Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita<br />
E à joeira deixa novamente.<br />
<strong>As</strong> formas fluíam como um sonho além da vista,<br />
Um frouxo esboço em agonia,<br />
Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista<br />
Apenas de memória um dia.<br />
Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela<br />
Em nós fixava o olho zanga<strong>do</strong>,<br />
Aguardan<strong>do</strong> o momento de reaver àquela<br />
Carniça abjeta o seu boca<strong>do</strong>.<br />
- Pois há de ser como essa coisa apodrecida,<br />
Essa me<strong>do</strong>nha corrupção,<br />
Estrela de meus olhos, sol da minha vida,<br />
Tu, meu anjo e minha paixão!<br />
Sim! Tal serás um dia, ó deusa da beleza,<br />
Após a bênção derradeira,<br />
Quan<strong>do</strong>, sob a erva e as florações da natureza,<br />
Tornares afinal à poeira.<br />
Então, querida, dize à carne que se arruína,<br />
Ao verme que te beija o rosto,<br />
Que eu preservarei a forma e a substância divina<br />
De meu amor já decomposto!<br />
DE PROFUNDIS CLAMAVI<br />
Imploro-te piedade,a Ti, razão de amor,<br />
Do fun<strong>do</strong> abismo onde minha alma jaz sepulta.<br />
É uma cálida terra em plúmbea névoa oculta,<br />
Onde nadam na noite a blasfêmia e o terror;<br />
Por seis meses um morno sol dissolve a bruma,<br />
E durante outros seis a noite cobre o solo;<br />
É um país bem mais nu <strong>do</strong> que o desnu<strong>do</strong> pólo<br />
- Nem bestas, nem regatos, nem floresta alguma!<br />
Não há no mun<strong>do</strong> horror que comparar se possa<br />
À luz perversa desse sol que o gelo acossa<br />
E à noite imensa que no velho Caos se abriu;<br />
Invejo a sorte <strong>do</strong> animal mais vil,<br />
Capaz de mergulhar num sono que o enregela,<br />
Enquanto o Dédalo <strong>do</strong> tempo se enovela.<br />
O VAMPIRO<br />
Tu que, como uma punhalada,<br />
Em meu coração penetraste<br />
Tu que, qual furiosa manada<br />
De demônios, ardente, ousaste,<br />
De meu espírito humilha<strong>do</strong>,