nele,atirou-o ao chão e começou-lhe a dar pontapés na cabeça. Ora, eu não posso correr por causa <strong>do</strong>coração, eu saio disparada pela porta, ceguei. Agarrei <strong>no</strong> miú<strong>do</strong>, ele espalhou-se logo. É que eu vitu<strong>do</strong>! «Se tu mais tocas <strong>no</strong> João, ‘tás feito comigo! Não é comigo, é com o pai <strong>de</strong>le!». “Ψ: “E como é em relação aos amigos, o João tem amigos preferenciais?”Pai: “O João…”Mãe: “O João tem, mas provocam-<strong>no</strong>…”Pai: “Mas o João também tem um problema, é um bocadinho provoca<strong>do</strong>r. Entra muitas vezesnuma <strong>de</strong> gozo. Eu conheço o João. O João é muito provoca<strong>do</strong>r, e por vezes na escola é naturalque haja essas coisas, e não é só o João, os miú<strong>do</strong>s são assim…”Mãe: “São cruéis…”Pai: “São mal-educa<strong>do</strong>s…”Mãe: “Preferência em amigos ele já não tem…”Pai: “Ele não tem amigos na escola.”Mãe: “É que além <strong>de</strong>le ser muito provoca<strong>do</strong>r, ele foi muito maltrata<strong>do</strong>, e <strong>de</strong>pois o João tem quese <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, ele é que é o mau da fita…que eu vou ver o meu filho à escola sem ele saber. E osprofessores também têm muita culpa, porque eles sabem que é que começa. O João com osprofessores não tem nada, é com as professoras que não têm categoria para lidar com o João.”Ψ: “Ele está a fazer algum tipo <strong>de</strong> medicação?”Mãe: “’Tá, ‘tá, que a Dr.ª receitou uns comprimi<strong>do</strong>s que ele já ‘tá a fazer.”Ψ:“E ele é receptivo à medicação, ele sabe porque é que está a tomar?”Pai: “Sim, ele toma tu<strong>do</strong>.”Mãe: “Sabe, sabe… Mas coitadinho, ele paga muito sem ter feito nada.”Pai: “Mas ele já está referencia<strong>do</strong>, é mais fácil…”Ψ: “Em termos das rotinas, quem é que o costuma acompanhar, como se organizam em função<strong>do</strong> João?”Mãe: “Sou eu, vou pô-lo e vou buscá-lo. Ele <strong>de</strong>pois tem o Futebol e o Karaté…”Ψ: “Portanto ele tem algumas activida<strong>de</strong>s extracurriculares durante a semana.”Pai: “Tem porque eu tive mesmo que o ocupar. Ao fim <strong>de</strong> semana às vezes tem os jogos <strong>de</strong>futebol, anda <strong>de</strong> bicicleta.”Mãe: “Ele gosta muito <strong>de</strong> sair, ir ao parque… Estamos com a família ao <strong>do</strong>mingo, esta rotinatambém é cansativa, mas também precisa <strong>de</strong> ter tempo para ele. Ele também nunca teve nadadisso. Ir passear, ir a um parque…”220


Pai: “Mas ele também não po<strong>de</strong> ter tu<strong>do</strong>, tem que ser coisas <strong>de</strong>vagar. É muito fácil as coisascaírem <strong>do</strong> céu sem ter o me<strong>no</strong>r esforço. Ele é chantagista, eu também sou, «portaste-te mal, vaisser castiga<strong>do</strong>».”Ψ: “O que é que ele mais gosta <strong>de</strong> fazer?”Mãe: “Se ‘tiver em casa é computa<strong>do</strong>r, se eu tiro há guerra, chora, pontapeia sozinho…porqueele também não po<strong>de</strong> estar sempre naquilo.”Ψ: “O João teve ou tem alguma <strong>do</strong>ença física?”Mãe: “Não, não…”Pai: “Não, é um meni<strong>no</strong> saudável. Pelo me<strong>no</strong>s con<strong>no</strong>sco nunca teve.”Mãe: “O problema <strong>do</strong> João é concentração e <strong>de</strong> resto, ‘ta tu<strong>do</strong> bem p’ra mim. «Tu estuda, temboas <strong>no</strong>tas, tens tu<strong>do</strong>, tem consola, tens Wii, tens tu<strong>do</strong> e não brincas com nada, é triste não éJoão?». Ele agora diz que tem lá um jogo, mas eu acho que ele ‘tá a mentir.”Pai: “Ele é muito mentiroso, é muito.”Mãe: “Ele já joga com os professores e comigo. Que eu já avisei os professores, e eu não tenhoproblemas que os professores lhe dêem um puxão <strong>de</strong> orelhas. Eles é que ‘tão o dia inteiro comele na escola.”Pai: “O João é capaz <strong>do</strong> melhor e <strong>do</strong> pior também.”Mãe: “E em termos da alimentação come, eu é que tenho <strong>de</strong> lhe cortar, come tu<strong>do</strong>!”Pai: “O João é muito guloso. O João não é esquisito <strong>no</strong> comer. Tem muito apetite.”Mãe: “Eu acho que quan<strong>do</strong> ele se enerva mais ele come.”Ψ: “Para terminarmos então…”Pai: “O João tem fases, em temos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> espírito. E é muito ciumento…”Mãe: “Agarra-se a mim, abraça-se a nós «eu amo-vos muito, vamos ser felizes?», «vamos serfelizes filho». Eu acho que o João tem partes que é muito criança e partes que é mais adulto.”Pai: “Tem partes em que ‘tá muito <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> até…”Mãe: “<strong>Na</strong>quela coisa da puberda<strong>de</strong>… Até já está a criar um bigo<strong>de</strong>zinho.” (sorri) “Eu às vezesdigo: «Oh João, tu um dia vais querer conhecer os teus pais?», «Não, o meu pai <strong>de</strong>ixou-me, este éque é o meu pai». «Oh João, o teu pai ficou com pena <strong>de</strong> ti na altura mas também nunca quissaber <strong>de</strong> ti. Se o teu pai fosse um pai verda<strong>de</strong>iro tu hoje estavas com ele.». O João tem muitosmimos. Eu para mim o mimo não tem nada a ver com o comportamento <strong>de</strong>le. Então um meni<strong>no</strong>que já foi tão maltrata<strong>do</strong>.”Pai: “Tenho lá os meus vizinhos, eles sabem dar o valor àquilo que temos sofri<strong>do</strong>, não tem si<strong>do</strong>fácil. Mas a luta compensa. Eu só quero que quan<strong>do</strong> crescer diga: «Se eu hoje sou homem, possoagra<strong>de</strong>cer aos meus pais.». Isso já é bom, e chega.”Ψ: “Pronto, ficamos então por aqui. Muito obriga<strong>do</strong> por terem aceite participar e pela vossadisponibilida<strong>de</strong>.”221


Resulta<strong>do</strong>s individuais - Statistical Package for Social Sciences (versão 19)Da<strong>do</strong>s socio<strong>de</strong>mográficos: Nível <strong>de</strong> Graffar: 3; Escolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais: Mãe – Ensi<strong>no</strong> Básico Preparatório, Pai – Ensi<strong>no</strong> Primário; Antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos: Mãe – acompanhamento anterior; Situação relacional parental: Casa<strong>do</strong>s; Situação profissional parental: Mãe – reformada, Pai – emprega<strong>do</strong>.Nota: Refere-se que o reduzi<strong>do</strong> número <strong>de</strong> participantes não permitiu conduzir testes estatísticosque indiquem se as diferenças manifestas são ou não significativas, pelo que a análise realizadaaos da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s é meramente <strong>de</strong>scritiva.Resulta<strong>do</strong>s da Escala <strong>de</strong> Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo <strong>do</strong>s pais -EMBU-CNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEMBU_Suporte1 3,50 3,50 3,5000 .Emocional_MãeEMBU_Rejeição_Mãe 1 1,88 1,88 1,8750 .EMBU_Tentativa <strong>de</strong>1 2,90 2,90 2,9000 .Controlo_MãeEMBU_Suporte1 3,50 3,50 3,5000 .Emocional_PaiEMBU_Rejeição_Pai 1 1,88 1,88 1,8750 .EMBU_Tentativa <strong>de</strong>1 2,90 2,90 2,9000 .Controlo_PaiValid N (listwise) 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção <strong>do</strong> paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 4,80 4,80 4,8000 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,00 1,00 1,0000 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_P 1 2,40 2,40 2,4000 .aiValid N (listwise) 1222


Resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção da mãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 4,80 4,80 4,8000 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,00 1,00 1,0000 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_1 2,20 2,20 2,2000 .MãeValid N (listwise) 1AnáliseOs resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> João reflectem a mesmatendência <strong>do</strong>s anteriormente analisa<strong>do</strong>s em Afonso, já que tanto a mãe como o pai indicam que adimensão <strong>de</strong> Cooperação é a que mais se salienta na sua relação parental conjugal (mãe: 4,8; pai:4,8), seguida da dimensão <strong>de</strong> Conflito (mãe: 2,2; pai: 2,2), a qual prece<strong>de</strong> a última e me<strong>no</strong>svalorizada, Triangulação (mãe: 1,0; pai: 1,0). Neste senti<strong>do</strong>, estes pais indicam sentir existir respeitomútuo enquanto tal, valorizan<strong>do</strong>-se e aceitan<strong>do</strong>-se um ao outro, ainda que para<strong>do</strong>xalmenteadmitam também com alguma relevância a existência <strong>de</strong> conflitos conjugais em tor<strong>no</strong> daparentalida<strong>de</strong>, <strong>no</strong>meadamente <strong>no</strong> que concerne à frequência com que os pais discutem ou estãoem <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> filho, aspecto que <strong>no</strong>s pareceu bastante evi<strong>de</strong>nte na entrevista com ospais, na qual as divergências eram consi<strong>de</strong>ráveis.Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção da mãe sobresi própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Mãe 1 4,53 4,53 4,5333 .Estilo autoritário Mãe_Mãe 1 2,83 2,83 2,8333 .Estilo permissivo Mãe_Mãe 1 2,60 2,60 2,6000 .Valid N (listwise) 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção da mãe sobreo paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Pai 1 4,60 4,60 4,6000 .Estilo autoritário Mãe_Pai 1 2,50 2,50 2,5000 .Estilo permissivo Mãe_Pai 1 2,80 2,80 2,8000 .Valid N (listwise) 1223


Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção <strong>do</strong> pai sobresi próprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Pai 1 4,60 4,60 4,6000 .Estilo autoritário Pai_Pai 1 2,83 2,83 2,8333 .Estilo permissivo Pai_Pai 1 2,20 2,20 2,2000 .Valid N (listwise) 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção <strong>do</strong> pai sobre amãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Mãe 1 4,87 4,87 4,8667 .Estilo autoritário Pai_Mãe 1 2,33 2,33 2,3333 .Estilo permissivo Pai_Mãe 1 2,80 2,80 2,8000 .Valid N (listwise) 1AnáliseA partir da observação das respostas <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> João ao Questionário <strong>de</strong> Dimensões eEstilos Parentais, os resulta<strong>do</strong>s da percepção <strong>do</strong> pai e da mãe sobre si próprios revelam valoresmuito expressivos na dimensão Autoritativo (= pai: 4,60; mãe: 4,53), bem como a percepção queestes têm sobre o estilo parental <strong>do</strong> seu cônjuge (= pai sobre a mãe: 4,86; mãe sobre o pai: 4,60).Ainda <strong>de</strong> referir é o facto <strong>de</strong> o pai perceber a esposa como mais permissiva (= 2,8) <strong>do</strong> queautoritária ( 2,33), contrariamente ao que percebe acerca <strong>do</strong> seu próprio estilo parental.Curiosamente, a mãe parece rever-se mais num registo autoritário (= 2,83) <strong>do</strong> que permissivo(= 2,60), avalian<strong>do</strong>, por outro la<strong>do</strong>, o seu cônjuge como mais permissivo (= 2,8) <strong>do</strong> queautoritário (= 2,5).Resulta<strong>do</strong>s da Escala <strong>de</strong> Preocupações ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Problemas <strong>familiar</strong>es e1 5,13 5,13 5,1250 .preocupações escolaresPP_Desenvolvimento1 4,00 4,00 4,0000 .InfantilPP_Comportamentos1 3,50 3,50 3,5000 .negativosPP_Preparação 1 6,00 6,00 6,0000 .PP_Me<strong>do</strong>s 1 5,00 5,00 5,0000 .Valid N (listwise) 1224


AnáliseAten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos resulta<strong>do</strong>s na Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais, as preocupações maisevi<strong>de</strong>nciadas pelos pais <strong>de</strong> João são as que remetem para o grau <strong>de</strong> Preparação (= 6) <strong>do</strong> seu filhopara situações <strong>do</strong> quotidia<strong>no</strong> escolar e <strong>familiar</strong>, a par das apreensões que <strong>de</strong>monstramrelativamente à existência <strong>de</strong> Problemas Familiares e Dificulda<strong>de</strong>s Escolares (= 5,12) - ainda que <strong>no</strong>spareça que esta elevação se <strong>de</strong>va maioritariamente às respostas <strong>no</strong> índice <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>sescolares.Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Práticas ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_1 3,00 3,00 3,0000 .Disciplina RígidaPráticas Parentais_1 3,33 3,33 3,3333 .Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong>Práticas Parentais_1 2,67 2,67 2,6667 .Disciplina InconsistentePráticas Parentais_1 4,38 4,38 4,3750 .ApropriadaPráticas Parentais_1 2,00 2,00 2,0000 .Expectativas ClarasPráticas1 2,78 2,78 2,7778 .Parentais_MonitorizaçãoPráticas1 2,80 2,80 2,8000 .Parentais_Parentalida<strong>de</strong>PositivaValid N (listwise) 1AnáliseAo serem questiona<strong>do</strong>s acerca <strong>de</strong> quais as estratégias e práticas a que mais recorrem <strong>no</strong><strong>de</strong>sempenho <strong>do</strong> seu papel parental, os pais <strong>de</strong> João admitem que privilegiam a utilização <strong>de</strong>Disciplina Apropriada (= 4,37), a qual inclui discutir com o filho um comportamento<strong>de</strong>sa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> da criança, tentan<strong>do</strong> perceber o motivo pelo qual aconteceu, ainda que utilizan<strong>do</strong>,também, comportamentos tipifica<strong>do</strong>s como constituintes <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong> (= 3,33), entre os quais se encontram os comportamentos expresso nas afirmações “Ásvezes é preciso zangarmo-<strong>no</strong>s a sério com os <strong>no</strong>ssos filhos para os ensinarmos a comportaremse.”ou “As crianças apren<strong>de</strong>m melhor quan<strong>do</strong> não sabem qual o castigo que os espera pelo seumau comportamento.”.225


História clínicaCaso TomásTomás, actualmente com oito a<strong>no</strong>s e três meses, vem à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria <strong>do</strong>Hospital Garcia <strong>de</strong> Orta, referencia<strong>do</strong> pela Creche, ten<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong> acompanhamentope<strong>do</strong>psiquiátrico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 2010, permanecen<strong>do</strong> actualmente em acompanhamentopsicológico semanal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010.<strong>Na</strong> origem <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> efectua<strong>do</strong> pela escola, aos 5 a<strong>no</strong>s, encontravam-se importantesdificulda<strong>de</strong>s ao nível <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento grafo-expressivo bem como gran<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> eirrequietu<strong>de</strong> psicomotora.Neste senti<strong>do</strong>, <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> pré-primário, e por sugestão da educa<strong>do</strong>ra, aos 5 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,Tomás realizou uma avaliação clínica já que foram i<strong>de</strong>ntificadas dificulda<strong>de</strong>s diversas ao nível dascompetências pessoais e sociais. Era <strong>de</strong>scrito pela educa<strong>do</strong>ra como uma criança reservada querevelava uma baixa auto-estima, contu<strong>do</strong> participativa e colaborante, ainda que com dificulda<strong>de</strong>sao nível da memorização, da atenção, concentração e representação e expressão gráficas, já que acriança não conseguia escrever o próprio <strong>no</strong>me nem se ingressava por tarefas que incluíssem aprodução gráfica (e.g. <strong>de</strong>senhos).Foi referencia<strong>do</strong> pela escola que frequenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> para oGrupo <strong>de</strong> Educação Especial para observação e avaliação, sen<strong>do</strong> na altura caracteriza<strong>do</strong> pelaprofessora como uma criança “imatura”, “muito infantil”, com dificulda<strong>de</strong>s em termos daauto<strong>no</strong>mia e responsabilida<strong>de</strong>, e com um discurso “pouco perceptível”, recorren<strong>do</strong>sistematicamente à <strong>do</strong>cente na procura <strong>de</strong> suporte, caso contrário “dispersa-se e começa assobiar,perturban<strong>do</strong> os outros colegas”. A área on<strong>de</strong> revela maior comprometimento é LínguaPortuguesa, visto que o Tomás apresentava “muitas dificulda<strong>de</strong>s na aprendizagem da leitura e daescrita”, ao nível da articulação e “pouca maturida<strong>de</strong> para as aprendizagens”. <strong>Na</strong> altura forama<strong>do</strong>ptadas estratégias <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> individualiza<strong>do</strong> com recurso a matérias mais lúdicos quepermitissem captar a atenção da criança.Os da<strong>do</strong>s anamnésicos indicam que se tratou <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> risco, vigiada, porémnão planeada, com a duração <strong>de</strong> trinta e oito semanas, nascen<strong>do</strong> a criança com 2,960 quilogramase 47 centímetros <strong>de</strong> comprimento.De acor<strong>do</strong> com informações mencionadas pela mãe, o funcionamento <strong>familiar</strong> écondiciona<strong>do</strong> por gran<strong>de</strong>s perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ausência paterna, por motivos profissionais (motorista <strong>de</strong>autocarros turísticos). Relativamente ao <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor da criança verifica-se que,em termos das competências motoras, a locomoção foi conseguida <strong>no</strong> tempo expectável (entreum a<strong>no</strong> e um a<strong>no</strong> e meio <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), porém <strong>de</strong>stacam-se importantes dificulda<strong>de</strong>s na articulação226


das palavras, ten<strong>do</strong> a criança começa<strong>do</strong> a falar tardiamente (pais não mencionam com certeza aida<strong>de</strong> em que tal aconteceu) e <strong>no</strong> controlo esfincteria<strong>no</strong>, com enurese <strong>no</strong>cturna que se prolongouaté ao primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> (aproximadamente seis a<strong>no</strong>s).Relativamente à dinâmica <strong>familiar</strong>, Tomás é o filho mais <strong>no</strong>vo <strong>de</strong> uma fratria <strong>de</strong> três,ten<strong>do</strong> uma irmã <strong>de</strong> 15 a<strong>no</strong>s e um irmão <strong>de</strong> 12, os quais, segun<strong>do</strong> o processo clínico da criança,por questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m temperamental, comportamental e dificulda<strong>de</strong>s escolares, são igualmenteacompanha<strong>do</strong>s na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pe<strong>do</strong>psiquiatria. Tomás esteve aos cuida<strong>do</strong>s da mãe até aoprimeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> vida, e até aos cinco a<strong>no</strong>s ao cuida<strong>do</strong> da avó paterna, momento em queingressou <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> pré-escolar, segun<strong>do</strong> a mãe com boa adaptação. O pai concluiu o segun<strong>do</strong>ciclo <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e a mãe o terceiro ciclo.Em avaliação cognitiva realizada recentemente verificou-se que, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos resulta<strong>do</strong>sobti<strong>do</strong>s na Escala <strong>de</strong> Inteligência <strong>de</strong> Wechsler para Crianças (WISC-III), Tomás apresenta umperfil cognitivo heterogéneo e bastante <strong>de</strong>sarmónico, com resulta<strong>do</strong>s globais que o situam muitoabaixo da média esperada para o grupo etário, verifican<strong>do</strong>-se alguma discrepância entre osresulta<strong>do</strong>s da escala verbal (com valores muito inferiores à média etária) e da escala <strong>de</strong> realização(com valores <strong>no</strong> limite inferior da média para a ida<strong>de</strong>).Ge<strong>no</strong>grama383714118Observação geralTrata-se <strong>de</strong> uma criança com um <strong>de</strong>senvolvimento estato-pon<strong>de</strong>ral concordante com asua ida<strong>de</strong> cro<strong>no</strong>lógica, <strong>de</strong> apresentação cuidada e contacto agradável, simpático, expressivo,comunicativo e apelativo. Estabelece um contacto algo indiferencia<strong>do</strong> e exibe um nível <strong>de</strong>compreensão e uma verbalização significativamente imaturos, com um discurso espontâneo,porém por vezes <strong>de</strong> difícil compreensão e um pouco idiossincrático, dada a gran<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong>apresentada e as dificulda<strong>de</strong>s articulatórias ao nível da linguagem. Durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> avaliaçãoTomás revelou-se interessa<strong>do</strong> e cooperante, com uma atenção captável e um comportamentoa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, ainda que com alguma irrequietu<strong>de</strong> psicomotora, particularmente perante situações <strong>de</strong>227


insucesso nas quais se <strong>de</strong>parava com dificulda<strong>de</strong>s ao nível da realização das mesmas, sen<strong>do</strong>necessário reforçar as suas competências para que prossiga e sinta me<strong>no</strong>s ansieda<strong>de</strong>.Entrevista<strong>Na</strong> entrevista procurou-se <strong>de</strong>ixar a criança o mais confortável e tranquila possível, paraque pu<strong>de</strong>sse falar um pouco <strong>de</strong> si antes da recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s para a investigação. Começa porcontar-me que na escola “é muito bom, ‘tou a fazer a letras bem, às vezes ainda faço a letragran<strong>de</strong>. Não tenho ‘tivida<strong>de</strong>s e isso”, indican<strong>do</strong> que Matemática é a sua disciplina favorita, bemcomo Estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Meio. Quan<strong>do</strong> procuro que fale um pouco acerca <strong>do</strong>s seus amigos refere quesão agressivos consigo, “dão-me porrada, alguns são maus e outros não, <strong>de</strong>ram-me um pontapé evomitei na escola”. Conta que tem uma namorada, que foi ao seu lanche <strong>de</strong> aniversário, com asua família. Em casa indica que “as coisas correm assim-assim”, mas não consegue explicarporquê, referin<strong>do</strong> apenas as cores associadas a cada comportamento. Refere-se ao pai dizen<strong>do</strong>que se encontra <strong>de</strong> castigo porque estragou o coman<strong>do</strong> da televisão, e à mãe indican<strong>do</strong> que “àsvezes chateia-me e <strong>de</strong>pois ela <strong>de</strong>ixa-me fazer tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>.”. Quan<strong>do</strong> for gran<strong>de</strong> Tomás dizque gostaria <strong>de</strong> ser bombeiro, polícia, <strong>do</strong>utor (“poque gosto <strong>de</strong> ajudar as pessoas”), professor enuma obra (“arranja-se, monta-se tu<strong>do</strong>”). Indica que <strong>do</strong>rme bem mas tenho “pobema <strong>no</strong> naiz,então sorro<strong>no</strong>”, contan<strong>do</strong>-me um sonho: “Há muito tempo eu sonhei que ‘tava monstros, vi umamão na janela, as calças <strong>do</strong> ma<strong>no</strong> parecia pena goda, mortos-vivos, múmia, muito assusta<strong>do</strong>r.”.Neste senti<strong>do</strong> diz ter me<strong>do</strong> <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> terror, “já fiz xixi na cama muito tempo, após os filmes,e já vomitei após comer muita coisa”. O que Tomás indica como activida<strong>de</strong>s preferenciais jogar“os jogos meus, poque o meu irmão agora os tempos não <strong>de</strong>ixa, poque ele é egoísta, muitoegoísta”.228


Desenho livre229


História“Sou eu, ‘tou a ver a relva, as nuvens e o sol, o sol não po<strong>de</strong> ver, faz mal aos olhos, só a lua, oparque, sóooo, e falta uma coisa: vingançaaaa, umas escadas e <strong>de</strong>pois um ‘correga.”Análise psicodinâmicaO <strong>de</strong>senho livre realiza<strong>do</strong> por Tomás trata-se <strong>de</strong> uma produção <strong>de</strong> traço inibi<strong>do</strong> eimaturo, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se, <strong>no</strong> entanto, pelo carácter dinâmico e alegre que as cores lhe conferem. Acriança recorre espontaneamente à cor e atribui uma tonalida<strong>de</strong> emocional expressiva e positiva àprodução, realizan<strong>do</strong> imagens adaptadas, organizadas e <strong>de</strong> natureza lúdica. Realizan<strong>do</strong> umaprodução na qual se representa, parece-<strong>no</strong>s, também, importante que a criança projectea<strong>de</strong>quadamente a sua i<strong>de</strong>ntificação ao sexo <strong>de</strong> pertença, através <strong>de</strong> uma figura humana harmónicae na sua maioria proporcional. Contu<strong>do</strong> parece verificar-se <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> significativo umadicotomia cheio/vazio a partir da utilização <strong>do</strong> preenchimento das figuras incluídas na produção.230


1º Desenho da figura humana (feminina)231


“Vou fazer a mim ou a ti, po<strong>de</strong> ser?”Questionamento:1. Quem é, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“É a Ana, tem um a<strong>no</strong>. Ela ‘tá a ver o céu é isso…’tou a pintar.”2. Qual foi o dia mais feliz da sua vida?“É ser <strong>do</strong>utora.”3. E o mais triste?”“É ser construtora.”4. Quan<strong>do</strong> for gran<strong>de</strong> o que quer ser?“Ser <strong>do</strong>utora.”5. Qual a parte mais bem <strong>de</strong>senhada?“Toda.”6. E a me<strong>no</strong>s?“As pe’nas”7. Conta-me uma boa recordação.“De um meni<strong>no</strong> que ela ‘tá ao pé agora e ela ‘tá a conversar com ele e a esquever muito bem.”8. E uma má.“Deixa ver… Duma caneta que ela levou para a escola e <strong>de</strong>pois guar<strong>do</strong>u <strong>de</strong>ntro da mochila e omeni<strong>no</strong> roubou e ele foi lá. Deu estalada, tirou a caneta, foi p’a casa e almoçou.”9. Ela é feliz?“É.”10. E saudável?“É, ela come piza às vezes, ela come fruta, pêro, laranja e banana tu<strong>do</strong> junto.”11. Mudavas alguma parte <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho?“Eu punha um sol e umas ‘penas maiores e eu vou pô isto, oia, o teu pé, ‘tá aleija<strong>do</strong>, tens umabubulha. ‘Tou elético, tenho as pilhas <strong>no</strong>vas, pus ontem e agora ‘tou a usar elas, ‘tão <strong>no</strong>vinhas emfolha, as outas explodiram.”12. Conta-me uma história sobre ela.“Era uma vez uma menina, tinha duas bubulhas e eram chatas. Ela ‘tava cheia <strong>de</strong> comichão, aoabaixar-se ‘pa coçar elas ela ficou com mais, mais comichão. E toda a gente gozava porquepensava que aquelas bubulhas eram os pés <strong>de</strong>la. «Pés gan<strong>de</strong>s, ah, ah, ah!». E mais a meninaabaixava-se ‘pa coçar via-se as cuecas e eles gozavam. E os pais <strong>de</strong>la levaram e foram ao hospitale o <strong>do</strong>utor disse: «Oh, oh, isto gan<strong>de</strong> pobema, pecisa <strong>de</strong> ficar 1000 dias <strong>no</strong> hospital». E passaram232


esses <strong>do</strong>is, 1000 dias e <strong>de</strong>pois o <strong>do</strong>utor disse pecisava <strong>de</strong> ficar 500 mais 500 mais 500, mais 1000em casa e a pessora ficou chata. E <strong>de</strong>pois ela nunca voltou à escola. Fim.”Análise psicodinâmica<strong>Na</strong> narrativa que acompanha a produção são evi<strong>de</strong>ntes as fragilida<strong>de</strong>s narcísicas, bemcomo o <strong>de</strong>sejo transferencial <strong>de</strong> estabelecer uma relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com a investiga<strong>do</strong>ra,oscilan<strong>do</strong> entre aspectos mais projectivos e mais biográficos, <strong>no</strong>s quais fala claramente <strong>de</strong> si.Tomás expressa, igualmente, através <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> discurso, a existência <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sregressivas <strong>de</strong> ser cuida<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>, num contexto <strong>de</strong> contenção parental, e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>aproximação a uma dimensão <strong>do</strong> pater<strong>no</strong> (balão com a indicação “pai” <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho). Em termosgráficos trata-se, uma vez mais, <strong>de</strong> uma produção significativamente imatura, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se oposicionamento da figura na folha, a qual parece remeter para uma representação <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo,e o intenso espaço em branco em tor<strong>no</strong> da mesma, um vazio representativo, porventura, <strong>do</strong>sentimento <strong>de</strong> vazio inter<strong>no</strong> da criança.233


2º Desenho da figura humana (masculina)234


Questionamento:1. Quem é esta pessoa/personagem, que ida<strong>de</strong> tem e o está a fazer?“É o ‘mora<strong>do</strong> da minha irmã, chama-se Ruben, é quesci<strong>do</strong>, muito, muito, muito, tem 1000 a<strong>no</strong>s,é a inventar e já morreu. ‘Tá a cair p’ó chão. Ele chama-se o Monstro, o Monstro Bolacha. Unsbaços gan<strong>de</strong>s p’a ele agarrar melhor!”2. Conta-me uma história sobre ele.“É o Ruben, ainda ‘tá <strong>no</strong>vo, tem 10 a<strong>no</strong>s. Ele ‘tá a comer as pessoas, ‘tá muito mauzão. Chegou acasa, fez um buraco, foi lá p’a <strong>de</strong>ntro. A mãe <strong>de</strong>le diz: «Já trouxeste comida?», «Não, esqueci-meda comida que eu ‘tava a comer.». Depois foi lá p’a fora, apanhou pessoas, pôs <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umsaco, muitas lá p’a <strong>de</strong>ntro. Tirou todas as pessoas, todas, todas, todas, e ficou tu<strong>do</strong> vazio. Foi láp’a <strong>de</strong>ntro e <strong>de</strong>u a comida à mãe p’a ela fazer a comida. Cortou a cabeça e comia, o resto era p’ófilho. Ele foi apanhar uma couve e essa couve era a palmeira, pôs lá <strong>de</strong>ntro a couve p’a jantar.Acabou. Fim da história.”Análise psicodinâmicaRelativamente às características grafo-expressivas, a produção <strong>de</strong> Tomás perante asolicitação <strong>de</strong> uma figura humana masculina parece conter uma intensa inquietação.Efectivamente, ainda que manten<strong>do</strong> as características <strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> com que realizou os<strong>de</strong>senhos anteriores, a violência <strong>do</strong> traça<strong>do</strong> que confere à figura parece <strong>de</strong><strong>no</strong>tar a intensida<strong>de</strong> daangústia interna, também comunicada através da narrativa, <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, voltan<strong>do</strong> a verificar-sea dicotomia cheio/vazio. O sol, que parecia comportar calor e uma co<strong>no</strong>tação positiva eagradável, é bruscamente risca<strong>do</strong>, parecen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senho invadi<strong>do</strong> pela força pulsional nãomentalizada. O discurso, por outro la<strong>do</strong>, per<strong>de</strong> a sua coerência, tornan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong> econtamina<strong>do</strong> pelo processo primário <strong>de</strong> pensamento, incluin<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>s arcaicos <strong>de</strong> umaagressivida<strong>de</strong> oral. Refere-se, ainda, que a partir da narrativa parecem-<strong>no</strong>s existir zonas <strong>de</strong> algumaconfusão <strong>do</strong> pensamento, não só quase como se fosse para si expectável que o outro percebesseo que ele está a pensar (o que revela a fragilida<strong>de</strong> das fronteiras que <strong>de</strong>limitam Eu/Outro,<strong>de</strong>ntro/fora), mas também a contaminação entre os conteú<strong>do</strong>s provenientes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>fantasmático e da realida<strong>de</strong>.235


Desenho da família segun<strong>do</strong> CormanFamília Real236


“Hoje não ‘tou bem, hoje vomitei, escola e carro. Eu como muito e <strong>de</strong>pois an<strong>do</strong> <strong>de</strong> carro e<strong>de</strong>pois aquilo vira muito e a estrada abana muito.” Desenha uma figura. “Posso dizer o <strong>no</strong>me?[diz o seu <strong>no</strong>me completo]. O <strong>no</strong>me <strong>de</strong>le <strong>no</strong> fim é Pinóquio. Não sei se consigo… A mãe…vai ficarcinzenta, toda. O pai. A minha imã, e meu imão, ele é o mais maior <strong>de</strong> mim.”Questionamento:1. Quem são estas personagens? Como se chamam e que ida<strong>de</strong> têm?“Pai, M., tem 71 a<strong>no</strong>s. A mana, N., 15 a<strong>no</strong>s. O ma<strong>no</strong>, A., tem 11 ou 12 a<strong>no</strong>s. O Tomás tem 8a<strong>no</strong>s. E a mãe, F., 12 a<strong>no</strong>s.”2. O que está a acontecer? Porquê?“’Tão a bincar comigo, ali a paia.”3. Quem é o mais feliz e o me<strong>no</strong>s feliz? Porquê?“Mais feliz sou eu, poque eu gosto <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>. Me<strong>no</strong>s feliz é a minha irmã e o meu irmão, poqueeles pensavam que era só os <strong>do</strong>is e nasceu mais um, que era eu. ”4. Quem é o mais simpático e o me<strong>no</strong>s simpático? Porquê?“Mais simpático? Ninguém. Só a mãe poque o pai é mau, é assim-assim, a mana é muito, muito,muito má, o A. é bom, mais ou me<strong>no</strong>s mau. O pai é o me<strong>no</strong>s simpático. Poque ele, eu ‘toucastigo e não posso jogar <strong>no</strong> fim.”5. Quem manda mais e quem manda me<strong>no</strong>s? Porquê?“O pai manda mais poque ele é um totó. A mãe manda me<strong>no</strong>s, ela é esperta e é linda, compatu<strong>do</strong>.”6. Se to<strong>do</strong>s fossem dar um passeio <strong>de</strong> carro e um <strong>de</strong>les não coubesse, quem ficaria <strong>de</strong>fora?“A N., ela fica sempre em casa.”7. Se uma das crianças se portasse mal, qual <strong>de</strong>las seria? Como seria castigada? Porquem?“O meu imão, a minha imã e eu. Eu sou pior <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, poque falo, falo, falo, fazer o <strong>de</strong><strong>do</strong>.Castigo…ficar o quarto e não saí <strong>de</strong> lá mais. Eu já fiquei esse castigo e fiz xixi nas calças.”8. História“Era uma vez uma família…mais? Uma família feliz, assim-assim e zangada. Eles <strong>no</strong> primeiro diaque disseram olá a uma pessoa zangaram-se. Eu ‘tava ali e parei a zangada <strong>de</strong>les e eu salvei o dia.Acabou a história.”237


Análise psicodinâmicaA análise da maneira como a criança se projecta <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho da família forneceimportantes da<strong>do</strong>s acerca da sua personalida<strong>de</strong>, da estrutura <strong>do</strong> Id, <strong>do</strong> Ego e <strong>do</strong> Superego, sobreo conflito entre essas instâncias, bem como sobre o mo<strong>do</strong> como esta percebe as relações da suaconstelação <strong>familiar</strong> (Corman, 2003). Neste senti<strong>do</strong>, verificamos que a figura mais investida, jáque colocada numa posição central, a única com recurso à cor (pelo que reflecte maiorexpressivida<strong>de</strong>) e a que Tomás realiza em primeiro <strong>lugar</strong>, trata-se <strong>de</strong> uma representação <strong>de</strong> si,sen<strong>do</strong> este investimento revela<strong>do</strong>r das suas necessida<strong>de</strong>s narcísicas <strong>de</strong> valorização, atenção eafecto pelos restantes membros da família. No mesmo senti<strong>do</strong>, uma vez que os laços que acriança estabelece entre as personagens, na sua projecção gráfica, revelam o mo<strong>do</strong> comoinconscientemente percebe as relações intra<strong>familiar</strong>es, parece verificar-se uma <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong>irmão, coloca<strong>do</strong> na produção abaixo das restantes figuras, levan<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s a pon<strong>de</strong>rar que a criançamantém um relacionamento pelo me<strong>no</strong>s difícil com esta figura. Efectivamente, sen<strong>do</strong> comum,<strong>no</strong>rmal e constituin<strong>do</strong>-se por um <strong>do</strong>s mais importantes propulsores <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento infantil(Corman, 2003), a rivalida<strong>de</strong> fraterna parece um <strong>do</strong>s movimentos assinaláveis <strong>no</strong> <strong>de</strong>senho dafamília <strong>de</strong> Tomás. A <strong>no</strong>sso enten<strong>de</strong>r esta parece relacionar-se com a necessida<strong>de</strong> que a criançatem da exclusivida<strong>de</strong> da relação dual com o objecto mater<strong>no</strong>.Por outro la<strong>do</strong>, na distribuição das figuras pelo espaço disponível, o distanciamento <strong>do</strong>spais parece-<strong>no</strong>s evi<strong>de</strong>nte, sen<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong>s em la<strong>do</strong>s opostos da folha, quer po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> revelar aexistência <strong>de</strong> conflito entre ambos, quer correspon<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>sejo inconsciente <strong>de</strong> separar o casal,reflectin<strong>do</strong> a rivalida<strong>de</strong> edipiana. <strong>Na</strong> produção é, igualmente, perceptível o <strong>de</strong>samparo, afragilida<strong>de</strong>, a falta <strong>de</strong> uma base que confira suporte, protecção e segurança, através da distribuiçãodas figuras na folha. Assinala-se, ainda assim, que Tomás parece ter integrada a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong>estrutura <strong>familiar</strong> bem como das diferenças <strong>de</strong> género, o memo não suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> com adiferenciação geracional.<strong>Na</strong> narrativa <strong>de</strong>staca-se a representação <strong>de</strong> que veio perturbar a harmonia da dinâmica<strong>familiar</strong>, <strong>de</strong>signadamente na fratria, com o seu nascimento. De igual mo<strong>do</strong>, a criança pareceperceber a existência <strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto <strong>familiar</strong>, a qual é magicamente resolvida porsi. Referem-se, ainda, os movimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização da mãe e <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> para com o pai, e aexistência <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação, indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> importantes falhas narcísicas.238


Children’s Apperception Test – animal version1.“Era uma vez uma galinha. E ela ‘tava a aquecer três ovos e <strong>de</strong>pois eles partiram-se e vieram <strong>do</strong>ispintainhos e <strong>de</strong>pois um não partiu-se e <strong>de</strong>pois a galinha ‘tava a ver que o ovo não ‘tava a pati-se.Esperou, esperou, esperou… O ovo ainda não continuou a pati-se. O primeiro dia <strong>no</strong>vo viu-se agalinha viu o ovo e ‘tava com uma racha. E ficou com mais três rachas, ficou mais quatro rachase essas rachas abriram o ovo. E <strong>de</strong>pois saiu o pintainho mais feio e toda a gente viu o pintainhomais feio e gozavam com ele, e picavam… E <strong>de</strong>pois ele fugiu da quinta e viu uma casa, longe daquinta. Ele foi a correr, correr, correr, e chegou à casa. Viu a casa com fumo e pensou assim:«’Tão fazer comida!». Ele foi lá, bateu à porta, abriram a porta e viu um homem e o homem disseassim: «Quem é você? Estás aon<strong>de</strong>?». E o pintainho disse assim: «Eu ‘tou aqui em baixo!». E ohomem disse assim: «Ah, és um pintainho, fugiste da quinta. Não vaias para o frio, vai aqui p’ra<strong>de</strong>ntro.». E <strong>de</strong>pois o pintainho foi lá p’ra <strong>de</strong>ntro e viu um frango. «Hum…» disse assim opintainho «isto é bom!». Chegou ao pé <strong>do</strong> frango e só viram as pessoas todas, ele a correr, acomer aquilo tu<strong>do</strong>. E as pessoas viram o frango já ‘tava to<strong>do</strong> limpo. E disseram assim: «Ah, estepintainho está cheio <strong>de</strong> fome!». E <strong>de</strong>pois puseram ele em cima <strong>de</strong> uma cama e <strong>de</strong>pois só viram elea <strong>do</strong>rmir e cheio <strong>de</strong> arrotos. Viram só ele a tirar bué da comida e sair da casa, voltar para a quinta.Chegou lá a mãe <strong>de</strong>le e disse: «Fostes aon<strong>de</strong>? ‘Tava sempre a chamar por ti.». À volta da quintachegaram os outros irmãos e disseram assim: «Tens o quê <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse saco?». E disse assim ele,o pintainho «Tenho tanta comida vocês ficam com a barriga cheia!». E eles disseram «Põe aquineste prato, vamos comer os três.». «’Tá bem, vou pôr nesta caneca e vamos comer toooo<strong>do</strong>s,vamos fazer uma festa!». «Festa, festa, festa, festa, festa!». E <strong>de</strong>pois fizeram festa. Toda a gente‘tava a comer tantos bolos, tantos frangos e <strong>de</strong>pois acabou a festa e viram o pintainho mais feio edisseram assim «Espera lá! Ele agora é gran<strong>de</strong>!». Como ele ficou tão gran<strong>de</strong> e olhou para oespelho e viu ele próprio: «Oh não, gran<strong>de</strong>s batatas cozidas, eu agora ‘tou gran<strong>de</strong>». E fim!”Procedimentos fundamentais:IFI – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem;IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;RE3 – insistência <strong>no</strong>s suportes (em falta);IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções.239


Análise da narrativa:No cartão que remete para uma relação com a imagem materna da or<strong>de</strong>m da oralida<strong>de</strong>,Tomás recorre a um tema <strong>do</strong> imaginário infantil, porém construin<strong>do</strong> a sua própria narrativa, naqual se verifica que a criança evoca a representação <strong>de</strong> um imago mater<strong>no</strong> que não cuida e nãoprotege, não se encontran<strong>do</strong> a ela associada qualquer ressonância afectiva. Efectivamente, apersonagem com a qual Tomás parece i<strong>de</strong>ntificar-se trata-se <strong>de</strong> um pintainho sozinho, vulnerável,<strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong> e excessivamente autó<strong>no</strong>mo. A gratificação alimentar que <strong>de</strong>veria encontrar-seassociada a uma representação materna provém <strong>de</strong> uma figura masculina externa à imagem e àdinâmica <strong>familiar</strong> - procura o alimento, e simbolicamente a protecção, a gratificação e acontenção fora <strong>do</strong> contexto <strong>familiar</strong>. Destaca-se, por outro la<strong>do</strong>, a gran<strong>de</strong> avi<strong>de</strong>z alimentar e porconseguinte relacional <strong>de</strong>monstrada pelo personagem pintainho. Verificam-se importantes falhasnarcísicas, manifestas a partir da i<strong>de</strong>ntificação ao pintainho mais feio, mais <strong>de</strong>sinvesti<strong>do</strong>, me<strong>no</strong>scuida<strong>do</strong> e humilha<strong>do</strong> pelos restantes. A narrativa reflecte a percepção <strong>de</strong> um ambiente <strong>familiar</strong>pouco contentor e afectuoso, o qual leva o personagem pintainho a fugir. Parecem igualmenteconstar referências a núcleos <strong>de</strong>pressivos e <strong>de</strong> maior fragilida<strong>de</strong> (frio, solidão) e também questõesrelacionadas com a rivalida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto da fratria. A criança evoca, ainda, questõesrelacionadas com o crescimento, funcionan<strong>do</strong> este como forma <strong>de</strong> reparação narcísica.Verificam-se dificulda<strong>de</strong>s <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> auto<strong>no</strong>mia e crescimento – <strong>de</strong>ixar a fase regressiva(<strong>de</strong>ixar o ovo), na relação precoce, <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se auto<strong>no</strong>mizar mas necessida<strong>de</strong>s regressivas. Acriança evi<strong>de</strong>ncia um movimento <strong>de</strong> gratificação <strong>familiar</strong>, <strong>do</strong> mater<strong>no</strong> e <strong>do</strong> frater<strong>no</strong><strong>de</strong>signadamente, como forma <strong>de</strong> se narcisar aos seus olhos.2.(…) “Era uma vez três lobos: um rapaz, uma rapariga e um meni<strong>no</strong>. Eles ‘tavam sempre a tirar acorda aos outros e a quererem ficar com ela. Então o rapaz disse: «Vamos fazer uma luta dacorda! Vamos buscar as outras cordas e ver quem ganha, raptar mais homens, mais ursos da tuaequipa. E tu tentas tirar mais homens teus!». E eles disseram «’Tá bem.» e foram buscar maishomens. Viram uma coisa: tanta água em cima <strong>do</strong>s pés <strong>de</strong>les. E viram a água ‘tava tanto a crescerque eles ‘tavam quase a ficar sem ar. E <strong>de</strong>pois pararam, a menina já ‘tava a ficar sem ar e omeni<strong>no</strong> ‘tava a ficar pior. O urso maior não ‘tava a ficar com pouca água e <strong>de</strong>pois o lobo foi lá,puxou, puxou, puxou, puxou, puxou, puxou e conseguiu! Conseguiu e a água ‘tava a <strong>de</strong>scer, a<strong>de</strong>scer, e a menina viu-se a morrer e o meni<strong>no</strong> ainda ‘tava um bocadinho vivo. Ele viram quemganhou: quem ganhou foi o urso maior e o meni<strong>no</strong> caiu ao chão. O meni<strong>no</strong> <strong>de</strong>pois morreu e o240


urso ficou feliz porque já não havia mais conversa com eles. Os homens da menina e <strong>do</strong> meni<strong>no</strong>morreram to<strong>do</strong>s. Os <strong>do</strong> meni<strong>no</strong> viveram só três. E <strong>de</strong>pois fim.”Procedimentos fundamentais:IF7 – fabulação longe <strong>do</strong> cartão;IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções;OC9 – perturbações da sintaxe, perturbações da organização temporal;IF9 – confusão i<strong>de</strong>ntitária;IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva.Análise da narrativa:<strong>Na</strong> presente narrativa verifica-se que Tomás não efectua os movimentos <strong>de</strong> triangulaçãoedipiana subjacentes à temática latente <strong>do</strong> cartão, não conseguin<strong>do</strong> criar laços entre os diversospersonagens. Efectivamente, po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar que a intensa inquietação que se verifica <strong>no</strong>discurso elabora<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> tal que perturba o processo associativo o qual é inva<strong>do</strong> pelo processoprimário <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong>ver-se-ia precisamente ao confronto com a conflitualida<strong>de</strong> ligada àrelação triangular pais-filhos já que a criança <strong>do</strong>ta os personagens <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> género e <strong>de</strong>alguma diferenciação pela sua dimensão. Porém, verifica-se que a angústia parece encontrar-seligada a fantasmas <strong>de</strong>strutivos, <strong>de</strong> tal forma que surgem representações relacionadas com a mortee a <strong>de</strong>struição <strong>do</strong>s percebi<strong>do</strong>s como mais fracos.3.“Era uma vez um rei, chamava-se o rei capitão. Ele <strong>de</strong>pois viu um rato e pensou assim: «Ah,espera lá, este rato ‘tá-me sempre a chatear!». E <strong>de</strong>pois foi apanhá-lo, o rato. Bateu com a cabeçaa uma menina. A menina era tão gira que o coração <strong>de</strong>le bateu tanto, tanto. E essa menina vai sera rainha e eles viveram felizes e fim. (Quem gostaria <strong>de</strong> ser?) O rato porque ele é pequeni<strong>no</strong> e po<strong>de</strong>sair por buraquinhos.”Procedimentos fundamentais:IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções;OC9 – perturbações da sintaxe, perturbações da organização temporal;OC10 – ligações arbitrárias, associações curtas.241


Análise da narrativa:No presente cartão, o qual é geralmente associa<strong>do</strong> à representação <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong>,dada a saturação <strong>de</strong> elementos fálicos, a narrativa <strong>de</strong> Tomás parece abordar o conflito edipia<strong>no</strong>com o progenitor <strong>do</strong> mesmo sexo, sen<strong>do</strong> reconhecida a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rivalizar e asuperiorida<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> paterna. Efectivamente, a nuance edipiana materializa-se na presença<strong>de</strong> uma personagem feminina que não figura na imagem e que vem a ser a rainha <strong>do</strong> leão-pai queé rei e que elimi<strong>no</strong>u o rival, reconhecidamente imaturo, rato. Refere-se, ainda, que o personagemrato é eleito como figura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. O confronto da relação rato e leão parece tê-lo<strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong>, e sempre que se verifica um conflito Tomás não parece ter recursos para seconfrontar e os resolver. Destaca-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gratificar o mater<strong>no</strong>, uma forma <strong>de</strong>compensação narcísica <strong>do</strong> filho e a dificulda<strong>de</strong> em ace<strong>de</strong>r ao pater<strong>no</strong>.4.“Era um lin<strong>do</strong> dia, a mãezinha com o filho e com a bebé. A mãe tinha um saquinho, compoucoisas. A bebé tinha um balão. O filho tinha uma bike. Eles estavam a andar e foram para casa.No meio <strong>do</strong> caminho apareceu um lobo. O lobo era bom. Eles disseram: «Então lobo, o que éque estás aqui a fazer?». E o lobo disse «Eu ‘tou à procura <strong>de</strong> comida.». «Então toma lá umasan<strong>de</strong>s.». O lobo foi embora e eles foram para casa, a porta ‘tava aberta e ‘tava só o pai a comertanta coisa.”Procedimentos fundamentais:IFI – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem;RE1 – recurso à evidência, apego ao conteú<strong>do</strong> manifesto;OC1 – <strong>de</strong>scrição com apego aos porme<strong>no</strong>res;IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções.Análise da narrativa: oralida<strong>de</strong> na mãe,Remeten<strong>do</strong> para a relação com a imagem materna e eventualmente para a conflitualida<strong>de</strong>relativa à rivalida<strong>de</strong> fraterna, <strong>no</strong> presente cartão a narrativa elaborada por Tomás encontra-senum nível mais <strong>de</strong>scritivo, através da enumeração <strong>do</strong>s personagens e <strong>do</strong>s seus atributos. Noentanto, através das personagens que são mencionadas <strong>no</strong> discurso sem fazerem parte daimagem, a temática da oralida<strong>de</strong> vem <strong>no</strong>vamente a ser evocada. Por outro la<strong>do</strong>, a narrativa evocauma representação <strong>de</strong> um imago pater<strong>no</strong> insatisfeito, à semelhança <strong>do</strong>s restantes elementos dafamília, os quais são evoca<strong>do</strong>s sem ressonância afectiva.242


5.(…) suspiraOs <strong>do</strong>is bebés. Os <strong>do</strong>is bebés estavam sozinhos, ninguém ‘tava lá. Então a casa <strong>de</strong>les era só paraeles! Então eles foram buscar comida. Então disseram «Espera aí, pecisamos o leite!». «Boa i<strong>de</strong>ia,vamos buscar o leite!». Chegaram ao leite, buscaram e foram dar, puseram os chereais e<strong>de</strong>spejaram o leite. Eles acabaram <strong>de</strong> comer os chereais, chegaram à cama e disseram assim os<strong>do</strong>is: «Eu vou fazer uma sesta! Eu bambém!». Já ‘tá.”Procedimentos fundamentais:OC8 – escotoma;OC6 – <strong>de</strong>negação;IF3 – encenações, diálogos, importância dada às interacções;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção.Análise da narrativa:Para <strong>de</strong>fensivamente não se confrontar e não evocar representações relacionadas com atemática da relação parental e com a cena primitiva, a narrativa elaborada por Tomás escotomizaa presença <strong>do</strong> casal parental. Por outro la<strong>do</strong>, a criança evoca uma representação <strong>do</strong>s personagensbebés enquanto sozinhos e <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> autó<strong>no</strong>mos para a sua condição. Salienta-se, ainda, arepetida referência a temáticas relativas às necessida<strong>de</strong>s orais <strong>de</strong> gratificação.6.“Hum… Hoje era bom dia. A ursa mamã foi lá fora e viu ‘tava bom, bom, bom, bom dia! O bebéfoi atrás <strong>de</strong>la e foram à loja. Chegaram à loja e foram comparar ceiais. Chagaram à loja, à casa, e<strong>do</strong>rmiram outra soneca. E acabaram essa soneca, foram comer os ceiais. E fim.”Procedimentos fundamentais:EI1 - restrição <strong>do</strong> discurso;RE2 – recurso aos <strong>lugar</strong>es-comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, aofazer;OC8 – escotoma.243


Análise da narrativa:A elaboração da conflitualida<strong>de</strong> edipiana parece completamente secundária à evidência <strong>de</strong>necessida<strong>de</strong>s regressivas expressas na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma relação dual e exclusiva mãe-filho,pautada pela alimentação e o cuida<strong>do</strong>.7.“Hum, é boa. Era bom dia, o tigre ia buscar comida. A comida <strong>de</strong>le era fempe carne e macacos.(aponta para o macaco) Ele foi buscar; havia taaantos macacos por aí! Ele foi e foi para cima <strong>de</strong> umaárvore. Ele foi e encontrou <strong>do</strong>is macacos e ele foi apanhá-los. Encontrou um e <strong>de</strong>pois foi atrás eapanhou-o. Foi para casa e o macaco morto e comeu-o. E <strong>do</strong>rmiu uma soneca. Fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;OC7 – ruminação;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;OC9 – perturbações da sintaxe.Análise da narrativa:Sen<strong>do</strong> um cartão que remete para uma relação carregada <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> (Boekholt,2000), na narrativa <strong>de</strong> Tomás a agressivida<strong>de</strong> é agida numa dimensão <strong>de</strong> voracida<strong>de</strong> alimentar,verifican<strong>do</strong>-se um movimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação à personagem percebida como <strong>do</strong>minante, oagressor, perante o qual o outro personagem, representativo <strong>de</strong> uma parte <strong>de</strong>pressiva e<strong>de</strong>sprotegida, não possui recursos para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, assumin<strong>do</strong> uma posição passiva.8.Ri“São macaquinhos. Ora bom dia! Os três macacos gran<strong>de</strong>s foram dar uma festa; então essa festaera antiga e eles acabaram a festa, fizeram uma coisa <strong>do</strong> Pinóquio e acabaram essa coisa <strong>do</strong>Pinóquio…e foram p’ra casa. E fim.”Procedimentos fundamentais:OC10 – extravagâncias <strong>do</strong> pensamento;OC9 – escotoma;IF6 – insistência nas representações <strong>de</strong> acção;244


EI2 – a<strong>no</strong>nimato, razões <strong>do</strong>s conflitos não esclarecidas, banalização.Análise da narrativa:A narrativa <strong>no</strong> presente cartão parece afastar-se significativamente <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> latente, oqual <strong>de</strong>verá evocar representações relacionadas com a relação <strong>de</strong> filiação e a percepção dasrelações na constelação <strong>familiar</strong>. De facto, o par adulto-criança presente <strong>no</strong> primeiro pla<strong>no</strong>,encarregue <strong>de</strong> veicular representações superegóicas face aos interditos e à transgressão, éig<strong>no</strong>ra<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong> não só alguma inquietação relacionada com esta temática como com relação<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> mãe-filho. Por outro la<strong>do</strong>, as diferenças geracionais e sexuais <strong>do</strong>s personagenssão, igualmente, evitadas, não parecen<strong>do</strong> por isso, e à semelhança <strong>de</strong> outros cartões,suficientemente integradas na <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> constelação <strong>familiar</strong>.9.“Era bom dia. O coelho ‘tava a cama. Abriram a porta. O lobo comião! Ele chegou ao quarto e ocoelho ‘tava a <strong>do</strong>rmir, e ele agarrou a cabeça <strong>de</strong>le e comeu-o. E fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas relativas a uma temática agressiva;IF1 – introdução <strong>de</strong> personagens que não figuram na imagem.Análise da narrativa:A problemática relativa à solidão e ao aban<strong>do</strong><strong>no</strong>, latente ao presente cartão, parecesuscitar a emergência <strong>de</strong> intensas angústias primitivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição e morte, perante aincapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tomás <strong>de</strong> estar só e <strong>de</strong> gerir a solidão. Uma vez mais torna-se evi<strong>de</strong>nte a totalcondição <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> da figura representativa da criança, a sua e<strong>no</strong>rme <strong>de</strong>sprotecção faceàs ameaças <strong>de</strong> uma potencial personagem que não figura <strong>no</strong> cartão e que representa uma ameaça.Não são evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s quaisquer recursos <strong>de</strong>fensivos para conter a angústia <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, nemsão evoca<strong>do</strong>s imagos parentais protectores, fican<strong>do</strong> a criança à mercê <strong>do</strong>s perigos. De referir,igualmente que Tomás não aborda a problemática latente <strong>do</strong> cartão, não evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> quer apresença <strong>do</strong> afecto <strong>de</strong>pressivo, quer a elaboração da posição correspon<strong>de</strong>nte. A narrativaevi<strong>de</strong>ncia não só a precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> meio e <strong>do</strong> suporte enquanto <strong>de</strong>slocamento da vivência <strong>de</strong>sofrimento e <strong>de</strong>sprotecção, nunca evita<strong>do</strong>s pelas figuras parentais, mas também uma temática aonível da voracida<strong>de</strong> oral na linha <strong>de</strong>strutiva.245


10.“Esta é o cão. Era mau dia! A ca<strong>de</strong>la ‘tava a dar porrada o cu <strong>do</strong> cãozinho. Aman<strong>do</strong>u muito papelp’a sanita, a sanita entupiu e a água explodiu! Era só papel por to<strong>do</strong> o la<strong>do</strong>! Então a ca<strong>de</strong>la <strong>de</strong>upalmadas e fim.”Procedimentos fundamentais:IF8 – expressões cruas ligadas a uma temática agressiva;IF3 – importância dada às interacções.Análise da narrativa:Tomás parece reconhecer a problemática latente <strong>do</strong> cartão, a qual remete para a dialécticadisparate/punição num contexto superegóico transgressivo (Boekkolt, 2000), elaboran<strong>do</strong> umanarrativa que evi<strong>de</strong>ncia uma dimensão moralizante face aos interditos. No entanto, parece-<strong>no</strong>srelevante mencionar que o imago parental evoca<strong>do</strong>, o imago mater<strong>no</strong>, parece manifestar algumaagressivida<strong>de</strong> face ao personagem criança, o qual sente que não po<strong>de</strong> transgredir (sob pena <strong>de</strong>per<strong>de</strong>r o amor <strong>do</strong> objecto), surgin<strong>do</strong>, na prova das escolhas, o afecto <strong>de</strong>pressivo (“chorar”,“triste”), mas também alguma inquietação face às representações <strong>de</strong> analida<strong>de</strong> associadas àimagem (sujida<strong>de</strong>).Prova das escolhas:+: 3 – “O rei. Porque o rei sonhou. (com o quê?) Dinheiro.”+: 10 – “Porque ele ‘tá a chorar, ‘tá muito triste e é muito bem feito, ele não podia fazer aquilo.Ele tomou banho porque ‘tava cheio <strong>de</strong> lama.”-: 2 - “Porque é com lobos.”-: 10 - “O<strong>de</strong>io porque a sanita ‘tá ali poquê? Podia dar palmadas ao meni<strong>no</strong> <strong>no</strong> outro la<strong>do</strong>, nãoera na casa <strong>de</strong> banho.”Análise <strong>do</strong> protocolo <strong>de</strong> C.A.T.-A<strong>Na</strong>s narrativas construídas <strong>no</strong> C.A.T.-A pre<strong>do</strong>mina uma temática <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotecção e <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong>, concomitante com uma representação da relação <strong>de</strong> objecto interna poucogratificante, contentora, securizante e protectora. As representações <strong>do</strong> imago pater<strong>no</strong> sãosignificativamente ausentes ou associadas a uma dificulda<strong>de</strong> em ace<strong>de</strong>r à dimensão <strong>do</strong> pater<strong>no</strong>, eas evocações <strong>do</strong> imago mater<strong>no</strong> reduzidas, ausentes <strong>de</strong> afecto, funcionais e pouco gratificantes,não se verifican<strong>do</strong>, igualmente, processos claros <strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong> edipiana. Surgem temáticas246


elacionadas com alguma conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto da fratria, mas também com <strong>de</strong>sejosubjacente movimentos <strong>de</strong> crescimento e auto<strong>no</strong>mia. Encontram-se presentes nas narrativasimportantes fragilida<strong>de</strong>s narcísicas e sentimentos <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>preciação, bem como núcleos <strong>de</strong>fragilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pressivida<strong>de</strong>, sem contu<strong>do</strong> ser elaborada a posição <strong>de</strong>pressiva. As pulsõesagressivas não parecem a<strong>de</strong>quadamente integradas e surgem associadas a uma voracida<strong>de</strong> oral<strong>de</strong>strutiva, sen<strong>do</strong> comuns temáticas ao nível da oralida<strong>de</strong>. Referem-se, ainda, importantesdificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mentalização e <strong>de</strong> representação simbólica <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> emocional, particularmenteperante o confronto com sentimentos <strong>de</strong> solidão e <strong>do</strong> <strong>de</strong>samparo, face aos quais se verifica, porvezes, a emergência <strong>do</strong> processo primário <strong>de</strong> pensamento. A falência <strong>do</strong>s recursos inter<strong>no</strong>s face asituações <strong>de</strong> maior conflito e angústia produz conteú<strong>do</strong>s mais arcaicos e me<strong>no</strong>s organiza<strong>do</strong>s,alguns <strong>de</strong>les reflexo da intensa luta anti<strong>de</strong>pressiva. Parecem estar patentes algumas lacunasprecoces na construção da relação e da representação objectais contentoras, apazigua<strong>do</strong>ras e quefortaleçam a estrutura egóica, perceben<strong>do</strong>-se, a criança, <strong>de</strong>sprotegida e exposta a ameaçasprovenientes da realida<strong>de</strong> externa, perante as quais escasseiam os recursos inter<strong>no</strong>s necessáriospara os enfrentar. Neste senti<strong>do</strong>, a angústia <strong>do</strong>minante parece ser <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e perda <strong>de</strong>objecto, pelo que se encontram presentes necessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e protecção. <strong>Na</strong>representação da dinâmica <strong>familiar</strong> é evocada uma dimensão <strong>de</strong> insatisfação generalizada, perantea qual a criança evi<strong>de</strong>ncia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer ao exterior e ser ela própria a gratificar afamília para ser gosta<strong>do</strong> e possuir algum valor narcísico.As narrativas são construídas com algum grau <strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong>, tanto <strong>no</strong> que concerne aomo<strong>do</strong> como o discurso está organiza<strong>do</strong> como <strong>no</strong> vocabulário empregue.247


Teste das relações <strong>familiar</strong>esResulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> envolvimento percebi<strong>do</strong> pela criança em relação a cada elemento da família(sentimentos positivos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e sentimentos negativos fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s).16141210141586420677610 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Mãe2Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - Mãe57321 1 1 1 1 10 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Pai5Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - PaiSentimentosrecebi<strong>do</strong>s -Ninguém4210 0 0Sentimentosemiti<strong>do</strong>s -Ninguém3Positivos fortes Positivos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Negativos fortes Negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Total98765432106 628170 0 0 0 0 0 0 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s -Irmão mais velhoSentimentosemiti<strong>do</strong>s - Irmãomais velhoSentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Irmãmais velha516Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - Irmãmais velha20 0 0 0Sentimentosrecebi<strong>do</strong>s - Self35Sentimentosemiti<strong>do</strong>s - SelfPositivos fortes Positivos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Negativos fortes Negativos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s Total248


Resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sobreprotecção materna e sobre indulgência materna e paterna percebi<strong>do</strong>s pelacriança.877654321042 21 110 0Sobreprotecção materna Sobre indulgência materna Sobre indulgência paternaMãe Pai Self Ninguém Irmão mais velho Irmã mais velhaSegue-se a análise <strong>do</strong> Teste das Relações Familiares <strong>de</strong> Tomás, em relação aos aspectosclínicos mais pertinentes para a compreensão <strong>do</strong> seu caso. Em primeiro <strong>lugar</strong>, em relação aoenvolvimento total (afectivida<strong>de</strong> consciente e inconsciente, tal como avaliada pela prova) <strong>de</strong>Tomás com os elementos que compõem o seu círculo <strong>familiar</strong> subjectivo, importa referir que acriança reporta um hiper-investimento afectivo com a figura representativa da mãe,principalmente <strong>no</strong> que concerne a sentimentos positivos (fortes e mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s), sen<strong>do</strong> esta apessoa que parece revelar-se mais significativa na sua vida afectiva <strong>familiar</strong>.Relativamente ao envolvimento percebi<strong>do</strong> em termos <strong>do</strong>s sentimentos positivosrecebi<strong>do</strong>s pela criança <strong>de</strong>stacam-se os resulta<strong>do</strong>s da figura da mãe, o mesmo acontecen<strong>do</strong> <strong>no</strong> queconcerne aos sentimentos positivos percebi<strong>do</strong>s como emiti<strong>do</strong>s pela criança em relação a estafigura, tanto mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como fortes, constituin<strong>do</strong>-se a mãe como o maior - senão único – alvo eobjecto <strong>de</strong> amor para Tomás. Concomitantemente, na avaliação da relação com a figurarepresentativa da mãe verifica-se que a percepção <strong>do</strong>s afectos negativos recebi<strong>do</strong>s da sua parte émuito <strong>de</strong>svalorizada, sen<strong>do</strong> omitida, quase por completo, a expressão <strong>de</strong> afectos negativos.Analisan<strong>do</strong> o caso particular <strong>do</strong> envolvimento afectivo com a figura <strong>do</strong> pai, verificamos que o seugrau <strong>de</strong> investimento iguala o reporta<strong>do</strong> face aos irmãos (em termos <strong>de</strong> itens atribuí<strong>do</strong>s),<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se o número expressivo <strong>de</strong> itens relativos aos sentimentos negativos percebi<strong>do</strong>s comorecebi<strong>do</strong>s pela criança, sen<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> itens positivos (recebi<strong>do</strong>s e emiti<strong>do</strong>s) quase nulos.Verifica-se, portanto, uma tendência <strong>de</strong> relacionamento negativa, na qual os afectos negativos são249


prepon<strong>de</strong>rantes (quase <strong>do</strong>minantes) quer em termos <strong>do</strong> afecto que o Tomás sente receber, querrelativamente ao afecto que a criança <strong>de</strong>clara como pre<strong>do</strong>minante <strong>no</strong> seu investimento afectivo(consciente) em relação ao pai. Neste senti<strong>do</strong>, a combinação <strong>de</strong> ambos os resulta<strong>do</strong>s das figurasparentais leva-<strong>no</strong>s a consi<strong>de</strong>rar que a resolução <strong>do</strong> conflito edipia<strong>no</strong> não está ser e/ou não foibem integrada, uma vez que a respectiva i<strong>de</strong>ntificação ao elemento <strong>do</strong> casal <strong>do</strong> mesmo sexo, aqual se constitui como uma parte muito significativa da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> secundária e sexual <strong>de</strong> Tomás(i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> enquanto rapaz que virá a ser homem como o pai), parece estar bloqueada, sen<strong>do</strong> quea criança se obriga a amar conscientemente a mãe, <strong>de</strong> forma i<strong>de</strong>alizada (aceitar a i<strong>de</strong>ntificaçãocom a mesma), e a odiar o pai (<strong>de</strong> forma consciente e expressa) não existin<strong>do</strong> espaço (psíquico eafectivo) para a necessária i<strong>de</strong>ntificação com o mesmo.Por outro la<strong>do</strong>, e ainda em relação aos sentimentos percebi<strong>do</strong>s como recebi<strong>do</strong>s pelacriança, <strong>no</strong> caso negativos, salientam-se os resulta<strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>s face ao irmão mais velho,principalmente fortes, mas também mo<strong>de</strong>radamente negativos. Em termos <strong>do</strong> envolvimentopercebi<strong>do</strong> como emiti<strong>do</strong> pela criança face aos membros da sua família, e <strong>no</strong> que concerne aossentimentos negativos, o maior alvo <strong>de</strong> Tomás são (para além <strong>do</strong> pai) os seus irmãos,principalmente relativamente aos sentimentos negativos mais intensos, o que <strong>no</strong>s leva a pensarnuma representação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> conflitualida<strong>de</strong> e hostilida<strong>de</strong> percebida face à fratria. O Self nãorecebe qualquer tipo <strong>de</strong> itens, o que <strong>no</strong>s parece <strong>de</strong>ver-se a um fraco investimento da criança nelaprópria, o mesmo acontecen<strong>do</strong> com a figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém (figura simbólica <strong>do</strong> que não éaceite na consciência, ou seja, <strong>do</strong> recalcamento), o qual é muito pouco investi<strong>do</strong> por Tomás nestaprova.Parece-<strong>no</strong>s relevante mencionar os sentimentos “auto-dirigi<strong>do</strong>s” ou egocêntricos queTomás revela conscientemente para consigo próprio, fazen<strong>do</strong> referência à medida da<strong>de</strong>pendência (junção <strong>do</strong>s itens <strong>de</strong> sobreprotecção e sobre-indulgência materna e paterna) talcomo concebida na vida afectiva da criança. Posto isto, em termos das escalas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendênciaverifica-se que o único alvo da sobreprotecção e da sobre-indulgência maternas se trata <strong>de</strong>Tomás, resulta<strong>do</strong>s que <strong>no</strong>s parecem relacionar-se com a relação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência(anaclítica) que a criança estabelece com esta figura, a qual provém das suas manifestasnecessida<strong>de</strong>s regressivas <strong>de</strong> uma relação dual, contentora, protectora e afectuosa. No caso dasobre-indulgência paterna, o número <strong>de</strong> itens existentes divi<strong>de</strong>-se em igual proporção entreTomás e a figura <strong>do</strong> Sr. Ninguém, sen<strong>do</strong> segui<strong>do</strong>s da figura representativa da mãe, revelan<strong>do</strong> apercepção da criança <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria receber mais atenção e envolvimento afectivo positivo porparte <strong>do</strong> pai.250


Por outro la<strong>do</strong>, verifica-se uma gran<strong>de</strong> discrepância na atribuição <strong>de</strong> itens positivos enegativos. De facto, a mãe é o elemento da família que mais itens positivos recebe, quaseexclusivamente, e o pai os irmãos são os que mais itens negativos recebem. Os resulta<strong>do</strong>s<strong>de</strong>monstram, também, alguma discrepância entre os itens percebi<strong>do</strong>s como emiti<strong>do</strong>s e percebi<strong>do</strong>scomo recebi<strong>do</strong>s nas figuras relativas ao Self e à irmã mais velha, sen<strong>do</strong> que nestes casos não severificam quaisquer itens na categoria <strong>de</strong> recebi<strong>do</strong>s.Relativamente aos mecanismos <strong>de</strong>fensivos empregues por Tomás na sua caracterização dadinâmica intra<strong>familiar</strong> relacional verificamos que a i<strong>de</strong>alização da mãe se encontra bastantemanifesta, parecen<strong>do</strong>-<strong>no</strong>s esta necessida<strong>de</strong>, a par da tendência regressiva também apresentada,ligada a angústias mais primitivas <strong>de</strong> separação, <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> amor <strong>do</strong> objecto, e <strong>do</strong> próprioobjecto. No mesmo senti<strong>do</strong>, verificamos uma importante negação da agressivida<strong>de</strong> na relaçãocom a mãe e o respectivo <strong>de</strong>slocamento para a figura paterna e outras figuras periféricas, osirmãos.Por último, e <strong>no</strong> que concerne aos resulta<strong>do</strong>s da escala <strong>de</strong> Inibição/Desinibição,verificamos que na escala relativa aos itens positivos o valor apresenta<strong>do</strong> (3, mo<strong>de</strong>rada inibição,numa escala <strong>de</strong> 1 a 5 pontos) se pren<strong>de</strong> com a intensida<strong>de</strong> da concentração <strong>de</strong> itens positivosfortes na figura da mãe, o qual se encontra liga<strong>do</strong>, como já vimos, com a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong>sta figura;e na escala negativa (3a, inibição mo<strong>de</strong>rada) relativa ao foco <strong>no</strong>s irmãos na atribuição <strong>de</strong> itensnegativos fortes. Neste senti<strong>do</strong>, os autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que tais resulta<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>do</strong>sem crianças com alterações <strong>de</strong> comportamento ligeiras a mo<strong>de</strong>radas e em situações <strong>de</strong>conflitualida<strong>de</strong> <strong>no</strong> contexto da fratria (Bene, & Anthony, 1985), fazen<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>falamos <strong>de</strong> Tomás.Escala <strong>de</strong> percepção da criança sobre o estilo educativo <strong>do</strong>s paisAtravés <strong>do</strong> presente instrumento salienta-se o facto <strong>de</strong> Tomás ter reporta<strong>do</strong> diferenças napercepção <strong>do</strong> estilo educativo parental entre os progenitores, parecen<strong>do</strong> conseguir distinguir aspráticas educativas utilizadas por cada um <strong>do</strong>s pais. Efectivamente, em termos <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>sapresenta<strong>do</strong>s pela criança, e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao índice factorial triparti<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> anteriormenterelativo à percepção materna, verifica-se que o aspecto mais positivamente assinala<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong>factor Suporte Emocional (=2,57), segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> factor Rejeição (=2,37), o qual prece<strong>de</strong> o últimofactor, Tentativa <strong>de</strong> Controlo (=2,2). Por outro la<strong>do</strong>, e com resulta<strong>do</strong>s que não seguem o mesmopadrão <strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s na representação materna, na percepção paterna Tomás reportarespostas mais elevadas <strong>no</strong> factor <strong>de</strong> Rejeição (=2,25), segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> factor Tentativa <strong>de</strong> Controlo(=1,6), o qual prece<strong>de</strong> o último factor Suporte Emocional (=1,42).251


Análise da entrevista com os paisA entrevista aos pais <strong>de</strong> Tomás <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> forma tranquila e cooperante, com a presença<strong>de</strong> ambos, ainda que o clima afectivo gera<strong>do</strong> em relação à mãe tenha si<strong>do</strong> mais positivo, ten<strong>do</strong>esta revela<strong>do</strong> maior interesse e cooperação, permanecen<strong>do</strong> o pai numa postura <strong>de</strong> maiorfechamento e <strong>de</strong>fensivida<strong>de</strong>. Os pais começam por referir que se tratou <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> risco,vigiada <strong>no</strong> entanto não planeada. Destacamos a ausência <strong>do</strong> pai em muitas fases <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Tomás, e com particular ressonância afectiva para a mãe, <strong>de</strong>signadamenteem momentos-chave, como o parto ou a escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me. Parece-<strong>no</strong>s existir, muitoprecocemente, uma certa culpabilida<strong>de</strong> <strong>no</strong> relato da mãe acerca <strong>de</strong>sta criança, possivelmente pelascircunstâncias <strong>do</strong> seu nascimento, verifican<strong>do</strong>-se uma consequente dimensão <strong>de</strong> compensação, aqual ocorre até hoje-em-dia (“como eu <strong>de</strong>morei até ir para o hospital, ele <strong>de</strong>pois teve <strong>de</strong> ir para aincuba<strong>do</strong>ra para receber um boca<strong>do</strong> <strong>de</strong> calor” – o calor afectivo da maternage -, “nasceu cansa<strong>do</strong> esem força para mamar”, ausência da mãe nas horas seguinte ao nascimento para ser operada). Deseguida, e em termos das expectativas formadas em tor<strong>no</strong> <strong>do</strong> bebé-Tomás parece verificar-se umvazio fantasmático e representacional em relação a este bebé, não conseguin<strong>do</strong>, os pais, evocaruma representação <strong>do</strong> bebé imaginário, enquanto o conjunto <strong>de</strong> construções e tor<strong>no</strong> da gravi<strong>de</strong>zque representariam a gestação mental <strong>do</strong> bebé, antecipan<strong>do</strong> os comportamentos <strong>de</strong> maternalida<strong>de</strong>(“eu não imaginei nada”; “olha, pronto, mais um”; “o primeiro arranja-se o peixinho e tira-se asespinhas, o segun<strong>do</strong> tira-se as espinhas, o terceiro tira-as tu e é se queres”; “ não houve aquelacoisinha <strong>de</strong> ‘tarmos ali a mimar muito, porque, pronto, ele via os irmãos e assim, e <strong>de</strong>senrasca-see sempre foi um miú<strong>do</strong> super <strong>de</strong>senrasca<strong>do</strong>”); um vazio <strong>de</strong>pressivo que po<strong>de</strong>, simbólica etransferencialmente, ser encontra<strong>do</strong> posteriormente numa análise à dinâmica interna da criança.Sentimos, quase, uma primeira indiferença afectiva em tor<strong>no</strong> <strong>do</strong> bebé que crescia nesta família.<strong>Na</strong> caracterização <strong>de</strong> Tomás enquanto criança, se, por um la<strong>do</strong>, salientam o quão fácil foipara si serem pais <strong>de</strong> Tomás - já que é, segun<strong>do</strong> contam, uma criança meiga, carinhosa ebrincalhona, que não fazia birras nem trazia gran<strong>de</strong>s incómo<strong>do</strong>s -, por outro salientam que estefilho é o mais terrorista e sabichão <strong>do</strong>s três, matreiro, irrequieto e impulsivo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. <strong>Na</strong>sentrelinhas das palavras <strong>do</strong>s pais, e por repetidas comparações com os irmãos, parece-<strong>no</strong>s que foia criança me<strong>no</strong>s investida, com me<strong>no</strong>s relevo aos olhos <strong>do</strong>s pais. Referem, ainda, queultimamente se verifica uma gran<strong>de</strong> labilida<strong>de</strong> emocional, com momentos <strong>de</strong> fúria e choro <strong>no</strong>squais a criança não consegue conter ou gerir as suas emoções. Indicam, também, que Tomás temdificulda<strong>de</strong> em perceber e aceitar limites, que não tem amiza<strong>de</strong>s preferenciais (excepto com umamenina que diz ser sua namorada) e que não suporta per<strong>de</strong>r.252


Em termos das relações intra<strong>familiar</strong>es, os pais indicam que com a mãe Tomás assumeuma postura <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> protecção e proximida<strong>de</strong> (“muito agarra<strong>do</strong> à mãe, é o mais próximo <strong>de</strong>mim, mais protector, o mais carinhoso; “traz flores to<strong>do</strong>s os dias para a mãe”), afirman<strong>do</strong>, comalguma nuance edipiana, que a mãe é sua namorada, em frequente provocação ao pai (“o pai àsvezes tem ciúmes; ‘tá sempre <strong>no</strong> picanço com o pai”). Dizem existir uma boa relação com oirmão, com o qual se verifica uma maior proximida<strong>de</strong>, e um gran<strong>de</strong> distanciamento recíproco faceà irmã. O relacionamento com o pai parece ser mais distante, afirman<strong>do</strong> que com este e outrasfiguras masculinas “beijos é para maricas”, situações que parecem revelar a sua dificulda<strong>de</strong> emace<strong>de</strong>r ao masculi<strong>no</strong>-pater<strong>no</strong>.A situação <strong>de</strong> enurese <strong>no</strong>cturna da criança (mantida até ao primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>) ésublinhada pelos pais como uma das suas maiores dificulda<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> associada pelo pai apreguiça (“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar na cama até mais tar<strong>de</strong>”). Neste aspecto concreto, <strong>de</strong>stacamos a falta<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>, principalmente paterna, para realizar uma leitura empática da situação, bem comoa severida<strong>de</strong> da aplicação <strong>de</strong> castigos (“banho <strong>de</strong> água fria”).Durante a entrevista, e perante diversos assuntos, verifica-se uma significativaconflitualida<strong>de</strong> parental face à educação das crianças, segun<strong>do</strong> <strong>no</strong>s parece sobretu<strong>do</strong> em relaçãoao Tomás. Os pais divergem marcadamente quanto às estratégias <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>, parecen<strong>do</strong><strong>no</strong>sa mãe <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> permissiva e <strong>de</strong>sculpabilizante (colocan<strong>do</strong> a criança numa situaçãototalmente regressiva e não incentivan<strong>do</strong> a sua auto<strong>no</strong>mia) e o pai intolerante, ten<strong>do</strong> a criança aclara percepção <strong>de</strong>stas diferenças (“ele é capaz <strong>de</strong> estar o dia inteiro a olhar apara o papel à esperada solução mais fácil e a solução mais fácil é esperar pela mãe”).Em relação à auto<strong>no</strong>mia da criança os pais referem que Tomás consegue realizar as suastarefas pessoais sozinho, porém protelan<strong>do</strong> sistematicamente e solicitan<strong>do</strong> ajuda sempre quepossível. No que concerne a acontecimentos <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> significativos <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoda criança, os pais indicam que o avô mater<strong>no</strong> <strong>de</strong> Tomás faleceu quan<strong>do</strong> este era bebé, situaçãoque <strong>de</strong>svalorizam (“eu acho que lhe passa tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>, não é sentimental”), <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> a reacção<strong>do</strong> filho ao nascimento da prima perante a qual revela muitos ciúmes da mãe.Gran<strong>de</strong> parte da entrevista encontrou-se centrada nas dificulda<strong>de</strong>s actuais da criança,parecen<strong>do</strong> a mãe mais sensível a esta situação (segun<strong>do</strong> o pai o Tomás “não tem problemanenhum”). Assim, indicam que a referenciação para a consulta <strong>de</strong> Psicologia surge por indicaçãoefectuada pela escola, <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso <strong>do</strong> ensi<strong>no</strong> pré-escolar, já que a criança parecia, em váriosaspectos, <strong>no</strong> esta<strong>do</strong> pré-operatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, revelan<strong>do</strong> pensamento mágico,omnipotência cognitiva e preferência por jogos <strong>de</strong> encaixe e construção, apresentan<strong>do</strong>,igualmente, preferência por activida<strong>de</strong>s preferencialmente solitárias, dificulda<strong>de</strong> em realizar uma253


tarefa até ao seu térmi<strong>no</strong>, “<strong>de</strong>sligava”, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> pon<strong>de</strong>rada a hipótese <strong>de</strong> ficar mais um a<strong>no</strong> napré-primária, o que acabou por não acontecer. <strong>Na</strong> escolarida<strong>de</strong> primária tiveram início as queixas<strong>de</strong> comportamento, com a manifestação <strong>de</strong> uma intensa irrequietu<strong>de</strong> psicomotora. Questiona<strong>do</strong>sacerca das representações que fizeram em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong>sta situação, a mãe refere que na alturarelativizava e atribuía ao facto <strong>de</strong> ele ter esta<strong>do</strong> em casa até à pré-primária para justificar a décalagecom as outras crianças. O pai, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>svaloriza completamente todas as dificulda<strong>de</strong>s dacriança (“é um rótulo <strong>do</strong>s professores”), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que se Tomás for obriga<strong>do</strong> faz o que lhe édito.Entrevista com os paisΨ: “Olá boa tar<strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> já agra<strong>de</strong>ço a vossa presença e a participação nesta investigação. Aintenção <strong>de</strong>sta entrevista é recolher alguns da<strong>do</strong>s relativos à infância <strong>do</strong> Tomás, alguns aspectos<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>le até à data e falarmos um bocadinho sobre ele…”Mãe: “Pronto, gravi<strong>de</strong>z não foi planeada, aconteceu. Foi uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> risco porque ele quisnascer antes <strong>do</strong> tempo, mas pronto, <strong>de</strong>pois comecei a ser seguida aqui e tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois correu tu<strong>do</strong>bem, nasceu aqui <strong>de</strong> oito meses e qualquer coisa, não chegou a fazer os <strong>no</strong>ve meses.”Ψ: “E como <strong>de</strong>correu o parto, <strong>no</strong>rmal, com complicações?”Mãe: “Eu comecei a absorver o líqui<strong>do</strong> amniótico, mas foi parto <strong>no</strong>rmal… Entretanto <strong>de</strong>ientrada, não ‘tava ainda na altura <strong>de</strong> ele nascer, foram-me dadas aquelas injecções todas, aquelascoisas, <strong>de</strong>pois ‘tive foi que estar em repouso. ‘Tive em repouso, entretanto fui para casa, mas<strong>de</strong>pois começaram as contracções <strong>no</strong>vamente e foi quan<strong>do</strong> eu vim, e foi quan<strong>do</strong> ele nasceu. Querdizer, não foi nada aaassiim, o A foi pior.”Ψ: “Portanto o Tomás não é o primeiro filho…”Mãe: “Não, é o terceiro, da N correu tu<strong>do</strong> bem, foi uma gravi<strong>de</strong>z <strong>no</strong>rmal, <strong>do</strong> A foi uma gravi<strong>de</strong>z<strong>de</strong> risco, tive que ficar aqui internada, e <strong>de</strong>pois o Tomás também, não foi tão grave como o <strong>do</strong> A,mas, pronto, mas também <strong>de</strong>u um bocadinho <strong>de</strong>…trabalho. Mas <strong>de</strong>pois nasceu e correu sempretu<strong>do</strong> bem, foi sempre um miú<strong>do</strong> sossega<strong>do</strong>, não dava assim muito trabalho, comia bem,impecável…”Ψ: “E a escolha <strong>do</strong> <strong>no</strong>me?”Mãe: (ri-se) “Fui eu e a N…”Pai: “Pois foi.”Mãe: “Porque ele ‘tava fora, eu procurei, ele dizia: «Tu é que sabes.», é aquela coisa, não é? E eu<strong>de</strong>pois escolhi com a N. Eu queria Guilherme, não foi, e <strong>de</strong>pois a N dizia que não podia serporque <strong>de</strong>pois lhe chamavam Gui, e não podia ser, não tinha lógica nenhuma. Então ficouTomás, eu escolhi Tomás, assim é que foi, e ela escolheu Filipe. Depois eu procurei o pai a254


perguntar o que é que ele achava «ah, vocês é que sabem» e coiso, e então ficou Tomás Filipe.Mas fomos nós praticamente que escolhemos, porque ele, pronto…”Ψ: “Então e como foi para o pai, o pai estava presente <strong>no</strong> momento <strong>do</strong> nascimento?”Mãe: “Não…”Pai: “No dia em que ele nasceu eu fui fazer um serviço a Vila <strong>do</strong> Con<strong>de</strong>, eu tinha dito <strong>no</strong> serviço«é que a minha mulher ‘tá pr’a ter», «então vais só fazer este servicinho, são só <strong>do</strong>is dias»…”Mãe: “Ele teve um azar nesse aspecto.”Pai: “As coisas tinham fica<strong>do</strong> planeadas para eu estar cá, mas…”Mãe: “E não ‘tavamos a contar que fosse naquela altura. E como eu ‘tava <strong>de</strong> repouso, na casa<strong>do</strong>s meus pais, entretanto eu já ‘tava farta <strong>de</strong> ali estar e fui para casa. E quan<strong>do</strong> fui para casa,lembrei-me <strong>de</strong> fazer limpezas, e a fazer as limpezas comecei logo, porque perdi logo as águas,aquela coisa toda, quer dizer, comecei logo com muitas <strong>do</strong>res, só tive tempo <strong>de</strong> vir para cá. Aliás,quan<strong>do</strong> eu vim eu já não conduzi porque vi que não ‘tava capaz, disse à N para levantar o Aporque o A ‘tava a <strong>do</strong>rmir a sesta, ainda era pequenito, eu disse à N para ajudar a tratar <strong>do</strong> irmão,ainda lavei o chão da sala e <strong>de</strong>sci <strong>no</strong>rmalmente, telefonei só para a minha mãe, <strong>de</strong>sci as escadas,ainda me pus à conversa com um vizinho meu, a dizer que ia para o hospital porque ‘tava com<strong>do</strong>res, chamei um táxi, ainda fui <strong>de</strong>ixar a N na minha mãe, e entretanto vim, com o mesmo táxi,pr’aqui. Quan<strong>do</strong> aqui cheguei já ‘tava o Tomás praticamente a nascer, já tava com a cabeça, sótiveram tempo <strong>de</strong> me meter numa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas e zuca, foi logo.”Ψ: “E quanto tempo <strong>de</strong>pois é que o pai chegou, quan<strong>do</strong> é que teve contacto com o Tomás?”Pai: “Eu cheguei <strong>no</strong> mesmo dia…”Mãe: “Eu já nem me lembro…”Pai: “Cheguei <strong>no</strong> final <strong>de</strong>sse dia se não estou em erro.”Mãe: “Isso já nem me lembro… Sei que estiveste uns dias aí, que me vinhas trazer a comidinha etu<strong>do</strong>. Eu <strong>de</strong>pois fui operada logo <strong>no</strong> dia a seguir <strong>de</strong> manhã às trompas, tiraram-me as trompas, etu é que ficaste com o Tomás <strong>no</strong> quarto nessa altura, não foi?”Ψ: “Mas o Tomás precisou <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s especiais a seguir ao nascimento?”Mãe: “Não, correu tu<strong>do</strong> bem, quer dizer, ele ainda teve que ficar um bocadinho lá em baixo naincuba<strong>do</strong>ra, a receber um boca<strong>do</strong> <strong>de</strong> calor, porque com aquela coisa toda <strong>de</strong> eu <strong>de</strong>morar tantotempo e ele já ‘tar a querer nascer, ele nasceu muito roxo e ‘tava já cansa<strong>do</strong>, porque ele nemsequer tinha força para mamar, então elas ‘tiveram com ele um boca<strong>do</strong>, a dar-lhe calor, até movirem trazer, mas <strong>de</strong> resto correu tu<strong>do</strong> bem, mamava bem… eu é que como tive que ir logo <strong>no</strong>dia seguinte por causa da operação, eu ‘tava toda preocupada em o <strong>de</strong>ixar <strong>no</strong> quarto, a enfermeiraaté me disse: «não se preocupe, se o pai não chegar entretanto eu fico com ele, levo-o para ali»,aquela coisa toda…”255


Pai: “Não, eu vim <strong>no</strong> dia seguinte, cheguei à <strong>no</strong>ite mas já não vim a tempo <strong>de</strong> te ver e <strong>de</strong>pois éque vim <strong>no</strong> outro dia.”Mãe: “Atão foi isso, eu já não me recor<strong>do</strong>.”Ψ: “E, mesmo não sen<strong>do</strong> o primeiro, qual foi a vossa reacção, que expectativas é que tinham emrelação ao Tomás, o que é que tinham imagina<strong>do</strong> ou i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> em relação a ele?”Mãe: “Sei lá…nem sei.”Pai: “Eu não imaginei nada, nada.”Mãe: “Eu pensei assim: «Olha, ponto, mais um.», foi logo o que eu pensei, sinceramente, e queriarealmente que fosse um bebé calmo e sossega<strong>do</strong> como o A, que o A foi cinco estrelas <strong>de</strong> cuidar, aN por exemplo, foi um horror…”Pai: “Foi um pesa<strong>de</strong>lo…”Mãe: “Um pesa<strong>de</strong>lo mesmo, e ainda por cima primeiro filho, ainda pior, e <strong>de</strong>pois era uma miúdaque não comia bem, não <strong>do</strong>rmia bem, a gente tínhamos que fazer tu<strong>do</strong>… O Tomás foi tal e qual,não foi bem, bem como o A que o A foi mesmo sem stresse, foi mesmo zen, que eu tinha que oacordar até para ele comer.”Pai: “Eu não me lembro <strong>de</strong> o Tomás ter feito uma fita…”Mãe: “Não, não…”Pai: “Não houve nada que…”Mãe: “O Tomás foi mais choramingão para comer, <strong>de</strong> resto foi super calmo…”Pai: “Que me fizesse ficar memoriza<strong>do</strong>, foi sempre <strong>no</strong>rmal, sempre <strong>no</strong>rmal…”Mãe: “Não, não, foi como o A, pronto o A foi mesmo que eu tinha que o acordar para <strong>do</strong>rmirsenão…”Ψ: “E em termos da vossa dinâmica <strong>familiar</strong>, o que é que o nascimento <strong>do</strong> Tomás veio alterar, seé que os senhores <strong>no</strong>taram alguma diferença…”Mãe: “Não, não houve assim… Como já era o terceiro, também já foi mais fácil, não é?”Pai: “Isto é assim: o primeiro arranja-se o peixinho e tira-se as espinhas, o segun<strong>do</strong> tira-se asespinhas, o terceiro tira-as tu e é se queres.Mãe: “Foi tu<strong>do</strong> mais fácil… E não houve aquela coisinha <strong>de</strong> ‘tarmos ali a mimar muito, porque,pronto, ele via os irmãos e assim, e <strong>de</strong>senrasca-se e sempre foi um miú<strong>do</strong> super <strong>de</strong>senrasca<strong>do</strong>.”Pai: “É mesmo <strong>de</strong>le, é…”Mãe: “Eu também acho que sim, mas também o ver como os outros fazem e assim…”Pai: “É mais sabi<strong>do</strong>, é o mais sabi<strong>do</strong>…”256


Mãe: “Eu acho que <strong>do</strong>s três é o mais sabichão é…”Pai: “É o mais olho vivo, por enquanto, ainda po<strong>de</strong> ser que venha a mudar, mas (ri-se) tem coisasque não lembra a ninguém.”Mãe: “É mesmo terrorista, terrorista, não tem nada a ver com os outros, eles são os trêsdiferentes. Mas ninguém diz, que ele parece muito…florzinha <strong>de</strong> estufa, mas não tem nada a ver.Ele é o mais terrorista <strong>do</strong>s três.”Pai: “Por exemplo: ali naquela mesa havia um boneco que ele queira ir buscar, e ele sabia que agente não <strong>de</strong>ixávamos. Ele ia, encosta-se ali, <strong>de</strong>pois mete a mão pró trás das costas, e começaandar assim <strong>de</strong> la<strong>do</strong>…”Mãe: “É, é…”Pai: “Tu<strong>do</strong> o que ele faz é assim. Depois é capaz <strong>de</strong> vir da rua e dizer assim: «Oh mãe, ‘tão-te achamar lá fora», e a minha mulher vai lá e não ‘tá lá ninguém, tem coisas assim.”Mãe: “’Tá sempre na paródia, sempre, sempre, sempre, sempre. E é muito, mais comigo porquese calhar ‘tá mais tempo comigo, é muito nhoquinhas comigo, ‘tá sempre mais coiso comigo. Émais próximo <strong>de</strong> mim. O A também, eu acho que os <strong>do</strong>is rapazes são mais chega<strong>do</strong>s. Ela é maisfria, afasta-se mais…eles não. O A também é, só que o A é totalmente diferente, parece que ‘tásempre na boa, parece que nunca ‘tá cá. O Tomás é diferente, já é mais <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>, não tem nada aver, eles são os três realmente diferentes, mas o Tomás é muito protector comigo. É a mãe, amãe, a mãe e pronto. Ele vem da escola por exemplo, é uma vizinha minha que o costuma irbuscar que eu ainda estou a trabalhar nessa altura, não há um único dia que falhe, ele traz sempreflores para a mãe, e é muito carinhoso, pronto, não tem nada a ver com os outros.”Ψ: “E o que é que o pai pensa <strong>do</strong> que a mãe está a dizer?”Mãe: (ri-se bastante) “O pai às vezes fica um boca<strong>do</strong> ciumento, com certas coisas, mas é que eleprovoca-o mesmo, não é? ‘Tá sempre <strong>no</strong> provocanço com o pai. Abraça-se a mim, por exemplo,e diz: «Esta é a minha namorada», ‘tá sempre nestas coisas, não é? Sempre, sempre, sempre,sempre. Eu acho que sempre foi assim, sempre foi muito agarra<strong>do</strong> a mim, muito mesmo. Não éque tivesse havi<strong>do</strong> mais ou me<strong>no</strong>s que os outros, ao nível <strong>de</strong> mimos e coiso, foi tal e qual amesma coisa, só que não sei, acho que já é <strong>de</strong>le. O A é mais… ”Pai: “O A é muito meigo, carinhoso, muito sentimental…”Mãe: “É, o A é mais p’ró la<strong>do</strong> emocional, é um boca<strong>do</strong> cabeça na lua, como eu costumo dizer, émuito <strong>de</strong>spassara<strong>do</strong>. Aliás, o A levou o tempo, quan<strong>do</strong> começou a andar, ‘tava sempre a batercom a cabeça <strong>no</strong>s sítios…”Pai: “Caía…”Mãe: “Caía constantemente. Eu cheguei a dizer que à pediatra «O que é que se passa com o Aque ele leva-me a vida a cair?». Fosse na rua, fosse em casa, eu acho que ele tropeçava <strong>no</strong>spróprios pés, eu não sei como é que ele fazia aquilo, era mesmo trapalhão. O Tomás já não, oTomás é assim, aleije-se ou não se aleije ele não chora, porque acha que homem não chora,257


vacinas e tu<strong>do</strong>, ele só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vir <strong>de</strong> lá é que manda um ganda grito e chora e manda vir comaquilo tu<strong>do</strong>. Mas à frente das enfermeiras, não abre a boca sequer. Impecável, mesmo à homem.Eu às vezes digo assim: «eh pá, ganda homem, nem choraste nem nada.», mas <strong>de</strong>pois vem cá p’rafora e diz: «elas foram tão más!» e chora mesmo. O que eu <strong>no</strong>to é que antes se alguém lhe batia,na escola ou isso, virava costas e pronto, agora fica zanga<strong>do</strong> mesmo, sente-se, às vezes explo<strong>de</strong>com uma raiva e acaba por choramingar, pronto. Há coisa <strong>de</strong> uns tempos é que ele tem fica<strong>do</strong>mais coiso, fica logo enerva<strong>do</strong> e grita. E não me dá trabalho nenhum, afinal foi impecável… P’ra<strong>de</strong>ixar a fralda foi um bocadinho difícil, <strong>de</strong>les os três acho que foi o mais difícil não foi?”Ψ: “Já que a mãe fala nisso, as etapas <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Tomás quan<strong>do</strong> é que aconteceram,o andar, o falar…”Mãe: “O falar foi sempre um bocadinho trapalhão, pronto…”Pai: “Ainda é…”Mãe: “É…”Pai: “Porque não o corrigem. Ele diz as coisas ao contrário, acham-lhe piada e ninguém ocorrige.”Mãe: “E às vezes ele agora diz bem e daqui a cinco minutos ‘tá a dizer mal. Eu acho que ele foisempre assim, ele também começou a falar mais tar<strong>de</strong>.”Ψ: “Mais ou me<strong>no</strong>s quan<strong>do</strong>?”Mãe: “Ah, já não me recor<strong>do</strong>, mas sei que foi mais tar<strong>de</strong> até que os irmãos. A N com um a<strong>no</strong> jáfalava bem, nesse aspecto a N foi sempre <strong>de</strong>spachada, começou a andar e a falar muito ce<strong>do</strong>,<strong>de</strong>ixou as fraldas aos <strong>no</strong>ve meses, começou logo a usar bacio, a querer usar cuequinhas, prontoaquela coisa toda mesmo à menina.”Pai: “O Tomás foi…”Mãe: “Foi horrível.”Pai: “O A foi através da conversa, uma conversa que eu tive com ele e a partir daí nunca mais, oTomás, tive <strong>de</strong> lhe contar três vezes a mesma conversa para ele apren<strong>de</strong>r.”Ψ: “Com que ida<strong>de</strong>?”Mãe: “Então ele foi para a primária e ainda tinha fraldas…”Pai: “Foi, o a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong>.”Mãe: “Foi, que eu dizia-lhe «que vergonha», era só p’ra <strong>do</strong>rmir. À <strong>no</strong>ite é que ele não seconseguia controlar, e era mesmo muito xixi. Eu comecei a ter que me levantar <strong>de</strong> três em trêshoras.”Ψ: “E o que é que os pais acham disso?”Pai: “Sei lá, gosta <strong>de</strong> estar na cama até mais tar<strong>de</strong>, o irmão levanta-se logo, ele não.”258


Mãe: “O que mais me fazia confusão era, como ele já era cresci<strong>do</strong>, mesmo aquelas fraldas parameni<strong>no</strong>s mais cresci<strong>do</strong>s, se fizer mais xixi, aquilo passa. Era constantemente. Entretanto eucomecei a dizer a ele «não po<strong>de</strong> ser». Mesmo a cortar a água ele fazia muito xixi, <strong>de</strong>pois a Dr.ªdisse também para não dar sopa ao jantar, porque é líqui<strong>do</strong>, comecei a tentar. De inver<strong>no</strong> era umhorror, mesmo com a fralda, era cama, era cobertores. Eu já andava <strong>de</strong>sesperada, comecei a fazertur<strong>no</strong>s. De três em três horas eu acordava-o para fazer xixi. Fiz aquilo duas semanas, <strong>de</strong>pois já‘tava, bem, <strong>de</strong>rreada. Comecei-lhe a dizer: «Tomás, tu tens que acordar para ir fazer se tensvonta<strong>de</strong>, tens que pensar, não tenho fralda e não posso fazer na cama».”Pai: “Depois ainda teve <strong>do</strong>is ou três dias sem fralda, mas <strong>de</strong>pois ainda voltou a fazer, ela voltou apôr fralda. Voltei a falar com ele outra vez, houve umas <strong>no</strong>ites que se aguentou, outras que não,houve uma <strong>no</strong>ite que puseste…”Mãe: “Mas ele já não sujou a fralda e eu fiquei toda contente.”Pai: “Eu dizia-lhe que não podia ser, acabou-se e acabou-se…”Mãe: “Porque eu já não podia…”Pai: “Fizeste na cama, vou-te dar um banho <strong>de</strong> água fria, e ainda lhe <strong>de</strong>i uma vez um banho <strong>de</strong>água fria.”Mãe: “Pois foi, para o castigar.”Pai: “E fez bem.”Mãe: “O mais engraça<strong>do</strong> é que às vezes sujava a cama e fazia a cama. Claro que a pessoa entra echeira, que era para não ralharmos com ele nem nada. Então ele dizia: «Mãe, hoje não precisas <strong>de</strong>fazer a cama que eu já a fiz.». Mal abria a cama via. «Oh Tomás, então?!», «Oh mãe, não sei comoé que eu fiz isso. Mas eu amanhã já não faço». Depois quan<strong>do</strong> eu lhe pus a fralda da última vez enão a sujou ficou to<strong>do</strong> contente. Veio-me mostrar: «Olha mãe, eu não fiz nada!», «Ena, assim éque é filho, ‘tás a ver?», fiz uma ganda festa.”Pai: “Hoje já não levas banho <strong>de</strong> água fria.” (ri-se)Mãe: “Depois quan<strong>do</strong> parou foi um alívio para to<strong>do</strong>s, já era um sacrifício mesmo. O A tambémfoi difícil para largar a fralda, mas não foi tanto.”Pai: “O A foi <strong>de</strong> um dia para o outro, falei com ele e nunca mais fez nada.”Mãe: “Fez-me logo ir comprar boxers e tu<strong>do</strong>. «Boxers à homem como os <strong>do</strong> meu pai.». Se nãofossem como os <strong>do</strong> pai já não vestia. Foi impecável. O Tomás, <strong>de</strong> facto, foi o mais trabalhosonesse aspecto, mas <strong>de</strong> resto, pronto, foi só a fala e as fraldas. O andar, com um a<strong>no</strong>, um a<strong>no</strong> emeio começou a andar, não houve problemas, tu<strong>do</strong> <strong>no</strong>rmal. A N com um a<strong>no</strong> já falava muitobem, bem pintava, o pai com a gravata e tu<strong>do</strong>, ninguém dizia que ela tinha um a<strong>no</strong>, já sabia ascores…”Pai: “Começou a contar com <strong>do</strong>is a<strong>no</strong>s… Hoje, pinta a manta.”259


Mãe: “Porta-se mal. Ela até é extremamente inteligente, mas quan<strong>do</strong> a trocámos <strong>de</strong> escola, <strong>no</strong>sétimo, foi uma coisa, <strong>do</strong> oito para o oitenta, <strong>do</strong> estilo <strong>de</strong> assina os testes e simplesmente não seimporta, todas as disciplinas negativa, faltas então é uma coisa horrorosa, mesmo p’ra falar…”Pai: “Má pr’ós irmãos…”Mãe: “E tor<strong>no</strong>u-se muito mazinha para os irmãos. Ela com o A sempre teve aquela coisa,pronto, com o Tomás não foi tanto, mas não é aquela coisa <strong>de</strong> irmã, que aju<strong>de</strong>, que sejacarinhosa…nada, é uma frieza diabólica. E não fala pelos <strong>no</strong>mes, nem «o meu irmão», nada,«estes» é como ela se dirige aos irmãos.”Pai: “O A e o Tomás, eles brincam muito os <strong>do</strong>is, são amigos um <strong>do</strong> outro, eles também passambem sem ela, a irmã estar ali ou não estar é igual.”Mãe: “Quan<strong>do</strong> o A nasceu, nós pensávamos que era uma menina, e ela queria muito umamenina, an<strong>do</strong>u a comprar roupinha comigo, escolhemos o <strong>no</strong>me e tu<strong>do</strong>. Só que, quan<strong>do</strong> eu vimpara o hospital, porque o A também quis nascer mais ce<strong>do</strong>, eu ‘tava <strong>de</strong> seis meses, e a médica éque me disse que tinha ali um rapaz, e eu pensava que não podia ser, já tinha o enxoval to<strong>do</strong>compra<strong>do</strong> para uma menina, e afinal era um meni<strong>no</strong>. A N veio, porque o pai não ‘tava cá, e veiocom a avó, e ficou piursa, não queria nada um irmão, queria uma irmã. Então ela era mesmomuito mazinha p’ra ele, foi sempre um pan<strong>de</strong>mónio, e eu tentava que ela não se sentisse, fiz troca<strong>de</strong> prendas e tu<strong>do</strong>, como se o irmão tivesse trazi<strong>do</strong> uma prenda para ela também, porque tinhatrês a<strong>no</strong>s, mas ela fazia coisas diabólicas. Lembro-me <strong>de</strong> ela ‘tar a ver o irmão com os <strong>de</strong><strong>do</strong>sentala<strong>do</strong>s na porta e fechou a porta, era mesmo mazinha.”Pai: “Os mimos que se dá aos irmãos ela fica…”Mãe: “É horrível.”Pai: “Fica <strong>de</strong> morte.”Mãe: “Hum, hum. Não é que se fizesse distinções, mas na cabeça <strong>de</strong>la existiam distinções.”Pai: “O Tomás não, o Tomás é aquela máquina. Não se passa nada. «Vocês estão aí, eu estouaqui, mais nada».”Mãe: “Lá <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong> faz as suas guerrinhas, não é?”Ψ: “Quan<strong>do</strong> saíram <strong>do</strong> hospital, com quem é que o Tomás ficou, teve apoio <strong>de</strong> alguém?”Mãe: “Com a mãe. <strong>Na</strong> altura foi comigo, porque eu não estava a trabalhar nessa altura.”Ψ: “E ficou com o Tomás até quan<strong>do</strong>?”Mãe: “Já não sei… Olhe, já nem sei…”Pai: “Tu ficaste com o Tomás até sempre pá!”260


Mãe: “Não, até mais ou me<strong>no</strong>s um a<strong>no</strong>. Depois ficou com a avó até ir p’ra pré e na pré <strong>de</strong>pois aavó ia buscá-lo e ficava com ela até que eu saísse <strong>do</strong> trabalho, eles estavam os três numa escolaperto da avó, para ela me dar algum apoio se fosse preciso.”Ψ: “O Tomás começou a ser segui<strong>do</strong> em consultas <strong>de</strong> psicologia porque motivo?”Mãe: “Foi quan<strong>do</strong> foi para a primária, porque quan<strong>do</strong> ele foi para a pré mandaram uma cartapara o Garcia <strong>de</strong> Orta, a pedir que ele fosse visto porque tinha algumas dificulda<strong>de</strong>s. É assim, naaltura eu não liguei muito porque enquanto os outros meni<strong>no</strong>s tinham anda<strong>do</strong> em infantários oTomás não, tinha esta<strong>do</strong> em casa, é diferente, e <strong>no</strong>ta-se bem, então eu não liguei muito, mas<strong>de</strong>ixei mandarem o relatório e aquela coisa toda, como eu já tinha o A e a N a serem segui<strong>do</strong>s.Entretanto, a pe<strong>do</strong>psiquiatra fez uma consulta ou duas com ele, e man<strong>do</strong>u para a psicóloga.”Ψ: “Mas portanto, foi a escola quem referenciou o Tomás…”Mãe: “Foi, porque ele tinha muitas dificulda<strong>de</strong>s, só conseguia trabalhar com jogos, nem sequerqueria saber das histórias que contavam lá na pré, quan<strong>do</strong> lhe faziam perguntas ele nem sequersabia <strong>do</strong> que é que se tinha fala<strong>do</strong>, o interesse <strong>de</strong>le, naquela altura, dizia-me a educa<strong>do</strong>ra, eram oslotos, e os legos, e coisas que ele tivesse que construir.”Ψ: “Sozinho ou com outros meni<strong>no</strong>s?”Mãe: “Normalmente ele gostava <strong>de</strong> trabalhar sozinho, não quer dizer que não brincasse comoutros meni<strong>no</strong>s, ele também brincava, ele sempre foi muito amigo e muito fácil <strong>de</strong> fazerbrinca<strong>de</strong>iras, mesmo <strong>no</strong> parque, quan<strong>do</strong> ia comigo, ele fazia amigos com uma facilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>ida,parecia que já os conhecia. A<strong>do</strong>rava ir ao parque e brincar. <strong>Na</strong> escola, a única dificulda<strong>de</strong> que elessentiam, pronto, é que ele <strong>de</strong>sligava completamente, não conseguia ‘tar numa ca<strong>de</strong>ira sossega<strong>do</strong> atrabalhar, não conseguia acabar as coisas, e a Educa<strong>do</strong>ra começou a ficar preocupada, que elatinha qualquer coisa <strong>de</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial, e então começou a trabalhar com ele um pouco mais àparte, e às vezes pedia-me para ficar mais um bocadinho com ele, para fazer umas fichas, umacoisitas com ele, e foi quan<strong>do</strong> ela começou a aperceber-se que havia ali qualquer coisa que nãoestava bem. Depois a pe<strong>do</strong>psiquiatra questio<strong>no</strong>u se a Educa<strong>do</strong>ra achava melhor ele repetir a préou passar para o primeiro a<strong>no</strong>, ela andava um bocadinho in<strong>de</strong>cisa e <strong>de</strong>pois ela disse: «vamosexperimentar que ele passe para o primeiro a<strong>no</strong>, po<strong>de</strong> ser que até dê um salto». Ele realmente foimas <strong>no</strong>tou-se realmente que ‘tava atrasa<strong>do</strong> em relação aos outros, mesmo a fazer o <strong>no</strong>me, aapren<strong>de</strong>r certas coisas, ele ig<strong>no</strong>rava.”Ψ: “E ao que é que os pais atribuem essa situação?”Mãe: “Eu na altura nem sabia bem. Pensava que era <strong>de</strong> ele ‘tar con<strong>no</strong>sco até mais tar<strong>de</strong> em casa,apesar <strong>de</strong> que os outros também tiveram e pronto, eram diferentes, mas há sempre crianças commais facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem e outras com mais dificulda<strong>de</strong>, e eu fiquei sempre naquela coisa«oh, se calhar ele tem mais dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> que os outros», não liguei muito ao assunto na altura.Quan<strong>do</strong> foi na primeira classe fiquei um boca<strong>do</strong> preocupada, não é, porque ele já se sentia, osoutros conseguirem ler e ele não conseguir, comecei a <strong>no</strong>tar que ele ‘tava a ficar um boca<strong>do</strong> triste.E <strong>de</strong>pois a professora era constantemente reca<strong>do</strong>s na ca<strong>de</strong>rneta, porque o Tomás <strong>de</strong>sorienta umaturma <strong>de</strong> 22 meni<strong>no</strong>s, to<strong>do</strong>s os dias havia reca<strong>do</strong>s.”261


Ψ: “E começaram a ter queixas <strong>do</strong> comportamento também…”Mãe: “Do comportamento, porque como não lhe apetecia ouvir aquilo, fazer isto ou aquilo,«mas p’ra quê que eu tenho que fazer isto?», arranjava brinca<strong>de</strong>iras. Ele fazia palhaçadas para osoutros se rirem, ele andava à volta das mesas, não conseguia estar cinco minutos senta<strong>do</strong>, eandava <strong>de</strong>baixo das mesas, e porque andava a correr, <strong>de</strong>pois ela não o <strong>de</strong>ixava ir ao recreioporque ele se atrasava a fazer as fichas, e ele começou-se a aperceber que <strong>de</strong> facto havia ali umadiferença. E ele via que os outros meni<strong>no</strong>s já liam e ele não, é que o Tomás esquece-se muito dasletras, apren<strong>de</strong> agora uma letra e daqui a boca<strong>do</strong> já não se lembra. Ele também tinha aquela coisa<strong>do</strong> efeito <strong>de</strong> espelho <strong>no</strong> inicio, que fazem as coisas <strong>do</strong> avesso, como se costuma dizer, agora jánão é tanto, às vezes ainda faz certas coisas mas agora já não é tanto, foi muita coisa…estaprofessora da primeira classe voltou a insistir, escreveu um relatório para o hospital, entãopronto, tem esta<strong>do</strong> a ser segui<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> essa altura. Este a<strong>no</strong>, ‘tá mais ou me<strong>no</strong>s, pronto, mas éassim, como o a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> aquilo passou-lhe tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>, este a<strong>no</strong> é que ele ‘tá mesmo acomeçar uma primeira classe, porque o a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> aquilo passou-lhe mesmo tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>. Aúnica coisa que eu <strong>no</strong>to assim mais é, pronto, ele as letras havia qualquer coisa que ele ainda selembrava, as contas para ele nunca foi problema, é o oposto <strong>do</strong>s irmãos, ele a matemática a<strong>do</strong>raaquilo, e foi o escrever. Se lhe <strong>de</strong>rem duas fichas, uma <strong>de</strong> português e outra <strong>de</strong> matemática, elediz logo: «esta fica para amanhã, esta eu faço agora». Ele <strong>de</strong>testa letras, aquilo é um bicho <strong>de</strong> setecabeças.”Ψ: “Como é que ele costuma fazer os trabalhos, sozinho, com os pais?”Mãe: “Normalmente faz sozinho, eu tenho que lhe ler o que está nas fichas…”Pai: “Ele espera por ti para fazer os trabalhos.”Ψ: “O que é o que pai pensa acerca <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isto que a mãe tem esta<strong>do</strong> a dizer sobre o Tomás, asdificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>le…”Pai: “É um rótulo, os professores puseram-lhe um rótulo «<strong>de</strong>ixa estar, tu és um miú<strong>do</strong>problemático…». Porque é assim: se o obrigarem a fazer as coisas o Tomás faz. Demora maistempo mas faz. Tem que se insistir muito. A história <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong> casa: comigo é «Tomás, vaifazer os trabalhos <strong>de</strong> casa», vai enrolan<strong>do</strong>, vai enrolan<strong>do</strong>, mas vai fazen<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> chega a mãenão faz porquê? Porque quan<strong>do</strong> chega a mãe, tu lês, explicas tu<strong>do</strong>…”Mãe: “Porque senão ele não percebe…”Pai: “Não, porque «isto é o A, isto é o B, isto é o C…», e pronto, já ‘tá!”Mãe: “Não é bem assim, mas pronto…”Pai: “Desculpa?! É 100% assim, não falha nada, <strong>de</strong>pois vai e conversa um bocadinho com oirmão, daí a bocadinho, «oh mãe, e isto é o quê?», «então filho, isto é assim, assim…».”Mãe: “Ele não consegue ler… eu tenho que lhe ler as coisas e às vezes aju<strong>do</strong>-o nas pinturas…”Pai: “Comigo não. «Não tiveste na escola?! Então tens que saber, vá.». Fica ali, a olhar pr’aquilo,à espera que a mãe venha, não faz mais nada. Não faz porque não quer, porque sabe que ela lhe262


faz,’tá a perceber?” (a mãe ri-se, um pouco embaraçada) “Então você vai fazer algum trabalho se tiveralguém que faça? Se a mãe tiver alturas que não está, ele começa a fazer as letras para ocuparemtrês linhas só para não fazer tu<strong>do</strong>. Depois eu digo-lhe para fazer mais peque<strong>no</strong> e ele lá faz.Depois eu digo-lhe: «Oh pá, isto ‘tá horroroso, faz lá outra vez», e ele lá vai.”Mãe: “Fica dana<strong>do</strong>…”Pai: “Fica, mais vai fazen<strong>do</strong>, tem é que se espicaçá-lo um boca<strong>do</strong> e massacrá-lo um boca<strong>do</strong>.Agora se eu digo «isto é o A, o B, o C…», é que ainda por cima escreve. Olha, ‘pera lá umbocadinho…”Mãe: “Não, eu costumo pintar, ele <strong>de</strong>testa pintar…”Pai: “Eles são crianças, apren<strong>de</strong>m 30 vezes mais rápi<strong>do</strong> que nós, e o que lhes convém então…Quan<strong>do</strong> eu vou buscá-lo «qual é que era a cor que tiveste?», «Ah, não vais gostar», porque eleanda ali a enrolar, «Não foi ver<strong>de</strong> pois não?». «Ah, os outros falaram e assim…», «E tu nãofalaste?».”Mãe: “Porque <strong>de</strong>pois é sempre os outros…”Pai: “Então agora chegas a casa e metes-te a fazer os trabalhos. Mas não fazia. Esperava que amãe chegasse para fazer as coisas…”Mãe: “Não é bem assim, era para ler as coisas…”Pai: “Acreditas nisso? (…) É que é impressionante. Ele é capaz <strong>de</strong> estar um dia inteiro a olharpara o papel à espera da solução mais fácil, e a solução mais fácil é esperar pela mãe.”Mãe: “Não, ele a matemática, por exemplo, ele nem conta pelos <strong>de</strong><strong>do</strong>s, ele faz <strong>de</strong> cabeça…”Pai: “Às vezes as fichas que eles trazem também não são muito claras, não são simples…”Mãe: “Não são não…”Pai: “Não sei, fico assim, «Olha, faz assim…».”Mãe: “Mas pronto, a matemática <strong>no</strong>to muita diferença. Esta professora, a outra investia maisnele e ajudava-o mais, esta, também tem uma turma com mais meni<strong>no</strong>s, com mais três comproblemas ainda mais graves <strong>do</strong> que o Tomás, e dá-me i<strong>de</strong>ia que ela já <strong>de</strong>ve ir a pensar «MeuDeus como é que vai ser o meu dia?». E <strong>de</strong>pois, se houver alguma coisa com algum miú<strong>do</strong>, uma<strong>do</strong>r <strong>de</strong> barriga, uma <strong>do</strong>r <strong>de</strong> cabeça…”Pai: “Manda-o logo para casa.”Mãe: “Até mesmo esta coisa <strong>de</strong> ele este a<strong>no</strong> não gostar <strong>de</strong> ir para a escola tem um boca<strong>do</strong> a vercom isso. A professora <strong>do</strong> a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> era muito carinhosa mesmo, quer dizer, mesmo fora dasaulas ela dava muita atenção aos miú<strong>do</strong>s. Ainda este a<strong>no</strong> sempre que ela vê o Tomás ela faz umafesta, e ele também gosta muito <strong>de</strong>la, e ela ‘tá sempre a procurá-lo «Então, já sabes ler? É que eu‘tou à espera que me vás lá ler um texto à sala.» e ele fica sempre to<strong>do</strong> incha<strong>do</strong>. E ele tem diasque vem assim mais tristinho e eu procuro o que se passou e ele diz: «É aquela professora, aquela263


professora». Mas ele como está num segun<strong>do</strong> a<strong>no</strong> mas com a matéria <strong>do</strong> primeiro, teve que ficarcom esta professora, só que realmente ele <strong>no</strong>tou uma diferença muito gran<strong>de</strong>. E os três pioresmeni<strong>no</strong>s, o Tomás incluí<strong>do</strong>, põe-<strong>no</strong>s assim um boca<strong>do</strong> à parte.”Ψ: “O Tomás tem algum tipo <strong>de</strong> apoio, ou Ensi<strong>no</strong> Especial?”Mãe: “Tem, tem uma professora <strong>do</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial que vai lá às 2ªs e 5ªs para os meni<strong>no</strong>s quetêm mais dificulda<strong>de</strong>s. Ele, por exemplo, tem uma avaliação diferente <strong>do</strong>s outros meni<strong>no</strong>s porqueele entrou naquele <strong>de</strong>creto, e essa Sr.ª <strong>do</strong> Ensi<strong>no</strong> Especial, ele gosta muito <strong>de</strong>la, mesmo quan<strong>do</strong>ralha ou <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ralhar. A letra <strong>de</strong>le ‘tá ligeiramente melhorada, a leitura é que pronto, mas ele vaifazen<strong>do</strong>. E basta ‘tar <strong>no</strong> fim-<strong>de</strong>-semana em casa que quan<strong>do</strong> chega à 2ªf é um horror…”Pai: “Isso são to<strong>do</strong>s assim, à segunda-feira é sempre mais difícil e quan<strong>do</strong> voltam das férias.”Mãe: “Mas por exemplo o A já não tem nada a ver, o A não é nada assim. Parece que tem molas.Trata <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> sozinho, levanta-se às sete, veste-se, faz o peque<strong>no</strong>-almoço <strong>de</strong>le…”Ψ: “E o Tomás em relação à auto<strong>no</strong>mia?”Mãe: “O Tomás é assim…”Pai: “Tu<strong>do</strong> à última da hora!”Mãe: “Mas sozinho…”Pai: “Mas tu<strong>do</strong> à última da hora.”Mãe: “Tem que ser é mais <strong>de</strong>vagarinho.”Pai: “Ele é até ao limite.”Mãe: “O Tomás <strong>de</strong> manhã é: «’Tá bem, já vou…»…”Pai: “«Dói-me a cabeça»…”Mãe: “«Dói-me tanto as pernas… Ena mãe, ‘tou tão cansa<strong>do</strong> hoje». Ele veste-se <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>, não seicomo é que ele consegue! Até enerva, e eu a ver as horas a passar… À <strong>no</strong>ite é capaz <strong>de</strong> andar porali, anda, anda, e faz ronha, e às vezes encosta-se ao pai <strong>no</strong> sofá mais um bocadinho…”Pai: “Depois eu chateio-me e vai tu<strong>do</strong> a toque…”Mãe: “Mas ele <strong>de</strong>pois também não discute muito, quan<strong>do</strong> vê que o pai se ‘tá a passar, vai logo.”Ψ: “Os senhores <strong>no</strong>tam diferença entre a relação <strong>do</strong> Tomás com a mãe e com o pai?”Mãe: “Comigo é muito protector…”Pai: “Comigo às vezes eu gosto <strong>de</strong> ficar assim <strong>no</strong> sofá para <strong>de</strong>scomprimir e ele vem-seaconchegar a mim. Não é aquele rapaz <strong>de</strong> andar sempre a agarrar-me ou assim, para lhe arrancarum beijo, uiii, «beijos é para os maricas, homens não»…”264


Mãe: “É, até com o meu sogro, ele ia para o cumprimentar com um beijo e ele estica-lhe a mão.O pai às vezes «dá-me lá um bjinho <strong>de</strong> boa <strong>no</strong>ite» e ele primeiro que dê…”Pai: “E ele tem uma coisa que ele às vezes não sabe quan<strong>do</strong> é que há-<strong>de</strong> parar. Eu à <strong>no</strong>ite gosto <strong>de</strong>’tra um bocadinho na palhaçada com eles, nem que seja um minuto ou <strong>do</strong>is e às vezes «chega,vamos <strong>do</strong>rmir», e ele não sabe parar, às vezes já chateia, ele continua naquela coisa…”Mãe: “Ele não sabe que quan<strong>do</strong> a gente diz não é não, ele tenta sempre ir até ao limite.Enquanto que o A agente diz: «não, acabou», o A aceita. E agora ‘tá numa faze que eu às vezesaté digo «Mas tu tens que ida<strong>de</strong>? Tu fizeste agora 8 a<strong>no</strong>s, e ainda ‘tás pior!». Porque ele agora numcoiso, num riso, que até irrita, a gente diz qualquer coisa e ele ri-se, ri-se, parece que ‘tá sempre agozar com a gente…”Pai: “E grita e <strong>de</strong>pois começa a chorar…”Mãe: “Ele agora, por tu<strong>do</strong> e por nada grita, por tu<strong>do</strong> e por nada, se a gente lhe diz alguma coisaque ele não gosta, chora…”Pai: “Anda satura<strong>do</strong> com qualquer coisa.”Mãe: “Há qualquer coisa.”Ψ: “Ele tem amigos preferenciais?”Mãe: “Ele anda sempre com uma menina que ele diz que é namorada <strong>de</strong>le, ela é um bocadinhomaria-rapaz, mas prontos. Ela é que lhe guarda o <strong>lugar</strong> <strong>no</strong> refeitório p’ra comer e tu<strong>do</strong>, é umacoisa os <strong>do</strong>is, andam sempre os <strong>do</strong>is. Com os rapazes este a<strong>no</strong> nesta turma ele não se dá assimmuito bem. Quem lhe bateu da outra vez não foram os meni<strong>no</strong>s da turma <strong>de</strong>le, não tem nada aver, são uns meni<strong>no</strong>s gran<strong>de</strong>s. Ele ‘tava a brincar na caixa da areia e apareceu lá um miú<strong>do</strong> e eledisse: «sai daqui que eu ‘tou a brincar», e o outro atirou-lhe areia. Acho que ele se passou, o outro<strong>de</strong>u-lhe um empurrão e ele também, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u-se. Ele é bruto, mas o outro era maior e acho quefoi buscar outros. Ele é magrinho e coiso mas é bruto, e quan<strong>do</strong> se enerva vai tu<strong>do</strong> à frente.”Pai: “Fica vermelho aqui <strong>de</strong> la<strong>do</strong> e tu<strong>do</strong> o que consegue atirar, jogar, vai tu<strong>do</strong>…”Mãe: “Ele é fraganito e tu<strong>do</strong> mais vai tu<strong>do</strong> à frente, e na escola como não se conseguir <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rtremia por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s, ‘tava tão exalta<strong>do</strong>, tão nervoso, chorava baba e ranho. Nesse dia, nãose foi <strong>do</strong>s nervos se <strong>do</strong> que foi, ele encheu-se <strong>de</strong> diarreia. Eu já <strong>no</strong>tei que quan<strong>do</strong> ele se enervacom qualquer coisa <strong>de</strong>sarranja-lhe o estômago e vai constantemente à casa <strong>de</strong> banho.”Ψ: “Que expectativas é que os pais têm agora, que ele este a<strong>no</strong> seja aprova<strong>do</strong>?”Mãe: “É assim, em princípio penso que sim, pronto… ela a única coisa que me disse era ocomportamento, continua a ser o comportamento... Diz que está lá mas não está lá muitas dasvezes. Quan<strong>do</strong> a pe<strong>do</strong>psiquiatra lhe passou o Concerta diz que <strong>no</strong>s primeiros dias ainda <strong>no</strong>toualguma coisa, a primeira semana pronto. Diz que ainda <strong>no</strong>tou alguma coisa. Diz que agora não<strong>no</strong>ta absolutamente nada. A pe<strong>do</strong>psiquiatra <strong>de</strong>pois man<strong>do</strong>u-lhe dar um Riperidal à <strong>no</strong>ite, diz quenão <strong>no</strong>ta nada. Quer dizer, pronto… daqui a pouco o miú<strong>do</strong>… E então eu disse-lhe: «Então olhe265


é assim, o que a pe<strong>do</strong>psiquiatra o que me disse foi isto assim, eu ‘tou a fazer como ela meman<strong>do</strong>u, agora… não posso fazer mais nada.»”.Pai: “É <strong>de</strong>le já. As próprias coisas são <strong>de</strong>le, a maior parte as coisas é <strong>do</strong> feitio <strong>de</strong>le.”Mãe: “Pois claro. Mas ela dá-me i<strong>de</strong>ia que querer que os miú<strong>do</strong>s estejam ali meios a <strong>do</strong>rmir. Eucheguei-lhe a dizer logo <strong>de</strong> inicio, quan<strong>do</strong> foi com o Concerta. Ela <strong>de</strong>pois quis falar comigo eprocurar-me: «Oh começou a dar-lhe o concerta.», e eu disse: «Comecei.»... Quan<strong>do</strong> ape<strong>do</strong>psiquiatra me man<strong>do</strong>u, foi logo a seguir as férias <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal, porque nas férias <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal nãotem lógica. E ela disse: «Oh, mas <strong>de</strong>via ter da<strong>do</strong> antes porque eu assim não <strong>no</strong>to nada…» e nãosei quê. Eu disse-lhe: «Olhe, eu <strong>de</strong>i como a médica me man<strong>do</strong>u dar, e ela é que sabe. <strong>Na</strong>s fériaseles têm que fazer é o <strong>de</strong>scanso até, portanto não têm que tomar nas férias. Ao fim <strong>de</strong> semanatambém não tomam porque é o <strong>de</strong>scanso <strong>de</strong>les. Só tomam realmente quan<strong>do</strong> têm que ir para aescola. «Ah, mas é que eu não <strong>no</strong>to nada e assim…».”Ψ: “E os pais, os senhores achavam que havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ele estar medica<strong>do</strong>? Ou seja, emcasa as coisas correm melhor, essas alterações <strong>de</strong> comportamento, o facto <strong>de</strong> ele ser maisinquieto…”Mãe: “Ele é inquieto, eu sempre o achei inquieto. Eu acho que ele sempre foi assim. Tem alturasque se <strong>no</strong>ta que está mais agita<strong>do</strong>…”Pai: “Sempre foi aquele tipo <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong> querer fazer tu<strong>do</strong> ao mesmo tempo e <strong>de</strong>pois nãoconsegue acabar nada, impulsivo. Ou é manda<strong>do</strong> fazer mesmo ou senão por ele não faz. Peganuma coisa, <strong>de</strong>pois pega <strong>no</strong>utra… E <strong>de</strong>pois é matreiro, é matreiro. Se tem que fazer os trabalhose eu me distraio um bocadinho quan<strong>do</strong> vou ver, quais trabalhos, ‘tá lá a folha e o lápis, mais nada.Depois quan<strong>do</strong> o tempo ‘tá a acabar faz tu<strong>do</strong> em cima <strong>do</strong> joelho. Depois aqui a Sr.ª Dr.ª, a<strong>do</strong>utorada…”Mãe: “Senão ele leva até à <strong>no</strong>ite p’ra fazer as coisas…”Pai: “Quan<strong>do</strong> chega «Não vês que ‘tá mal?! Aqui não é p A é o B.». E ele: «Ah, pois é.»…”Mãe: “Mas faz.”Pai: “Fazes tu!”Mãe: “Eu não faço, eu simplesmente às vezes digo as coisas. Ele é que faz, não sou eu. Olha eu afazer a letra <strong>de</strong>le! Era complica<strong>do</strong>! Eu não faço… (o pai encolhe os ombros, num misto <strong>de</strong> resignação eoposição) Eu às vezes pinto…pinto porque eu a<strong>do</strong>ro pintar e ele <strong>de</strong>testa e <strong>de</strong>pois diz-me «Oh mãe,dói-me tanto a mão, podias-me ajudar a pintar.». E quan<strong>do</strong> eu <strong>do</strong>u conta já pintei o <strong>de</strong>senhoquase to<strong>do</strong> e ele não saiu <strong>do</strong> sítio.”Pai: “E às vezes não tem muita <strong>no</strong>ção das cores…”Mãe: “Ele gosta <strong>de</strong> fazer tu<strong>do</strong> fora <strong>do</strong> vulgar, por exemplo um elefante ele às vezes não pinta <strong>de</strong>cinzento, pinta <strong>de</strong> cor <strong>de</strong> rosa, azul, ver<strong>de</strong>, mas ele diz que fica mais giro, inventa com cada uma,tem que ser tu<strong>do</strong> diferente.”266


Ψ: “Para terminarmos, algum marco significativo <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>le, algumacontecimento, positivo ou negativo, que os pais consi<strong>de</strong>rem importante assinalar?”Mãe: “Não… O meu pai faleceu mas o Tomás era bebezito não se apercebeu, não teve <strong>no</strong>ção.Eu acho que isso também lhe passa tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>.”Pai: “Ele não é muito sentimental…”Mãe: “Não, não, passa-lhe tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>. <strong>Na</strong>sceu a minha sobrinha, eu <strong>no</strong>to às vezes aqueleciuminho comigo, quan<strong>do</strong> eu estou a falar com ela, <strong>de</strong>pois vem para o meu colo, mas tambémnão é nada <strong>de</strong> especial.”Pai: “Mas o miú<strong>do</strong> não tem problemas nenhuns, ao fim e ao cabo. A gente po<strong>de</strong> sair e <strong>de</strong>ixá-locom algum <strong>do</strong>s irmãos e ele fica bem. Eles vão brincar, não mexem em nada perigoso, nada, ‘tãosempre ali resguarda<strong>do</strong>s.”Mãe: “O A diz logo: «Fechem tu<strong>do</strong>». O Tomás se tem fome, o A trata <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, muitas das vezesaté é o Tomás que vai, abre o pão, tu<strong>do</strong> sozinho, o Tomás é um boca<strong>do</strong> preguiçoso mas quan<strong>do</strong>precisa <strong>de</strong> alguma coisa arranja-se bem.”Pai: “Ele é muito prático. Só tem muito cuida<strong>do</strong> é com o cabelo, para pôr gel e assim…”Mãe: “E ele é que faz sozinho, não somos nós. Ele acaba <strong>de</strong> tomar banho e vai-se pentear,mesmo sem cabelo, p’ró espelho. Eles às vezes tomam banho juntos…”Pai: “Mas é mais para a brinca<strong>de</strong>ira, é mais p’ra apren<strong>de</strong>r a nadar <strong>do</strong> que p’ra tomar banho…Mas atenção: para ir à casa <strong>de</strong> banho tem <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> porta fechada, não <strong>de</strong>ixa ninguém estar aopé…”Mãe: “É uma coisa por <strong>de</strong>mais! Nem com o pai. Se o pai tiver a tomar banho ele espera para ir àcasa <strong>de</strong> banho… Nem com o irmão.”Ψ: “Para terminar, como é que <strong>de</strong>screveriam o Tomás, assim em poucas palavras?”Mãe: “Terrorista!”Pai: “Terrorista o quê? É <strong>no</strong>rmal da ida<strong>de</strong>…”Mãe: “Safa<strong>do</strong>…”Pai: “O quê?”Mãe: “Safa<strong>do</strong>. Desculpa mas é safa<strong>do</strong>.” (ri-se)Pai: “É um chico-esperto! Não é assim <strong>de</strong> fazer nada <strong>do</strong> outro mun<strong>do</strong>. Tem as suas coisas, queàs vezes não lembra a ninguém, nem sei se castigo se me rio.”Mãe: “E é carinhoso, é meiguinho…”Pai: “De vez em quan<strong>do</strong> tem que se chegar lá e dizer: «é assim, é assim».”267


Mãe: “Precisa <strong>de</strong> regras…porque senão ele abusa. Faz coisas <strong>do</strong> arco da velha…”Pai: “No outro dia fui dar com ele em cima da laranjeira, mas acha que ele tem problemas … «Sesubi tenho que <strong>de</strong>scer.»”Mãe: “Se fosse outro miú<strong>do</strong> ficava assim com me<strong>do</strong>, olhó A a subir a uma árvore!”Pai: “Não consegue apren<strong>de</strong>r a andar <strong>de</strong> bicicleta, é uma coisa incrível, não se endireita…”Mãe: “Depois enerva-se muito com aquilo…”Pai: “Vamos esperar que ele cresça mais um bocadinho. Não é gran<strong>de</strong> joga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> bola, mas eutambém não, o irmão também não.”Mãe: “Ele gosta mais <strong>de</strong> jogos, <strong>de</strong> montar coisas, puzzles, computa<strong>do</strong>r, <strong>no</strong> outro dia apren<strong>de</strong>u ajogar damas com a minha vizinha, p’ró fim já sabia mais <strong>do</strong> que ela. ‘Teve a jogar xadrez <strong>no</strong> outrodia contigo…”Pai: “No computa<strong>do</strong>r…”Mãe: “Mas <strong>de</strong>pois fica dana<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> per<strong>de</strong>.”Pai: “Não é guloso…”Mãe: “Não, gosta mais <strong>de</strong> salga<strong>do</strong>s. Não <strong>no</strong>s temos que chatear com nada.”Pai: “Vamos a qualquer la<strong>do</strong>, e estamos na sala <strong>de</strong> espera ou assim e eu digo-lhe: «Senta-te aqui,não saias daqui.», e ele fica, ele não sai dali. Este dá-me cabo da cabeça, este…”Ψ: “Porque diz isso?”Pai: “Porque é mais vivaço que os irmãos.”Mãe: “É o terceiro, já vem com a escola toda.”Ψ: “Mas o que é que o preocupa nesse senti<strong>do</strong>?”Pai: “O futuro. Quan<strong>do</strong> ele tiver 16 ou 17 a<strong>no</strong>s. Ou eu tenho que lhe mandar duas ou três perasvalentes, eu não sei como vai correr.”Mãe: “É porque ele faz frente…”Pai: “Nem é só o fazer frente… Este vai-me dar chatices. E não o vejo muito com amigos eisso… Este tem que ser mais disciplina<strong>do</strong>. Este sacana, as brinca<strong>de</strong>iras que ele faz às vezes sãobrinca<strong>de</strong>iras infantis, mas não, as malandrices que ele faz já trazem alguma maturida<strong>de</strong>. É muitomais astuto que o irmão…”Mãe: “O A é muito, muito ingénuo, vai para on<strong>de</strong> o mandarem, por exemplo… Mesmo com asraparigas, acredita muito <strong>no</strong> amor. Gosta muito <strong>de</strong> ajudar em casa, faz a cama, é diferente, émesmo aquele homem que as mulheres gostavam <strong>de</strong> ter. O Tomás já não, o Tomás é sabi<strong>do</strong>. OTomás também é <strong>de</strong> ajudar, mas não é tanto… Por enquanto ainda lhe vamos conseguin<strong>do</strong> dar a268


volta, tem oito a<strong>no</strong>s, mas quan<strong>do</strong> chegar à ida<strong>de</strong> da N ou isso… Porque ele refila, ele faz frente aalgumas coisas que a gente lhe diz, não <strong>no</strong>s diz directamente as coisas porque não po<strong>de</strong>, masamua.”Pai: “E fala muito.”Mãe: “Cansa-<strong>no</strong>s…”Pai: “Bla, bla, bla, bla, bla, bla…”Mãe: “Ele gosta muito <strong>de</strong> falar, e conta a história da vida <strong>de</strong>le toda, e <strong>de</strong>pois mete p’ra lá unsteatros… Ele vai mesmo pela saturação”Pai: “Come como um adulto, vai à casa <strong>de</strong> banho <strong>do</strong>s homens sozinho…”Mãe: “Ele faz tu<strong>do</strong> sozinho…”Pai: “Isso é que me custa, é ele estar na escola e estarem a dizer que ele é diferente. Se formos aum la<strong>do</strong> qualquer, não <strong>no</strong>s preocupamos, claro que há sempre aquela preocupação porque é umacriança, não dá gran<strong>de</strong>s chatices.”Ψ: “Bem, ficamos então por aqui então. Mais uma vez muito obriga<strong>do</strong> por terem aceiteparticipar nesta entrevista.”Mãe: “De nada, ora.”Ψ: “Então a<strong>de</strong>us e resto <strong>de</strong> uma boa tar<strong>de</strong>. Até à próxima.”Os <strong>do</strong>is: “A<strong>de</strong>us, boa tar<strong>de</strong>.”269


Resulta<strong>do</strong>s individuais - Statistical Package for Social Sciences (versão 19)Da<strong>do</strong>s socio<strong>de</strong>mográficos: Nível <strong>de</strong> Graffar: 3; Escolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais: Ambos – Ensi<strong>no</strong> Básico Preparatório; Antece<strong>de</strong>ntes psiquiátricos: Mãe – acompanhamento actual; Situação relacional parental: Casa<strong>do</strong>s; Situação profissional parental: Ambos – emprega<strong>do</strong>s.Nota: Refere-se que o reduzi<strong>do</strong> número <strong>de</strong> participantes não permitiu conduzir testes estatísticosque indiquem se as diferenças manifestas são ou não significativas, pelo que a análise realizada émeramente <strong>de</strong>scritiva.Resulta<strong>do</strong>s da Escala da Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo <strong>do</strong>s Pais -EMBU-CNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEMBU_Suporte3 2,57 3,50 3,0714 ,46839Emocional_MãeEMBU_Rejeição_Mãe 3 1,88 2,38 2,0417 ,28868EMBU_Tentativa <strong>de</strong>3 2,10 2,90 2,4000 ,43589Controlo_MãeEMBU_Suporte3 ,00 3,50 2,2143 1,92592Emocional_PaiEMBU_Rejeição_Pai 3 ,00 1,88 1,2500 1,08253EMBU_Tentativa <strong>de</strong>3 ,00 2,90 1,6667 1,49778Controlo_PaiValid N 3Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção <strong>do</strong> paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 3,40 3,40 3,4000 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,00 1,00 1,0000 .o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_P 1 2,80 2,80 2,8000 .aiValid N 1270


Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Coparentalida<strong>de</strong> – percepção da mãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã1 4,00 4,00 4,0000 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 1 1,75 1,75 1,7500 .o_MãeCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_1 3,00 3,00 3,0000 .MãeValid N 1AnáliseA análise das respostas <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> Tomás ao Questionário <strong>de</strong> Parentalida<strong>de</strong> permitem<strong>no</strong>sverificar que, uma vez mais, a dimensão mais assinalada se trata da Cooperação (mãe: 4; pai:3,4), a qual exprime o grau <strong>de</strong> apoio, valorização e respeito mutuo conjugal parental, seguida dadimensão <strong>de</strong> Conflito, com resulta<strong>do</strong>s que assumem valores igualmente significativos (mãe: 3; pai:2,8), exprimin<strong>do</strong> conflito entre os pais <strong>no</strong> que concerne às questões da parentalida<strong>de</strong>, a frequênciacom que os pais discutem ou estão em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> filho, o quanto se me<strong>no</strong>sprezammutuamente enquanto pais. Seguin<strong>do</strong> a tendência geral <strong>do</strong>s três casos, a dimensão me<strong>no</strong>sassinalada pren<strong>de</strong>-se com grau <strong>no</strong> qual os pais sentem que um <strong>do</strong>s cônjuges cria um aliança como filho, me<strong>no</strong>sprezan<strong>do</strong>-o ou excluin<strong>do</strong>-o, ou seja, a dimensão <strong>de</strong> Triangulação (mãe: 1,75; pai: 1).Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção da mãe sobresi própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Mãe 1 3,53 3,53 3,5333 .Estilo autoritário Mãe_Mãe 1 1,67 1,67 1,6667 .Estilo permissivo Mãe_Mãe 1 1,40 1,40 1,4000 .N 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção damãe sobre o paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Pai 1 2,20 2,20 2,2000 .Estilo autoritário Mãe_Pai 1 2,50 2,50 2,5000 .Estilo permissivo Mãe_Pai 1 1,80 1,80 1,8000 .Valid N 1271


Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção <strong>do</strong> pai sobresi próprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Pai 1 2,67 2,67 2,6667 .Estilo autoritário Pai_Pai 1 2,25 2,25 2,2500 .Estilo permissivo Pai_Pai 1 1,00 1,00 1,0000 .Valid N 1Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Dimensões e Estilos Parentais – percepção <strong>do</strong> pai sobre amãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Mãe 1 3,47 3,47 3,4667 .Estilo autoritário Pai_Mãe 1 1,58 1,58 1,5833 .Estilo permissivo Pai_Mãe 1 1,80 1,80 1,8000 .Valid N 1AnáliseA partir da análise das respostas <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> Tomás ao Questionário <strong>de</strong> Dimensões eEstilos Parentais, e à semelhança <strong>do</strong> que aconteceu <strong>no</strong>s casos anteriores, é passível <strong>de</strong> verificarque, <strong>no</strong> que concerne à percepção <strong>do</strong>s pais sobre si próprios o estilo, segun<strong>do</strong> a tipologia <strong>de</strong>Baumrind (1966), <strong>no</strong> qual admitem rever-se trata-se <strong>do</strong> Autoritativo (= mãe: 3,53; pai: 2,66), bemcomo aquele que o pai i<strong>de</strong>ntifica na esposa (= 3,46). Destacamos que, contrariamente, a mãe <strong>de</strong>Tomás consi<strong>de</strong>ra que o estilo parental <strong>do</strong> cônjuge reflecte um registo Autoritário (=2,5), sen<strong>do</strong>que este, na avaliação <strong>do</strong> seu próprio estilo parental revela uma gran<strong>de</strong> elevação nessa dimensão(=2,25), o que consi<strong>de</strong>rámos reflectir a tendência geral <strong>de</strong> actuação <strong>do</strong> pai da criança(verifican<strong>do</strong>-se, por exemplo, <strong>no</strong>s seus relatos na entrevista) na sua relação com ela.Resulta<strong>do</strong>s da Escala <strong>de</strong> Preocupações ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Problemas <strong>familiar</strong>es e1 3,00 3,00 3,0000 .preocupações escolaresPP_Desenvolvimento1 3,50 3,50 3,5000 .InfantilPP_Comportamentos1 3,29 3,29 3,2857 .negativosPP_Preparação 1 5,33 5,33 5,3333 .PP_Me<strong>do</strong>s 1 4,75 4,75 4,7500 .Valid N 1272


AnáliseAtravés das respostas à Escala <strong>de</strong> Preocupações Parentais verificamos que as maioresapreensões que os pais <strong>de</strong> Tomás assumem ter em relação ao filho pren<strong>de</strong>m-se com o seu nível<strong>de</strong> Preparação (= 5,33), por exemplo em relação à escola ou a alguma situação relativa aocontexto <strong>familiar</strong> (“Preocupa-me se o meu filho está prepara<strong>do</strong> para ir para a escola”; “Preocupameo que <strong>de</strong>ve ser dito à criança em caso <strong>de</strong> separação <strong>do</strong>s pais”) – a qual po<strong>de</strong>rá relacionar-secom a gran<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tomás -, bem como com os Me<strong>do</strong>s que a criança manifesta (=4,75).Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Questionário <strong>de</strong> Práticas ParentaisNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_1 2,29 2,29 2,2857 .Disciplina RígidaPráticas Parentais_1 2,67 2,67 2,6667 .Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong>Práticas Parentais_1 2,33 2,33 2,3333 .Disciplina InconsistentePráticas Parentais_1 3,44 3,44 3,4375 .ApropriadaPráticas Parentais_1 1,33 1,33 1,3333 .Expectativas ClarasPráticas1 3,13 3,13 3,1333 .Parentais_Parentalida<strong>de</strong>PositivaPráticas1 2,89 2,89 2,8889 .Parentais_MonitorizaçãoValid N 1AnáliseNo que concerne às estratégias assumidas pelos pais <strong>de</strong> Tomás <strong>no</strong> Questionário <strong>de</strong>Práticas Parentais verificamos que o uso <strong>de</strong> Disciplina Apropriada (=3,43) parece ser apreferencial, a qual inclui o recurso ao elogio ou à recompensa perante um comportamentoapropria<strong>do</strong> ou o castigo perante um consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, seguida <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> Parentalida<strong>de</strong>Positiva (=3,13), as quais se traduzem por, a título <strong>de</strong> exemplo, <strong>de</strong>ixar a criança fazer uma coisaque gosta quan<strong>do</strong> se porta bem (e.g. ir ao cinema, brincar ou ver televisão mais tempo), ainda quese <strong>de</strong>va igualmente salientar a utilização <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> Monitorização (=2,88), tais comopermitir ou não que a criança fique em casa ou vá para a rua sem a presença <strong>de</strong> um adulto.273


Anexo RResulta<strong>do</strong>s gerais - Statistical Package for Social Sciences (versão 19)MãeQUESTIONÁRIO DE DIMENSÕES E ESTILOS PARENTAISEstilo autoritário – percepção da mãe sobre si própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritário Mãe_Mãe 3 1,67 2,83 2,1944 ,59122Valid N 3Estilo autoritativo – percepção da mãe sobre si própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Mãe 3 3,20 4,53 3,7556 ,69389Valid N 3Estilo permissivo – percepção da mãe sobre si própriaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo permissivo Mãe_Mãe 3 1,40 2,60 2,0000 ,60000Valid N 3Estilo autoritativo – percepção da mãe sobre o mari<strong>do</strong>/companheiroNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Mãe_Pai 3 2,20 4,60 3,2000 1,24900Valid N 3Estilo autoritário – percepção da mãe sobre o mari<strong>do</strong>/companheiroNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritário Mãe_Pai 3 1,50 2,50 2,1667 ,57735Valid N 3274


Estilo permissivo – percepção da mãe sobre o mari<strong>do</strong>/companheiroNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo permissivo Mãe_Pai 3 1,60 2,80 2,0667 ,64291Valid N 3PaiEstilo autoritativo – percepção <strong>do</strong> pai sobre si próprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Pai 3 2,67 4,60 3,4667 1,00885Valid N 3Estilo autoritário – percepção <strong>do</strong> pai sobre si próprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritário Pai_Pai 3 1,42 2,83 2,1667 ,71200Valid N 3Estilo permissivo – percepção <strong>do</strong> pai sobre si próprioNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPermissivo Pai_Pai 3 1,00 2,20 1,5333 ,61101Valid N 3Estilo autoritativo – percepção <strong>do</strong> pai sobre a esposa/companheiraNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritativo Pai_Mãe 3 2,73 4,87 3,6889 1,08389Valid N 3Estilo autoritário – percepção <strong>do</strong> sobre a esposa/companheiraNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo autoritário Pai_Mãe 3 1,50 2,33 1,8056 ,45896Valid N 3275


Estilo permissivo – percepção <strong>do</strong> pai sobre a esposa/companheiraNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEstilo permissivo Pai_Mãe 3 1,60 2,80 2,0667 ,64291Valid N 3276


QUESTIONÁRIO DE COPARENTALIDADEMãe:Cooperação percebida pela mãe como proveniente <strong>do</strong> cônjugeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCooperação_Mãe 3 4,00 4,80 4,4000 ,40000Valid N 3Triangulação percebida pela mãe como proveniente <strong>do</strong> cônjugeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 3 1,00 1,75 1,2500 ,43301o:MãeValid N 3Conflito percebi<strong>do</strong> pela mãe como proveniente <strong>do</strong> cônjugeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_3 2,20 3,80 3,0000 ,80000MãeValid N 3PaiVariáveis <strong>de</strong> coparentalida<strong>de</strong> (cooperação, triangulação e conflito) percebi<strong>do</strong>s pelo paicomo provenientes da esposaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoCoparentalida<strong>de</strong>_Cooperaçã3 3,40 4,80 4,0667 ,70238o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Triangulaçã 3 1,00 1,25 1,0833 ,14434o_PaiCoparentalida<strong>de</strong>_Conflito_P 3 1,80 2,80 2,3333 ,50332aiValid N 3277


ESCALA DE PREOCUPAÇÕES PARENTAISProblemas <strong>familiar</strong>es e preocupações escolaresNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Problemas <strong>familiar</strong>es e3 2,75 5,13 3,6250 1,30504preocupações escolaresValid N 3Desenvolvimento infantilNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Desenvolvimento3 2,13 4,00 3,2083 ,97093InfantilValid N 3Comportamentos negativosNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Comportamentos3 2,57 3,50 3,1190 ,48620negativosValid N 3PreparaçãoNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Preparação 3 2,67 6,00 4,6667 1,76383Valid N 3Me<strong>do</strong>sNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Me<strong>do</strong>s 3 2,75 5,00 4,1667 1,23322Valid N 3278


Tabela completaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPP_Me<strong>do</strong>s 3 2,75 5,00 4,1667 1,23322PP_Problemas <strong>familiar</strong>es e3 2,75 5,13 3,6250 1,30504preocupações escolaresPP_Desenvolvimento3 2,13 4,00 3,2083 ,97093InfantilPP_Comportamentos3 2,57 3,50 3,1190 ,48620negativosPP_Preparação 3 2,67 6,00 4,6667 1,76383Valid N 3279


QUESTIONÁRIO DE PRÁTICAS PARENTAISDisciplina rígidaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_3 2,21 3,00 2,5000 ,43448Disciplina RígidaValid N 3Disciplina rígida para a ida<strong>de</strong>NValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_3 2,21 3,00 2,5000 ,43448Disciplina RígidaValid N 3Disciplina inconsistenteNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_3 1,83 2,67 2,2778 ,41944Disciplina InconsistenteValid N 3Disciplina apropriadaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_3 3,19 4,38 3,6667 ,62604ApropriadaValid N 3Parentalida<strong>de</strong> positivaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentas_3 2,80 3,20 3,0444 ,21430Parentalida<strong>de</strong> PositivaValid N 3280


Expectativas clarasNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas Parentais_3 1,00 2,00 1,4444 ,50918Expectativas ClarasValid N 3MotorizaçãoValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas3 2,78 2,89 2,8519 ,06415Parentais_MonitorizaçãoValid N 3Tabela completaNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoPráticas3 2,78 2,89 2,8519 ,06415Parentais_MonitorizaçãoPráticas Parentais_3 2,21 3,00 2,5000 ,43448Disciplina RígidaPráticas Parentais_3 2,67 3,33 3,0000 ,33333Disciplina Rígida para aIda<strong>de</strong>Práticas Parentais_3 3,19 4,38 3,6667 ,62604ApropriadaPráticas Parentais_3 1,83 2,67 2,2778 ,41944Disciplina InconsistentePráticas Parentais_3 1,00 2,00 1,4444 ,50918Expectativas ClarasPráticas3 2,80 3,20 3,0444 ,21430Parentais_Parentalida<strong>de</strong>PositivaValid N 3281


EMBU – C (crianças <strong>do</strong>s 6 aos 12 a<strong>no</strong>s)Resulta<strong>do</strong>s da Escala da Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo da mãeNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEMBU_Suporte Emocional_Mãe 3 2,57 3,50 3,0714 ,46839EMBU_Rejeição_Mãe 3 1,88 2,38 2,0417 ,28868EMBU_Tentativa <strong>de</strong>3 2,10 2,90 2,4000 ,43589Controlo_MãeValid N 3Resulta<strong>do</strong>s da Escala da Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo <strong>do</strong> paiNValorMínimoValorMáximo Média Desvio padrãoEMBU_Suporte Emocional_Pai 3 ,00 3,50 2,2143 1,92592EMBU_Rejeição_Pai 3 ,00 1,88 1,2500 1,08253EMBU_Tentativa <strong>de</strong>3 ,00 2,90 1,6667 1,49778Controlo_PaiValid N 3282


Antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicosCARACTERIZAÇÃO SÓCIO-DEMOGRÁFICAAcompanhamento psicológico/psiquiátrico mãeFrequênciaAbsoluta Percentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Teve anteriormente 2 66,7 66,7 66,7Tem actualmente 1 33,3 33,3 100,0Total 3 100,0 100,0Acompanhamento psicológico/psiquiátrico paiFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid <strong>Nunca</strong> teve 3 100,0 100,0 100,0Escolarida<strong>de</strong>ValidEnsi<strong>no</strong> básico preparatório(5 a 9 a<strong>no</strong>s escolarida<strong>de</strong>)Escolarida<strong>de</strong> da mãeFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumulada3 100,0 100,0 100,0ValidEscolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paiFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaEnsi<strong>no</strong> primário (0-4 a<strong>no</strong>s2 66,7 66,7 66,7escolarida<strong>de</strong>)Ensi<strong>no</strong> básico preparatório1 33,3 33,3 100,0(5 a 9 a<strong>no</strong>s escolarida<strong>de</strong>)Total 3 100,0 100,0Da<strong>do</strong>s relativos ao nível <strong>de</strong> GraffarFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Bairro resi<strong>de</strong>ncial bom 1 33,3 33,3 33,3Ruas comerciais ou estreitas1 33,3 33,3 66,7ou antigasBairro populoso ou <strong>de</strong> valor1 33,3 33,3 100,0diminuí<strong>do</strong>Total 3 100,0 100,0283


Esta<strong>do</strong> civilEsta<strong>do</strong> civil mãeFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Casa<strong>do</strong>/a 3 100,0 100,0 100,0Esta<strong>do</strong> civil paiFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Casa<strong>do</strong>/a 3 100,0 100,0 100,0Situação profissionalSituação profissional mãeFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Emprega<strong>do</strong>/a 2 66,7 66,7 66,7Reforma<strong>do</strong>/a 1 33,3 33,3 100,0Total 3 100,0 100,0Situação profissional paiFrequênciaAbsolutaPercentagem PercentagemPercentagemAcumuladaValid Desemprega<strong>do</strong>/a 1 33,3 33,3 33,3Emprega<strong>do</strong>/a 2 66,7 66,7 100,0Total 3 100,0 100,0284


285

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!