Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
E em que pese a neve e a miséria,<br />
Dança o cancã das ilusões,<br />
Tua perna robusta e aérea;<br />
A pele seca e já sem graça,<br />
Como as que murcham e descoram,<br />
Até <strong>do</strong> suor se fez escassa<br />
E os olhos vítreos já não choram.<br />
(E todavia ela tem graça!)<br />
II<br />
Ingênua, vais direta ao Diabo!<br />
Contigo iria, de bom gra<strong>do</strong>,<br />
Se esta me<strong>do</strong>nha pressa, ao cabo,<br />
Não me deixasse emociona<strong>do</strong>.<br />
Vai-te sozinha, pois, ao Diabo!<br />
Meu rim, meu pulmão, meu jarrete,<br />
Nada me deixa honrar, enfim,<br />
A este Senhor; como compete.<br />
"O que é uma lástima, ai de mim!"<br />
Dizem meu rim e meu jarrete.<br />
Mais <strong>do</strong> que eu sofro ninguém sofre<br />
Por não poder ir aos sabás<br />
E ver, quan<strong>do</strong> ele solta o enxofre,<br />
O imun<strong>do</strong> beijo que lhe dás!<br />
Mais <strong>do</strong> que eu sofro ninguém sofre!<br />
Pôs-me o Demônio em aflição<br />
Por não servir-te de guarida<br />
E por pedir-te demissão,<br />
Tocha <strong>do</strong> inferno! Vê, querida,<br />
Quanto me custa essa aflição,<br />
Pois uma vez que há muito te amo,<br />
Sempre razoável, procuran<strong>do</strong><br />
Do <strong>Mal</strong> a essência que proclamo<br />
E a um único monstro a<strong>do</strong>ran<strong>do</strong>,<br />
Então, de fato, ó monstro te amo!<br />
VERSOS PARA O RETRATO DE HONORÉ DAUMIER<br />
Este de quem te esboço o vulto<br />
E que, com sua arte ferina,<br />
Rir de nós mesmos nos ensina,<br />
É um sábio ao qual se deve o culto.