prosa - Academia Brasileira de Letras
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Vera Lúcia <strong>de</strong> Oliveira<br />
mortos estão sempre ao seu lado. Pelas ruelas dos bairros humil<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Maceió, na<br />
orla do mar, no cais, nos recifes, nas dunas, nos lugares solitários que o menino e o<br />
homem freqüentaram, ele reencontra os personagens essenciais da própria história,<br />
impressa na pele e no sangue; a sua visão engloba, no tempo-espaço do texto, cada<br />
instante <strong>de</strong> luz e vida, cada ser, não importa se visto <strong>de</strong> relance ou se amado com a<br />
intensida<strong>de</strong> e a pena <strong>de</strong> quem sabe que o amor tem sempre duas faces:<br />
Fui hoje em sonho a São Miguel dos Campos<br />
e vi todos os meus mortos passeando.<br />
[...]<br />
vi-me morto entre os mortos, vi-me vivo<br />
entre os mortos bebidos pelo vento. 7<br />
Imagens recorrentes são o mar, a luz, os navios abandonados no porto, os<br />
cães vadios, os mendigos, os loucos do manicômio, as gaivotas, os caranguejos,<br />
as formigas, os moluscos, os anjos barrocos carcomidos das igrejas <strong>de</strong> periferia,<br />
o vento do mar que acaricia e açoita homens e coisas. O poeta sente-se partícipe<br />
<strong>de</strong>ste mundo: “Sou como os caranguejos / que afundam na lama / dos<br />
mangues.” 8 A ferrugem é outro elemento constante, a corrupção provocada<br />
pelo mar – que, contudo, é beleza e graça –, o sal que consome lentamente as<br />
carcaças <strong>de</strong> navios que não conhecerão mais as distâncias.<br />
A forma plasma-se, dúctil, à multiplicida<strong>de</strong> e amplitu<strong>de</strong> da sua cosmovisão<br />
e o poeta abraça <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os metros fixos, como o soneto, do qual é um fino cultor,<br />
até o verso livre, às vezes bastante longo, que segue as inflexões da matéria<br />
abordada; e tudo com gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, assimilando tanto a lição dos clássicos<br />
da lírica em língua portuguesa, como as inovações introduzidas pelos mo<strong>de</strong>rnistas.<br />
Basta observar o tratamento que ele dá ao soneto, sempre novo e original,<br />
ironicamente dissacralizante, a corroer qualquer veleida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restabelecimento<br />
<strong>de</strong> retóricas neo-parnasianas.<br />
7 Lêdo Ivo, “Fronteira seca”, in Finisterra, cit., p. 10.<br />
8 Lêdo Ivo, “Cama e mesa”, in Finisterra, cit., p. 19.<br />
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