Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
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O IDEAL<br />
Jamais serão essas vinhetas decadentes,<br />
Belezas pútridas de um século plebeu,<br />
Nem borzeguins ou castanholas estridentes,<br />
Que irão bastar a um coração igual ao meu.<br />
Conce<strong>do</strong> a Gavarni, o poeta das cloroses,<br />
To<strong>do</strong> o rebanho das belezas de hospital,<br />
Pois nunca vi dentre essas pálidas necroses<br />
Uma só flor afim de meu sangüíneo ideal.<br />
O que me falta ao coração e o que o redime<br />
Sois vós o Lady Macbeth, alma afeita ao crime,<br />
Sonho de Ésquilo exposto ao aguilhão <strong>do</strong>s ventos;<br />
Ou tu, Noite por Miguel Ângelo engendrada,<br />
Que em paz retorces numa pose inusitada<br />
Teus encantos ao gosto <strong>do</strong>s Titãs sedentos!<br />
A GIGANTA<br />
No tempo em que, com verme tal que nos espanta,<br />
Gerava a Natureza o ser mais fabuloso,<br />
Quisera eu ter vivi<strong>do</strong> aos pés de uma giganta,<br />
Qual junto a uma rainha um gato voluptuoso.<br />
Me agradaria ver-lhe o corpo e a alma em botão<br />
E após segui-la em seus insólitos folgue<strong>do</strong>s;<br />
Saber se a alguma chama lhe arde ao coração<br />
Sob as úmidas névoas de seus olhos que<strong>do</strong>s;<br />
Tatear-lhe as formas como quem percorre espelhos;<br />
<strong>As</strong>cender à vertente de seus grandes joelhos,<br />
E às vezes, no verão, quan<strong>do</strong> tangente ao solo,<br />
O sol violento a deixa exausta na campina,<br />
Dormir languidamente à sombra de seu colo,<br />
Como um burgo tranqüilo ao pé de uma colina.<br />
A MÁSCARA<br />
A Ernest Cristophe, estatuário<br />
Contempla esse perfil de graças florentinas;<br />
Na sóbria ondulação <strong>do</strong> corpo musculoso<br />
Excedem Força e Proporção, irmãs divinas.<br />
Essa mulher, fração de um ser miraculoso,<br />
Divinamente forte, amavelmente pobre,<br />
Criada foi para no leito arder em gozo,<br />
Sacian<strong>do</strong> os ócios de um pontífice ou de um nobre.<br />
- Repara-lhe o sorriso fino e voluptuoso<br />
onde a vaidade aflora e em êxtase perdura;<br />
Esse lângui<strong>do</strong> olhar oblíquo e desdenhoso,<br />
Esse rosto sutil, na gaze da moldura,