Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Charles Baudelaire – As Flores do Mal
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
SONETO DE OUTONO<br />
O teu olhar me diz, claro como cristal:<br />
“Bizarro amante, o que há em mim que mais te excita?”<br />
- Sê bela e cala! O meu coração, que se irrita,<br />
Por tu<strong>do</strong>, exceto a antiga candura animal,<br />
Não te quer revelar seu segre<strong>do</strong> infernal,<br />
Embalo cuja mão a um longo sono incita,<br />
Nem a sua negra lenda a ferro e fogo escrita.<br />
Abomino a paixão e a alma me faz mal!<br />
Amemo-nos em paz. Amor, numa guarida,<br />
Tenebroso, embosca<strong>do</strong>, entesa o arco fatal.<br />
Conheço-lhe os engenhos <strong>do</strong> velho arsenal:<br />
Crime, horror e loucura! - Ó branca margarida!<br />
Não serás tu, como eu, triste sol outonal,<br />
Ó minha branca, ó minha branca Margarida?<br />
TRISTEZAS DA LUA<br />
Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;<br />
Como uma bela, entre coxins e devaneios,<br />
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,<br />
Antes de a<strong>do</strong>rmecer, o contorno <strong>do</strong>s seios.<br />
No <strong>do</strong>rso de cetim das tenras avalanchas,<br />
Morren<strong>do</strong>, ela se entrega a longos estertores,<br />
E os olhos vai pousan<strong>do</strong> sobre as níveas manchas<br />
Que no azul desabrocham como estranhas flores.<br />
Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,<br />
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,<br />
Um poeta cari<strong>do</strong>so, ao sono pouco afeito,<br />
No côncavo das mãos toma essa gota rala,<br />
De irisa<strong>do</strong>s reflexos como um grão de opala,<br />
E bem longe <strong>do</strong> sol a acolhe no seu peito.<br />
OS GATOS<br />
Os amantes febris e os sábios solitários<br />
Amam de mo<strong>do</strong> igual, na idade da razão,<br />
Os <strong>do</strong>ces e orgulhosos gatos da mansão,<br />
Que como eles têm frio e cismam sedentários.<br />
Amigos da volúpia e devotos da ciência,<br />
Buscam eles o horror da treva e <strong>do</strong>s mistérios;<br />
Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos,<br />
Se a submissão pudera opor-lhes à insolência.<br />
Sonhan<strong>do</strong> eles assumem a nobre atitude<br />
Da esfinge que no além se funde à infinitude,<br />
Como ao sabor de um sonho que jamais termina;