Novas Diretrizes em Tempo de Paz
Novas Diretrizes em Tempo de Paz
Novas Diretrizes em Tempo de Paz
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sei que ninguém quer saber <strong>de</strong> mim. Eu fiz o que eles mandaram e eles quer<strong>em</strong><br />
esquecer que mandaram fazer o que eu fiz.<br />
CLAUSEWITZ - E o senhor cumpriu or<strong>de</strong>ns...<br />
SEGISMUNDO - S<strong>em</strong> pestanejar. S<strong>em</strong> n<strong>em</strong> cobrir o rosto. (TEMPO) Só uma vez<br />
eu cobri o rosto. É, uma vez eu cobri o rosto com uma máscara... (TEMPO) Minha<br />
irmã. Aí na foto... É a minha família, sabe? Um dia eu viajava com ela para o Rio<br />
Gran<strong>de</strong>, quando um caminhão cortou a minha frente. Quando eu acor<strong>de</strong>i já estava<br />
no hospital. B<strong>em</strong>. Não aconteceu nada comigo, o carro escapou <strong>de</strong> lado com a<br />
freada e foi colhido pelo caminhão que vinha na outra direção. O lado do<br />
passageiro. O lado on<strong>de</strong> estava sentada minha irmã. Ela ficou entre a vida e a<br />
morte. Se não fosse um médico... Um cirurgião... Um rapaz, um rapaz simpático...<br />
Fez <strong>de</strong> tudo para salvar minha irmã e conseguiu. Uns anos <strong>de</strong>pois me mandaram<br />
quebrar os ossos da mão <strong>de</strong> um cirurgião que estava preso conosco. (TEMPO) E<br />
era ele. O médico que salvou minha irmã.<br />
CLAUSEWITZ- O senhor obe<strong>de</strong>ceu?<br />
SEGISMUNDO - Eu disse: foi a única vez <strong>em</strong> que usei uma máscara. (TEMPO)<br />
Quebrei osso por osso das mãos do médico que salvou a vida da minha irmã.<br />
CLAUSEWITZ - Por que você fez uma coisa <strong>de</strong>ssas?<br />
SEGISMUNDO - Porque eu sou pior que o senhor.<br />
Silêncio.<br />
SEGISMUNDO - Foi a única vez que eu escondi o rosto. Bobag<strong>em</strong> porque eu<br />
acho que o médico... não sei como... o médico me reconheceu... alguma coisa<br />
nos meus olhos... Não sei o que po<strong>de</strong> ter sido. Eu estava cumprindo or<strong>de</strong>ns.<br />
Silêncio.<br />
SEGISMUNDO - Hoje soltaram todos os presos políticos do Rio. Uma porção<br />
<strong>de</strong>les passou pelas minhas mãos. Meu padrinho não me ligava fazia meses. E<br />
ligou hoje. Disse para eu voltar mais cedo para casa, para tirar uns dias <strong>de</strong> férias.<br />
Alguém po<strong>de</strong> querer acertar as contas comigo... Eu perguntei se era uma ord<strong>em</strong>.<br />
E ele respon<strong>de</strong>u que eu podia tomar o que disse como eu b<strong>em</strong> enten<strong>de</strong>r. Ele<br />
nunca tinha minha me dado uma ord<strong>em</strong> na vida, foi a última coisa que falou antes<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sligar o telefone.<br />
T<strong>em</strong>po longo.<br />
SEGISMUNDO - De uns t<strong>em</strong>pos para cá eu não posso olhar para minha irmã que<br />
eu vejo nos olhos <strong>de</strong>la os olhos daquele médico. Que raiva que eu tenho <strong>de</strong>le,<br />
senhor Clausewitiz... Que raiva...<br />
14