No rumo certo - Tribunal Regional Federal da 4ª Região
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4 |Jornal do TRF4 Decisões<br />
Obrigação do Estado<br />
Maio de 2010<br />
Militar foi licenciado pelo Exército sob alegação de que já tinha esquizofrenia antes de missão no Haiti<br />
Em março, o tribunal garantiu a<br />
reincorporação e a aposentadoria a<br />
C.R.S., militar de 28 anos que, após<br />
participar <strong>da</strong> missão de paz <strong>da</strong> ONU<br />
no Haiti (Minustah), em 2004, foi<br />
licenciado em 2006, sem qualquer<br />
direito, por sofrer de transtorno mental.<br />
O Exército alegou que a enfermi<strong>da</strong>de já<br />
existia antes <strong>da</strong> viagem.<br />
C.R.S., na época com 22 anos, fez parte<br />
<strong>da</strong> tropa brasileira de 1.200 sol<strong>da</strong>dos, dos<br />
quais 800 eram gaúchos. Ele servia em São<br />
Leopoldo (RS). Ao voltar para o Brasil, começou<br />
a sofrer de surtos psicóticos, sendo<br />
diagnosticado com transtorno esquizoafetivo,<br />
doença que se caracteriza por períodos de<br />
depressão e euforia, com delírios e alucinações<br />
típicos <strong>da</strong> esquizofrenia.<br />
Após a dispensa, o estado de C.R.S. piorou<br />
e atualmente encontra-se interditado civilmente.<br />
Ele ajuizou ação na Justiça <strong>Federal</strong><br />
de Porto Alegre e obteve sentença reintegrando-o<br />
ao Exército para tratamento médico e<br />
ordenando a posterior reforma por incapaci<strong>da</strong>de<br />
com o mesmo soldo que recebia na ativa,<br />
o que fez sua defesa apelar ao tribunal e<br />
obter remuneração equivalente a cargo imediatamente<br />
superior, de terceiro-sargento.<br />
O relator do processo, desembargador federal<br />
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,<br />
entendeu que a alegação <strong>da</strong> União de que<br />
Em entrevista concedi<strong>da</strong> ao programa de<br />
televisão Via Legal, <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, C.R.S.<br />
contou as condições <strong>da</strong> viagem e as dificul<strong>da</strong>des<br />
que enfrentou.<br />
- Corpos pelo chão<br />
“Fui para uma missão de paz, mas me deparei<br />
com a imposição <strong>da</strong> paz. A gente trocava tiros<br />
com as milícias para manter a segurança de<br />
outros militares, <strong>da</strong> população e <strong>da</strong> polícia<br />
haitiana. Vi corpos no chão, pessoas pegando<br />
fogo ou já incendia<strong>da</strong>s.”<br />
- Aju<strong>da</strong> com limite<br />
“Nas enfermarias era uma fila enorme de<br />
gente pedindo socorro, alimentos, com feri<strong>da</strong>s<br />
abertas. Uma vez dei uma barra de cereal, o<br />
guri saiu e foi espancado a 50 metros de mim,<br />
quase mataram ele. Aprendi que não deveria<br />
<strong>da</strong>r na<strong>da</strong> aos haitianos.”<br />
- A doença<br />
“Começou a se manifestar lá. Muitas vezes<br />
tinha que ser agressivo, tinha que estar<br />
SEM PAZ<br />
não existe relação de causa e efeito não se<br />
verifica. Segundo Lenz, “a prova colhi<strong>da</strong> no<br />
caso mostra que a patologia aflorou durante<br />
a prestação do serviço militar, provavelmente<br />
em face de missão de que participou no<br />
Haiti, e devido às condições de trabalho, não<br />
podendo a Administração Pública eximir-se<br />
<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de de seu amparo”.<br />
sempre me controlando. Vivia uma situação<br />
de estresse o tempo todo, pressão, tinha que<br />
fazer. Quando voltei, qualquer coisa pra mim<br />
era motivo de alteração grave. Discuti com um<br />
sargento e disse que ia matar ele com faca de<br />
combate. Para não ser punido, fui lá e quebrei<br />
meu próprio braço. Outra vez fraturei as mãos<br />
<strong>da</strong>ndo soco nas paredes.”<br />
- Alucinações<br />
“Até hoje lembro, escuto, parece que estou<br />
lá, que continuo no mesmo lugar. As imagens<br />
<strong>da</strong>quela situação me vêm na cabeça. Escuto<br />
pessoas me chamando, pedindo água.”<br />
- Exército<br />
“Recebi apenas instruções técnicas e de<br />
sobrevivência antes de ir. Nenhum preparo<br />
psicológico. Me senti abandonado. Estava na<br />
clínica, medicado, quando me deram baixa,<br />
não tive mais condições de comprar medicamentos.<br />
Preciso de apoio para continuar<br />
com minha família, tenho esse direito, fui lá e<br />
cumpri minha missão.”<br />
MINUSTAH<br />
Fotos: Arquivo Pessoal<br />
A missão <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para a estabilização<br />
no Haiti ou MINUSTAH, sigla que deriva<br />
do francês (mission des nations unies<br />
pour la stabilisation en Haiti), foi cria<strong>da</strong> pelo<br />
Conselho de Segurança <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />
em 30 de abril de 2004 com o objetivo de<br />
instaurar a ordem no país após a deposição<br />
do presidente Jean-Bertrand Aristide.<br />
As forças de paz se mantêm até hoje e sempre<br />
foram coman<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo Exército Brasileiro.<br />
São cerca de 7 mil sol<strong>da</strong>dos, sendo 1.266<br />
do Brasil. Outros países também contribuem<br />
com efetivos militares. São eles: Argentina,<br />
Benim, Bolívia, Canadá, Chile, Croácia, Equador,<br />
Espanha, França, Guatemala, Jordânia,<br />
Marrocos, Nepal, Paraguai, Peru, Filipinas,<br />
Sri Lanka, Estados Unidos e Uruguai.<br />
Após o terremoto que arrasou o país em janeiro<br />
desse ano, a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong>s forças de paz<br />
está sendo fun<strong>da</strong>mental para a reorganização<br />
do país.