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Revista nº 39 - MULTIRIO

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22<br />

A impressionante história de Camila, que mostra como o saber pode vencer o preconceito e o medo<br />

TEXTO<br />

LENY CORREA DATRINO E<br />

MARIA ALICE OLIVEIRA DA<br />

SILVA, DA SME/DGED<br />

ILUSTRAÇÕES<br />

ESCULTURAS DE<br />

GUSTAVO CADAR<br />

FOTOGRAFADAS POR<br />

ALBERTO JACOB FILHO<br />

Camila tinha 12 anos e já havia passado pelo<br />

processo de alfabetização em diferentes escolas<br />

e grupamentos. No meio do ano, foi<br />

transferida para uma nova escola e matriculada<br />

na turma de progressão.<br />

Tive conhecimento do caso de Camila ao visitar<br />

sua escola e conversar com a professora da<br />

turma, que me pediu ajuda. Na conversa, a professora<br />

informou-me que desde os primeiros<br />

dias de aula percebia que a menina era diferente<br />

das outras crianças e não acompanhava o grupo.<br />

Sua participação nas atividades era insatisfatória.<br />

Era muito tímida, quase não se comunicava, e<br />

os colegas não queriam sentar-se perto dela,<br />

rejeitando-a. Por isso, a professora solicitoume<br />

apoio, acreditando necessário encaminhála<br />

a um atendimento especial. Comentou ainda<br />

que, pelo que apurara de professores da escola<br />

anterior, Camila nada havia aprendido. A<br />

preocupação da professora era grande, pois<br />

sua turma estava caminhando bem e ela não sabia<br />

o que fazer para atender a uma aluna especial.<br />

Quando entrei na sala de Camila, a professora<br />

indicou-me a aluna, falando da sua preocupação<br />

quanto ao tempo que a menina havia perdido em<br />

todos aqueles anos de escolaridade, passando<br />

por várias unidades escolares sem ter recebido<br />

o encaminhamento adequado, já que para<br />

ela parecia clara a necessidade de Camila ser<br />

indicada para a classe especial de retardo mental.<br />

De família pobre, a menina ia à escola levando<br />

seus objetos pessoais em uma sacola plástica.<br />

Era a última de uma série de irmãos que, bem<br />

mais velhos, trabalhavam para o sustento da<br />

família e quase não podiam dar-lhe atenção. Ela<br />

vivia praticamente sozinha, pois não tinha mãe.<br />

<strong>nº</strong> <strong>39</strong>/2006 caleidoscópio Um olhar transformador<br />

Camila tinha nas mãos uma toalha rasgada que<br />

servia para enxugar a baba que, constantemente,<br />

teimava em escorrer-lhe do canto da boca. Seus<br />

dentes, desordenados uns sobre os outros, pre-<br />

judicavam-lhe muito a aparência. Ela parecia tentar<br />

fechar a boca, unir os maxilares, mas sem sucesso.<br />

Olhei para Camila sentada ao fundo da sala, sozinha<br />

e sem proposta alguma de trabalho, enquanto<br />

os outros alunos já preenchiam a data no caderno<br />

e desenhavam a figura relativa ao tempo.<br />

Camila não tinha caderno sobre a mesa. Sentei-me<br />

próximo a ela e pude sentir um cheiro desagradável,<br />

originado pelo acúmulo de baba que<br />

ficava em suas mãos e roupa. A menina pareceu<br />

se encolher ao meu olhar. Apresentei-me, dizendo<br />

que estava ali para conhecê-la. Camila me olhou<br />

parecendo não acreditar no que eu dizia. Deu um<br />

sorriso tímido e voltou a baixar a cabeça.<br />

Iniciei uma conversa com a menina, perguntandolhe<br />

seu nome, sua idade, do que gostava e outras<br />

coisas simples sobre o seu dia-a-dia. Camila<br />

respondia com muita dificuldade. Sua fala arrastada<br />

dificultava a compreensão do que tentava<br />

dizer. Parecia fazer um grande esforço para falar,<br />

emitindo um som quase inaudível. Tentava articular<br />

as palavras, para ser compreendida, mas<br />

com extremo sacrifício. Confesso que muita coisa<br />

dita por ela não consegui entender. Além da timidez,<br />

a criança parecia ter realmente uma grande<br />

dificuldade e medo de expressar-se oralmente.<br />

Enquanto buscava uma melhor estratégia para<br />

me relacionar com Camila, a professora continuava<br />

seu trabalho na sala de aula. Sua proposta<br />

para os alunos era que escrevessem<br />

palavras que tivessem relação com a figura colada<br />

ao quadro. Perguntei a Camila se ela poderia<br />

fazê-lo. Ela balançou a cabeça negativamente.<br />

Comecei então a nomear palavras que se relacionassem<br />

com a figura e, ao mesmo tempo, a<br />

dizer outras que não tivessem qualquer relação,<br />

pedindo à menina que, toda vez que eu dissesse<br />

algo que ela considerasse coerente com o<br />

desenho aposto ao quadro, ela levantasse a mão.

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