prosa - Academia Brasileira de Letras
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Vera Lúcia <strong>de</strong> Oliveira<br />
Afirma a crítica Lúcia Helena que a presença do quotidiano em Lêdo Ivo<br />
indica uma fratura, uma “contradição entre o eterno e o efêmero, uma ânsia <strong>de</strong><br />
viver o presente, <strong>de</strong> alargar suas fronteiras ora revificando o passado, ora antecipando<br />
o futuro, mas sempre <strong>de</strong>nunciando a precarieda<strong>de</strong> dos homens, retidos<br />
no sonho da infinitu<strong>de</strong> e da eternida<strong>de</strong>”. 10<br />
Há, em sua poesia, uma visão negativa da vida e do tempo, como lenta e dolorosa<br />
perda, consumpção inexorável que aproxima e une seres viventes e coisas inanimadas<br />
no mesmo <strong>de</strong>stino. Daqui, provavelmente, a tentativa <strong>de</strong> anular a linearida<strong>de</strong><br />
e a sucessão do chrónos, o dar espessura aos objetos <strong>de</strong>scartados, o <strong>de</strong>ter-se em<br />
animais ínfimos, como formigas e moluscos, o abraçar no seu ser-aqui-agora tudo<br />
o que viveu e vive com participação comovida. Também o gênero humano é visto<br />
com o olhar pungente, crítico, que <strong>de</strong>nuda a indiferença e o cinismo com que os<br />
homens, freqüentemente, observam o sofrimento alheio e o mal <strong>de</strong> que são muitas<br />
vezes a causa. Uma visão – a sua – que <strong>de</strong>smascara os falsos humanitarismos dos<br />
que, com pieda<strong>de</strong> ambígua, não po<strong>de</strong>m não notar que os “pobres fe<strong>de</strong>m”. 11<br />
A poética <strong>de</strong> Lêdo Ivo é imanente, mas nela convivem realida<strong>de</strong> e memória<br />
com uma tal <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> que temos a sensação <strong>de</strong> que sejam, ambas, a mesma<br />
coisa. Buscou-se aqui revelar a niti<strong>de</strong>z e a materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas palavras que<br />
a<strong>de</strong>rem ao ser, que se imprimem no sangue, com as quais o poeta recupera e revela<br />
esse excessivo e pungente país, o Brasil, do qual o Nor<strong>de</strong>ste é emblema, e<br />
que se arraigam em nossa consciência <strong>de</strong> leitores pelo que têm <strong>de</strong> absoluto, <strong>de</strong><br />
ecumênico e <strong>de</strong> universal:<br />
Este é o meu lugar, entranhado em meu sangue<br />
como a lama no fundo da noite lacustre.<br />
E por mais que me afaste, estarei sempre aqui<br />
e serei este vento e a luz do farol. 12<br />
10 Lúcia Helena, “Os melhores poemas <strong>de</strong> Lêdo Ivo”, in Colóquio <strong>Letras</strong>, Lisboa, 03/1985, n o 84, p. 111.<br />
11 Lêdo Ivo, “O fim <strong>de</strong> um domingo”, in Finisterra, cit., p. 65.<br />
12 Lêdo Ivo, “Planta <strong>de</strong> Maceió”, in Finisterra, cit., p. 32.<br />
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