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passou a ser comandada pelo ritmo da mulher, enquanto seus olhos já eram escravos<br />
dela e permaneciam petrificados cravados nas formas ondulantes da mulher,<br />
divertindo-a e regozijando-a imensamente e fazendo-a sentir vitoriosa ao constatar<br />
que dominava por completo aquele homem, mas sua alegria desmesurada foi<br />
engolida por uma sensação de poder ainda maior e ela comandou os olhos do homem<br />
e a sua respiração, e comandou seus movimentos, e foi talvez porque a respiração e<br />
os movimentos do homem tenham se descompassado um com outros e com o mundo<br />
sob o comando da mulher, que o corpo do homem foi compelido a inspirar<br />
fortemente para não sufocar, numa luta contra as ordens escravizantes impostas pelo<br />
corpo da mulher. Nesse momento o homem se forçou, ou foi forçado, a erguer os<br />
olhos em direção aos céus e inspirar profundamente, e quando isso ocorreu um<br />
tremor agudo, ou uma sucessão de tremores se apossou brevemente de seu corpo e<br />
quando ele pode baixar os olhos até o corpo nu e serpenteante da mulher à sua frente<br />
ele não viu mais a mulher. Quando seus olhos se ergueram e voltaram a mirar à frente<br />
o que o homem viu foram as curvas. Curvas, várias curvas oscilantes e de<br />
luminosidade incomum como chamas flamejantes. O fogo. Os fogos bruxuleantes<br />
que também bailavam. E a luminosidade do fogo na noite escura, a atração irresistível<br />
pelo fogo ainda que ele queimasse. E o homem quis mergulhar no fogo mas temeu as<br />
chamas, mas seu temor não foi tanto que o fizesse se afastar; a atração era<br />
intensíssima. E assim como ele havia regido os movimentos da moça uns momentos<br />
antes, como um maestro, ele agora era regido pelas chamas. E era como se a<br />
orquestra regesse um maestro inebriado e transido por alguma música caótica. Foi<br />
quando a respiração do homem ficou ruidosa e pesada, e embalou todo o seu corpo<br />
em um movimento de vai e vem frenético guiado pelo seu ritmo. E o homem se<br />
agitou selvagemente, e seus braços se moveram rápidos traçando linhas imaginárias<br />
no ar ao redor e seu corpo também oscilou tentando ele todo partilhar a curva. Foi<br />
quando a mão segurou o pincel, e a outra mão a tela, e foi no instante em que seus<br />
olhos vazios fitavam o teto que sua mão direita cortou o ar rapidíssima e traçou uma<br />
única linha sinuosa na tela. Em seguida tomou outra tela com brusquidão, e,<br />
novamente encharcou o grosso pincel com a tinta do mesmo modo que havia feito<br />
antes, com movimentos quase violentos, automáticos, como se seu corpo fosse<br />
controlado por alguma força sobre-humana . Sua respiração continuava em um ritmo<br />
selvagem e sonoro como a de um atleta em meio a uma luta. Creio que os olhos se<br />
fecharam enquanto sua mão traçava uma nova linha azul, grossa, e sinuosa na tela<br />
negra. E ele tomou outra tela e mais outra, e quando o fazia parecia que era rude,<br />
selvagem, e aparentemente não sabia o que pintava, pois não olhava o que fazia, mas<br />
seus movimentos pareciam ter verdadeiramente incorporado algo da curva, pois as<br />
pinturas que surgiam expunham miraculosamente a curva desnuda que, de algum<br />
modo, ele conseguiu sugar da mulher; a curva sensual, a curva que também era das<br />
chamas.<br />
Pode, ao contrário, não ter sido ele quem incorporou aquela curva, mas que<br />
tenha sido a curva que invadiu o homem e o dominou, usando a mão do homem<br />
apenas como instrumento, mas isso é demasiado fantástico para que seja crível, e<br />
assim sendo, temos apenas que convir que todos os quadros foram pintados às cegas.<br />
Mas se assim foi, talvez aquelas obras não sejam pinturas, mas impressões de uma<br />
certa dança ou mímica, pois talvez o homem apenas movesse o pincel mimetizando a<br />
curva, e, como a tela estivesse à frente do tal movimento, a figura ali resultante se