Charles Baudelaire – As Flores do Mal
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Nem seu povo a morrer defronte <strong>do</strong> balcão.<br />
Do jogral favorito a estrofe irreverente<br />
Não mais desfranze o cenho deste cruel <strong>do</strong>ente.<br />
Em tumba se transforma o seu flori<strong>do</strong> leito,<br />
E as aias, que acham to<strong>do</strong> príncipe perfeito,<br />
Não sabem mais que traje erótico vestir<br />
Para fazer este esqueleto enfim sorrir.<br />
O sábio que ouro lhe fabrica desconhece<br />
Como extirpar-lhe ao ser a parte que apodrece,<br />
E nem nos tais banhos de sangue <strong>do</strong>s romanos,<br />
De que se lembram na velhice os soberanos,<br />
Pôde dar vida a esta carcaça, onde, em filetes,<br />
Em vez de sangue flui a verde água <strong>do</strong> Lestes.<br />
SPLEEN<br />
Quan<strong>do</strong> o céu plúmbeo e baixo pesa como tampa<br />
Sobre o espírito exposto aos tédios e aos açoites,<br />
E, ungin<strong>do</strong> toda a curva <strong>do</strong> horizonte, estampa<br />
Um dia mais escuro e triste <strong>do</strong> que as noites;<br />
Quan<strong>do</strong> a terra se torna um calabouço horren<strong>do</strong>,<br />
Onde a Esperança, qual morcego espavori<strong>do</strong>,<br />
<strong>As</strong> asas tímidas nos muros vai baten<strong>do</strong><br />
E a cabeça roçan<strong>do</strong> o teto apodreci<strong>do</strong>;<br />
Quan<strong>do</strong> a chuva, a escorrer as tranças fugidias,<br />
Imita as grades de um lúgubre cadeia,<br />
E a muda multidão das aranhas sombrias<br />
Estende em nosso cérebro uma espessa teia,<br />
Os sinos <strong>do</strong>bram, de repente, furibun<strong>do</strong>s<br />
E lançam contra o céu um uivo horripilante,<br />
Como os espíritos sem pátria e vagabun<strong>do</strong>s<br />
Que se põem a gemer com voz recalcitrante.<br />
- Sem música ou tambor, desfila lentamente<br />
Em minha alma uma esguia e fúnebre carreta;<br />
Chora a Esperança, e a Angústia, atroz e prepotente,<br />
Enterra-me no crânio uma bandeira preta.<br />
OBSESSÃO<br />
Grandes bosques, de vós, como das catedrais,<br />
Sinto pavor; uivais como órgãos; e em meu peito,<br />
Câmara ardente onde retumbam velhos ais,<br />
De vossos De profundis ouço o eco perfeito.<br />
Te odeio, oceano! Teus espasmos e tumultos,<br />
Em si minha alma os tem; e este sorriso amargo<br />
Do homem venci<strong>do</strong>, imerso em lágrimas e insultos,<br />
Também os ouço quan<strong>do</strong> o mar gargalha ao largo.<br />
Me agradarias tanto, ó noite, sem estrelas<br />
Cuja linguagem é por to<strong>do</strong>s tão falada!<br />
O que procuro é a escuridão, o nu, o nada!