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EM CONTRACORRENTE O valor da indagação da pedagogia na ...

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Educação, Socie<strong>da</strong>de & Culturas, nº 28, 2009, 107-126<br />

<strong>EM</strong> <strong>CONTRACORRENTE</strong><br />

O <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

<strong>na</strong> universi<strong>da</strong>de<br />

Flávia Vieira*<br />

O presente texto 1 discute o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia enquanto activi<strong>da</strong>de de «descoberta<br />

de caminhos» (Shulman, 2004), em contracorrente face a <strong>valor</strong>es e práticas domi<strong>na</strong>ntes<br />

<strong>na</strong> academia. Com base em projectos desenvolvidos <strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho (Portugal),<br />

apresento-a como um processo de transição cujo âmbito e impacto são afectados pela ausência<br />

de uma cultura favorável, e cujo <strong>valor</strong> só parcialmente poderá ser avaliado com base em<br />

padrões universais de quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> investigação. Sugere-se uma noção de <strong>valor</strong> como relevância<br />

situacio<strong>na</strong>l, pressupondo que os contextos <strong>da</strong> prática determi<strong>na</strong>m a viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia. Na ver<strong>da</strong>de, o seu <strong>valor</strong> pode residir exactamente <strong>na</strong> luta para a tor<strong>na</strong>r possível<br />

em contextos adversos. Por outro lado, a sua orientação pe<strong>da</strong>gógica leva-nos a equacio<strong>na</strong>r<br />

esse <strong>valor</strong> para além do âmbito investigativo.<br />

Palavras-chave: ensino superior, in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, contextos adversos, viabili<strong>da</strong>de, <strong>valor</strong><br />

Introdução<br />

A investigação, altamente <strong>valor</strong>iza<strong>da</strong> <strong>na</strong> e pela universi<strong>da</strong>de, como que se des<strong>valor</strong>iza se a fazemos em áreas<br />

[pe<strong>da</strong>gógicas] que não coincidem com a área em que nos especializámos, como se universi<strong>da</strong>de parecesse<br />

* Instituto de Educação e Psicologia, Universi<strong>da</strong>de do Minho (Braga/Portugal).<br />

1 Este texto integra-se <strong>na</strong> linha de investigação Ensino Superior: Imagens e Práticas (coord. Flávia Vieira) do Centro de<br />

Investigação em Educação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, no âmbito <strong>da</strong> qual têm vindo a se desenvolvidos, desde 2000, quatro<br />

projectos sequenciais incidentes <strong>na</strong> in<strong>da</strong>gação crítica <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia (v. síntese em http://webs.iep.uminho.pt/tpu).<br />

Todos eles envolveram equipas multidiscipli<strong>na</strong>res ca<strong>da</strong> vez mais alarga<strong>da</strong>s e diversifica<strong>da</strong>s, conduzindo a experiências<br />

pe<strong>da</strong>gógicas em contextos de ensino graduado e pós-graduado, em diversas áreas de formação: Educação, Psicologia,<br />

Línguas, Linguística, Metodologia de Ensino, Supervisão Pe<strong>da</strong>gógica, Metodologia de Investigação em Educação, Avaliação<br />

<strong>da</strong>s Aprendizagens, Avaliação Curricular, Tecnologia Educativa, Biologia, Química, Enfermagem, Direito e Engenharia.<br />

107


esquecer que as pessoas que investigam numa área do conhecimento são os professores dessa mesma área. A<br />

universi<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> não entendeu que não poderá sobreviver com óptimos investigadores e péssimos professores<br />

e parece estar a esquecer-se de que um dos seus grandes desígnios é formar indivíduos que venham a ser profissio<strong>na</strong>is<br />

conhecedores e competentes.<br />

Professora de Biologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, reflexão individual<br />

Este é o testemunho de uma professora que tem vindo a participar em projectos desenvolvidos<br />

<strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, nos quais se pretende transformar o papel <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia através<br />

<strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação e dissemi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de de ensino, assumindo os professores o papel de interrogar<br />

e renovar o seu pensamento e acção, integrados em equipas multidiscipli<strong>na</strong>res. É com base<br />

<strong>na</strong> minha experiência de coorde<strong>na</strong>ção desses projectos, iniciados em 2000, que construo este<br />

texto, não para apresentar resultados empíricos <strong>da</strong>s experiências pe<strong>da</strong>gógicas realiza<strong>da</strong>s pelos<br />

professores participantes, mas antes para discutir razões e implicações de tomarmos a pe<strong>da</strong>gogia<br />

como objecto de in<strong>da</strong>gação crítica, colocando a investigação ao serviço do ensino, <strong>da</strong> aprendizagem<br />

e do desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l do professor.<br />

A questão central que me ocupa é a de saber em que medi<strong>da</strong> é desejável e viável tomar este<br />

rumo, em contracorrente face a <strong>valor</strong>es e práticas domi<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> academia. Os projectos a que me<br />

refiro são a principal matéria-prima <strong>da</strong> minha reflexão, representando um exemplo de como<br />

poderemos assegurar um maior equilíbrio entre ensino e investigação <strong>na</strong>s universi<strong>da</strong>des e, sobretudo,<br />

uma maior capaci<strong>da</strong>de para enfrentar os desafios que a formação universitária coloca hoje<br />

aos professores. O texto é, portanto, de <strong>na</strong>tureza essencialmente argumentativa mas também<br />

experiencial, procurando estabelecer pontes entre uma determi<strong>na</strong><strong>da</strong> forma de conceber a profissio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

docente e o trabalho desenvolvido, no sentido de equacio<strong>na</strong>r propostas de acção<br />

potencialmente transferíveis para outros contextos. Trata-se de um testemunho individual mas de<br />

base colectiva, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que decorre de percursos colaborativos onde professores de diversas<br />

áreas discipli<strong>na</strong>res têm procurado espaços de diálogo e acção para a interrogação e transformação<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia.<br />

O texto estrutura-se em três secções. Começo por propor uma visão <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia como<br />

espaço de construção de conhecimento, apresentando as linhas de acção dos projectos e identificando<br />

algumas circunstâncias adversas à in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia no ensino superior em Portugal<br />

(ponto 1); em segui<strong>da</strong>, problematizo a viabili<strong>da</strong>de e o impacto <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia e evidencio<br />

os constrangimentos, limitações e estratégias de acção dos projectos desenvolvidos (ponto<br />

2); fi<strong>na</strong>lmente, proponho que o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia seja definido com base <strong>na</strong> sua<br />

relevância situacio<strong>na</strong>l, o que implica uma atenção particular às culturas pe<strong>da</strong>gógicas e à complexi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, reconhecendo a amplitude dos propósitos que presidem à sua in<strong>da</strong>gação<br />

pelos professores (ponto 3).<br />

108


1. A (des)<strong>valor</strong>ização <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia como espaço de construção de conhecimento<br />

Give me the easy life, give me research; let me not be troubled by teaching. Such an attitude is understan<strong>da</strong>ble,<br />

even if it is not easily forgivable.<br />

Barnett, 1997: 23<br />

O divórcio entre investigação e ensino constitui, em simultâneo, consequência e factor <strong>da</strong> des<strong>valor</strong>ização<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia no ensino superior. É um facto inegável que a investigação se faz, predomi<strong>na</strong>ntemente,<br />

à margem do ensino ou mesmo à sua custa. No entanto, e como Barnett sugere,<br />

colocar a pe<strong>da</strong>gogia em plano secundário será uma atitude dificilmente perdoável, sobretudo nos<br />

dias de hoje. Segundo o autor (2000), uma «era de supercomplexi<strong>da</strong>de» exige <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de a<br />

promoção de uma «epistemologia para a incerteza», que deve ser capaz de integrar e promover<br />

capaci<strong>da</strong>des de reconconceptualização revolucionária, interrogação crítica <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do conhecimento,<br />

tolerância <strong>da</strong> incerteza e acção crítica (op. cit.). Estamos perante condições que colocam<br />

um elevado grau de exigência ao currículo-em-acção, de modo a que o ensino possa ser, como diz<br />

o autor, ver<strong>da</strong>deiramente superior, capaz de promover uma aprendizagem também ela superior.<br />

Contudo, a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s práticas pe<strong>da</strong>gógicas nesta direcção é difícil de operar quando a carrreira<br />

académica depende, quase exclusivamente, <strong>da</strong> investigação de <strong>na</strong>tureza discipli<strong>na</strong>r, mesmo em<br />

momentos de reforma curricular como o que atravessamos actualmente em Portugal com o Processo<br />

de Bolonha, onde se espera dos professores um investimento sem precedentes <strong>na</strong> pe<strong>da</strong>gogia. A questão<br />

que desde logo se coloca é: que condições são necessárias para que este investimento se concretize?<br />

Creio que uma <strong>da</strong>s primeiras condições será entender a pe<strong>da</strong>gogia como espaço de construção<br />

de conhecimento, mas isso obriga-nos a equacio<strong>na</strong>r as seguintes questões:<br />

• Que conhecimento é construído?<br />

• Quem o constrói e em que posição?<br />

• Como é construído?<br />

• Que interesses serve?<br />

• Que <strong>valor</strong>es e atitudes supõe a sua construção?<br />

• Quem o avalia e como?<br />

• Quem o divulga e para quê?<br />

• Que relação se estabelece entre pe<strong>da</strong>gogia e investigação?<br />

A partir destas questões, podemos distinguir dois pólos opostos de um continuum:<br />

• A pe<strong>da</strong>gogia como espaço confi<strong>na</strong>do e estrangulado de construção de conhecimento;<br />

• A pe<strong>da</strong>gogia como espaço alargado e aberto de construção de conhecimento.<br />

109


No Quadro 1 (Vieira, 2008a), sintetizam-se algumas respostas às questões acima coloca<strong>da</strong>s,<br />

nos dois pólos identificados. Pressupõe-se que um movimento do primeiro pólo, ain<strong>da</strong> domi<strong>na</strong>nte<br />

<strong>na</strong> pe<strong>da</strong>gogia universitária, para o segundo pólo, aqui entendido como desejável para a <strong>valor</strong>ização<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, implique mu<strong>da</strong>nças processuais significativas, as quais podem ser efectua<strong>da</strong>s<br />

em diversos graus e de diferentes formas, <strong>da</strong>ndo origem a abor<strong>da</strong>gens híbri<strong>da</strong>s e diversifica<strong>da</strong>s.<br />

Que conhecimento<br />

é construído?<br />

Quem o constrói,<br />

em que posição?<br />

Como é construído?<br />

Que interesses<br />

serve?<br />

Que <strong>valor</strong>es<br />

e atitudes supõe<br />

a sua construção?<br />

Quem o avalia<br />

e como?<br />

Quem o divulga<br />

e para quê?<br />

Que relação entre<br />

pe<strong>da</strong>gogia<br />

e investigação?<br />

QUADRO 1<br />

Categorização dos saberes docentes (Cunha, 2003: 11)<br />

Da pe<strong>da</strong>gogia como espaço confi<strong>na</strong>do<br />

e estrangulado de construção<br />

de conhecimento…<br />

• Declarativo, processual (instrumental/<br />

técnico)<br />

• O aluno como consumidor passivo (por<br />

vezes como consumidor crítico)<br />

• Transmissão-armaze<strong>na</strong>mento (reflexão?)<br />

• Visão simplista e fragmenta<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de,<br />

reprodução, domesticação<br />

• Autori<strong>da</strong>de, submissão, passivi<strong>da</strong>de,<br />

dependência, isolamento, competição,<br />

repetição, objectivi<strong>da</strong>de, certeza…<br />

• Professor: (in)vali<strong>da</strong>ção/classificação<br />

com vista à certificação<br />

• Eventualmente o professor, sobretudo<br />

em função de interesses de investigação<br />

pessoais/institucio<strong>na</strong>is<br />

• Ensino como meio de transmissão e<br />

reprodução do conhecimento académico<br />

produzido<br />

• Investigação do aluno ao serviço <strong>da</strong><br />

reprodução do conhecimento existente<br />

• Investigação do professor desliga<strong>da</strong> do<br />

ensino ou como suporte do ensino<br />

110<br />

…à pe<strong>da</strong>gogia como espaço alargado e aberto de construção<br />

de conhecimento<br />

• Declarativo, processual, contextual, ético, identitário<br />

(saber, agir, ser)<br />

• O aluno como consumidor crítico e produtor criativo,<br />

em interacção com…<br />

• O professor como experimentador reflexivo e facilitador<br />

de aprendizagens<br />

• O professor como produtor de conhecimento profissio<strong>na</strong>l<br />

(individual e colaborativamente)<br />

• In<strong>da</strong>gação-(inter)acção-(auto)avaliação-reconstrução-<br />

-divulgação<br />

• Visão plural e holística <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, transformação,<br />

emancipação<br />

• Critici<strong>da</strong>de, participação, diálogo, colaboração, negociação,<br />

responsabili<strong>da</strong>de, liber<strong>da</strong>de, criativi<strong>da</strong>de, (inter)subjectivi<strong>da</strong>de,<br />

risco, (tolerância <strong>da</strong>) incerteza…<br />

• Professor e/ou alunos, através de…<br />

• Negociação (mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des, critérios, classificação)<br />

• Regulação: planificação-monitorização-(auto)avaliação<br />

• Professor e/ou alunos, sobretudo em função de interesses<br />

sociais e de colectivização/democratização do conhecimento<br />

• Ensino como meio de acesso a múltiplos quadros de referência<br />

e espaço de construção social de conhecimento<br />

(saber partilhado)<br />

• Investigação do aluno como processo de in<strong>da</strong>gação e<br />

construção de conhecimento<br />

• Relação dinâmica investigação-ensino<br />

• Investigação no ensino (professor- investigador)


Desenvolver uma pe<strong>da</strong>gogia como espaço alargado e aberto de construção do conhecimento<br />

é uma tarefa complexa, fazendo supor, entre outras condições, a articulação entre ensino, investigação<br />

e desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l do professor. A necessi<strong>da</strong>de de concretizar esta articulação<br />

tem sido o pressuposto-chave de projectos interdepartamentais desenvolvidos <strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de do<br />

Minho, identificados pelo acrónimo TPU – Transformar a Pe<strong>da</strong>gogia <strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de – e conduzidos<br />

por equipas multidiscipli<strong>na</strong>res de docentes (cf. nota 1). Estes projectos têm tido como principais<br />

fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des: contrariar o divórcio entre ensino e investigação, promover a inovação pe<strong>da</strong>gógica<br />

e encorajar a constituição de comuni<strong>da</strong>des académicas para o estudo e avanço <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia,<br />

abrindo espaços de problematização <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ensino e <strong>da</strong> aprendizagem, e<br />

contribuindo para a re<strong>valor</strong>ização <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia e <strong>da</strong> investigação pe<strong>da</strong>gógica no meio académico.<br />

Neste sentido, podemos dizer que realizam movimentos de aproximação ao que <strong>na</strong> literatura<br />

anglo-saxónica tem vindo a ser desig<strong>na</strong>do como «scholarship of teaching» ou «scholarship of teaching<br />

and learning» (Boyer, 1990; Shulman, 2000), expressões que não têm uma tradução satisfatória<br />

<strong>na</strong> nossa língua e que correspondem globalmente à expressão aqui utiliza<strong>da</strong> – in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong><br />

pe<strong>da</strong>gogia 2 . Esta implicará, principalmente, o questio<strong>na</strong>mento e a transformação <strong>da</strong>s práticas de<br />

ensino e aprendizagem, a dissemi<strong>na</strong>ção e o escrutínio público de experiências e a constituição de<br />

comuni<strong>da</strong>des (discipli<strong>na</strong>res ou multidiscipli<strong>na</strong>res) de professores que se dedicam à pe<strong>da</strong>gogia<br />

enquanto campo de construção de conhecimento (Shulman, op. cit.). Trata-se de uma activi<strong>da</strong>de<br />

onde a reflexão profissio<strong>na</strong>l sustenta<strong>da</strong> em evidência <strong>da</strong> prática assume um papel central:<br />

Faculty inquiry is a form of professio<strong>na</strong>l development by which teachers identify and investigate questions<br />

about their students’ learning. The inquiry process is ongoing, informed by evidence of student learning, and<br />

undertaken in a collaborative setting. Findings from the process come back to the classroom in the form of<br />

new curricula, new assessments, and new pe<strong>da</strong>gogies, which in turn become subjects for further inquiry (The<br />

Carnegie Foun<strong>da</strong>tion for the Advancement of Teaching, 2008: 3).<br />

Schön (1983, 1987), seguidor do pensamento de John Dewey e principal precursor de uma<br />

orientação reflexiva <strong>na</strong> formação profissio<strong>na</strong>l, salienta o <strong>valor</strong> epistemológico <strong>da</strong> reflexão <strong>na</strong> acção<br />

e sobre a acção, <strong>valor</strong>izando uma prática criativa, crítica e ajusta<strong>da</strong> à <strong>na</strong>tureza indetermi<strong>na</strong><strong>da</strong>,<br />

única e problemática dos contextos de trabalho. A teorização continua<strong>da</strong> <strong>da</strong> experiência representa,<br />

desta perspectiva, uma componente essencial <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de de ensino. Importa, contudo,<br />

contrariar a «ilusão <strong>da</strong> reflexão» (Zeichner, 1993), percebendo-se que reflectir não garante necessa-<br />

2 Nesta expressão, o uso do termo «in<strong>da</strong>gação» (aproximado de «inquiry») em vez de «investigação» (research) é uma<br />

opção estratégica, procurando salientar a <strong>na</strong>tureza reflexiva, de descoberta, desta activi<strong>da</strong>de e evitar uma associação<br />

directa à noção de investigação académica de <strong>na</strong>tureza discipli<strong>na</strong>r e dissocia<strong>da</strong> do ensino. A in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

tem propósitos mais pe<strong>da</strong>gógicos do que investigativos e aproxima-se preferencialmente <strong>da</strong> investigação-acção e <strong>da</strong><br />

investigação <strong>na</strong>rrativa.<br />

111


iamente a quali<strong>da</strong>de do ensino e que nem to<strong>da</strong>s as práticas supostamente reflexivas serão transformadoras.<br />

De facto, a reflexão profissio<strong>na</strong>l pode servir diferentes propósitos, incluindo a justificação<br />

e o reforço de práticas discrimi<strong>na</strong>tórias e anti-democráticas. Por outro lado, pode converter-<br />

-se numa forma de autismo se não se enquadrar em contextos de conhecimento mais alargados,<br />

como o «contexto partilhado» do conhecimento produzido <strong>na</strong>s situações de aprendizagem colaborativa,<br />

nomea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> negociação e colectivização de saberes, e o «contexto público»<br />

<strong>da</strong>s teorias educacio<strong>na</strong>is (Rowland, 2000).<br />

O poder transformador <strong>da</strong> reflexão profissio<strong>na</strong>l dependerá, sobretudo, <strong>da</strong> visão de educação do<br />

professor, assim como do modo como as suas decisões e opções pe<strong>da</strong>gógicas incorporam uma crítica<br />

aos factores institucio<strong>na</strong>is e sociais que condicio<strong>na</strong>m a sua acção. Acreditar no poder transformador<br />

de uma prática reflexiva implica compreender e exercer a reflexão como prática histórica e ideologicamente<br />

situa<strong>da</strong>, passível de reproduzir ou transformar a ordem social domi<strong>na</strong>nte. Como afirma<br />

Kemmis (1999: 105), «La reflexión no carece de <strong>valor</strong> ni es neutral con respecto al <strong>valor</strong>; expresa y<br />

está al servicio de intereses humanos, sociales, culturales y políticos concretos». Assim, enquanto instrumento<br />

de acção crítica, a reflexão reconhece e denuncia a tensão entre o mundo como ele é e<br />

como poderia ser, implicando o conflito e a subversão. Nesta perspectiva, não só alicerça os processos<br />

de mu<strong>da</strong>nça, como pode garantir que essa mu<strong>da</strong>nça contribua para uma educação mais racio<strong>na</strong>l<br />

e justa. Não se trata, portanto, de uma reflexão de <strong>na</strong>tureza contemplativa ou especulativa, mas sim<br />

de uma reflexão comprometi<strong>da</strong> com a prática, problematizadora e emancipatória, que implica o professor<br />

em quatro tarefas de compreensão e transformação do ensino (Smyth, 1989):<br />

• descrição (o que faço? Como descrevo a minha prática?...);<br />

• interpretação (por que razões actuo dessa forma? Que significado posso atribuir ao que<br />

faço? Que princípios reflecte a minha prática?...);<br />

• confronto (como explico a minha acção enquanto prática historicamente situa<strong>da</strong>? O que diz<br />

acerca dos meus <strong>valor</strong>es e convicções e como se explicam as minhas escolhas e priori<strong>da</strong>des?<br />

Que interesses servem e porquê? O que condicio<strong>na</strong> o meu pensamento e acção?...);<br />

• reconstrução (o que quero e posso mu<strong>da</strong>r? Porquê, para quê e como?...).<br />

Estas tarefas implicam um posicio<strong>na</strong>mento crítico do professor face ao seu pensamento e<br />

acção e a consciência de como o seu pensamento e acção são socialmente determi<strong>na</strong>dos e determi<strong>na</strong>ntes:<br />

Being able to locate oneself both perso<strong>na</strong>lly and professio<strong>na</strong>lly in history in order to be clear about the forces<br />

that have come to determine one’s existence, is the hallmark of a teacher who has been able to harness the<br />

reflective processes and can begin to act on the world in a way that amounts to changing it. This amounts to<br />

see teaching realities not as immutable givens but as being defined by others, and as essentially contestable<br />

(Smyth, 1989: 7).<br />

112


A in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia pelo professor, nomea<strong>da</strong>mente sob a forma de investigação-acção,<br />

não sendo novi<strong>da</strong>de no campo <strong>da</strong> educação em Portugal, está longe de constituir uma prática corrente<br />

no contexto do ensino superior (cf. revisão de estudos sobre docência e aprendizagem apresenta<strong>da</strong><br />

por Tavares et al., 2004), e isto é ain<strong>da</strong> mais ver<strong>da</strong>de no que respeita à constituição de<br />

comuni<strong>da</strong>des académicas para o estudo e avanço <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, ao reconhecimento e institucio<strong>na</strong>lização<br />

<strong>da</strong> investigação de orientação pe<strong>da</strong>gógica, ou à instituição de fóruns de dissemi<strong>na</strong>ção<br />

especializados neste domínio 3 . Os projectos onde tenho vindo a participar desde 2000 representam<br />

um movimento exploratório que reconhece e contraria esta situação. Este movimento apresenta<br />

as seguintes características principais (Vieira, 2008a):<br />

• A sua força motriz é a necessi<strong>da</strong>de e a vontade dos participantes de melhorar a sua prática<br />

pe<strong>da</strong>gógica, numa direcção potencialmente humanista e emancipatória, porque se acredita<br />

que esta direcção é váli<strong>da</strong>, independentemente de Bolonha (Bolonha é uma <strong>da</strong>s circunstâncias<br />

contextuais em que os projectos se desenrolam, mas não a sua força motriz);<br />

• Assenta no pressuposto <strong>da</strong> articulação entre ensino-investigação-desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l<br />

(ou seja, a in<strong>da</strong>gação crítica <strong>da</strong>s práticas é posta ao serviço <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aprendizagem<br />

e do desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l do professor);<br />

• Defende a vulgarização <strong>da</strong> investigação no ensino (investigar a própria prática), mais do que<br />

a especialização <strong>da</strong> investigação sobre o ensino (investigar a prática de outros, como é mais<br />

habitual);<br />

• Defende uma abor<strong>da</strong>gem exploratória e reflexiva <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, <strong>valor</strong>izando os princípios<br />

pe<strong>da</strong>gógicos <strong>da</strong> intencio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, transparência, coerência, relevância, reflexivi<strong>da</strong>de, democratici<strong>da</strong>de,<br />

autodirecção e criativi<strong>da</strong>de/inovação (Vieira et al., 2002), e assumindo o risco e<br />

a incerteza como condições de mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s teorias e práticas profissio<strong>na</strong>is;<br />

• Promove a realização de experiências pe<strong>da</strong>gógicas em contextos diversos, assim como a<br />

reflexão conjunta sobre questões pe<strong>da</strong>gógicas e de investigação no ensino (sessões de trabalho,<br />

seminários…);<br />

• Promove a divulgação e o escrutínio público destas experiências numa lógica de partilha crítica<br />

(e não numa lógica de expansão do currículo e obtenção de prestígio académico), sempre<br />

que possível em formatos colaborativos (organização conjunta de simpósios, co-autoria<br />

e revisão de textos…);<br />

• Valoriza a relação estreita entre quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aprendizagem e quali<strong>da</strong>de do ensino, assim<br />

como entre desenvolvimento dos alunos e desenvolvimento do professor, e reconhece o papel<br />

dos contextos profissio<strong>na</strong>is e formativos <strong>na</strong> configuração <strong>da</strong>s abor<strong>da</strong>gens pe<strong>da</strong>gógicas;<br />

3 Há, <strong>na</strong>turalmente, excepções, e aqui não posso deixar de destacar as iniciativas pioneiras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de<br />

Lisboa, que desde há largos anos encetou a realização de simpósios sobre pe<strong>da</strong>gogia universitária, instituindo dessa<br />

forma fóruns de dissemi<strong>na</strong>ção de perspectivas teóricas e experiências neste domínio (cf., por exemplo, Sousa et al., 2002).<br />

113


• Embora tenha no horizonte uma pe<strong>da</strong>gogia humanista e emancipatória, não advoga métodos<br />

uniformes nem supõe a ruptura com práticas anteriores; aceita a plurali<strong>da</strong>de e a continui<strong>da</strong>de<br />

nos processos de inovação, respeitando a experiência prévia, interesses e expectativas<br />

de ca<strong>da</strong> professor (ca<strong>da</strong> professor deve encontrar o seu caminho, embora em diálogo<br />

com outros);<br />

• Acredita nos professores e nos alunos, <strong>valor</strong>iza as relações interpessoais, respeita diferenças<br />

de experiência e perspectiva, incentiva a partilha de ideais e linguagens… procurando criar<br />

microcomuni<strong>da</strong>des de aprendizagem (entre os professores e com os alunos);<br />

• Contraria o isolamento (quarente<strong>na</strong> e autismo) profissio<strong>na</strong>l, fomentando o diálogo interdiscipli<strong>na</strong>r<br />

e a colaboração interpares (equipas interdepartamentais, multidiscipli<strong>na</strong>res);<br />

• Procura desocultar factores de constrangimento <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, denuncia as condições que a<br />

dificultam e <strong>valor</strong>iza a criativi<strong>da</strong>de profissio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> procura de soluções, assumindo-se como<br />

espaço de resistência e transformação.<br />

A operacio<strong>na</strong>lização dos aspectos acima referidos tem sido lenta e difícil, implicando uma<br />

«descoberta de caminhos» (Shulman, 2004) em contracorrente face a <strong>valor</strong>es e práticas domi<strong>na</strong>ntes<br />

<strong>na</strong> academia, e portanto uma tensão maior ou menor entre subversão e conformismo perante<br />

esses <strong>valor</strong>es e práticas. Vejamos algumas circunstâncias adversas à in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia que<br />

estão presentes no nosso contexto local e mais alargado:<br />

• A relação entre as activi<strong>da</strong>des de ensino e investigação tende a ser conflitual ou nula, ou<br />

seja, o investimento numa reduz o investimento <strong>na</strong> outra, sem que entre ambas se desenhem<br />

intersecções epistemológicas; uma vez que a carreira académica depende sobretudo<br />

<strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de investigativa, o ensino é des<strong>valor</strong>izado em seu favor (cf. Hattie & Marsh, 1996;<br />

Gottlieb & Keith, 1997; Lebaron, 2001; Morley, 2003; Vi<strong>da</strong>l & Quintanilla, 2000);<br />

• A investigação que interessa para a promoção <strong>na</strong> carreira académica é sobretudo de <strong>na</strong>tureza<br />

discipli<strong>na</strong>r, e é também esta que é favoreci<strong>da</strong> pelas práticas de avaliação e fi<strong>na</strong>nciamento;<br />

sendo a pe<strong>da</strong>gogia (e o ensino superior em geral) um campo parcialmente não-discipli<strong>na</strong>r,<br />

não representa um terreno de investigação legítimo e institucio<strong>na</strong>lizado;<br />

• A territorialização e departamentalização <strong>da</strong>s áreas de conhecimento e de investigação dificultam<br />

fortemente a constituição de equipas multidiscipli<strong>na</strong>res, pois se é ver<strong>da</strong>de que as discipli<strong>na</strong>s<br />

representam o «lar» dos investigadores, não é menos ver<strong>da</strong>de que constituem também<br />

as suas «barrica<strong>da</strong>s» (Poole, 2009);<br />

• A investigação sobre as questões do currículo no ensino superior é escassa, o que, no<br />

entender de Barnett e Coate (2005), tende a legitimar lógicas instrumentais, favorecer uma<br />

visão tecnicista do ensino e <strong>da</strong> aprendizagem e ocultar as questões que realmente importa<br />

colocar – para que serve o ensino superior? Em que direcções deve desenvolver-se a expe-<br />

114


iência dos alunos? Que formas de desenvolvimento humano são promovi<strong>da</strong>s pelo currículo,<br />

que elementos do currículo as apoiam e qual o seu peso relativo? (op. cit.: 26);<br />

• As abor<strong>da</strong>gens de ensino <strong>na</strong> academia são ain<strong>da</strong> fortemente transmissivas e individualistas, e<br />

embora venhamos a assistir a mu<strong>da</strong>nças decorrentes do Processo de Bolonha, essas mu<strong>da</strong>nças<br />

são frequentemente isola<strong>da</strong>s, instiga<strong>da</strong>s por políticas institucio<strong>na</strong>is e não emergentes <strong>da</strong><br />

vontade e iniciativa dos professores, e nem sempre apoia<strong>da</strong>s em pressupostos teóricos ou<br />

avalia<strong>da</strong>s de forma crítica;<br />

• A avaliação institucio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ensino tem tido pouco impacto <strong>na</strong> sua melhoria,<br />

sobretudo pela falta de mecanismos de desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l e de sistemas de<br />

incentivo e recompensa <strong>da</strong> inovação pe<strong>da</strong>gógica; essa avaliação, pela sua orientação transdiscipli<strong>na</strong>r,<br />

dificilmente captura ou <strong>valor</strong>iza experiências de inovação; por outro lado, tende<br />

a centrar-se numa visão relativamente instrumental do ensino, muitas vezes associa<strong>da</strong> a<br />

uma ideia vazia de «eficácia» ou «excelência» que não integra as dimensões ética e política<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia;<br />

• A formação pe<strong>da</strong>gógica dos professores é escassa e tende a traduzir-se em acções de curta<br />

duração, tendencialmente generalistas e sem uma dimensão experiencial, o que limita o seu<br />

significado e impacto, uma vez que a (re)construção do conhecimento e acção profissio<strong>na</strong>is<br />

é indissociável <strong>da</strong> experiência e <strong>da</strong> reflexão <strong>na</strong> e sobre a experiência (Schön, 1983, 1987); o<br />

recente movimento de profissio<strong>na</strong>lização dos professores <strong>na</strong> universi<strong>da</strong>de pode encontrar<br />

forte resistência por assentar em discursos e práticas que se afastam do «código» do trabalho<br />

académico, tendencialmente problematizador e discipli<strong>na</strong>rizado: The over-simplification of<br />

the modernist technicization of teaching and learning can bore and irritate academics<br />

(Morley, 2003: 31);<br />

• A investigação do ensino superior está em desenvolvimento, mas com tendência a constituir<br />

um território especializado sem ligação directa à acção dos professores, o que reduz potencialmente<br />

o seu impacto no terreno <strong>da</strong> prática (cf. Teichler, 2000); por outro lado, a formação<br />

pós-gradua<strong>da</strong> neste domínio é praticamente inexistente, o que reduz as possibili<strong>da</strong>des<br />

de investigação, e a dissemi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> investigação é bastante dispersa, <strong>da</strong>do que não existem<br />

fóruns ou publicações especializados neste domínio.<br />

Em cenários como este, envere<strong>da</strong>r pela in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia é tão necessário quanto arriscado.<br />

Exige que nos tornemos «descobridores de caminhos» e coloca em causa as nossas histórias<br />

enquanto «seguidores de caminhos» (Shulman, 2004), deixando-nos perante encruzilha<strong>da</strong>s onde<br />

nem sempre é fácil decidir o rumo a tomar. É aí que surge a grande dúvi<strong>da</strong>: valerá a pe<strong>na</strong>?<br />

Explorar esta questão é a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s secções que se seguem, onde continuarei a ter os<br />

projectos TPU como pano de fundo <strong>da</strong> discussão do <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia em contextos<br />

adversos, ou seja, em contextos onde a pe<strong>da</strong>gogia ocupa um lugar de segundo plano. Creio<br />

115


que esta discussão é particularmente relevante no momento actual, em que se questio<strong>na</strong> o papel e<br />

a <strong>na</strong>tureza do ensino e <strong>da</strong> aprendizagem <strong>na</strong>s instituições de ensino superior, exigindo-se aos professores<br />

que repensem e inovem as suas práticas.<br />

2. Descobridores ou seguidores de caminhos?<br />

Docência é ensi<strong>na</strong>r a pensar. Quem sabe pensar tem mais chances de sobreviver e de ter prazer. Contribui<br />

para a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> dos indivíduos e do país. Considero a docência o <strong>valor</strong> mais alto, mais digno. Mas<br />

onde se encontra a docência <strong>na</strong> bolsa inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l dos saberes e <strong>da</strong> ciência? Ausente. Uma vez decretado<br />

que o <strong>valor</strong> mais alto é a publicação de artigos em revistas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, publish or perish, os alunos passaram<br />

a ser trambolhos que atrapalham os cientistas (não mais docentes…) <strong>na</strong> busca de excelência.<br />

Ensi<strong>na</strong>r não tem <strong>valor</strong>, não é coisa dig<strong>na</strong>. Um pesquisador que publica artigos vale mais que um professor<br />

que ensi<strong>na</strong> a pensar. Essa é a minha conclusão diante dos critérios de avaliação dos docentes: professor<br />

não vale <strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

Alves, 2000: 248<br />

No momento em que redijo este texto, no início de 2009, vive-se <strong>na</strong>s uni<strong>da</strong>des de investigação<br />

em educação do nosso país um clima de forte preocupação e alguma contestação face à recente<br />

avaliação realiza<strong>da</strong> pela Fun<strong>da</strong>ção para a Ciência e a Tecnologia, <strong>na</strong> qual se constata que, de<br />

facto, e como afirma Rubem Alves, «o <strong>valor</strong> mais alto é a publicação de artigos em revistas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is».<br />

Se esta visão redutora <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de científica é grave do ponto de vista <strong>da</strong> compreensão,<br />

expansão e fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> investigação educacio<strong>na</strong>l em Portugal, ela é tanto ou mais grave<br />

quanto às suas consequências <strong>na</strong> docência. A afirmação de Rubem Alves de que «ensi<strong>na</strong>r não tem<br />

<strong>valor</strong>, não é coisa dig<strong>na</strong>» pode passar a fazer ca<strong>da</strong> vez mais sentido a partir <strong>da</strong>qui, apesar de o<br />

Processo de Bolonha apontar em direcção contrária. Isto porque o discurso <strong>da</strong> avaliação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<br />

é um discurso de poder que impõe os termos em que essa quali<strong>da</strong>de deve ser medi<strong>da</strong>, conduzindo<br />

as instituições à sua interiorização e reprodução como condições de sobrevivência, e<br />

reduzindo a sua capaci<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de de contestação:<br />

Quality assurance demands a self and organization beratement that demoralizes and disempowers. (…)<br />

Resistance cannot be easily declared as it implies espousal of the other side of quality, that is privilege, elitism,<br />

mystification of decision making, unreliability, and shoddiness. (…) Opposition is not easily communicated as<br />

to oppose quality is to to favour its opposite» (Morley, 2003: 165).<br />

Os paradoxos com que temos de li<strong>da</strong>r são ca<strong>da</strong> vez mais gritantes. A par <strong>da</strong> actual retórica de<br />

mu<strong>da</strong>nça e dos esforços empreendidos para a inovação <strong>da</strong>s práticas pe<strong>da</strong>gógicas, e em desarticulação<br />

com essa retórica e esses esforços, opera, ca<strong>da</strong> vez mais, uma lógica estreita de produtivi<strong>da</strong>de,<br />

quase exclusivamente centra<strong>da</strong> <strong>na</strong> investigação discipli<strong>na</strong>r, <strong>na</strong> quantificação <strong>da</strong> produção<br />

116


científica e <strong>na</strong> redução desta a publicações em revistas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de língua inglesa com índice<br />

de impacto. Por outro lado, são escassas as alterações estruturais significativas que possibilitem<br />

uma maior <strong>valor</strong>ização e dignificação do ensino – maior atenção à activi<strong>da</strong>de pe<strong>da</strong>gógica <strong>na</strong> avaliação<br />

do mérito dos professores, nomea<strong>da</strong>mente em momentos-chave de progressão <strong>na</strong> carreira;<br />

mecanismos locais de incentivo e apoio à inovação e investigação pe<strong>da</strong>gógica; avaliação mais cui<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ensino e criação de culturas de colaboração <strong>na</strong> gestão e renovação dos processos<br />

de ensino e aprendizagem; formação pe<strong>da</strong>gógica dos professores, centra<strong>da</strong> <strong>na</strong> exploração<br />

<strong>da</strong>s suas práticas; maior coorde<strong>na</strong>ção horizontal e vertical dos currículos; redução do número de<br />

alunos por turma, de forma a viabilizar metodologias centra<strong>da</strong>s nos processos de aprendizagem...<br />

Se é ver<strong>da</strong>de que as mu<strong>da</strong>nças decorrentes do Processo de Bolonha implicam um maior investimento<br />

dos professores e dos alunos <strong>na</strong> pe<strong>da</strong>gogia, como conciliar esta necessi<strong>da</strong>de com as exigências<br />

de investigação coloca<strong>da</strong>s aos docentes? Se não quisermos encarar a transformação <strong>da</strong><br />

pe<strong>da</strong>gogia como um processo tecnicista de adopção acrítica de receitas pe<strong>da</strong>gógicas, teremos de a<br />

construir como um movimento de in<strong>da</strong>gação crítica, individual mas também colectivo, recorrendo<br />

a processos de investigação centrados no ensino e <strong>na</strong> aprendizagem. As reformas pe<strong>da</strong>gógicas<br />

decorrentes do Processo de Bolonha não serão sustentáveis se não forem acompanha<strong>da</strong>s por uma<br />

transformação significativa do sentido <strong>da</strong> profissio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de docente no ensino superior, e essa<br />

transformação implica uma noção de pe<strong>da</strong>gogia como espaço alargado e aberto de construção de<br />

conhecimento (cf. Quadro 1, acima), no qual ensino, investigação e desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l<br />

se entrecruzam. Por outras palavras, não só teremos de ser melhores professores, mas também<br />

investigadores do ensino que praticamos e agentes principais <strong>da</strong> nossa formação, tudo isto para<br />

além de elevarmos a nossa produtivi<strong>da</strong>de científica nos termos que nos são impostos. Assim, ser<br />

descobridor de caminhos parece representar uma opção simultaneamente necessária e arrisca<strong>da</strong>. É<br />

ca<strong>da</strong> vez mais claro que o trabalho académico encerra racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des contraditórias, tor<strong>na</strong>ndo as<br />

nossas escolhas ca<strong>da</strong> vez mais difíceis e dilemáticas. Parece ser também ca<strong>da</strong> vez mais impossível<br />

ignorar as questões <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, ain<strong>da</strong> que seja ape<strong>na</strong>s porque deixou de ser politicamente correcto<br />

pensar que a pe<strong>da</strong>gogia não importa.<br />

Um dos principais dilemas para quem decide fazer <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia um campo de investigação<br />

refere-se ao mérito e sucesso académico. Shulman (2004: viii) apresenta o esquema do Quadro<br />

2 para representar o (in)sucesso académico em termos de «virtude discipli<strong>na</strong>r e pe<strong>da</strong>gógica»,<br />

identificando quatro tipos de investigadores. Usa a metáfora dos «seguidores e descobridores de<br />

caminhos» (pathfollowers e pathfinders) para referir, respectivamente, «those who behave as<br />

most of their discipli<strong>na</strong>ry colleagues expect them to, and those who elect to go against the grain»<br />

(ibidem: vii).<br />

117


Realização de avanços<br />

académicos?<br />

Sim<br />

Não<br />

QUADRO 2<br />

Seguidores de caminhos e descobridores de caminhos (Shulman, 2004)<br />

Conformismo às convenções discpli<strong>na</strong>res?<br />

Sim<br />

Não<br />

Seguidores de caminhos com sucesso<br />

Seguidores de caminhos sem sucesso<br />

«Seguir caminhos com sucesso» tem sido o principal objectivo dos docentes universitários,<br />

desde logo porque disso depende o reconhecimento do mérito académico e a progressão <strong>na</strong> carreira:<br />

«Teaching suffers from severe misrecognition even though effort is invested in “improving”<br />

teaching quality and pretending that excellence in teaching counts as a performance indicator for<br />

career success. This can produce a moral dilemma» (Morley, 2003: 29). O dilema coloca-se porque<br />

sabemos que um investimento <strong>na</strong> investigação prejudica a docência e vice-versa, embora não<br />

tenha de ser necessariamente assim. A in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, quando implica investigação do<br />

ensino e <strong>da</strong> aprendizagem, pode começar a ser <strong>valor</strong>iza<strong>da</strong> <strong>na</strong> carreira académica. Contudo, ela<br />

implica ir contra a corrente em contextos onde o ensino, a investigação e o desenvolvimento profissio<strong>na</strong>l<br />

do professor são activi<strong>da</strong>des relativamente isola<strong>da</strong>s entre si, no seio de culturas que des<strong>valor</strong>izam<br />

o diálogo interdiscipli<strong>na</strong>r, a colaboração interpares e a investigação de <strong>na</strong>tureza não-discipli<strong>na</strong>r<br />

(v. Bergquist & Pawlak, 2008). Nos projectos TPU, temos encontrado diversos constrangimentos<br />

que afectam a sua viabili<strong>da</strong>de e sustentabili<strong>da</strong>de e que reduzem a sua quali<strong>da</strong>de investigativa.<br />

Ao longo do processo, sentimos por vezes que estamos divididos entre seguir e descobrir<br />

caminhos, talvez correndo o risco de termos pouco sucesso de uma ou de outra forma.<br />

O Quadro 3 (Vieira, 2008b) sintetiza os principais constrangimentos, limitações e ganhos do<br />

nosso trabalho, realizado em equipas multidiscipli<strong>na</strong>res 4 . Este trabalho é aqui entendido como um<br />

processo transitório de descoberta de caminhos. A leitura do quadro permite concluir que estamos<br />

longe de ser, nos termos de Shulman, «descobridores de caminhos com sucesso». No entanto, conceber<br />

a in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia como um processo transitório requer uma noção de <strong>valor</strong> como<br />

relevância situacio<strong>na</strong>l, a qual pressupõe que a avaliação deste tipo de iniciativas exige a compreensão<br />

dos seus contextos, uma vez que estes determi<strong>na</strong>m fortemente a sua viabili<strong>da</strong>de e resultados<br />

(Hutchings & Shulman, 2004; Socket, 2000). Exploro esta ideia <strong>na</strong> secção que se segue, procurando<br />

clarificar e expandir a noção de <strong>valor</strong> para além <strong>da</strong> dimensão investigativa.<br />

118<br />

Descobridores de caminhos com sucesso<br />

Descobridores de caminhos sem sucesso<br />

4 O Quadro 3 resulta <strong>da</strong> reflexão que tenho vindo a efectuar sobre os projectos TPU em diferentes momentos do seu<br />

desenvolvimento, integrando aspectos que temos discutido <strong>na</strong>s equipas e que parecem ser consensuais entre docentes<br />

de diferentes áreas discipli<strong>na</strong>res.


Circunstâncias: Constrangimentos Efeitos: Limitações Ganhos: Estratégias<br />

Tradição transmissiva do ensino<br />

Ausência de uma cultura de colaboração<br />

Ausência de tradição de IP<br />

Conflito entre a IP e as agen<strong>da</strong>s de<br />

investigação discipli<strong>na</strong>r<br />

Diversi<strong>da</strong>de conceptual, terminológica<br />

e metodológica <strong>na</strong> pe<strong>da</strong>gogia e <strong>na</strong><br />

investigação em diferentes discipli<strong>na</strong>s<br />

Necessi<strong>da</strong>de de construir quadros<br />

múltiplos de referência para a análise<br />

crítica <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

Falta de (tempo para investir em)<br />

conhecimento pe<strong>da</strong>gógico e experiências<br />

de investigação pe<strong>da</strong>gógica<br />

(especialmente de docentes que não<br />

são <strong>da</strong> área <strong>da</strong> educação)<br />

Falta de fóruns e publicações especializados<br />

para a dissemi<strong>na</strong>ção e escrutínio<br />

público <strong>da</strong> IP, e para a análise<br />

comparativa de experiências<br />

QUADRO 3<br />

A in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia (IP) como processo transitório de descoberta de caminhos<br />

Pouca autoconfiança/capaci<strong>da</strong>de<br />

para desenvolver a IP, dúvi<strong>da</strong>s sobre<br />

a sua credibili<strong>da</strong>de<br />

Visão tecnicista dos problemas educativos,<br />

dificul<strong>da</strong>de <strong>na</strong> sua (des)construção,<br />

ambigui<strong>da</strong>de dos objectivos<br />

<strong>da</strong> IP<br />

Manutenção <strong>da</strong>s tradições de ensino<br />

e investigação <strong>da</strong>s discipli<strong>na</strong>s, dificul<strong>da</strong>des<br />

em desenhar estratégias para<br />

problemas pe<strong>da</strong>gógicos complexos<br />

Problemas de comunicação interdiscipli<strong>na</strong>r,<br />

sobretudo entre especialistas<br />

<strong>da</strong> educação e outros<br />

Atrasos <strong>na</strong> investigação, exploração<br />

insuficiente dos <strong>da</strong>dos, relatórios com<br />

diferentes graus de quali<strong>da</strong>de, compreensão<br />

limita<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e<br />

impacto <strong>da</strong> IP<br />

Falta de capaci<strong>da</strong>des de dissemi<strong>na</strong>ção<br />

oral e escrita adequa<strong>da</strong>s à IP,<br />

evitação <strong>da</strong> exposição pública, publicação<br />

e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização reduzi<strong>da</strong>s<br />

3. Relevância situacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

O <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>na</strong> universi<strong>da</strong>de dependerá <strong>da</strong> sua relação com, pelo<br />

menos, três factores contextuais:<br />

a) Cultura(s) domi<strong>na</strong>nte(s) <strong>da</strong> academia – <strong>valor</strong> como subversão/inovação cultural;<br />

b) História profissio<strong>na</strong>l do professor – <strong>valor</strong> como transformação profissio<strong>na</strong>l do professor;<br />

c) Avanço <strong>da</strong> profissão – <strong>valor</strong> como contributo (teórico e prático) para a melhoria <strong>da</strong> profissão.<br />

119<br />

Criação de redes multidiscipli<strong>na</strong>res assentes <strong>na</strong><br />

colaboração interpares<br />

Sessões/seminários conjuntos sobre temas<br />

pe<strong>da</strong>gógicos e estratégias de IP<br />

Negociação de linguagens, perspectivas, metas<br />

e estratégias de acção<br />

Investimento no desenho de estratégias de IP<br />

adequa<strong>da</strong>s a preocupações educacio<strong>na</strong>is relevantes<br />

Abertura a formas diversas de IP, quanto ao<br />

tipo e grau de sofisticação <strong>da</strong>s metodologias de<br />

ensino e investigação<br />

Desenvolvimento de capaci<strong>da</strong>des de ensino e<br />

investigação como resultado <strong>da</strong> IP<br />

Análise colaborativa de experiências pe<strong>da</strong>gógicas:<br />

<strong>valor</strong> e constrangimentos<br />

Apoio interpares <strong>na</strong> revisão crítica de textos<br />

para dissemi<strong>na</strong>ção oral e escrita<br />

Dissemi<strong>na</strong>ção em reuniões científicas de educação<br />

(sobretudo em parcerias)<br />

Valorização de diversos meios e géneros discursivos<br />

de dissemi<strong>na</strong>ção, com ênfase <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas<br />

profissio<strong>na</strong>is<br />

Leituras no âmbito do ensino superior e <strong>da</strong> IP


O Quadro 4 (Vieira, 2008b) assi<strong>na</strong>la a potencial relevância <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>na</strong>s<br />

três dimensões de <strong>valor</strong> considera<strong>da</strong>s, em contextos adversos e favoráveis.<br />

QUADRO 4<br />

Relevância situacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

Contextos adversos Contextos favoráveis<br />

Subversão/Inovação cultural Sim Não<br />

Transformação profissio<strong>na</strong>l Sim Sobretudo para iniciantes<br />

Avanço <strong>da</strong> profissão Dificilmente Sim<br />

Em contextos adversos, a in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia será sobretudo relevante ao nível <strong>da</strong> subversão/inovação<br />

<strong>da</strong>s culturas pe<strong>da</strong>gógicas, assim como <strong>na</strong> transformação profissio<strong>na</strong>l dos professores.<br />

Enquanto o ensino não constituir objecto de in<strong>da</strong>gação em to<strong>da</strong>s as áreas científicas, a vulgarização<br />

<strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia é ape<strong>na</strong>s um ideal, e portanto o seu contributo para a<br />

melhoria <strong>da</strong> profissão é sentido, sobretudo, ao nível individual e local.<br />

Na perspectiva que proponho, o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia não pode ser aferido ape<strong>na</strong>s<br />

por referência a critérios universais de quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> investigação. Se voltarmos ao Quadro 3<br />

acima e relermos os ganhos dos projectos TPU, podemos identificar si<strong>na</strong>is de mu<strong>da</strong>nça em contracorrente<br />

face aos padrões convencio<strong>na</strong>is do trabalho pe<strong>da</strong>gógico <strong>na</strong>s universi<strong>da</strong>des, embora esses<br />

si<strong>na</strong>is não sejam facilmente mensuráveis ou traduzidos em produtos. No entanto, consideramos<br />

que são ganhos inestimáveis, assentes numa visão <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia como espaço alargado e aberto<br />

de construção de conhecimento, e capazes de alicerçar transformações sustentáveis, sobretudo<br />

porque traduzem e produzem mu<strong>da</strong>nças <strong>na</strong> identi<strong>da</strong>de profissio<strong>na</strong>l dos professores. Um indício<br />

significativo deste potencial é a continui<strong>da</strong>de dos projectos TPU, apesar dos constrangimentos e<br />

dilemas que temos enfrentado.<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>na</strong> perspectiva aqui proposta, o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia depende do seu<br />

potencial transformador e está necessariamente relacio<strong>na</strong>do com o exercício <strong>da</strong> reflexão profissio<strong>na</strong>l<br />

como instrumento pe<strong>da</strong>gógico e político de compreensão e gestão <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s situações<br />

educativas, evitando processos de simplificação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de ou a aplicação tecnicista de<br />

soluções predefini<strong>da</strong>s aos problemas encontrados, e abrindo caminho à resistência e acção estratégicas<br />

face às forças históricas e estruturais que condicio<strong>na</strong>m a acção profissio<strong>na</strong>l. Partilha-se aqui a<br />

ideia de Paulo Freire (1996): quem estu<strong>da</strong> e pratica a educação não pode manter-se neutro.<br />

Constituindo a educação um acto moral e político, ideologicamente marcado, situado entre a<br />

reprodução e a transformação <strong>da</strong>s condições que o afectam directa ou indirectamente, uma questão<br />

essencial será, então, a seguinte: em que medi<strong>da</strong> contribuem as nossas escolhas pe<strong>da</strong>gógicas<br />

para a reprodução do status quo ou, pelo contrário, para a sua superação?<br />

120


Não existindo uma noção única de boa pe<strong>da</strong>gogia, uma <strong>da</strong>s tarefas dos professores descobridores<br />

de caminhos é definir uma direcção possível, ain<strong>da</strong> que exploratória e transitória. No âmbito do<br />

primeiro projecto que desenvolvemos, em 2000-01, esta foi uma <strong>da</strong>s nossas preocupações.<br />

Apresento de segui<strong>da</strong> a nossa proposta (Vieira et al., 2002; Vieira, 2002), constituí<strong>da</strong> por oito princípios<br />

pe<strong>da</strong>gógicos gerais, de <strong>na</strong>tureza transdiscipli<strong>na</strong>r, que temos procurado incorporar <strong>na</strong>s nossas<br />

práticas, e que julgamos ter um potencial transformador face às culturas pe<strong>da</strong>gógicas domi<strong>na</strong>ntes:<br />

• Intencio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de: a acção pe<strong>da</strong>gógica desenvolve-se numa direcção assente em pressupostos<br />

e fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des relativos à educação formal e à relação entre esta e a socie<strong>da</strong>de, direccio<strong>na</strong>ndo-se<br />

a uma formação integra<strong>da</strong>, de âmbito científico, cultural, técnico/profissio<strong>na</strong>lizante,<br />

pessoal e social;<br />

• Transparência: a acção pe<strong>da</strong>gógica integra a explicitação dos pressupostos e fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des de<br />

formação que a orientam, <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong> metodologia segui<strong>da</strong>, dos processos/percursos de<br />

aprendizagem e dos parâmetros de avaliação adoptados;<br />

• Coerência: a acção pe<strong>da</strong>gógica é coerente com os pressupostos e fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des de formação<br />

que a orientam, com a <strong>na</strong>tureza dos conteúdos discipli<strong>na</strong>res e com os métodos de avaliação<br />

adoptados;<br />

• Relevância: a acção pe<strong>da</strong>gógica integra expectativas, necessi<strong>da</strong>des, ritmos e interesses diferenciados,<br />

mobiliza e promove saberes, linguagens e experiências relevantes à futura profissão,<br />

promove o contacto com a reali<strong>da</strong>de socioprofissio<strong>na</strong>l e perspectiva o currículo de<br />

forma articula<strong>da</strong>;<br />

• Reflexivi<strong>da</strong>de: a acção pe<strong>da</strong>gógica promove o pensamento divergente e o espírito crítico, integrando<br />

uma reflexão crítica sobre os seus pressupostos e fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des, os conteúdos, a metodologia<br />

segui<strong>da</strong>, os parâmetros e métodos de avaliação, os processos/percursos de aprendizagem,<br />

o papel <strong>da</strong>s discipli<strong>na</strong>s no currículo e a relação deste com a reali<strong>da</strong>de socioprofissio<strong>na</strong>l;<br />

• Democratici<strong>da</strong>de: a acção pe<strong>da</strong>gógica assenta em <strong>valor</strong>es de uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia democrática –<br />

sentido de justiça, respeito pela diferença, liber<strong>da</strong>de de pensamento e expressão, comunicação<br />

e debate de ideias, negociação de decisões, colaboração e interaju<strong>da</strong>;<br />

• Autodirecção: a acção pe<strong>da</strong>gógica desenvolve atitudes e capaci<strong>da</strong>des de autogestão <strong>da</strong><br />

aprendizagem – definição de metas e planos de trabalho autodetermi<strong>na</strong>dos, auto-avaliação e<br />

estudo independente, curiosi<strong>da</strong>de intelectual e vontade de aprender, sentido de auto-<br />

-estima e autoconfiança;<br />

• Criativi<strong>da</strong>de/Inovação: a acção pe<strong>da</strong>gógica estimula processos de compreensão e intervenção,<br />

com implicações profissio<strong>na</strong>is e sociais, promovendo uma interpretação pessoal e uma<br />

visão pluri/inter/transdiscipli<strong>na</strong>r do conhecimento e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, capaci<strong>da</strong>des de pesquisa e<br />

de resolução de problemas, desenvolvimento de projectos pessoais, capaci<strong>da</strong>des de intervenção<br />

no contexto profissio<strong>na</strong>l e atitudes de abertura à inovação.<br />

121


Creio que a definição e operacio<strong>na</strong>lização destes princípios pe<strong>da</strong>gógicos representam exemplos<br />

de dimensões situacio<strong>na</strong>lmente relevantes <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, ao nível <strong>da</strong> subversão/inovação<br />

cultural e <strong>da</strong> transformação dos professores e <strong>da</strong>s suas práticas, com implicações<br />

directas <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s aprendizagens dos alunos. Contudo, eles não limitam as opções metodológicas,<br />

ou seja, representam uma gramática potencialmente geradora de abor<strong>da</strong>gens diferencia<strong>da</strong>s,<br />

defini<strong>da</strong>s em função dos contextos discipli<strong>na</strong>res, <strong>da</strong>s preocupações dos professores e <strong>da</strong>s suas<br />

histórias profissio<strong>na</strong>is. No caso dos projectos TPU, temos explorado estratégias diversas como o<br />

ensino por projectos, o e-learning, o uso de diários e portefólios, a construção de folhetos e revistas<br />

de divulgação científica, a análise de casos, a negociação e diversificação <strong>da</strong>s práticas de<br />

(auto/hetero-/co-)avaliação… como formas de potenciar uma pe<strong>da</strong>gogia que problematiza e redefine<br />

as fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des <strong>da</strong> formação, o papel dos professores e dos alunos e a <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s aprendizagens<br />

realiza<strong>da</strong>s, implicando percursos continuados de (auto)descoberta. Nestes percursos, temo-<br />

-nos aproximado, de diferentes modos e em diferentes graus, de algumas dimensões de uma<br />

pe<strong>da</strong>gogia emancipatória, embora não numa versão radical. Numa reflexão sobre as experiências<br />

pe<strong>da</strong>gógicas realiza<strong>da</strong>s num dos projectos TPU (Vieira et al., 2004), que escrevi em 2005 mas que<br />

posso neste momento alargar ao nosso trabalho em geral, afirmo (Vieira, 2005: 14-15):<br />

(…) todos os estudos [experiências pe<strong>da</strong>gógicas] se insurgem, uns mais assertivamente do que outros, contra<br />

uma racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de instrumental – «uma forma de olhar o mundo <strong>na</strong> qual os “fins” se subordi<strong>na</strong>m aos “meios” e<br />

<strong>na</strong> qual os “factos” estão separados de questões de “<strong>valor</strong>”» (McLaren, 2003: 89); todos eles, em diferentes<br />

graus, procuram que os alunos se apropriem criticamente do conhecimento de modo a «alargar a compreensão<br />

de si próprios, do mundo, e <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de transformação dos pressupostos tacitamente aceites acerca<br />

do modo como vivemos» (ibidem); todos eles rompem com uma ou outra ver<strong>da</strong>de instituí<strong>da</strong> sobre a produção<br />

e a vali<strong>da</strong>ção do saber em contexto universitário, <strong>valor</strong>izando práticas de colaboração, negociação e auto/co-<br />

-regulação (entre os professores, entre estes e os alunos e entre os alunos); todos eles revelam que in<strong>da</strong>gar a<br />

pe<strong>da</strong>gogia é uma forma de a aproximar aos ideais que defendemos, desocultando e enfrentando os dilemas e<br />

constrangimentos que nos paralisam, expandindo e testando os limites <strong>da</strong> nossa acção, e assumindo o risco<br />

como condição para manter vivos os ideais (Shor & Freire, 2003); todos eles operam compromissos com os<br />

dilemas e constrangimentos locais, negando uma visão excessivamente optimista do professor como aquele<br />

que «sabe o que fazer pelos alunos» e colocando-o numa posição de auto-reflexão e humil<strong>da</strong>de face à sua prática<br />

(Gore, 2003); todos eles pressupõem que professores e alunos se questionem e questionem os contextos<br />

em que (inter)agem: O que sou e o que faço? Como explico o meu pensamento e acção? Que interesses servem?<br />

Que forças históricas e estruturais os condicio<strong>na</strong>m e como posso libertar-me delas? Quero e posso<br />

mu<strong>da</strong>r? Em que sentido e com que implicações? (Smyth, 1989, 1997); todos eles implicam, portanto, movimentos<br />

de libertação face à autori<strong>da</strong>de potencialmente exerci<strong>da</strong> por factores pessoais e sociais como a biografia, as<br />

convicções e os preconceitos, as expectativas de formação, a tradição educativa e de investigação, as teorias<br />

públicas e priva<strong>da</strong>s, as relações de poder e as regras <strong>da</strong> comunicação em sala de aula, as roti<strong>na</strong>s <strong>da</strong> avaliação,<br />

a inércia no trabalho pe<strong>da</strong>gógico, as exigências e os constrangimentos institucio<strong>na</strong>is, etc.<br />

Assim, quando falamos de emancipação não nos referimos ape<strong>na</strong>s aos alunos mas também aos professores, o<br />

que confere ao conceito uma dimensão relacio<strong>na</strong>l. Não se trata de uma emancipação desresponsabilizadora<br />

ou assente <strong>na</strong> liber<strong>da</strong>de individual(ista), mas sim de uma emancipação que estreita a relação de obrigações de<br />

ca<strong>da</strong> um consigo próprio e com os outros, e ain<strong>da</strong> com o estado <strong>da</strong>s coisas. Esta parece-nos ser uma condição<br />

122


fun<strong>da</strong>mental ao exercício <strong>da</strong> autonomia e <strong>da</strong> critici<strong>da</strong>de, que coloca em evidência a questão <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de e<br />

do <strong>valor</strong> <strong>da</strong> educação e se distancia do discurso vazio <strong>da</strong> excelência que domi<strong>na</strong> hoje o meio académico<br />

(Readings, 2003).<br />

Como se conclui <strong>da</strong> leitura deste excerto, a in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia é uma tarefa complexa<br />

porque a pe<strong>da</strong>gogia é, ela própria, uma reali<strong>da</strong>de complexa. Daqui decorre que o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia não se reduz à sua dimensão investigativa, indo muito além dela. Na ver<strong>da</strong>de,<br />

tem havido algumas críticas a uma noção redutora e bastante generaliza<strong>da</strong> de «scholarship of teaching<br />

and learning» como ape<strong>na</strong>s mais uma activi<strong>da</strong>de de investigação que deve reger-se e ser<br />

avalia<strong>da</strong> segundo as normas <strong>da</strong> investigação discipli<strong>na</strong>r (cf. Bowden, 2007; Kreber, 2006; Silva, 1999).<br />

Tal como Van Manen sugere (1990: 149), a pe<strong>da</strong>gogia é inefável, e só numa perspectiva positivista<br />

podemos aceitar que as descrições e conceptualizações que dela fazemos com base <strong>na</strong> investigação<br />

sejam um retrato completo ou exacto do que ela é. Portanto, a inefabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia coloca<br />

limites ao conhecimento que dela podemos obter. Mesmo reconhecendo que a in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

integra uma componente de investigação, dissemi<strong>na</strong>ção e escrutínio público, teremos de<br />

reconhecer, igualmente, que o seu <strong>valor</strong> reside em dimensões ontológicas, axiológicas e praxiológicas<br />

que não são facilmente captura<strong>da</strong>s, medi<strong>da</strong>s ou até passíveis de ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s de forma discipli<strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

Deste ponto de vista, a relevância situacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia inclui também a<br />

experiência não investiga<strong>da</strong> de professores e alunos. Aqui, poderão incluir-se aspectos tão diversos<br />

como a paixão de ensi<strong>na</strong>r e aprender que dá vi<strong>da</strong> aos encontros pe<strong>da</strong>gógicos, os processos criativos<br />

de desenho e concretização de propostas de acção, a dinâmica fugidia <strong>da</strong>s interações e negociações<br />

em sala de aula, a gestão de dilemas e imprevistos, os sentimentos e emoções que acompanham<br />

a construção do conhecimento e os laços de companheirismo que se vão criando <strong>na</strong>s relações<br />

de trabalho, as histórias pe<strong>da</strong>gógicas que se partilham, a consciencialização progressiva <strong>da</strong>s<br />

irracio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des <strong>na</strong> educação e <strong>da</strong>s suas implicações no bem-estar de alunos e professores, a esperança<br />

que alicerça a vontade de mu<strong>da</strong>r e reduz as frustrações, o crescente sentimento de autoconfiança,<br />

satisfação e autonomia profissio<strong>na</strong>l… a lista é infindável e reporta-se às dimensões mais inefáveis<br />

<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia, difíceis de observar e medir, mas cruciais para os seus actores e para a transformação<br />

<strong>da</strong>s suas práticas. Na ver<strong>da</strong>de, são talvez estas as dimensões <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia que sustentam<br />

a sua in<strong>da</strong>gação e sem as quais esta se limitaria a um exercício desprovido de sentido.<br />

Se aceitarmos que o <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia não se reduz à sua dimensão investigativa,<br />

teremos de aceitar que os seus benefícios não têm uma tradução directa em mérito académico<br />

ou ascensão <strong>na</strong> carreira, sobretudo enquanto estes não incorporarem a <strong>valor</strong>ização explícita de<br />

uma profissio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de docente assente <strong>na</strong> articulação entre ensino, investigação e desenvolvimento<br />

profissio<strong>na</strong>l. E se isto vier a acontecer, será sempre difícil conciliar essa profissio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de com as<br />

demais exigências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> académica. Por outras palavras, ser descobridor de caminhos afigura-se<br />

uma tarefa arrisca<strong>da</strong>, e talvez parte do seu <strong>valor</strong> resi<strong>da</strong>, exactamente, <strong>na</strong> assunção do risco.<br />

123


Para concluir…<br />

Tal como Barnett (1997, 2000), penso que é compreensível, mas não facilmente perdoável,<br />

que queiramos ver-nos livres <strong>da</strong>s preocupações do ensino. Se a pe<strong>da</strong>gogia implica um (auto)questio<strong>na</strong>mento<br />

continuado sobre o que é um bom ensino e uma boa aprendizagem, então a sua in<strong>da</strong>gação,<br />

tão crítica quanto possível, constitui um imperativo moral de todos os educadores. É nosso<br />

dever lutar por um futuro melhor para a pe<strong>da</strong>gogia <strong>na</strong>s universi<strong>da</strong>des, o que implica aprender a<br />

li<strong>da</strong>r com os paradoxos e dilemas <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de académica, reconfigurando continuamente as nossas<br />

identi<strong>da</strong>des profissio<strong>na</strong>is. O <strong>valor</strong> <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia reside também nesta reconfiguração<br />

profissio<strong>na</strong>l continua<strong>da</strong>, a qual se tor<strong>na</strong> possível à medi<strong>da</strong> que nos vamos libertando <strong>da</strong><br />

nossa história de seguidores de caminhos e nos aventuramos numa história de descoberta, mais<br />

arrisca<strong>da</strong> e incerta, mas também mais promissora.<br />

Voltando à dúvi<strong>da</strong> que colocava acima, de saber se valerá a pe<strong>na</strong> envere<strong>da</strong>r pela in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong><br />

pe<strong>da</strong>gogia em contextos que são adversos ao seu desenvolvimento e nos empurram em sentido<br />

contrário, creio que a resposta se encontrará, fun<strong>da</strong>mentalmente, no interior de ca<strong>da</strong> um de nós.<br />

Por mim, e com base no trabalho que tenho vindo a realizar com outros colegas, a resposta é:<br />

sim, vale a pe<strong>na</strong>, mas não é fácil, e teremos de estar preparados para os custos que pode trazer. A<br />

este propósito, as palavras de Paulo Freire, em diálogo com Ira Shor acerca <strong>da</strong>s implicações <strong>da</strong><br />

contestação de ideologias domi<strong>na</strong>ntes, são clarividentes (Freire & Shor, 1986: 29): «Na<strong>da</strong>r contra a<br />

corrente significa correr riscos e assumir riscos. Significa, também, esperar constantemente por<br />

uma punição. Sempre digo que os que <strong>na</strong><strong>da</strong>m contra a corrente são os primeiros a ser punidos<br />

pela corrente e não podem esperar ganhar de presente fins-de-sema<strong>na</strong> em praias tropicais!».<br />

Post-scriptum<br />

Enquanto coorde<strong>na</strong>dora dos projectos TPU, quero deixar uma palavra de reconhecimento a todos os colegas<br />

que neles têm vindo a participar, pela sua persistência e comprometimento profissio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia.<br />

É a todos eles, e também aos alunos que nos foram acompanhando <strong>na</strong>s nossas experiências pe<strong>da</strong>gógicas, que<br />

dedico o presente texto.<br />

Contacto: Instituto de Educação e Psicologia, Universi<strong>da</strong>de do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga –<br />

Portugal<br />

E-mail: flaviav@iep.uminho.pt<br />

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