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2. Breve dicionário de trabalhos agrícolas característicos dos ...

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<strong>2.</strong> <strong>Breve</strong> <strong>dicionário</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalhos</strong> <strong>agrícolas</strong> <strong>característicos</strong> <strong>dos</strong><br />

arredores <strong>de</strong> Mafra, nas décadas <strong>de</strong> 1940-50<br />

Maria Laura Costa *<br />

Abrir caseiras e covachos – Abrir pequenas covas <strong>de</strong> dimensão e formato<br />

diferentes. O covacho é, talvez, um pouco mais fundo mas menos largo,<br />

enquanto que a caseira é pouco funda e mais larga. Nessas pequenas<br />

covas semeavam-se, por exemplo: feijão, melão e melancia nos covachos,<br />

abóboras e pepinos nas caseiras.<br />

Alqueivar – Cava feita no Verão, nos campos que haviam sido <strong>de</strong> trigo,<br />

<strong>de</strong> milho, <strong>de</strong> cevada e <strong>de</strong> aveia (etc.), <strong>de</strong> maneira a que o terreno ficasse a<br />

repousar até à altura das sementeiras no princípio do Inverno. Esta cava<br />

era difícil porque o terreno no Verão se encontrava muito seco.<br />

Amontoar – Fazer, como o próprio nome indica, pequenos montes <strong>de</strong><br />

terra em redor das plantas, com a enxada rasa, para que as suas raízes<br />

ficassem protegidas do calor. Amontoava-se o milho e a batata (hoje, com<br />

a industrialização, já é pouco vulgar).<br />

Archar - Fazer uma espécie <strong>de</strong> sacha ligeira para que o terreno conserve a<br />

lentura. Ao mesmo tempo cortam-se as ervas daninhas. Por exemplo,<br />

archa-se a vinha. Este trabalho executa-se com a enxada rasa.<br />

Arrotear – Desbravar terreno inculto, normalmente coberto <strong>de</strong> mato (tojo,<br />

carrasco), aproveitando-o para a agricultura. Executava-se com a enxada<br />

<strong>de</strong> pontas e, às vezes, com ajuda <strong>de</strong> um picarete.<br />

Cal<strong>de</strong>ar – Com pedras <strong>de</strong> cal viva os agricultores faziam uma calda<br />

branca, que fervia mesmo sem ser aquecida (a cal na água ferve). Esta<br />

calda era a cal com que se caiavam as casas, tanto por <strong>de</strong>ntro como por<br />

fora. Feita em barricas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, tinha que ser preparada por pessoa<br />

que soubesse bem <strong>dos</strong>ear a água, e, que fosse cuida<strong>dos</strong>a, pois se fervia<br />

* Técnica Profissional <strong>de</strong> Biblioteca e Documentação. Biblioteca Municipal <strong>de</strong> Mafra.<br />

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com <strong>de</strong>masiada força, as barricas po<strong>de</strong>riam chegar a rebentar,<br />

representando perigo, tanto para quem cal<strong>de</strong>ava, como para alguém que<br />

estivesse por perto. Os agricultores cal<strong>de</strong>avam no âmbito das vindimas,<br />

misturavam a cal (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cal<strong>de</strong>ada) com o sulfato <strong>de</strong> cobre obtendo a<br />

chamada calda bordalesa, para sulfatar as vinhas e evitar o míldio. Também<br />

se sulfatavam batatais, cebolas, alhos, feijões, ervilhas, árvores, etc.,<br />

<strong>de</strong>vido às moléstias que atacavam as plantas.<br />

Capar – Tirar algumas pontas <strong>de</strong> certas plantas para que estas viessem com<br />

mais força e produzissem melhor. Capava-se os meloeiros, os feijoeiros, os<br />

pepineiros e pouco mais.<br />

Carapear – Desfiar a lã <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito bem lavada. Este labor<br />

equiparava-se em tudo ao <strong>de</strong>sfiar carapelas (ver Descarapelar), pois a<br />

utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta lã era para encher os colchões, das pessoas um pouco mais<br />

abastadas e os serões eram em tudo idênticos.<br />

Cava ligeira para replantar a horta. Garrancho, enxada <strong>de</strong> pontas e enxada rasa.<br />

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Cavar – Rasgar a terra, em profundida<strong>de</strong>, com a ajuda <strong>de</strong> uma enxada <strong>de</strong><br />

pontas. Cavava-se mais ou menos conforme a plantação que iria ter lugar<br />

nesse terreno. Por exemplo, cavar para batatas exigia pouca<br />

profundida<strong>de</strong>, no entanto se fosse para plantar vinha era cava tão<br />

profunda que lhe era atribuída outra <strong>de</strong>signação. A cava dizia-se que era<br />

a um ferro, dois ferros, três ferros, isto é, cravava-se a enxada uma, duas<br />

ou mais vezes no mesmo sítio, consoante a profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada.<br />

Ceifa <strong>de</strong> feno para o gado. No Verão, <strong>de</strong>vido ao calor, o lenço era atado atrás e não ao alto<br />

da cabeça, como era habitual nas saloias.<br />

Ceifar - Colher os cereais já loiros, isto é, quando estão maduros. Ceifavase<br />

o trigo, a cevada, o centeio. Falamos aqui da ceifa efectuada na década<br />

<strong>de</strong> 1950, uma vez que a partir <strong>de</strong>sse período vieram as ceifeiras mecânicas<br />

e <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ceifar à mão. A ceifa era feita com gran<strong>de</strong>s grupos <strong>de</strong><br />

ceifeiros e ceifeiras, muni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> foices, protegi<strong>dos</strong> do calor com chapéus<br />

ou lenços. Os saloios, <strong>dos</strong> arredores <strong>de</strong> Mafra, não eram muito da<strong>dos</strong> a<br />

usar chapéus <strong>de</strong> palha. As mulheres usavam lenços ata<strong>dos</strong> no alto da<br />

cabeça, os homens usavam o boné com a pala para trás, para melhor os<br />

proteger. Chapéus <strong>de</strong> palha só nos moços e moças novas, ao contrário do<br />

que se observava noutras regiões <strong>de</strong> Portugal, on<strong>de</strong> toda a gente, no<br />

campo, usava o chapéu <strong>de</strong> palha ou <strong>de</strong> feltro. Os saloios, em geral,<br />

usavam o chapéu <strong>de</strong> feltro na indumentária festiva.<br />

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Debulhar – Esmagar o cereal, isto é, separar do casulo os grãos <strong>dos</strong><br />

cereais, com a ajuda <strong>de</strong> algo que pise. Nas al<strong>de</strong>ias, não só nas da Freguesia<br />

<strong>de</strong> Mafra, mas no geral, antes <strong>de</strong> aparecer maquinaria a<strong>de</strong>quada a tal fim,<br />

eram os animais, principalmente os burros que, atrela<strong>dos</strong> dois a dois,<br />

andavam à volta da eira pisando o calcadoiro, isto é, a camada <strong>de</strong> cereal<br />

que estava estendida para ser <strong>de</strong>bulhada. Tarefa particularmente<br />

interessante, pois era sempre acompanhada <strong>de</strong> cantilenas ao gado, por<br />

exemplo: Otra aí otra, burrinho à volta!<br />

Desban<strong>de</strong>irar – Tirar os espigos do milho, a que se chamavam ban<strong>de</strong>iras,<br />

para que as maçarocas (espigas do milho) viessem mais fortes. Estas<br />

ban<strong>de</strong>iras eram <strong>de</strong>pois transportadas em carros <strong>de</strong> bois para a alimentação<br />

<strong>dos</strong> bovinos, tanto em ver<strong>de</strong> como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> secas, era a chamada palha <strong>de</strong><br />

milho.<br />

Descapeirar – Tirar as pontas das faveiras para que as favas engrecessem<br />

(medrassem).<br />

Descarapelar – O mesmo que <strong>de</strong>scamisar. Tirar as carapelas das maçarocas<br />

do milho, tarefa alegre, principalmente quando aparecia uma maçaroca<br />

<strong>de</strong> milho vermelho, que obrigava aquele (ou aquela) que a encontrava a<br />

correr em volta da roda <strong>dos</strong> que se juntavam nessa tarefa, senta<strong>dos</strong> em<br />

torno da eira, e roubar-lhes um beijo. Naquele tempo os rapazes estavam<br />

sempre à procura <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas maçarocas, e as raparigas quando<br />

encontravam alguma faziam tudo por escondê-la.<br />

Ligada a essa tarefa havia outra: <strong>de</strong>sfiar carapelas que consistia em partir as<br />

ditas aos pedacinhos no sentido do seu comprimento. As carapelas eram<br />

arrumadas em sacas <strong>de</strong> linhagem (as mais branquinhas, as restantes eram<br />

para o gado). Nas noites <strong>de</strong> Inverno as donas <strong>de</strong> casa aproveitavam os<br />

serões para o <strong>de</strong>sfio. As carapelas, assim tratadas, serviam para encher<br />

colchões (nessa época não havia colchões <strong>de</strong> molas). Se, por acaso, havia<br />

noiva para casar, esta tarefa era repartida por familiares e amigas da noiva<br />

para <strong>de</strong>spachar trabalho.<br />

Descarolar – Tirar os restos, <strong>de</strong> bagos do milho, quando já maduro, <strong>dos</strong><br />

carolos ou maçarucos que, porventura, não saíram ao serem <strong>de</strong>bulha<strong>dos</strong>.<br />

O milho não se <strong>de</strong>bulhava com animais, como os outros cereais, mas com<br />

um mangual, ao qual os saloios chamavam malhal ou simplesmente com<br />

um pau.<br />

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Descarapelada on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> ver o transporte para as maçarocas.<br />

Junto os casaleiros.<br />

Uma <strong>de</strong>scarapelada que também se chamava <strong>de</strong>scasca. Entre os<br />

saloios, poucas vezes, <strong>de</strong>sfolhada.<br />

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Deslagartar – Tirar lagartas das searas principalmente das vinhas. A título<br />

<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, recordamos que num ano na década <strong>de</strong> 1950 houve uma<br />

epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> lagartas, a que chamavam roscas, que atacavam fortemente<br />

as vi<strong>de</strong>iras e eram vistas apenas durante a noite. Assim, homens,<br />

mulheres e crianças já crescidas, muni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> lampiões, espalhavam-se<br />

pelas vinhas à cata <strong>de</strong>ssas ditas lagartas. Quando as vinhas eram <strong>de</strong><br />

encosta, viam-se as luzes à distância e ouvia-se o seguinte comentário:<br />

Olha, lá andam as bruxas!<br />

Destorroar (Estarroar) – Desfazer torrões <strong>de</strong> terra que ficam <strong>de</strong>pois do<br />

terreno ser cavado. Este trabalho é feito com a enxada <strong>de</strong> pontas, muitas<br />

vezes até com o olho da enxada.<br />

Emaranhar – Fazer maranhos. Os maranhos eram molhos <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>s feitos,<br />

<strong>de</strong>pois da poda, <strong>de</strong> um modo muito peculiar. Eram largos na base e<br />

fininhos na ponta (na Freguesia do Milharado – Concelho <strong>de</strong> Mafra –<br />

esses molhos eram ata<strong>dos</strong> ao meio, apresentando as bases e as pontas<br />

largas). Eram assim construí<strong>dos</strong> para se introduzirem com facilida<strong>de</strong> nos<br />

fornos <strong>de</strong> cozer o pão, para os aquecer. Quando acabavam as podas,<br />

homens do campo ocupavam-se <strong>de</strong>ssa tarefa, pois esses molhos eram<br />

feitos na própria vinha on<strong>de</strong> tinham sido cortadas as vi<strong>de</strong>s. Hoje ninguém<br />

as aproveita, o seu fim é a queima.<br />

Empar – Enrolar em forma <strong>de</strong> arco as vi<strong>de</strong>s que foram <strong>de</strong>ixadas na poda<br />

atando-lhes a ponta à sua cepa, para que nascessem os novos rebentos.<br />

Nem todas as vi<strong>de</strong>s eram enroladas, algumas ficavam mais curtas a que<br />

chamavam olheta<strong>dos</strong>. Para que a vi<strong>de</strong>ira criasse mais força, algumas varas<br />

ficavam mais curtas, embora <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse da qualida<strong>de</strong> da cepa.<br />

Enxertar – Modo <strong>de</strong> reproduzir as plantas (normalmente árvores) sem ser<br />

por plantação ou sementeira. A enxertia po<strong>de</strong> ser feita por estaca (garfo)<br />

ou borbulha.<br />

Chama-se garfo a uma pequenina estaca <strong>de</strong> uma árvore que se encaixa no<br />

tronco <strong>de</strong> outra, <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> idêntica, para <strong>de</strong>sse encaixe sair uma nova<br />

árvore da qualida<strong>de</strong> daquela don<strong>de</strong> foi tirado o garfo.<br />

A enxertia <strong>de</strong> borbulha consiste em tirar da árvore, que se preten<strong>de</strong><br />

reproduzir, um gomo, que já esteja a rebentar para formar um ramo e<br />

introduzi-lo numa abertura feita na casca <strong>de</strong> outra árvore.<br />

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Ambos os enxertos <strong>de</strong>vem ser aperta<strong>dos</strong> por um processo especial.<br />

Antigamente apertavam-se os enxertos com junco, mas actualmente já<br />

existem novos processos. Ainda há o enxerto por mergulhia (pouco usado)<br />

que consiste, como o próprio nome indica, em mergulhar na terra um<br />

ramo da árvore que se quer reproduzir, enterrando-o, <strong>de</strong>ixando a parte<br />

superior <strong>de</strong> fora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse tronco criar raiz, separa-se da árvore mãe.<br />

Enxofrar – Pulverizar com enxofre, num utensílio próprio feito em folha<br />

<strong>de</strong> flandres, em feitio <strong>de</strong> cone, com furinhos na extremida<strong>de</strong> mais larga,<br />

chamado enxofrador. Enxofrava-se as vinhas quando começavam a surgir<br />

os primeiros cachinhos (estavam as cepas a cernir). O enxofre era aplicado<br />

para evitar o míldio (doença que atacava a folha da vinha).<br />

Mondar – Tirar as ervas daninhas das searas. Grupos <strong>de</strong> mulheres e<br />

raparigas, <strong>de</strong> lenços na cabeça (porque o sol da Primavera já apertava), iam<br />

arrancando à mão as ervas daninhas <strong>dos</strong> trigais, às vezes munidas <strong>de</strong> um<br />

sachinho, que penduravam no cós do avental, para o arranque <strong>de</strong> alguma<br />

erva mais teimosa. Para não pisarem a seara andavam por <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong><br />

regos que existiam <strong>de</strong> um e outro lado da leira do trigo. Constituía uma<br />

das tarefas mais alegres da agricultura. Havia cantigas e anedotas, o clima<br />

ajudava à festa e os passarinhos também.<br />

Pisar uva – Tarefa muito divertida. Só quem já teve o prazer <strong>de</strong> ver uma<br />

pisa <strong>de</strong> uva, nesses tempos, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a alegria, o folclore, o saber<br />

que os grupos <strong>de</strong> homens <strong>de</strong>scalços, <strong>de</strong> calças arregaçadas (muito acima<br />

<strong>dos</strong> joelhos) transmitiam, pisando os cachos, ou à laia <strong>de</strong> fandango, cada<br />

um isoladamente, ou <strong>de</strong> braços entrelaça<strong>dos</strong> formando uma fila, que<br />

vinha atrás e à frente, numa alegre cavaqueira, entre anedotas e dichotes.<br />

Muitas vezes nem na hora da bucha paravam, mordiscavam um naco <strong>de</strong><br />

pão com qualquer coisa, mas sempre pisando. À pisa das uvas estavam<br />

associa<strong>dos</strong> outros <strong>trabalhos</strong> da a<strong>de</strong>ga, como envasilhar, picar curtimentos,<br />

enfim todo o processo que se seguia para que o vinho corresse finalmente<br />

<strong>dos</strong> pipos.<br />

Podar – Cortar os rebentos exce<strong>de</strong>ntes das vi<strong>de</strong>iras, trabalho que<br />

começava a ser feito em Janeiro e prolongava-se, por vezes, até Março (a<br />

poda tardia). A poda <strong>de</strong>ixava as varas mais fortes, ou então aquelas que o<br />

agricultor achava melhores para dar melhores cachos no ano seguinte.<br />

Também se podam as árvores.<br />

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Questar – Hoje a apicultura é quase uma ciência, só praticada por<br />

especialistas, mas tempos houve em que quase to<strong>dos</strong> os agricultores<br />

tinham a sua colmeia (cortiço), com o seu enxame e eram eles que tiravam<br />

os favos <strong>de</strong> mel das suas abelhas a que chamavam questar. Todas as<br />

crianças gostavam <strong>de</strong> ver o seu pai ou irmão mais velho fazer essa tarefa,<br />

uma vez que tinham <strong>de</strong> se vestir como mascara<strong>dos</strong>, não usavam, como<br />

hoje, fatos próprios. Dessa indumentária, fazia parte a cara e as mãos<br />

tapadas, <strong>de</strong> forma que as abelhas não picassem e ainda usavam um<br />

repelente <strong>de</strong> insectos muito característico: Um púcaro velho com brasas a<br />

queimar, em cima <strong>de</strong>las excremento <strong>de</strong> vaca seco, o fumo que <strong>de</strong>itava<br />

fazia as abelhas se afastarem.<br />

Rabiscar (ou ir ao rabisco) – Depois das vindimas, o agricultor voltava<br />

novamente às vinhas colher alguns cachos que tinham ficado para trás<br />

por estarem ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mais, ou ficado esqueci<strong>dos</strong>, ou ainda pequeninas<br />

esgalhas que ficaram por não terem qualida<strong>de</strong> para fazer bom vinho. Com<br />

este rabisco faziam um vinho, <strong>de</strong> inferior qualida<strong>de</strong>, que o saloio bebia<br />

para poupar o outro que lhe rendia algum dinheiro para a sua<br />

subsistência. Ir ao rabisco era, muitas vezes, tarefa <strong>de</strong> mulheres ou<br />

crianças.<br />

Rachar lenha – Uma ocupação do saloio agricultor, durante o Inverno,<br />

quando o tempo não permitia ir para os campos, era rachar lenha, isto é,<br />

fazer em pedaços pequenos toros que tinham ficado da poda das árvores,<br />

ou do arranque <strong>de</strong> alguma que estivesse seca, que <strong>de</strong>pois colocavam em<br />

montes muito bem ajeita<strong>dos</strong> a que chamavam: medas ou pilhas. Se fossem<br />

<strong>de</strong> achas, isto é, <strong>de</strong> curtos troncos <strong>de</strong> pinheiros com uma racha que o<br />

dividiam mas não os separava totalmente, chamavam gaiolas. Os troncos<br />

para serem racha<strong>dos</strong> eram coloca<strong>dos</strong> em cima <strong>de</strong> um grosso toro já<br />

preparado para o efeito. A lenha miúda não era rachada mas sim partida<br />

à mão, isso já era trabalho <strong>de</strong> mulheres. Toda esta lenha, tanto grossa<br />

como miúda, formava o gás <strong>de</strong>sses tempos.<br />

Regar – A rega, outrora, não tinha nada a ver com a que hoje se faz. A<br />

água era tirada <strong>dos</strong> poços, utilizando-se para isso processos artesanais:<br />

picotas ou cambões, noras (na Freguesia <strong>de</strong> Mafra não havia muitas), até<br />

com bal<strong>de</strong>s puxa<strong>dos</strong> através <strong>de</strong> rondanas (roldanas). Essa água, tirada <strong>dos</strong><br />

poços, servia para regar as hortas, através <strong>de</strong> estreitos regos (ou caleiras )<br />

feitos junto aos pés das plantas, como por exemplo, o feijão ver<strong>de</strong>.<br />

Quando a água chegava ao fim do rego, era cortada, isto é, levada para<br />

outro rego através dum corte na terra feito com um sacho ou enxada. No<br />

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Verão, que era a época em que mais regas havia, não era raro ouvirem-se<br />

sair das hortas, como que um lamento ou um gemido, que vinha do<br />

movimentar das picotas. Nos locais on<strong>de</strong> havia a nora, esta girava<br />

puxada, normalmente por um burro, que, <strong>de</strong> olhos venda<strong>dos</strong>, para não<br />

entontecer, andava sempre à roda do poço.<br />

Retanchar – Retanchar vinha. Repor nas vinhas os bacelos já enxerta<strong>dos</strong>,<br />

no sítio on<strong>de</strong> algumas cepas já morreram. Tarefa realizada nos meses <strong>de</strong><br />

Janeiro e Fevereiro.<br />

Surribar - Cava muito profunda, com cerca <strong>de</strong> 1 metro <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong><br />

e estrumada, sempre feita, pelo menos, por dois homens, embora,<br />

normalmente, fossem mais e sempre emparelha<strong>dos</strong>: um esquerdo e outro<br />

direito, porque na cava havia homens que cavavam à direita e outros à<br />

esquerda, o que dava jeito para que a terra fosse levantada em gran<strong>de</strong>s<br />

lêvedas (postas <strong>de</strong> terra). O terreno cavado <strong>de</strong>ssa maneira era <strong>de</strong>stinado à<br />

plantação <strong>de</strong> vinha.<br />

Vindimar – Trabalho agrícola <strong>dos</strong> mais alegres, embora não tanto como<br />

noutras zonas do nosso país. Dava gosto ver os vindimadores, homens,<br />

mulheres, rapazes e raparigas tagarelando, enquanto cortavam os cachos<br />

roxos ou doura<strong>dos</strong>, para colocarem nos cestos que transportavam às<br />

costas (no caso do homem) ou à cabeça (no caso da mulher) para encher<br />

as dornas que se encontravam em cima <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> bois, ou directamente<br />

para as a<strong>de</strong>gas, se estas se localizassem perto. A meio da manhã havia<br />

uma pausa para o almoço 1 e a meio da tar<strong>de</strong> uma outra para a merenda,<br />

observando-se, nessa altura, os cestos vira<strong>dos</strong> ao contrário para servir <strong>de</strong><br />

assentos e <strong>de</strong> mesas. Só cortavam os cachos bons, os outros ficavam para<br />

o rabisco. De vez em quando levavam uma picada <strong>de</strong> alguma abelha mais<br />

gulosa.<br />

Além <strong>de</strong>stes <strong>trabalhos</strong> <strong>agrícolas</strong>, muitos mais se podiam aqui mencionar.<br />

Estes são aqueles que se fazem normalmente durante o ano. Outros<br />

houveram que <strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>suso caíram no esquecimento. To<strong>dos</strong>, ou<br />

quase to<strong>dos</strong>, ainda se fazem hoje, com a gran<strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> serem as<br />

máquinas a realizá-los, substituindo o homem em quase tudo. Apesar do<br />

homem controlar a máquina, já não domina uns quantos saberes<br />

ancestrais que garantiam o bom resultado <strong>de</strong> qualquer tarefa. Ao<br />

1 Entre as 9h 30m e as 10h, uma vez que às 12h era o jantar.<br />

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contrário do que normalmente pensa o homem urbano, o saber do<br />

camponês também é gran<strong>de</strong> e profundo, apenas não o adquire nas<br />

Universida<strong>de</strong>s, mas através do vento, da lua, das estrelas, no movimento<br />

das aves, etc. Enfim estuda no gran<strong>de</strong> livro da Natureza.<br />

Provérbios e ditos relaciona<strong>dos</strong> com os <strong>trabalhos</strong> <strong>agrícolas</strong><br />

Pela lua cheia não cortes pau nem veia – Praticamente to<strong>dos</strong> os <strong>trabalhos</strong><br />

<strong>agrícolas</strong> relacionavam-se directamente com as luas, principalmente as<br />

podas.<br />

Quem poda em Março é madraço – Quem faz poda em Março é<br />

agricultor preguiçoso; poda tardia.<br />

Até ao lavar <strong>dos</strong> cestos é vindima – Durante qualquer empreendimento<br />

muito coisa po<strong>de</strong> acontecer.<br />

Arrenda a vinha e o pomar se os queres <strong>de</strong>sgraçar – Nós é que <strong>de</strong>vemos<br />

olhar por aquilo que é nosso.<br />

Não se po<strong>de</strong> cavar na vinha e no bacelo – Não é possível fazer dois<br />

<strong>trabalhos</strong> ao mesmo tempo.<br />

A cada cava<strong>de</strong>la minhoca – Pessoa tagarela, que profere asneira em cada<br />

assunto que aborda.<br />

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