16.04.2013 Views

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Onde o Destino um dia me esqueceu;<br />

Onde jamais um róseo raio ardeu,<br />

Só com a noite, hospedeira intratável,<br />

Sou qual pintor que um Deus, por diversão,<br />

Na treva faz mover os seus pincéis,<br />

Ou cozinheiro de apetites cruéis<br />

Que assa e devora o próprio coração.<br />

Súbito brilha e faz-se ali presente<br />

Fantasma esplêndi<strong>do</strong> e de graça extrema<br />

Em oriental postura evanescente.<br />

Ao atingir a perfeição suprema,<br />

Nela percebo a bela visitante:<br />

Ei-la! Negra e contu<strong>do</strong> fulgurante.<br />

II - O PERFUME<br />

Leitor, tens já por vezes respira<strong>do</strong><br />

Com embriaguez e lenta gostosura<br />

O grão de incenso que enche uma clausura,<br />

Ou de um saquinho de almíscar entranha<strong>do</strong>?<br />

Sutil e estranho encanto transfigura<br />

Em nosso agora a imagem <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.<br />

<strong>As</strong>sim o amante sobre o corpo ama<strong>do</strong><br />

À flor mais rara colhe o que perdura.<br />

Da cabeleira espessa como crina,<br />

Turíbulo de alcova, ébria almofada,<br />

Vinha uma essência rútila e in<strong>do</strong>mada,<br />

E das vestes, velu<strong>do</strong> ou musselina,<br />

Que sua tenra idade penetrava,<br />

Um perfume de pêlos evolava.<br />

III - A MOLDURA<br />

Como à tela se ajusta uma moldura<br />

- Não importa <strong>do</strong> artista a sutileza - ,<br />

Isolan<strong>do</strong>-o da imensa natureza,<br />

Um não-sei-quê de mágica textura,<br />

<strong>As</strong>sim jóias, metais e <strong>do</strong>uradura<br />

Ajustavam-se à sua irreal beleza;<br />

Nada ofuscava-lhe a integral clareza,<br />

E tu<strong>do</strong> lhe era como cercadura.<br />

Dir-se-ia muita vez que ela supunha<br />

Tu<strong>do</strong> existir para a<strong>do</strong>rá-la e expunha<br />

Sua nudez com gozo e encantamento<br />

Às carícias <strong>do</strong> linho e <strong>do</strong> cetim,<br />

E, suave ou brusca, a cada movimento<br />

Mostrava a graça ingênua <strong>do</strong> sagüim.<br />

IV - O RETRATO<br />

A Doença e a Morte tornam cinza to<strong>do</strong><br />

Aquele fogo que por nós ardeu.<br />

Dos olhos a me olhar daquele mo<strong>do</strong>,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!