Estabelecimentos das Fazendas Nacionais do Piauí - Portal do Sertão
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A ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os Séculos XVIII e XIX<br />
<strong>Estabelecimentos</strong> <strong>das</strong><br />
Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
Fábrica de Manteiga e Queijo em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
Escola Rural São Pedro de Alcântara em Floriano<br />
VOLUME I<br />
Dossiê deTombamento<br />
IPHAN - Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />
Superintendência <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
Abril de 2008<br />
1
A ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os Séculos XVIII e XIX<br />
ESTABELECIMENTOS DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />
DO PIAUÍ<br />
Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
CAMPINAS DO PIAUÍ<br />
Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara<br />
FLORIANO<br />
IPHAN - SUPERINTENDÊNCIA DO PIAUÍ<br />
2
CRÉDITOS<br />
Presidente da República<br />
Luiz Inácio Lula da Silva<br />
Ministro da Cultura<br />
Gilberto Passos Gil Moreira<br />
Presidente <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Patrimônio<br />
Histórico e Artístico Nacional<br />
Luiz Fernan<strong>do</strong> de Almeida<br />
Diretor <strong>do</strong> Departamento de Patrimônio<br />
Material e Fiscalização - IPHAN<br />
Dalmo Vieira Filho<br />
Diretora <strong>do</strong> Departamento de Patrimônio<br />
Imaterial - IPHAN<br />
Márcia Genésia Sant’Anna<br />
Diretor <strong>do</strong> Departamento de Museus - IPHAN<br />
José <strong>do</strong> Nascimento Júnior<br />
Diretora <strong>do</strong> Departamento de Planejamento<br />
e Administração - IPHAN<br />
Maria Emília Nascimento Santos<br />
Coordenação Geral de Promoção <strong>do</strong><br />
Patrimônio Cultural – IPHAN<br />
Luiz Fhilippe Peres Torelly<br />
Coordenação de Pesquisa, Documentação<br />
e Referência – IPHAN<br />
Lia Mota<br />
Superintendente da 19a SR/IPHAN – PI<br />
Diva Maria Freire Figueire<strong>do</strong><br />
Chefe da Divisão Técnica da 19a SR/IPHAN – PI<br />
Claudiana Cruz <strong>do</strong>s Anjos<br />
Elaboração <strong>do</strong> Dossiê de Tombamento<br />
Arq. Andréa Virgínia Freire Costa<br />
Arq. Diva Maria Freire Figueire<strong>do</strong><br />
Hist. Ricar<strong>do</strong> Augusto Pereira<br />
Apoio técnico<br />
Fabíola Nunes Brasilino (estagiária de Biblioteconomia)<br />
Franceli Mariano de Moura (estagiária de Biblioteconomia)<br />
Francisca Márcia Costa de Souza (estagiária de História)<br />
Cooperação<br />
Carlos Rubens Campos Reis<br />
Joca Oeiras<br />
Luiz Paulo Lopes<br />
Nilson Coelho<br />
3
SUMÁRIO<br />
1. APRESENTAÇÃO<br />
2. PESQUISA HISTÓRICA<br />
VOLUME I<br />
ESTUDO DE TOMBAMENTO<br />
2.1. PIAUÍ: ESTRATÉGIA DE CONTROLE DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />
2.2. OS PROJETOS DE ADMINISTAÇÃO E ARRENDAMENTO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS DO PIAUÍ<br />
2.3. A PROXIMIDADE EXISTENTE ENTRE OS DOIS CONTRATOS<br />
2.4. O ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />
2.5. ESCOLA PARA LIBERTOS<br />
2.6. AS EXPECTATIVAS EM TORNO DA ESCOLA<br />
2.7. A CIDADE DE FLORIANO<br />
2.8. A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS NACIONAIS DO PIAUÍ<br />
2.9. A MÃO-DE-OBRA DA FÁBRICA<br />
2.10. A CIDADE DE CAMPINAS<br />
3. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />
3.1. INTRODUÇÃO<br />
3.2. MATERIAIS, TÉCNICAS, PADRÕES ESTILÍSTICOS DO SÉCULO XIX<br />
3.3. ARQUITETURA NO PIAUÍ<br />
3.4. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />
3.4.1. ESTUDO DA ESCOLA RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />
3.4.2. ESTUDO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS DO PIAUÍ<br />
3.5. DISPOSIÇÕES RELATIVAS AO TOMBAMENTO E PERÍMETRO DE ENTORNO<br />
3.5.1. TOMBAMENTO DO ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE<br />
ALCÂNTARA<br />
3.5.2. TOMBAMENTO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS D O PIAUÍ<br />
4. JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA<br />
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
4
PLANTAS ARQUITETÔNICAS<br />
VOLUME II<br />
ANEXOS<br />
Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara<br />
Prancha 01: Planta original, de situação e de locação<br />
Prancha 02: Planta baixa – levantamento de 1987<br />
Prancha 03: Planta baixa atualizada<br />
Prancha 04: Planta de cobertura<br />
Prancha 05: Cortes AA' e BB'<br />
Prancha 06: Facha<strong>das</strong> frontal e posterior<br />
Prancha 07: Facha<strong>das</strong> laterais direita e esquerda<br />
Prancha 08: Perímetro de entorno<br />
Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />
Prancha 01: Planta original, de situação e de locação<br />
Prancha 02: Planta de cobertura<br />
Prancha 03: Planta baixa <strong>do</strong> pavimento térreo<br />
Prancha 04: Planta baixa <strong>do</strong> pavimento superior<br />
Prancha 05: Corte AA'<br />
Prancha 06: Fachada frontal<br />
Prancha 07: Fachada lateral esquerda<br />
Prancha 08: Fachada lateral direita<br />
Prancha 09: Fachada posterior<br />
Prancha 10: Perímetro de entorno<br />
SOLICITAÇÕES E MONÇÕES DE APOIO AO TOMBAMENTO<br />
Abaixo-assina<strong>do</strong> envia<strong>do</strong> pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />
25/05/2000<br />
Carta aberta da Fundação Nogueira Tapety ao governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, junho de 2006<br />
Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI, 13/12/2006<br />
Ofício da Diocese de Oeiras-Floriano à 19ª SR/IPHAN-PI, 21/02/2007<br />
Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI, 28/02/2007<br />
Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI (com anexos), 19/03/2007<br />
Ofício <strong>do</strong> Rotary Clube de Floriano à 19ª SR/IPHAN-PI, 20/03/2007<br />
Ofício da Presidência <strong>do</strong> IPHAN ao Depam, com cópia para 19ª SR/IPHAN-PI, com anexo,<br />
26/03/2007<br />
Ofício da Presidência <strong>do</strong> IPHAN ao Depam, com cópia para a 19ª SR/IPHAN-PI, 29/03/2007<br />
Pronunciamento <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r João Vicente Claudino, em 09/04/2007<br />
5
DOCUMENTOS<br />
Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873, autorizan<strong>do</strong> a celebração de contrato proposto<br />
por Francisco Parentes para a fundação de um estabelecimento rural no <strong>Piauí</strong>, com contrato.<br />
Documento de Francisco Parentes, diretor <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara,<br />
ao Presidente da Província A<strong>do</strong>lpho Lamenha Lins, comunican<strong>do</strong> sobre o início <strong>das</strong> obras,<br />
15/09/1874.<br />
Transcrição de <strong>do</strong>cumento <strong>do</strong> mestre-de-obras Raimun<strong>do</strong> Torres Costa destina<strong>do</strong> a Francisco<br />
Parentes, sobre o andamento da obra <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara,<br />
30/12/1875.<br />
Lei nº 2551, de 09 de dezembro de 1963, que cria o município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e dá<br />
outras providências.<br />
Lei nº 495/85-CM, de 01 de abril de 1985, que considera como patrimônio histórico <strong>do</strong><br />
município a Usina Elétrica Maria Bonita e o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara.<br />
Decreto nº 7294, de 26 de janeiro de 1988, que dispõe sobre o tombamento <strong>do</strong> prédio Fábrica<br />
de Laticínios de Campinas, na cidade de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, e dá outras providências.<br />
Escritura pública <strong>do</strong> Cartório Elias Pereira 1º Ofício, de <strong>do</strong>ação <strong>das</strong> terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />
Estaduais, correspondente a quarenta hectares, ao município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
Certidão <strong>do</strong> Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício <strong>do</strong> Município e Comarca de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, 24/07/1991,<br />
relativo ao terreno onde foi construída a fábrica.<br />
Lei nº 140/97, de 16 de junho de 1997, que institui a Zona de Preservação, de Floriano,<br />
disciplina sua preservação e dá outras providências.<br />
Concessão da Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> a Alfre<strong>do</strong> Modrach..<br />
ARTIGOS E REPORTAGENS DE JORNAL<br />
Abril/2004: O ESTADO DO PIAUÍ – O mais charmoso <strong>do</strong> Brasil, nº 02 - capa e matéria<br />
31/08/2006: O DIA – Fundação luta por restauração de fábrica<br />
19/12/2006: MEIO NORTE - Prédio histórico em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> precisa ser tomba<strong>do</strong><br />
30/01/2007: MEIO NORTE – Sociedade de Campinas quer fábrica como centro de cultura<br />
21/03/2007: NOTICIAS DE FLORIANO – Rotaryanos fazem apelo formal de tombamento<br />
<strong>do</strong> Terminal Turístico de Floriano<br />
05/04/2007: PORTAL ACESSEPIAUÍ – Iphan exibe vídeo em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
07/04/2007: O DIA – Municípios/Interior; Luiz Carlos de Oliveira<br />
09/04/2007: PORTAL AZ – Instituto exibe vídeo da 1ª fábrica de manteiga <strong>do</strong> nordeste<br />
10/04/2007: O DIA – Patrimônio Histórico - Roda Viva; Robson Costa<br />
MEIO NORTE - Iphan exibe vídeo para comemorar 110 anos da Fábrica de Laticínios<br />
22/04/2007: MEIO NORTE - Capa: Campanha quer salvar fábrica de laticínios<br />
Reportagem: Fábrica histórica ganha campanha de tombamento<br />
6
FOTOGRAFIAS<br />
Foto 01: Francisco Sampaio<br />
Foto 02: Ângelo Acilino<br />
Foto 03: Funcionários (colonos) da Fábrica de Laticínios<br />
Foto 04: Engenheiro Alfre<strong>do</strong> Modrak e familiares<br />
Foto 05: Maquinaria existente no início <strong>do</strong> funcionamento da fábrica<br />
Foto 06: Maquinaria existente no início <strong>do</strong> funcionamento da fábrica<br />
Foto 07: Cotidiano e funcionamento <strong>do</strong> estabelecimento industrial<br />
Foto 08: Cotidiano e funcionamento <strong>do</strong> estabelecimento industrial<br />
Foto 09: Maquinaria utilizada na pausterização (sala central)<br />
Foto 10: Sala de pausterização (situação atual)<br />
Foto 11: Dependência da fábrica na época da inauguração e nos dias atuais<br />
Foto 12: Sala de pausterização (situação atual)<br />
Foto 13: Caldeira da fábrica de laticínios, época <strong>do</strong> funcionamento<br />
Foto 15: Tanque metálico utiliza<strong>do</strong> no maquinário da fábrica<br />
Foto 16: Detalhe <strong>do</strong> tanque metálico<br />
Foto 17: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó<br />
Foto 18: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó<br />
Foto 19: Maquinaria da fábrica, esta<strong>do</strong> atual<br />
Foto 20: Maquinaria da fábrica, esta<strong>do</strong> atual<br />
Foto 21: coleta de leite nos currais individuais <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />
Foto 22: Embalagens fabrica<strong>das</strong> em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> (serralharia da fábrica)<br />
Foto 23: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
Foto 24: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
Foto 25: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
Foto 26: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
Foto 27: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
Foto 28: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, segunda metade séc. XX<br />
Foto 29: Influência <strong>das</strong> instalações da fábrica sobre a população campinense<br />
Foto 30: Influência <strong>das</strong> instalações da fábrica sobre a população campinense<br />
Foto 31: Manifestação a favor da restauração da fábrica<br />
Foto 32: Prato decorativo em comemoração aos 100 anos da fábrica<br />
Foto 33: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, século XX<br />
Foto 34: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, século XX<br />
Foto 35: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />
7
Foto 36: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />
Foto 37: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, segunda metade séc. XX<br />
Foto 38: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />
Foto 39: Visão geral da Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas, com Estabelecimento Rural ao centro<br />
REGISTROS AUDIOVISUAIS<br />
DVD com vídeo A fábrica de manteiga e queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: uma história contada<br />
pelos seus trabalha<strong>do</strong>res, produzi<strong>do</strong> pela 19ª Superintendência Regional <strong>do</strong> Iphan-PI em parceria<br />
com a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas no <strong>Piauí</strong>, 2007.<br />
DVD com duas reportagens veicula<strong>das</strong> pelo Jornal <strong>Piauí</strong> TV (emissora TV Alvorada, afiliada da<br />
Rede Globo) sobre o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, agosto/2006.<br />
OUTROS MATERIAIS<br />
Cartaz da I Semana Cultural de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> – 26/12/1997 a 30/12/1997<br />
Trechos <strong>do</strong> livro “500 anos de leite no Brasil”, de João Castanho Dias, 2006.<br />
Cartão da 19ª SR/IPHAN-PI, que acompanhou o vídeo A fábrica de manteiga e queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />
<strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: uma história contada pelos seus trabalha<strong>do</strong>res.<br />
8
1-APRESENTAÇÃO<br />
A Superintendência Regional <strong>do</strong> IPHAN no <strong>Piauí</strong> desenvolveu este estu<strong>do</strong> para<br />
fundamentar a proposta de tombamento federal de <strong>do</strong>is empreendimentos <strong>do</strong> Século XIX, <strong>das</strong><br />
Antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: a Fábrica de Laticínios, localizada no município de<br />
Campinas e o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, em Floriano. A Fábrica, como uma<br />
iniciativa de industrialização <strong>do</strong> leite <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> com a produção de manteiga e<br />
queijo; o Estabelecimento Rural, uma escola fundada nos tempos <strong>do</strong> Império para dar instrução<br />
para crianças provin<strong>das</strong> <strong>das</strong> mesmas, libertas após a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, de 1871.<br />
Os <strong>do</strong>is imóveis devem ser considera<strong>do</strong>s, ainda que destaca<strong>do</strong>s para este estu<strong>do</strong> mais<br />
aprofunda<strong>do</strong>, testemunhas da ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os séculos XVIII e XIX, segun<strong>do</strong> uma<br />
maneira sistêmica e abrangente de entender a proteção e a preservação de bens culturais, que<br />
objetiva a implantação de uma rede de patrimônio cultural no <strong>Piauí</strong>. Coerente com essa visão, a<br />
proposta de tombamento que ora se apresenta para apreciação <strong>das</strong> instâncias decisórias deve<br />
contribuir para a formação de um conjunto maior de bens culturais protegi<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o Brasil e<br />
a implantação da rede <strong>do</strong> patrimônio cultural brasileiro, que incorpora novos significa<strong>do</strong>s.<br />
Desde mea<strong>do</strong>s de 2006, o IPHAN iniciou os trabalhos de pesquisa que, soma<strong>do</strong>s ao<br />
clamor de importantes setores da sociedade piauiense, justificarão perante o Conselho <strong>do</strong><br />
Patrimônio Cultural o tombamento destes relevantes testemunhos arquitetônicos da história da<br />
sociedade piauiense. São expressões <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, com tu<strong>do</strong> que estas representam: a<br />
colonização, a presença e expulsão <strong>do</strong>s jesuítas, a pecuária, os conflitos... Hoje essas terras são<br />
habita<strong>das</strong> por comunidades quilombolas, são cidades, povoa<strong>do</strong>s, ou seja, conformam uma grande<br />
parte <strong>do</strong> território <strong>do</strong> que atualmente é o <strong>Piauí</strong>.<br />
Assim como Oeiras, a antiga capital <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, cuja origem remonta a uma <strong>das</strong><br />
fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> sertanista Domingos Afonso Mafrense, a fundação da cidade de Campinas, no sertão<br />
e da cidade de Floriano, às margens <strong>do</strong> Parnaíba, já no século XIX, também se vinculam a essas<br />
terras. O sertanista, ao morrer, em 1711, deixou aos jesuítas muitas léguas de terra, depois<br />
amplia<strong>das</strong> por <strong>do</strong>ações e compras que, após a sua expulsão, em 1760, incorporam-se ao<br />
patrimônio real, dividi<strong>das</strong> nas Inspeções de Nazaré (Floriano), Canindé (Campinas) e <strong>Piauí</strong>.<br />
Campinas e Floriano são cidades cuja origem remonta a estes <strong>do</strong>is empreendimentos<br />
emblemáticos <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, ícones da esperança de desenvolvimento <strong>do</strong>s diversos<br />
grupos que hoje formam o povo piauiense. Parte desses grupos está representada pela narrativa<br />
histórica <strong>do</strong>s últimos trabalha<strong>do</strong>res da Fábrica - José Belém de Sousa e José Mariano Filho (in<br />
9
memoriam) - no vídeo produzi<strong>do</strong> pela Superintendência Regional <strong>do</strong> IPHAN no <strong>Piauí</strong> para<br />
divulgar o patrimônio cultural e instruir a presente proposta.<br />
Os <strong>do</strong>is imóveis que ora se apresenta para análise, embora pareça contraditório, não<br />
são exemplos da arquitetura vernácula que se pretende ver reconhecida também nos<br />
tombamentos de sítios históricos urbanos e rurais <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Vários <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ssiês que contemplam<br />
esta arquitetura, caso <strong>do</strong>s sítios de Oeiras, Piracuruca, Amarante, Pedro II e Campo Maior , estão<br />
em elaboração e devem dar sequência aos <strong>do</strong>ssiês que já se encontram em fase conclusiva para<br />
serem analisa<strong>do</strong>s pelas instâncias de decisão quanto ao mérito da proposta de proteção federal:<br />
conjunto histórico e paisagístico de Parnaíba, Ponte Metálica João Luis Ferreira-Teresina;<br />
Floresta Fóssil <strong>do</strong> rio Poti-Teresina, Igreja Nossa Senhora de Lourdes-Teresina. Ao contrário, as<br />
arquiteturas destes <strong>do</strong>is estabelecimentos, como tinham uma função singular no contexto da<br />
região e eram iniciativas oficiais, seguem modelos importa<strong>do</strong>s simplifica<strong>do</strong>s, segun<strong>do</strong> os padrões<br />
<strong>do</strong> Revivalismo, inspira<strong>do</strong> nos estilos históricos. Um deles foi projeta<strong>do</strong> por um piauiense, mas<br />
que estu<strong>do</strong>u na França, e o outro por um estrangeiro, usan<strong>do</strong> ambos elementos classicizantes. A<br />
relevância cultural destes imóveis para a nação, contu<strong>do</strong>, vincula-se menos às características<br />
estéticas da sua arquitetura e mais à capacidade de <strong>do</strong>cumentar e testemunhar as circunstâncias<br />
históricas <strong>das</strong> tentativas de racionalização da ocupação <strong>do</strong> vasto território brasileiro,<br />
compreendi<strong>do</strong> pelas Fazen<strong>das</strong> da Nação, e de dar destinação e trabalho à população de escravos,<br />
recentemente libertada pela Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, como se pretende demonstrar neste estu<strong>do</strong>.<br />
10
2-PESQUISA HISTÓRICA<br />
2.1-PIAUÍ: ESTRATÉGIA DE CONTROLE DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />
Os ataques contra os indígenas e a introdução da pecuária por essas terras<br />
configuram-se como o carro-chefe <strong>do</strong> processo de colonização <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. A importância<br />
da criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> bovino no Esta<strong>do</strong> sofreu um crescimento considerável ao longo <strong>do</strong>s séculos<br />
XVII e XVIII, de tal maneira que as boia<strong>das</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> passaram a ser envia<strong>das</strong> para as mais<br />
diversas Capitanias, especialmente Bahia, Maranhão, Pará, Pernambuco, Minas Gerais e Rio<br />
Grande 1 . Com a fixação dessas fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> e escravos, através <strong>do</strong> estabelecimento de um<br />
permanente esta<strong>do</strong> de guerra contra os índios, as terras que hoje formam o <strong>Piauí</strong> puderam ser<br />
considera<strong>das</strong> pelos coloniza<strong>do</strong>res um espaço de ligação confiável para o tráfego de pessoas e<br />
animais entre o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão e o Brasil. Nesta área em que inexistiam riquezas minerais e<br />
tampouco condição, à época, para o desenvolvimento de monoculturas volta<strong>das</strong> para o merca<strong>do</strong><br />
externo, restou à pecuária a demonstração <strong>do</strong> potencial econômico que serviria de integração<br />
junto às áreas agro-exporta<strong>do</strong>ras. Com isso, de acor<strong>do</strong> com Caio Pra<strong>do</strong> Jr., “as fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
tornar-se-ão logo as mais importantes de to<strong>do</strong> o Nordeste, e a maior parte <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong> na<br />
Bahia provém delas, embora tivesse que percorrer para alcançar seu merca<strong>do</strong> cerca de mil e mais<br />
quilômetros de caminhos” 2· .<br />
Para o alcance desse resulta<strong>do</strong>, caberia aos sertanistas e aos missionários o<br />
desencadeamento <strong>do</strong> processo de conquista da região. Na interessante formulação de Domingos<br />
Jorge Velho, sempre preocupa<strong>do</strong> nas cartas a “El Rei” com “[...] o tapuia gentio brabo [...]” que<br />
não conhecia a “[...] humana sociedade de racional trato[...]” essa região apresentava-se como<br />
“um muro contra o gentio de cima e o negro fugi<strong>do</strong> de baixo.” 3 . E, de acor<strong>do</strong> com essa<br />
perspectiva, a Coroa trabalhava a concessão de enormes áreas de sesmarias aos “conquista<strong>do</strong>res”<br />
<strong>das</strong> terras, geran<strong>do</strong> os extensos latifúndios que marcariam toda a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 4 . Dessa forma,<br />
o <strong>Piauí</strong> seguiria o “[...] modelo coloniza<strong>do</strong>r brasileiro, cujas características fundamentais são a<br />
grande propriedade, uma estrutura econômica respaldada numa única atividade e o emprego <strong>do</strong><br />
trabalho escravo.” 5 . Era o modelo forneci<strong>do</strong> pela Coroa aos representantes de grandes<br />
empreendimentos, os quais poderiam receber grandes extensões de terra para a criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>,<br />
1 BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O escravo na formação social <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: perspectiva histórica <strong>do</strong> século XVIII.<br />
Teresina: UFPI, 1999. p. 63.<br />
2 PRADO JR, Caio. História econômica <strong>do</strong> Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 66.<br />
3 ENNES, apud BRANDÃO, op. cit., p. 47-49.<br />
4 BRANDÃO, op. cit., p. 49.<br />
5 Id., Ibid., p. 54.<br />
11
que seria vendi<strong>do</strong> para as demais Capitanias e de onde era importada, fundamentalmente da<br />
Bahia, a mão-de-obra escrava.<br />
Nesse contexto, a história <strong>das</strong> terras que no perío<strong>do</strong> imperial seriam trata<strong>das</strong> por<br />
Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, integra-se aos primórdios <strong>do</strong> processo de colonização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
O território inicialmente foi toma<strong>do</strong> <strong>das</strong> populações indígenas pelo português da cidade de<br />
Mafra, Domingos Afonso <strong>Sertão</strong>, popularmente conheci<strong>do</strong> por Mafrense, que na segunda metade<br />
<strong>do</strong> século XVII aparece nos sertões <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> os índios “gueguês” 6 e outras tribos,<br />
ti<strong>das</strong> pelos portugueses como “selvagens” a serem combati<strong>das</strong>. Sain<strong>do</strong> da Casa da Torre, sob<br />
ordens de Francisco Dias D’Ávila, que então receberia a patente de Capitão-Mor “de toda a gente<br />
branca e índios” 7 , Mafrense ocupou to<strong>do</strong> o território que posteriormente seria a região central <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, uma área que ultrapassava um milhão e duzentos mil hectares de terras.<br />
Construiu cerca de 30 fazen<strong>das</strong> em toda a região compreendia pelos rios Canindé e <strong>Piauí</strong>,<br />
correspondente a 40 léguas de sesmarias recebi<strong>das</strong> <strong>do</strong>s d’Ávila e da Coroa Portuguesa, como<br />
recompensa pelos inúmeros “serviços” presta<strong>do</strong>s para a Casa da Torre 8 . Essas expedições,<br />
dirigi<strong>das</strong> também por Domingos Rodrigues de Carvalho, foram marca<strong>das</strong> por violência<br />
extremada, haven<strong>do</strong> inúmeros relatos de chacinas que eram perpetra<strong>das</strong> contra indígenas: “‘... os<br />
portugueses, depois da entrega <strong>das</strong> armas, os amarraram e daí a <strong>do</strong>is dias mataram a sangue-frio<br />
to<strong>do</strong>s os homens de guerra, em número aproxima<strong>do</strong> de quinhentos, reduzin<strong>do</strong> à escravidão as<br />
suas mulheres e filhos. ’” 9 .<br />
Desta maneira se formaram as Fazen<strong>das</strong> em parte <strong>do</strong> território que comporia, anos<br />
mais tarde, o <strong>Piauí</strong>. A manutenção destas terras apenas seria possível através da guerra constante<br />
contra as tribos, resultan<strong>do</strong> na expropriação <strong>do</strong>s territórios ocupa<strong>do</strong>s pelos indígenas, uma ação<br />
que representaria o chama<strong>do</strong> “núcleo da pecuária no Esta<strong>do</strong>”. Esta atividade rapidamente se<br />
expande e “já em 1705, o Governa<strong>do</strong>r Geral solicitava <strong>do</strong>s sócios Domingos Afonso e Francisco<br />
Dias D’Ávila, que man<strong>das</strong>sem ga<strong>do</strong> para a Bahia ‘que se lhes garantia o preço <strong>do</strong> cruza<strong>do</strong> por<br />
arroba [...]” 10 . O rebanho bovino <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> passaria a ter importância em toda a colônia<br />
portuguesa na América, segun<strong>do</strong> Nunes (1975), estabelecen<strong>do</strong> uma forte relação entre o<br />
Maranhão e o Brasil: “Essa região por circunstâncias especiais, chegou a reter o mais rico<br />
rebanho de to<strong>do</strong> o império colonial português na América”. 11<br />
6 FALCI, Miridan Britto k. Escravos <strong>do</strong> sertão: demografia, trabalho e relações sociais. Teresina: FCMC, 1995. p.<br />
166.<br />
7 PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina: Arte Nova, 1974. p. 37.<br />
8 FALCI, op. cit., p. 166.<br />
9 NANTES, apud PORTO, op. cit., p. 37.<br />
10 PORTO, op. cit.. p. 38.<br />
11 NUNES, 1975 apud FALCI, op. cit., p. 83. Para alguns autores, o que era fundamental por essas paragens era a<br />
busca por metais “sob o disfarce da implantação de currais”, ver: SILVA, Jacionira Coelho. A presença da Casa da Torre<br />
12
É ainda no início <strong>do</strong> século XVIII, mais especificamente no ano de 1711, que,<br />
oficialmente sem herdeiros, Mafrense deixa o seu lega<strong>do</strong> para a Companhia de Jesus, cuja ação<br />
proporcionou uma ampliação destas terras para a marca de 39 fazen<strong>das</strong>. Desta feita, to<strong>das</strong> estas<br />
terras passam a ser administra<strong>das</strong> pelo reitor <strong>do</strong> Colégio da Bahia, instituição cultural <strong>das</strong> mais<br />
importantes <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial brasileiro 12 , então administrada pelo reitor João Antônio<br />
Andreoni, o Antonil. Tal controle objetivava impulsionar fortemente a construção da Ordem<br />
Religiosa por estas paragens, integran<strong>do</strong> pastoreio e missionarismo em uma ação que<br />
transformava ideologicamente os mora<strong>do</strong>res da região em “operários de Jesus”, dispostos a to<strong>do</strong>s<br />
os esforços no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> engrandecimento da Igreja e <strong>do</strong> Colégio da Bahia 13 .<br />
O trabalho <strong>do</strong>s jesuítas nas fazen<strong>das</strong> permaneceria por muito tempo na memória da<br />
população piauiense. Do ponto de vista da pecuária e <strong>do</strong> agronegócio, as quase cinco déca<strong>das</strong> de<br />
ação <strong>do</strong>s religiosos teriam obti<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>s bastante favoráveis para aquelas terras, “aumentan<strong>do</strong><br />
a criação de ga<strong>do</strong>, construin<strong>do</strong> casas de telhas, currais, cerca<strong>do</strong>s e açudes, levantan<strong>do</strong> capelas,<br />
abrin<strong>do</strong> escolas e ensinan<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res a fazerem lavoura. A primeira casa de telha <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
foi construída pelos jesuítas na fazenda Poção”. 14 Por esses tempos, as propriedades passam a ser<br />
conheci<strong>das</strong> como “Fazen<strong>das</strong> da Capela”, as quais, no ano de 1739, já possuiriam a extensão de<br />
100 léguas e em 1757, poucos anos antes da expropriação <strong>do</strong>s jesuítas pelo governo português,<br />
possuíam um rebanho de 32.000 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum. Ao mesmo tempo, os religiosos<br />
aproveitavam os lucros <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> para aumentar as boia<strong>das</strong> e as terras, constan<strong>do</strong> que, entre<br />
1745 e 1759, teriam adquiri<strong>do</strong> as fazen<strong>das</strong> Guaribas, Matos, Salinas, Cachoeira, Pobre, Itaueira e<br />
S. Romão, dentre outras formas, através da compra <strong>das</strong> propriedades, inclusive, <strong>das</strong> viúvas de<br />
Garcia D’Ávila Pereira e Domingos Jorge 15 . Os jesuítas ainda não eram capazes de prever a ação<br />
pombalina nos anos seguintes, algo que mudaria por completo essa situação.<br />
Com a expulsão e confisco <strong>do</strong>s jesuítas, ti<strong>do</strong>s como ofusca<strong>do</strong>res <strong>das</strong> luzes <strong>do</strong><br />
perío<strong>do</strong> 16 , as fazen<strong>das</strong> passam a ser considera<strong>das</strong> bens patrimoniais da Coroa Portuguesa, nas<br />
quais estavam incluí<strong>do</strong>s, além <strong>das</strong> terras, o ga<strong>do</strong> vacum e cavalar, e os escravos, vistos como o<br />
no <strong>Piauí</strong>. In: ARAÚJO, Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de; EUGÊNIO, João Kennedy. (Org.). Gente de longe: histórias<br />
e memórias. Teresina: Halley, 2006, p. 113-145.<br />
12 SERAFIM LEITE, 1945 apud NUNES, Odilon. Depoimentos históricos: “as Fazen<strong>das</strong> de Mafrense (hoje,<br />
Fazen<strong>das</strong> Estaduais)”. P. 59.<br />
13 NUNES, Odilon. Pesquisas para a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. 2. ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p. 74-75. v. 1<br />
14 AGUIAR, 1952 apud ROCHA, Odeth Vieira da. Maranduba: memória <strong>do</strong> Nordeste contada de viva voz - de<br />
mãe para filho, de avó para neto - para que não se percam nossos começos e tropeços. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />
Sindical, 1994. p. 63-64.<br />
15 NUNES, op. cit., p. 102.<br />
16 SANTOS NETO, Antonio Fonseca <strong>do</strong>s. O <strong>Piauí</strong> e a independência: panfleto, palácio, gente. In: SANTANA, R.<br />
N. Monteiro de; SANTOS, Cineas (Org.). O <strong>Piauí</strong> e a unidade nacional. Teresina: Fundapi, 2007. p. 9-49.<br />
13
maior patrimônio “financeiro” <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> 17 . Desde então se tornou meta da Coroa angariar<br />
lucros a partir <strong>das</strong> terras seqüestra<strong>das</strong> <strong>do</strong>s jesuítas – com o mínimo de trabalho possível. Estas<br />
deveriam ser arremata<strong>das</strong> e vendi<strong>das</strong> em um espaço de tempo extremamente curto, motivo de<br />
vários expedientes <strong>do</strong> marquês de Pombal para o governa<strong>do</strong>r da Capitania, João Pereira Cal<strong>das</strong>.<br />
Todavia, com uma população de coloniza<strong>do</strong>res pobre e escassa, os intentos da Coroa não foram<br />
concretiza<strong>do</strong>s, mesmo porque os setores mais abasta<strong>do</strong>s da Província, “a população rica <strong>do</strong><br />
litoral, não se aventuraria numa empresa em sertão <strong>do</strong>s mais longínquos e temerosos”. 18<br />
Fig. 01: Mapa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> em 1761. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional.<br />
Para viabilizar a administração <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, então chama<strong>das</strong> “<strong>do</strong> Fisco”, a Coroa<br />
resolve dividir as terras em três Inspeções ou Departamentos, que possuíam um administra<strong>do</strong>r,<br />
geralmente escolhi<strong>do</strong> entre os representantes envia<strong>do</strong>s de Portugal e ávi<strong>do</strong>s por enriquecimento<br />
rápi<strong>do</strong>. O controle destas terras passa a ser o objetivo principal <strong>das</strong> juntas governativas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />
17 De acor<strong>do</strong> com FALCI, op. cit., p. 185: “Os escravos representavam entre 40 e 60% <strong>do</strong> patrimônio <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>...<br />
O preço de um escravo, ou seja, entre 400 e 500 mil réis, equivalia ao preço de 100 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum ou 50<br />
cavalos ou 6 jumentos”. As comunidades remanescentes de quilombos <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> observam com repulsa a inserção<br />
de homens e mulheres escraviza<strong>do</strong>s nesta contabilidade comparativa aos animais: “Nas Fazen<strong>das</strong> da Nação, a gente<br />
era conta<strong>do</strong> junto com bois e jumentos!” (informação verbal). Discurso de Antônio Bispo no Seminário <strong>das</strong><br />
Comunidades Negras Rurais Quilombolas da Região Centro Sul <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Técnicos <strong>do</strong> Emater e Parceiros, em São<br />
Raimun<strong>do</strong> Nonato, entre 31/03 e 01/04/2007.<br />
18 NUNES, op. cit., p. 66. A venda <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> possuía o objetivo de auferir recursos para a construção de cadeias,<br />
igrejas casas de câmara e oficinas nas vilas que então se pretendia fundar (Carta de Pombal)<br />
14
transforman<strong>do</strong>-se as cobiça<strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> no “mais importante ramo da administração pública”.<br />
19 A elevação da Vila da Mocha para Oeiras, capital da Província de São José <strong>do</strong> Piauhy, “calculada<br />
engenharia pombalina” no centro <strong>das</strong> antigas terras jesuíticas, bem demonstra que, além de<br />
caminho entre os Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Maranhão e Brasil, o centro <strong>do</strong> poder da nova Província tinha o “...<br />
fito de levar-se aos terreiros de fazenda e aos mais ermos rincões, a mão e olhar atentos <strong>do</strong> rei”. 20<br />
Isso não evitou os “descalabros administrativos”, como afirma Odilon Nunes, e apesar da<br />
corrupção, as fazen<strong>das</strong> cresceram, embora sempre abaixo <strong>das</strong> potencialidades <strong>do</strong> imenso<br />
território ocupa<strong>do</strong> 21 .<br />
Dentre os problemas recorrentes da irresponsabilidade da administração pública<br />
sobre estas terras, encontra-se o envio constante de ga<strong>do</strong> para outras Capitanias, sem a devida<br />
preocupação com os merca<strong>do</strong>s que poderiam efetivamente proporcionar mais lucros, ou ainda a<br />
falta de critérios na escolha de locais que pudessem propiciar menos desgaste <strong>das</strong> boia<strong>das</strong>, quase<br />
sempre leva<strong>das</strong> para a Bahia. Tu<strong>do</strong> isso não impediu que a Coroa auferisse receitas positivas com<br />
as fazen<strong>das</strong>: “como proprietária, seu apuro líqui<strong>do</strong>, nas déca<strong>das</strong> de setenta e oitenta <strong>do</strong> século<br />
XVIII, superou a casa <strong>do</strong>s 83:929$000rs”. 22 Contu<strong>do</strong>, no final <strong>do</strong> século XVIII, a pecuária <strong>do</strong><br />
<strong>Piauí</strong> atravessava sérias dificuldades, devi<strong>do</strong> ao desenvolvimento <strong>do</strong>s rebanhos em outras regiões<br />
– sobretu<strong>do</strong> o sul – e a manutenção da arcaica estrutura de criação extensiva existente desde o<br />
início <strong>do</strong> processo de colonização 23 .<br />
Sob o jugo da Coroa Portuguesa estas terras foram manti<strong>das</strong> até que se<br />
desencadeasse o processo de independência política. Em um novo contexto, as Fazen<strong>das</strong> passam<br />
para o Governo Imperial, sen<strong>do</strong> administra<strong>das</strong> pelo Departamento da Fazenda 24 . Entretanto, a<br />
estrutura patrimonialista criada, com a oficialização da apropriação <strong>do</strong> público pelo priva<strong>do</strong> 25 , fez<br />
com que durante o século XIX algumas <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> integrassem o <strong>do</strong>te de casamento da<br />
princesa Januária, irmã de D. Pedro II. Somente voltaram a ser controla<strong>das</strong> pelo poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
depois da partida da princesa para a Europa; por outro la<strong>do</strong>, na prática, as Fazen<strong>das</strong> pertenciam<br />
ao Impera<strong>do</strong>r, que as dispunha da forma que melhor conviesse aos interesses políticos da<br />
Monarquia. Foi também assim que se formaram fazen<strong>das</strong> particulares, através da utilização <strong>do</strong><br />
próprio ga<strong>do</strong> <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> da Nação: “... tu<strong>do</strong> no roubo e nas <strong>do</strong>ações. E quan<strong>do</strong> veio a<br />
19 Id., Ibid., p. 75.<br />
20 SANTOS NETO, op. cit., p. 16-28.<br />
21 NUNES, op. cit., p. 80.<br />
22 BRANDÃO, op. cit., p. 74.<br />
23 Id., Ibid., p. 76.<br />
24 FALCI, op. cit., p.166-167.<br />
25 Patrimonialismo aqui usa<strong>do</strong> na acepção de Max Weber, ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes <strong>do</strong> Brasil.<br />
26. ed. São Paulo: Companhia <strong>das</strong> Letras, 1995. p. 141-151.<br />
15
independência o governo imperial brasileiro abusou <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio e desan<strong>do</strong>u a fazer <strong>do</strong>ações<br />
para antigos ricos, reduzin<strong>do</strong> o número <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>.” 26<br />
Quanto aos escravos, no decorrer <strong>do</strong> século XIX, estes apenas cresceram em<br />
número, passan<strong>do</strong> oficialmente de 498, em 1811, para 738 no ano de 1855. Formam-se então, de<br />
acor<strong>do</strong> com Rocha, duas categorias de trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s: os “da Nação”, que “... se<br />
julgavam superiores aos escravos de particulares, alegan<strong>do</strong> que o senhor deles era o rei e os...<br />
escravos de parte... de senhores que compravam nas feiras da Bahia.” 27 . Essa população escrava<br />
aglutinar-se-ia em núcleos nas terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, resistin<strong>do</strong> aos diversos administra<strong>do</strong>res<br />
envia<strong>do</strong>s pela Monarquia e aos desman<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s arrendatários que fechavam acor<strong>do</strong>s com os<br />
governos. Embora um setor expressivo da historiografia piauiense considere que os trabalha<strong>do</strong>res<br />
escraviza<strong>do</strong>s destas fazen<strong>das</strong>, desde a administração da Coroa Portuguesa, possuíam uma situação<br />
de “diferenciação” em relação aos escravos de particulares, cada vez mais se evidencia que<br />
também existia uma atmosfera de forte tensão no interior daquelas terras. Inspetores e cria<strong>do</strong>res<br />
eram constantemente denuncia<strong>do</strong>s pelas agressões cotidianamente cometi<strong>das</strong> contra homens e<br />
mulheres escraviza<strong>do</strong>s 28 . Geralmente esses reclamos eram envia<strong>do</strong>s para o presidente da<br />
Província, cuja capital, até o ano de 1852, estava na cidade de Oeiras, como dito anteriormente,<br />
criada no interior <strong>das</strong> terras da Casa da Torre e circundada pelas fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> Fisco. Dentre as<br />
inúmeras queixas impetra<strong>das</strong> contra os mandatários <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> está a bastante conhecida carta<br />
da escrava Esperança Garcia, que em 1770 relatava os castigos sofri<strong>do</strong>s a man<strong>do</strong> <strong>do</strong> inspetor de<br />
Nazaré:<br />
Desde que o Capitão para lá foi administrar, que me tirou da Fazenda <strong>do</strong>s Algodões,<br />
onde vivia com meu mari<strong>do</strong>, para ser cozinheira da sua casa, onde nela passo muito<br />
mal. A primeira é que há grandes trovoa<strong>das</strong> de panca<strong>das</strong> em um filho meu sen<strong>do</strong> uma<br />
criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um<br />
colchão de panca<strong>das</strong>, tanto que caí uma vez <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong> abaixo peiada; por misericórdia<br />
de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos.<br />
E uma criança minha e duas mais por batizar. 29<br />
Mais uma vez demonstran<strong>do</strong> a péssima administração a que estiveram submeti<strong>das</strong> as<br />
fazen<strong>das</strong>, houve uma redução drástica <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, que, entre os anos 1811 e 1855, um rebanho de<br />
50.000 cabeças passou para 23.000 cabeças 30 . Isso gerava preocupações na Coroa quanto aos<br />
resulta<strong>do</strong>s negativos obti<strong>do</strong>s e com o suposto trabalho insuficiente <strong>do</strong>s escravos, razão de<br />
constantes reclamações <strong>do</strong> Governo Imperial, consubstancia<strong>das</strong> em cartas e ordens diversas, que<br />
26 ROCHA, op. cit., p. 66-67.<br />
27 Id., Ibid., p. 67-68.<br />
28 Sobre essa questão, ver: LIMA, Solimar Oliveira. Doutrina <strong>do</strong>s inimigos: formas de controle e resistência <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s nas fazen<strong>das</strong> públicas de pastoreio no <strong>Piauí</strong>: 1711 – 1871. In: NASCIMENTO, Alcides;<br />
VAINFAS, Ronal<strong>do</strong> (Org.). História e historiografia. Recife: Bagaço, 2006. p. 433-457.<br />
29 LIMA, op. cit.,. p. 446.<br />
30 FALCI, op. cit., p. 181–183.<br />
16
justificavam inclusive as sucessivas transferências de escravos entre fazen<strong>das</strong>, ou até mesmo o seu<br />
envio para outros Esta<strong>do</strong>s, especialmente o Maranhão 31 . Constituíam, na realidade, meros<br />
pretextos para separar as famílias escraviza<strong>das</strong> e subtrair a responsabilidade da própria<br />
administração pública pelo tratamento dispensa<strong>do</strong> às Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Segun<strong>do</strong> Lima, a Corte<br />
Portuguesa e o Império deixaram:<br />
... as fazen<strong>das</strong> de tal mo<strong>do</strong> dilapida<strong>das</strong> que, no início da década de 1870, nada<br />
mais eram que vastidões de terras praticamente improdutivas, com reduzi<strong>do</strong><br />
número de reses e de trabalha<strong>do</strong>res, na verdade homens e mulheres <strong>do</strong>entes ou<br />
exaustos, muitos jovens ou velhos. Quan<strong>do</strong> pouco ou quase nada restava para<br />
explorar, a Nação determinou a libertação de seus trabalha<strong>do</strong>res e o<br />
arrendamento <strong>das</strong> terras. 32<br />
Com o advento da República, as terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> passaram para o<br />
<strong>do</strong>mínio da União. Tentativas foram realiza<strong>das</strong> no senti<strong>do</strong> de transferi-las para o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>, o que já era previsto na Constituição de 1891, quan<strong>do</strong> menciona os “próprios nacionais”<br />
dispensáveis aos serviços da União 33 . Porém, isso não foi cumpri<strong>do</strong>, vin<strong>do</strong> a se tornar realidade<br />
somente com a Constituição <strong>do</strong> ano de 1946. Afirma o Art. 7, em suas Disposições Transitórias:<br />
“Passam à propriedade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> as fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio da União, situa<strong>das</strong><br />
no território daquele Esta<strong>do</strong> e remanescentes <strong>do</strong> confisco aos jesuítas no perío<strong>do</strong> colonial”. 34<br />
Esse dispositivo não representou melhorias para aquelas terras. Nos anos 70,<br />
verdadeiras “sesmarias” ainda chegaram a ser concedi<strong>das</strong> para empresários interessa<strong>do</strong>s na<br />
especulação fundiária, sob o disfarce de projetos agropecuários e de reflorestamento. Vários<br />
órgãos ou programas foram cria<strong>do</strong>s para garantir a regularização fundiária daqueles espaços, mas<br />
apenas mantiveram uma estrutura agrária assentada no latifúndio. Dentre eles estão a<br />
COMDEPI, POLONORDESTE, PDRI e INTERPI que, por não terem como finalidade<br />
precípua a reforma agrária, nunca conseguiram afastar aquela vasta região <strong>do</strong> secular atraso 35 .<br />
Hoje, o INTERPI - Instituto de Terras <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, funda<strong>do</strong> no início <strong>do</strong>s anos 80, é o<br />
principal responsável pela administração e regularização <strong>das</strong> terras que estavam na área de<br />
abrangência <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> Estaduais 36 . Uma parte daquele território foi repassada para a alçada<br />
<strong>do</strong>s municípios. Títulos de propriedade continuam sen<strong>do</strong> concedi<strong>do</strong>s. Indivíduos, grupos ou<br />
comunidades que, tradicionalmente, ocuparam tais localidades ainda esperam a regulamentação<br />
de suas posses em muitas localidades daqueles imensos rincões. Em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Santa<br />
31 Id., Ibid. p. 180-183.<br />
32 LIMA, op. cit.,. p. 457.<br />
33 Para consultar o art. 64 da Constituição de 1891, ver: MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento <strong>do</strong><br />
<strong>Piauí</strong>. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. p. 143.<br />
34 FALCI, op. cit., p. 165-166.<br />
35 MENDES, op. cit., p. 143.<br />
36 FALCI, op. cit., p. 169.<br />
17
Cruz, Santo Inácio, Isaías Coelho e muitos outros municípios finca<strong>do</strong>s nos espaços onde outrora<br />
se encontravam as terras da Nação, INTERPI e INCRA esforçam-se para não repetirem os<br />
mesmos erros. Muitas comunidades mantiveram-se naquelas áreas mesmo após o fim <strong>do</strong> regime<br />
escravista e a derrocada <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong>. Algumas destas são, nos nossos dias, auto-<br />
reconheci<strong>das</strong> e reconheci<strong>das</strong> pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro como quilombolas. Além <strong>das</strong> cidades<br />
referi<strong>das</strong> acima, onde se situava a Inspeção de Canindé, as antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> incluem<br />
também os territórios <strong>do</strong>s seguintes municípios: Nazaré e Floriano (Inspeção Nazareth), S.<br />
Francisco <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, S. José <strong>do</strong> Peixe, Paes Landim, Socorro <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Canto <strong>do</strong> Buriti, S. João <strong>do</strong><br />
<strong>Piauí</strong> (Inspeção <strong>Piauí</strong>); Oeiras, Simplício Mendes, Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e Conceição <strong>do</strong> Canindé<br />
(Inspeção Canindé) 37 . Em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> está a Fábrica de Laticínios e em Floriano o prédio<br />
<strong>do</strong> antigo estabelecimento rural de São Pedro de Alcântara.<br />
2.2- OS PROJETOS DE ADMINISTRAÇÃO E ARRENDAMENTO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS NO PIAUÍ<br />
Muito já se comentou que o processo de colonização <strong>das</strong> terras hoje compreendi<strong>das</strong><br />
pelo Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> começou <strong>do</strong> sertão <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> para o litoral <strong>das</strong> indústrias de<br />
charque. É importante ainda frisar que a própria “elevação” destas terras para a condição de<br />
Capitania de São José <strong>do</strong> Piauhy não pode ser entendida sem considerar o interesse que a Coroa<br />
Portuguesa nutria em relação às propriedades <strong>do</strong>s jesuítas. A capital <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a cidade de<br />
Oeiras, foi escolhida exatamente pela sua localização, no interior <strong>das</strong> terras toma<strong>das</strong> da Ordem de<br />
Loyola. À época, conforme a perspectiva lusitana, nessa região somente estas terras despertavam<br />
interesse, já que se tratavam <strong>das</strong> “... únicas unidades produtivas organiza<strong>das</strong> racionalmente no<br />
<strong>Piauí</strong>...” 38 .<br />
Nesse contexto, a principal tarefa <strong>do</strong> primeiro governa<strong>do</strong>r, João Pereira Cal<strong>das</strong>, foi<br />
realizar o trabalho “sujo”: confiscar as terras <strong>do</strong>s jesuítas e prendê-los 39 . Com essa medida, as<br />
fazen<strong>das</strong> passavam a configurar-se como a “... base econômica da fundação da Capitania...” 40 e por<br />
aí devem ser cessa<strong>do</strong>s quaisquer elogios ao sucesso <strong>do</strong> empreendimento, racionalidade da<br />
administração ou outras coisas dessa natureza. Por outro la<strong>do</strong>, mesmo diante da inépcia <strong>do</strong>s<br />
37 Id., Ibid., p. 171. Ver: ALENCASTRE, J. M. Memória cronológica, histórica e corográphica da província <strong>do</strong><br />
Piauhy. Rio 15 de maio de 1855. Revista <strong>do</strong> IHGB. Tomo XX, p. 50-61.<br />
38 BORGES, Geral<strong>do</strong> Almeida. Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>: evolução e decadência. Teresina: Fundação CEPRO, 1981. p.<br />
06.<br />
39 MENDES, op. cit., p. 31-32.<br />
40 BORGES, op. cit., p. 06.<br />
18
projetos monárquicos de produzir resulta<strong>do</strong>s satisfatórios, os <strong>do</strong>is monumentos que ora estão em<br />
apreciação para tombamento federal apresentam-se, para<strong>do</strong>xalmente, como exceções a essa<br />
lógica, apesar da falência quase que imediata dessas tentativas.<br />
Passan<strong>do</strong> para o controle <strong>do</strong>s reis de Portugal ou <strong>do</strong> Brasil, conforme o perío<strong>do</strong>, e<br />
seus asseclas em Oeiras ou Teresina, a administração desses bens públicos nitidamente destaca-se<br />
pelo descaso, absenteísmo e apadrinhamentos políticos. Várias foram as tentativas de vendê-las, a<br />
exemplo <strong>do</strong> projeto apresenta<strong>do</strong> às Cortes em 1822 pelo deputa<strong>do</strong> Domingos da Conceição,<br />
diga-se de passagem, não aprova<strong>do</strong> e da orientação concedida em 1861 pelo governo imperial<br />
para que as terras fossem vendi<strong>das</strong> 41 , também não concretizada. Na verdade, tu<strong>do</strong> se inicia com<br />
marquês de Pombal, que estimulava a venda para a obtenção de recursos para a estruturação <strong>das</strong><br />
novas vilas, mas sempre se esbarrava em algum empecilho, e quan<strong>do</strong> isso foi feito, já pelo Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, o negócio não poderia ter si<strong>do</strong> pior 42 .<br />
Nos mais de 270 anos em que as fazen<strong>das</strong> ficaram sob o jugo <strong>do</strong> governo 43 , a<br />
alternativa tardiamente encontrada à venda foi o arrendamento. Mas tal opção não pode ser<br />
considerada uma invenção monárquica, pois, mesmo a Casa da Torre e os seus sócios – os<br />
irmãos Mafrense – embora controlan<strong>do</strong> rigidamente toda a extensão de terras que era aumentada<br />
sucessivamente, entregavam a terceiros suas possessões através de arrendamentos ou da partilha<br />
<strong>do</strong> ga<strong>do</strong>. Leonor Pereira Marinho, <strong>do</strong>s d’Ávila, por exemplo, entregava os latifúndios para a<br />
administração de vaqueiros que ficariam com uma em cada quatro novas reses nasci<strong>das</strong> nas<br />
fazen<strong>das</strong>. Já o padre Miguel de Carvalho, contemporâneo de Domingos Afonso <strong>Sertão</strong> 44 e autor<br />
de “Descrição <strong>do</strong> <strong>Sertão</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>”, legou-nos a informação de que os magnatas 45 da Casa da<br />
Torre arrendavam suas terras ao valor de 10 mil réis por fazenda.<br />
Tais práticas mantiveram-se ao longo <strong>do</strong>s séculos, sen<strong>do</strong> responsáveis pelo<br />
surgimento lícito ou ilícito – toman<strong>do</strong>-se como parâmetro os acor<strong>do</strong>s da época – de muitas<br />
fazen<strong>das</strong> particulares que se espalharam pelo sertão piauiense 46 . Os jesuítas cultivaram o sistema<br />
de quarta, prática também a<strong>do</strong>tada pelas Monarquias. Estas, ao que tu<strong>do</strong> indica, descobriram-na<br />
como importante instrumento de controle de mão-de-obra que, não obstante sob o trabalho<br />
compulsório, poderia sentir-se menos explorada por perceber aquela porcentagem da produção<br />
41 Id., Ibid., p. 13-20.<br />
42 MENDES, op. cit., p. 146.<br />
43 Esses cálculos são de: Ibid., p. 143.<br />
44 Os <strong>do</strong>is entraram em conflito em função da localização da Capelinha de Nossa Senhora da Vitória, destruída pelos<br />
homens da Casa da Torre por estar dentro, como tu<strong>do</strong> o mais no <strong>Piauí</strong>, <strong>das</strong> suas possessões. Posteriormente no<br />
local da Capela surgiria a Vila da Mocha, onde hoje localiza-se a cidade de Oeiras. NUNES, op. cit., p. 67-68.<br />
45 Expressão utilizada pelo ilustre historia<strong>do</strong>r piauiense Odilon Nunes.<br />
46 NUNES, op. cit., p. 63.<br />
19
ovina. Os repeti<strong>do</strong>s momentos de tensão nas fazen<strong>das</strong> obrigavam a que se retomasse o costume<br />
da partilha <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, a man<strong>do</strong> <strong>das</strong> autoridades da Corte Portuguesa ou da Monarquia brasileira 47 .<br />
Já a possibilidade de arrendamento criou condições favoráveis para que essa grande<br />
extensão de terras e a enorme estrutura <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> passassem a ser cobiça<strong>das</strong> pelos setores<br />
<strong>do</strong>minantes da sociedade piauiense, que viam no usufruto dessa área a oportunidade de serem<br />
reconheci<strong>do</strong>s como ricos fazendeiros, embora fossem grandes os riscos de derrocada <strong>do</strong>s<br />
empreendimentos instala<strong>do</strong>s em pleno “sertão de dentro” 48 . Ou seja, além <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> despontar<br />
como maior gera<strong>do</strong>r de riquezas para particulares em função <strong>do</strong> comércio interprovincial, havia a<br />
pesada memória da pecuária que transformara a figura <strong>do</strong> fazendeiro em símbolo de status e<br />
poder na sociedade piauiense 49 , o que tornou aquelas terras alvo de acirra<strong>das</strong> disputas políticas no<br />
século XIX. Não seria, portanto, difícil transformar o “tradicional” expediente <strong>do</strong> arrendamento<br />
em uma prática para viabilizar a administração <strong>das</strong> propriedades da Monarquia, sempre<br />
justifica<strong>do</strong> pelos contínuos prejuízos proporciona<strong>do</strong>s pela péssima administração pública ou<br />
como forma de se evitar os saques <strong>do</strong>s bens <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>, soma<strong>do</strong> aos problemas advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />
sucessivos conflitos entre administra<strong>do</strong>res, vaqueiros, posseiros e (ex) escravos. Nada, porém,<br />
impediria que esses problemas se repetissem, pois mesmo o caráter <strong>do</strong>s arrendamentos, tantas<br />
vezes coloca<strong>do</strong> pelas lideranças políticas locais como panacéia até mesmo para problemas<br />
financeiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, assim como a natureza política assumida pelas sucessivas administrações,<br />
na realidade, contribuíram para acelerar a derrocada <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> e <strong>do</strong>s mais<br />
interessantes empreendimentos construí<strong>do</strong>s na região: a Fábrica e a Escola Rural.<br />
To<strong>do</strong>s esses problemas são sobejamente denuncia<strong>do</strong>s por críticos da utilização<br />
patrimonialista <strong>das</strong> terras nacionais. A situação é exposta de forma bastante ácida pelo deputa<strong>do</strong><br />
Coelho de Rezende, que em seu discurso na Câmara Geral <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s disparava:<br />
Senhores, as fazen<strong>das</strong> nacionais <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, a sua inspeção e administração constituem o<br />
que se pode chamar uma escola de furto; constituem uma cova de Caco, em cujo balcão<br />
se mercadeja com a consciência <strong>do</strong>s amigos da situação e os princípios políticos <strong>do</strong>s<br />
adversários, porque os efeitos nacionais servem para conservar a firmeza política de uns<br />
e atrair a adesão <strong>do</strong>s outros.<br />
Dos elementos políticos com que joga naquela terra a política <strong>do</strong> <strong>do</strong>natário, não há cousa<br />
alguma comparável aos efeitos extraordinários da atração <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais. 50<br />
47 Este assunto é discuti<strong>do</strong> em: LIMA, op. cit., p.438-442.<br />
48 Para Capistrano de Abreu, eram “... baianos os sertões de dentro, desde o rio S. Francisco até o Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />
Maranhão”, área dentro da qual se encontra o sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e que foi palco da ação <strong>do</strong>s membros da Casa da<br />
Torre. Ver: ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia;<br />
São Paulo: USP, 1988. p.239.<br />
49 QUEIROZ, Terezinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. 3. ed. Teresina: UFPI, 2006. p. 22.<br />
50 SAMPAIO, Antônio José de. Petição dirigida aos ilustres membros <strong>do</strong> Congresso Nacional pelo Dr.<br />
Antônio José de Sampaio: arrendatário nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Rio de Janeiro: Casa<br />
Mont’Alverne, 1899. p. 23. (Discurso <strong>do</strong> deputa<strong>do</strong> Simplício Coelho de Rezende. Câmara Geral <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s).<br />
20
Trata-se de uma passagem que revela, de forma cristalina, o que seguimos afirman<strong>do</strong>.<br />
Primeiro, a elite piauiense possuía eleva<strong>do</strong> interesse naquelas terras. Em segun<strong>do</strong> lugar, a péssima<br />
administração e a corrupção eram duas faces da mesma moeda no que se refere à forma de<br />
gerenciar toda aquela região. E, finalmente, por conta da possibilidade de enriquecimento e status<br />
não havia no <strong>Piauí</strong> “cousa alguma comparável aos efeitos extraordinários da atração <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong><br />
nacionais”.<br />
Utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> discurso da necessidade de ruptura com essa prática, o Dr. Antônio<br />
José de Sampaio argumentava ao Congresso Brasileiro sobre a importância <strong>do</strong> novo projeto que<br />
com ele se construíra 51 . O Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara – algumas déca<strong>das</strong><br />
antes – havia se configura<strong>do</strong> como a esperança de transformação de toda uma área que, além de<br />
fazen<strong>das</strong> estropia<strong>das</strong> e atividades de subsistência leva<strong>das</strong> adiante por comunidades negras<br />
renitentes, praticamente nada mais possuía de importância. Assim seriam celebra<strong>do</strong>s contratos de<br />
arrendamento entre o Governo Imperial e os senhores Antônio José de Sampaio e Francisco<br />
Parentes, responsáveis, respectivamente, pelo soerguimento da Fábrica de Laticínios e <strong>do</strong><br />
Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara. Eles foram incumbi<strong>do</strong>s de colocar em prática os<br />
novos projetos <strong>do</strong> Governo Imperial, estan<strong>do</strong> a construção de ambos os prédios previstos e<br />
defini<strong>do</strong>s nos respectivos contratos, com prazos a serem cumpri<strong>do</strong>s e utilização de verbas<br />
públicas e/ou priva<strong>das</strong>. Esses promissores contratos seriam os pioneiros na tentativa de<br />
utilização racional <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, mediante projetos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Imperial, que evidenciavam a<br />
busca de “desenvolvimento humano e material” 52 daquela região.<br />
2.3- A PROXIMIDADE EXISTENTE ENTRE OS DOIS CONTRATOS<br />
O Contrato que proporcionou a fundação <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro<br />
de Alcântara foi assina<strong>do</strong> junto ao Ministério <strong>do</strong>s Negócios da Agricultura, Commercio e Obras<br />
Públicas, por intermédio <strong>do</strong> conselheiro José Fernandes da Costa Pereira Júnior 53 . É patente a<br />
relação que possui com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, de 1871, que oficializaria a libertação <strong>do</strong>s escravos<br />
“da Nação” de to<strong>das</strong> as idades. Em decorrência desse dispositivo, surgiu a necessidade de se<br />
disciplinar, educar, tornar apta ao trabalho uma massa de trabalha<strong>do</strong>res <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />
51 SAMPAIO, op. cit., p. 23.<br />
52 VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de Ícaro: tensões e drama de um industrial no sertão. Teresina:<br />
Halley, 2006. p. 59.<br />
53 PIAUÍ. Decreto nº 5.392, de 10 de setembro de 1873. Autoriza a celebração <strong>do</strong> contrato proposto por Francisco<br />
Parentes para a fundação de um estabelecimento rural na província <strong>do</strong> Piauhy, comprehenden<strong>do</strong> as fazen<strong>das</strong><br />
nacionaes denomina<strong>das</strong> – Guaribas, Serrinhas, Mattos, Algodões e Olho D’Água – pertencentes ao departamento<br />
de Nazareth. <strong>Piauí</strong>, 1873.<br />
21
saí<strong>das</strong> <strong>do</strong> cativeiro sem projetos e potencialmente rebelde, o que poderia trazer como<br />
conseqüências, <strong>do</strong> ponto de vista da elite agrária <strong>do</strong>minante, sérios prejuízos para a “ordem”<br />
daquela sociedade.<br />
É nessa perspectiva que se formula o Contrato, estipulan<strong>do</strong>, inicialmente, que<br />
deveriam ser emprega<strong>do</strong>s no Estabelecimento to<strong>do</strong>s os “libertos da nação” aptos ao trabalho,<br />
sen<strong>do</strong> de responsabilidade <strong>do</strong> arrendatário, no caso o engenheiro agrônomo Francisco Parentes,<br />
imprimir à escola um caráter de formação para a “agricultura prática”. A função primeira <strong>do</strong><br />
Estabelecimento seria a “educação física, moral e religiosa” <strong>do</strong>s libertos menores de idade e <strong>do</strong>s<br />
filhos <strong>das</strong> escravas nasci<strong>do</strong>s após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Porém, estes não<br />
poderiam ser separa<strong>do</strong>s <strong>das</strong> mães e nem envia<strong>do</strong>s para a escola antes de completarem os cinco<br />
anos de idade. Aos inváli<strong>do</strong>s e aos órfãos, o Estabelecimento deveria também fornecer a<br />
assistência necessária, abrigan<strong>do</strong>-os em asilo e prestan<strong>do</strong> socorros e alimentos 54 .<br />
Fig. 02: Francisco Parentes assinou o Contrato que deu origem ao Estabelecimento<br />
Rural. Fonte: arquivo pessoal de Nilson Coelho.<br />
Além da agricultura, que seria uma atividade básica <strong>do</strong> Estabelecimento, na qual se<br />
aconselhava o plantio de algodão e cana-de-açúcar, o empreendimento deveria também realizar o<br />
trabalho de fabrico de charquea<strong>das</strong>, curtume e sabão. Na verdade, o Contrato previa algo bem<br />
maior <strong>do</strong> que o monumento que ora se encontra em apreciação para tombamento federal.<br />
Quan<strong>do</strong> se mencionava o “Estabelecimento”, havia referência a um conjunto arquitetônico que<br />
incluiria: “prédio de residência, casa de oração, enfermaria, aula, cemitério, edifícios com<br />
proporções para as fábricas e curtume... para quartel <strong>das</strong> praças encarrega<strong>das</strong> da polícia <strong>do</strong><br />
estabelecimento... deven<strong>do</strong> também preparar um campo para estu<strong>do</strong>s agronômicos.” 55<br />
Ou seja, tratava-se de uma proposta, de certa forma ousada <strong>do</strong> governo, em que se<br />
daria a construção de um projeto-piloto que poderia transformar-se, como de fato ocorreu, em<br />
54 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula III.<br />
55 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula V.<br />
22
um germe <strong>do</strong> núcleo urbano para o atendimento <strong>das</strong> necessidades de pessoas negras que<br />
vagavam sem ocupação, com o fim da escravidão nas fazen<strong>das</strong>. Para a execução dessa tarefa, o<br />
governo comprometer-se-ia a desembolsar a vultosa quantia de 80 (oitenta) contos de réis, em<br />
um prazo de cinco anos a partir da assinatura <strong>do</strong> Contrato, celebra<strong>do</strong> em 10 de setembro de<br />
1873, <strong>do</strong>is anos após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Na prática, toda essa soma de<br />
recursos públicos resultaria na construção de cinco edificações, <strong>das</strong> quais resta-nos apenas uma,<br />
atualmente conhecida como “Terminal Turístico” da cidade de Floriano. O desaparecimento <strong>das</strong><br />
demais pode ser constata<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> algumas informações forneci<strong>das</strong> por Sampaio, que, em um<br />
livro de 1892, descreve os prédios existentes: “... um denomina<strong>do</strong> residência, bonito edifício<br />
construí<strong>do</strong> de tijolos de alvenaria, com accomodações proprias para um internato, situa<strong>do</strong> à<br />
margem <strong>do</strong> Parnahyba (...) e quatro de construção fraca, de a<strong>do</strong>bes sobre alicerces de pedra”. 56<br />
Fig. 03: Foto de Antônio Sampaio.<br />
Fonte: “A General Description of the State of Piauhy…”, 1905.<br />
Nos anos iniciais <strong>do</strong> seu Contrato, o Dr. Antônio José de Sampaio já demonstrava<br />
preocupações com os rumos segui<strong>do</strong>s pelo Estabelecimento Rural, primeiro imóvel recebi<strong>do</strong> pelo<br />
arrendamento <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. A situação <strong>do</strong> Estabelecimento não condizia com as<br />
somas de recursos despendi<strong>do</strong>s com o Projeto e, muito menos, com as expectativas deposita<strong>das</strong><br />
pela Província nos ideais <strong>do</strong> empreendimento. Tu<strong>do</strong> isso seria motivo de segui<strong>do</strong>s protestos por<br />
parte daquele arrendatário que, para atribuir valor de verdade ao seu discurso sobre o povoa<strong>do</strong> de<br />
Colônia, utilizava-se da fala de funcionários <strong>do</strong> governo que davam conta da situação desola<strong>do</strong>ra<br />
56 SAMPAIO, Antônio José de. Injusta rescisão <strong>do</strong> contracto de arrendamento celebra<strong>do</strong> no contecioso <strong>do</strong><br />
thesouro nacional a 26 de abril de 1889 entre o governo geral e o Dr.Antônio José de Sampaio referente o<br />
mesmo contracto às fazen<strong>das</strong> nacionaes sitas no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> piauhy. Ao Exm. Sr. Marechal Floriano<br />
Peixoto presidente da República. Rio de Janeiro: Typographia <strong>do</strong> Apostolo, Rua da Assembléia nº 53, 1892. p.<br />
40.<br />
23
<strong>do</strong> Estabelecimento 57 , contrária ao que estava previsto no Contrato que dera origem aos prédios.<br />
Em petição endereçada ao Congresso Nacional, em 1899, Sampaio afirmava a impossibilidade <strong>do</strong><br />
atendimento <strong>das</strong> cláusulas pertinentes ao Estabelecimento, reclaman<strong>do</strong> da enorme quantia gasta<br />
pelo Governo no Projeto, “afora as sucessivas verbas anualmente autoriza<strong>das</strong> para o seu custeio”,<br />
que resultara em um prédio “mal construí<strong>do</strong>” e “sem estilo” 58 (nesse trecho desconsiderou,<br />
então, o fato de tê-lo chama<strong>do</strong> de um “bonito edifício” alguns anos antes).<br />
Mas não era apenas o problemático Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />
Alcântara e suas respectivas fazen<strong>das</strong> que havia de comum entre o acor<strong>do</strong> assina<strong>do</strong> por Sampaio<br />
e o subscrito por Parentes alguns anos antes. Assim como aquele que nos legou a Fábrica de<br />
Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, o contrato anterior previa a “fabricação” de produtos<br />
diversos. A produção de queijo encontrava-se entre os itens resultantes <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong><br />
Estabelecimento 59 , e, inclusive, era estipula<strong>do</strong> um prazo de <strong>do</strong>is anos para que fossem inicia<strong>do</strong>s<br />
os trabalhos da “fábrica de queijo” 60 , termo utiliza<strong>do</strong> no próprio contrato. Ambos determinavam<br />
aos arrendatários as obrigações de construção de “açudes artificiais” e o melhoramento <strong>das</strong> raças<br />
de ga<strong>do</strong> existentes nas Fazen<strong>das</strong>. E o mais importante: tinham como principal objeto de interesse<br />
o arrendamento <strong>das</strong> enormes Fazen<strong>das</strong> da Nação existentes no <strong>Piauí</strong>.<br />
Fig. 04: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó.<br />
Fonte: Arquivo da 19ª SR/IPHAN.<br />
A relação entre esses projetos – que deveriam ser desenvolvi<strong>do</strong>s em comunhão a<br />
cada arrendamento – levava por vezes à confusão entre o que era escola e aquilo que era feito na<br />
fábrica, como pode ser ilustra<strong>do</strong> na fala de um descendente de italiano, ao explicar os motivos da<br />
vinda <strong>do</strong>s seus ancestrais para o <strong>Piauí</strong>: “falavam da vinda <strong>do</strong>s italianos da Lituana para trabalhar<br />
nas antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, conhecida como Colônia de São Pedro de Alcântara para o<br />
serviço na fabrica de queijo e manteiga”. 61<br />
57 SAMPAIO, op. cit,. p. 37.<br />
58 Id., Ibid., p. 24.<br />
59 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula IV.<br />
60 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula XII. Termo utiliza<strong>do</strong> no próprio Contrato assina<strong>do</strong><br />
por Parentes.<br />
61 Entrevista de José Leitão Reinal<strong>do</strong> concedida à pesquisa<strong>do</strong>ra Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de Araújo em 07/09/2007.<br />
Ver: ARAÚJO, Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de. Italianos em Picos-PI: imagens e narrativas. In: ARAÚJO, Maria<br />
24
2.4. O ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />
Funda<strong>do</strong> em tempos de Monarquia para o cumprimento de determinações da Lei<br />
<strong>do</strong> Ventre Livre, o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara afigurou-se também como<br />
uma estratégia <strong>do</strong> governo monárquico para reforçar sua popularidade entre homens e mulheres<br />
escraviza<strong>do</strong>s, que viviam um momento de esperanças com a proximidade de um possível terceiro<br />
reina<strong>do</strong>, no qual seriam considera<strong>do</strong>s cidadãos, servin<strong>do</strong> a um impera<strong>do</strong>r paternalista e<br />
carismático 62 .<br />
Fig. 05: Fotografia recente <strong>do</strong> antigo<br />
Estabelecimento Rural São Pedro de<br />
Alcântara.<br />
Fonte: arquivo pessoal de Nilson Coelho.<br />
O nome <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r ao longo <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XIX gozava de certo<br />
nível de popularidade entre os negros. O monarca passara a ser reconheci<strong>do</strong> como defensor <strong>das</strong><br />
causas <strong>do</strong>s escravos, um ser providencial que preparava a libertação <strong>do</strong>s escravos, apesar <strong>das</strong><br />
ameaças <strong>do</strong>s setores republicanos. Um estratagema monárquico desenvolvi<strong>do</strong> através de uma<br />
“carpintaria político-teatral”, para usar um termo de Chalhoub, que incluía concessão de graças<br />
em dias de festas, e perdão a condena<strong>do</strong>s em sentenças de morte 63 . Não poderíamos deixar de<br />
imaginar que o nome <strong>do</strong> Estabelecimento que ora analisamos estaria dentro dessas “artimanhas”<br />
de Sua Alteza no senti<strong>do</strong> de continuar arrebanhan<strong>do</strong> o apoio político da população negra até a<br />
“i<strong>do</strong>latria áulica”, condenada por Rui Barbosa 64 .<br />
Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de; EUGÊNIO, João Kennedy (Org.). Gente de longe: histórias e memórias. Teresina: Halley,<br />
2006. p. 369.<br />
62 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong> da escravidão na corte. São Paulo:<br />
Companhia <strong>das</strong> Letras, 1990. p. 179-180.<br />
63 Id., Ibid., p. 178-179.<br />
64 BARBOSA, 1921 apud Id., Ibid., p. 180.<br />
25
Contu<strong>do</strong>, algumas pistas nos são forneci<strong>das</strong> pelos <strong>do</strong>cumentos da época e por<br />
relatos desencontra<strong>do</strong>s. O nome teria si<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong> após uma conversa entre o Marquês de<br />
Paranaguá 65 e o Impera<strong>do</strong>r Pedro II. Pergunta<strong>do</strong> sobre o que poderia ser feito na Província após<br />
uma “seca cruel”, o Marquês responde ao rei que se deveria criar uma colônia agrícola às margens<br />
<strong>do</strong> rio Parnaíba, sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> engenheiro agrônomo Francisco Parentes. A única exigência<br />
deste, conforme a patética narrativa seria o nome que a Colônia deveria receber: “São Pedro de<br />
Alcântara”, “nome de nosso imortal Impera<strong>do</strong>r, que Deus guarde”. 66 A autorização para a criação<br />
<strong>do</strong> Estabelecimento teria si<strong>do</strong> concedida após esse glamoroso encontro.<br />
Francisco Parentes era forma<strong>do</strong> pela Escola de Grand Jouan, da França. Idealizara o<br />
Projeto e vinha discutin<strong>do</strong> com inúmeros presidentes da Província <strong>do</strong> Piauhy, como atesta o<br />
memorial elabora<strong>do</strong> pelo agrônomo e envia<strong>do</strong> ao presidente da Província, Sousa Leão, em 1871.<br />
Este, por sua vez, encaminha o <strong>do</strong>cumento, através de um longo ofício, ao Visconde <strong>do</strong> Rio<br />
Branco, então ministro da Fazenda, esperan<strong>do</strong> que fosse acolhida “benigna e favoravelmente a<br />
pretensão <strong>do</strong> cidadão Francisco Parentes, o qual levan<strong>do</strong> a effeito a idéia, que aninha em seu<br />
peito, abrirá para esta província largos horizontes de prosperidade e adiantamento”. 67 Este ofício,<br />
envia<strong>do</strong> poucos dias após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, expressaria a convergência de<br />
interesses que naquele momento concretizar-se-ia entre um agrônomo, a Província e o Império.<br />
2.5. ESCOLA PARA LIBERTOS<br />
O regime escravista brasileiro não permitia a formação de escolas para negros. A<br />
rebelião negra na Bahia <strong>das</strong> primeiras déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XIX impeliu a elite escravista a rejeitar a<br />
proposta de homens e mulheres escraviza<strong>do</strong>s terem acesso ao ensino escolar. O me<strong>do</strong> de<br />
movimentos semelhantes ao <strong>do</strong>s malês, de 1835, levou políticos, burocratas e senhores de<br />
escravos a tremerem diante de possíveis novas rebeliões. Isso explica, por exemplo, as diligências<br />
determina<strong>das</strong> pelo chefe de polícia da Corte, Eusébio de Queiroz, em 27 de março de 1835, no<br />
senti<strong>do</strong> de investigar uma casa “na qual há reuniões de pretos Minas a título de escola de ensinar<br />
65 João Lustosa da Cunha Paranaguá foi o político piauiense mais influente durante o Império. Presidiu as Províncias<br />
<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Maranhão, Pernambuco e Bahia. Era advoga<strong>do</strong> e, dentre os vários cargos importantes, assumiu o de<br />
Ministro da Guerra durante a Guerra <strong>do</strong> Paraguai. Ver: BASTOS, Cláudio. Dicionário histórico e geográfico <strong>do</strong><br />
esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina: FCMC, 1994. p. 362.<br />
66 O relato da reunião entre o Marquês de Paranaguá e o Impera<strong>do</strong>r D. Pedro II está em: NUNES, 1993 apud<br />
NUNES FILHO, Djalma José. A importância de uma escola para a história de uma cidade: <strong>do</strong><br />
estabelecimento rural de São Pedro de Alcântara à criação de Floriano (1873-1897). Fortaleza: Mestra<strong>do</strong> em<br />
Educação <strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC, 2005. p. 48.<br />
67 Ofício de “nº 37 Palácio <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Piauhy, 18 de outubro de 1871 – 2ª Secção. Arquivo Público <strong>do</strong> Piauhy.<br />
Casa Anísio Brito – Teresina. Ver: NUNES FILHO, op. cit., p. 43-47.<br />
26
a ler e escrever” 68 . As escolas exigiam reuniões de pessoas e qualquer agrupamento de negros<br />
possuía um perigo em potencial, fundamentalmente na primeira metade <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong> o<br />
me<strong>do</strong> era constantemente realimenta<strong>do</strong> por histórias de revoltas urbanas de negros, basea<strong>do</strong> na<br />
idéia de uma conspiração internacional para destruir as sociedades escravistas, e até mesmo pelas<br />
informações sobre haitianos passan<strong>do</strong> pelas ruas da Corte 69 .<br />
Ainda no ano de 1835 é criada uma determinação proibin<strong>do</strong> o acesso de filhos de<br />
escravos a escolas, medida que perduraria durante boa parte <strong>do</strong> século. Essa situação só seria<br />
modificada com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, no ano de 1871, em parte, devi<strong>do</strong> à transição para um<br />
outro modelo <strong>das</strong> relações de trabalho que exigia novas bases para a formação da mão-de-obra.<br />
Ou seja, estas condições fomentaram uma discussão que vinha se arrastan<strong>do</strong> entre os setores da<br />
elite política e teve necessariamente de ser resolvida – mesmo que precariamente – com a lei que<br />
dispunha sobre educação e escolas para filhos de escravos. Perdigão Malheiros, em um livro que<br />
buscava a solução para alguns <strong>do</strong>s problemas de sua época, percebia claramente a necessidade <strong>do</strong><br />
desenvolvimento pela Nação de um processo de educação para os negros:<br />
Embora em contato com escravos, a sua educação deve ser modificada, não a fazê-los<br />
exclusivamente <strong>do</strong>utores e literatos, mas sobretu<strong>do</strong> pessoas morigera<strong>das</strong>, que possam<br />
vir a ser úteis a si e ao país, cidadãos prestantes. Em contato com os escravos está<br />
também a demais gente livre. Os inconvenientes irão diminuin<strong>do</strong> à proporção que a<br />
escravatura que ainda se conserva se for gradualmente extinguin<strong>do</strong> pelos falecimentos e<br />
manumissões. 70<br />
Realmente, a finalidade dessas escolas, que foram funda<strong>das</strong> em decorrência da Lei <strong>do</strong><br />
Ventre Livre, não era formar “<strong>do</strong>utores”, mas atender a algumas expectativas que se formavam<br />
por parte <strong>das</strong> elites agrárias. Com efeito, como bem esclarece o contrato assina<strong>do</strong> junto ao<br />
Ministério da Agricultura, tratava-se de uma modalidade de educação voltada diretamente para o<br />
trabalho “... objetivan<strong>do</strong> que elas se convertessem em seres úteis à ordem social estabelecida<br />
mediante a agricultura”. 71 Em outros termos, correspondia a um modelo de educação que tinha<br />
como objetivo central disciplinar a mão-de-obra negra, impedin<strong>do</strong> que o contínuo processo de<br />
abolição levasse também à africanização da sociedade brasileira:<br />
...as práticas educativas não buscavam uma transformação <strong>do</strong> status <strong>do</strong>s negros na<br />
sociedade livre, mas sua manutenção na condição que foi tradicionalmente construída<br />
ao longo de mais de três séculos de contato entre negros e brancos: deveriam<br />
permanecer como a parcela de mão-de-obra <strong>do</strong> estrato mais baixo <strong>do</strong> processo<br />
produtivo... 72<br />
68 Registro de Correspondência Reservada Expedida pela Polícia (1835-1844), cód. 335, fls. 2-3, AN. In.:<br />
CHALHOUB, op. cit., p. 187.<br />
69 Id., Ibid., p. 193-194.<br />
70 Malheiros, 1976 apud FONSECA, Marcos Vinícius. A educação <strong>do</strong>s negros: uma nova face <strong>do</strong> processo de<br />
abolição escravidão no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 139.<br />
71 Id., Ibid., p. 83.<br />
72 Id., Ibid. p. 142.<br />
27
Mas o problema era também posto de outra maneira com a fundação, em 1873, da<br />
Colônia Orphanologica Izabel, em Pernambuco. Até o final dessa década, os debates em torno da<br />
viabilização desse tipo de instituição se intensificam em função da aproximação da idade de 08<br />
anos por parte <strong>do</strong>s primeiros beneficia<strong>do</strong>s com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, perío<strong>do</strong> em que essas<br />
crianças poderiam ter direito à educação sob a responsabilidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> 73 . O Ministro da<br />
Agricultura passaria a externar com certa freqüência essa preocupação, dada a grande quantidade<br />
de pessoas incluí<strong>das</strong> na Lei e, por outro la<strong>do</strong>, a completa falta de estrutura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para lidar<br />
com toda aquela população. É interessante acompanhar uma passagem em que o Ministro explica<br />
o impasse que vivia a Monarquia brasileira:<br />
Aproxima-se o termo <strong>do</strong> prazo marca<strong>do</strong> no art. 1º da Lei de 28 de Setembro para<br />
opção <strong>do</strong>s senhores <strong>das</strong> mães entre os serviços <strong>do</strong>s menores e a indenização pecuniária,<br />
em títulos de renda. Posto seja de presumir que a maioria <strong>do</strong>s senhores preferir concluir<br />
a educação começada, a troco <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> menor até 21 annos de idade, cabe ao<br />
governo Imperial cuidar, desde já, <strong>do</strong>s meios necessários ao desempenho daquella<br />
obrigação.<br />
No intuito de saber com que estabelecimentos públicos se poderá contar, no dia em<br />
que haja de ser cumprida essa disposição da Lei, expedi a circular de 24 de maio último,<br />
exigin<strong>do</strong> <strong>das</strong> presidências de províncias informações minuciosas acêrca de taes<br />
estabelecimentos. Nessa circular inquiri tambem da existência de associações<br />
especialmente destinada áquele fim, ou <strong>do</strong>s recursos com que pode contar cada<br />
província para fundar e animar. 74<br />
Ou seja, a situação também girava em torno da indenização de 600$000 que cada<br />
proprietário teria direito a receber – se optasse por entregar o menor ao Esta<strong>do</strong> – e da quantidade<br />
de libertos que poderia passar para a responsabilidade <strong>do</strong> Império, aproximadamente 200.000,<br />
caso to<strong>do</strong>s os senhores de escravos optassem por receber a indenização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Isso poderia<br />
levá-lo à crise financeira e administrativa, por ser incapaz de atender à vasta demanda 75 , se<br />
quisermos colocar de forma drástica a questão, partin<strong>do</strong> da pressuposição de que o governo<br />
monárquico realmente cumpriria sua lei a qualquer custo.<br />
De qualquer mo<strong>do</strong>, está demonstra<strong>do</strong> que o projeto de fundação <strong>do</strong> Estabelecimento<br />
Rural de São Pedro de Alcântara fez parte de um contexto em que o governo imperial<br />
impulsionava a formação desse tipo de instituição em to<strong>do</strong> o país. Eram escolas volta<strong>das</strong> para<br />
libertos beneficia<strong>do</strong>s com a Lei nº 2040, de 28 de setembro de 1871, que determinava, em seu<br />
texto, a obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em última instância, de se responsabilizar pelos filhos de mulheres<br />
escravas nasci<strong>do</strong>s a partir daquela data. Aos oito anos de idade, a criança poderia ser entregue<br />
pelo senhor ao Esta<strong>do</strong>, que teria de pagar ao primeiro a indenização de 600 mil réis. Neste caso, a<br />
73 FONSECA, op. cit. p. 71.<br />
74 Relatorio apresenta<strong>do</strong> á Assembléa Geral Legislativa na terceira sessão da décima legislatura pelo Ministro e<br />
Secretario de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas. Rio de Janeiro: Typographia da<br />
Gazeta Jurídica, 1876. Ver: Id.. Ibid., p. 72.<br />
75 Id., Ibid., p. 73.<br />
28
criança seria recolhida para “estabelecimentos públicos”, os quais teriam que “criar”, “tratar” e<br />
“constituir pecúlio” para cada menor que trabalhasse no estabelecimento.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, abria-se a possibilidade de fundação de associações priva<strong>das</strong>, também<br />
previstas em lei, para cuidar da educação <strong>do</strong>s menores, as quais poderiam utilizar-se <strong>do</strong>s serviços<br />
destes até a idade de 21 anos, ten<strong>do</strong> que assumir, igualmente, as mesmas responsabilidades <strong>do</strong>s<br />
estabelecimentos públicos. Mais uma vez, deparamo-nos com o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato que originou<br />
o “Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara”, expressan<strong>do</strong> uma verdadeira associação<br />
circunstancial de interesses entre o público e o priva<strong>do</strong>. Ao Esta<strong>do</strong> seria mais interessante<br />
transferir to<strong>das</strong> as responsabilidades <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais, fundamentalmente daquilo que era<br />
considera<strong>do</strong> um problema de grandes proporções, para as mãos de particulares. E estes viam nas<br />
enormes fazen<strong>das</strong> nacionais, com seu vasto patrimônio, uma notável possibilidade de<br />
desenvolvimento de grandes empreendimentos que resultariam em enriquecimento rápi<strong>do</strong>. A<br />
participação de particulares seria facilitada pela assunção, pelo Esta<strong>do</strong>, <strong>do</strong> custeio integral <strong>das</strong><br />
obras <strong>do</strong> Estabelecimento, que, de qualquer forma, resultaria em gastos menores <strong>do</strong> que os<br />
despendi<strong>do</strong>s normalmente com as fazen<strong>das</strong> nacionais, em decorrência <strong>das</strong> péssimas<br />
administrações empreendi<strong>das</strong>. É o ministro José Fernandes da Costa Pereira Júnior, responsável<br />
pela idealização e assinatura <strong>do</strong> Contrato, quem explica para a Assembléia Geral Legislativa, ainda<br />
no ano de 1874, os interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no Projeto que então se constituía:<br />
Poupan<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong> a despeza com custeio de fazen<strong>das</strong>, que pouco ou nada rendiam<br />
pela incapacidade ou falta de conhecimentos profissionaes de seus administra<strong>do</strong>res,<br />
facilitará ao mesmo tempo o emprego <strong>do</strong>s libertos n’ellas existentes e o tratamento e a<br />
educação <strong>do</strong>s seus filhos. 76<br />
A relação com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre também é reafirmada pelo ministro da<br />
Agricultura, quan<strong>do</strong> se refere ao aproveitamento <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> Serrinha, Guaribas, Mattos e Olho<br />
D’água. Segun<strong>do</strong> ele,<br />
...com desígnio de melhor aproveitar as fazen<strong>das</strong> nacionaes (...) e de promover o<br />
estabelecimento e a educação <strong>do</strong> considerável numero de antigos escravos da nação,<br />
liberta<strong>do</strong>s pela lei 2040 de 28 de setembro de 1871, o governo resolveu entregar as ditas<br />
fazen<strong>das</strong> ao Agronomo Francisco Parentes, encarregan<strong>do</strong>-o de fundar um<br />
estabelecimento de agricultura prática... 77<br />
Pela fala <strong>do</strong> então ministro, percebe-se que uma <strong>das</strong> linhas de raciocínio utilizada,<br />
importante para a compreensão <strong>do</strong> processo que levou a serem erigi<strong>das</strong> as paredes <strong>do</strong><br />
Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara – fato que o torna bastante singular - está<br />
76 PEREIRA JR., José Fernandes da Costa. Relatorio apresenta<strong>do</strong> à Assembléa Geral Legislativa na terceira<br />
sessão da décima quinta legislatura pelo Ministro e Secretário de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negocios da Agricultura ,<br />
Commercio e Obras Publicas. [S.l.]: Typographia Americana, 1874.<br />
77 PEREIRA JR., op. cit. (Grifo nosso)<br />
29
elacionada à promulgação da lei. Esta define que a partir daquele momento, to<strong>do</strong>s os homens e<br />
mulheres submeti<strong>do</strong>s à escravidão nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> deveriam ser considera<strong>do</strong>s (as) livres.<br />
Com efeito: “Art. 6º - Serão declara<strong>do</strong>s libertos: § 1º - Os escravos pertencentes à nação, dan<strong>do</strong>-<br />
lhes o governo a ocupação que julgar conveniente.” 78<br />
Nesse artigo se observa mais uma função importante que o Estabelecimento Rural<br />
deveria ter cumpri<strong>do</strong>: dar ocupações para escravos da nação torna<strong>do</strong>s livres através da Lei de<br />
1871, o que então seria formalmente previsto no Projeto de 1873. Uma de suas cláusulas<br />
observava que deveriam “ser admiti<strong>do</strong>s, como trabalha<strong>do</strong>res, to<strong>do</strong>s os libertos da nação que<br />
forem aptos para o serviço rural...” 79 .<br />
Tratava-se, portanto, de exigências importantíssimas, <strong>do</strong> ponto de vista da sociedade<br />
piauiense <strong>do</strong> último quadrante <strong>do</strong> século XIX, e que possuíam to<strong>das</strong> as condições para não<br />
constar apenas como “letra morta”. Diferentemente <strong>das</strong> demais regiões e <strong>do</strong>s diversos<br />
estabelecimentos que eram abertos pelo país, a escola <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais não dependia <strong>do</strong><br />
arbítrio de senhores de escravos que poderiam ou não conceder permissão para que os menores<br />
estu<strong>das</strong>sem em associações priva<strong>das</strong> ou em estabelecimentos públicos. Aqui não haveria a “troca”<br />
<strong>do</strong> menor por uma indenização de 600 mil réis, a ser paga pelo Esta<strong>do</strong> como “recompensa” pela<br />
não utilização <strong>do</strong> braço <strong>do</strong> menor pelo senhor até a idade de 21 anos. Isso porque, como visto,<br />
nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, de acor<strong>do</strong> com a Lei nº 2.040, eram considera<strong>do</strong>s livres os menores e<br />
to<strong>do</strong>s os adultos. Por outro la<strong>do</strong>, estabelecia-se uma condição periclitante para aquela sociedade,<br />
em que, pela ausência “controla<strong>do</strong>ra” <strong>do</strong>s senhores, ou “disciplinava-se” os libertos para o<br />
trabalho, religião e os “bons costumes”, ou não se saberia o que poderia acontecer com aquela<br />
enorme quantidade de terras habita<strong>das</strong> – portanto não aban<strong>do</strong>na<strong>das</strong> – pelos antigos escravos.<br />
2.6. AS EXPECTATIVAS EM TORNO DA ESCOLA<br />
Ultrapassan<strong>do</strong> aquilo que era sua função precípua, a situação em que foi funda<strong>do</strong> o<br />
Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara serviu para ensejar naquela sociedade que<br />
transitava entre a Monarquia e a República uma série de expectativas. Segun<strong>do</strong> um observa<strong>do</strong>r da<br />
78 RIO DE JANEIRO (Esta<strong>do</strong>). Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Declara de condição livre os filhos de<br />
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a<br />
criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos. Disponível em:<br />
. Acesso em 18/10/2007.<br />
79 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula VII.<br />
30
época, avalian<strong>do</strong> os quinze anos iniciais <strong>do</strong> projeto, “[...] tinha a província suas vistas volta<strong>das</strong><br />
para a empreza, fundan<strong>do</strong> nella suas mais fagueiras esperanças.” 80<br />
O presidente da Província, Viveiros de Castro 81 , por exemplo, afirmava que o<br />
estabelecimento deveria ser “não só” uma escola voltada para a educação <strong>do</strong>s negros, mas uma<br />
instituição – uma escola zootechnica – dirigida para a seleção e aprimoramento <strong>das</strong> raças de ga<strong>do</strong><br />
existentes 82 ( certamente, para este senhor, o ga<strong>do</strong> era mais importante <strong>do</strong> que os negros). Outros<br />
presidentes da Província seguem o mesmo roteiro nos seus relatórios de governo, em que<br />
informavam os gastos realiza<strong>do</strong>s no Projeto, em reformas, com os dirigentes e demais<br />
funcionários, sempre no intuito de “torná-lo verdadeiramente útil a esta província”.<br />
Todavia, lamentavelmente, a conclusão era sempre semelhante àquilo que afirmara<br />
um presidente da Província no ano de 1886: “o estabelecimento rural de S. Pedro de Alcântara<br />
não tem até o presente correspondi<strong>do</strong> às esperanças que a população desta província depositava<br />
em sua fundação, nem tão pouco presta<strong>do</strong> ao Piauhy serviço algum apreciável” 83 . As expectativas<br />
eram grandes, as notícias sobre o estabelecimento sempre circulavam na imprensa, os<br />
observa<strong>do</strong>res passavam pelo porto da Vila de Colônia e geralmente faziam questão de tornar<br />
público o que tinham visto a respeito daquele projeto, de onde to<strong>do</strong>s esperavam grandes<br />
resulta<strong>do</strong>s. Mas, não obstante o acompanhamento e as constantes denúncias por parte de setores<br />
da sociedade, os sucessivos governos foram incapazes de concretizar as idéias, que giravam em<br />
torno <strong>do</strong> prédio e que animaram toda uma geração – como visto, desde a população negra até<br />
parcela da elite branca.<br />
A explicação encontrada por muitos daquela época para o malogro de tão nobre<br />
iniciativa estava na morte prematura <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Estabelecimento: o agrônomo Francisco<br />
Parentes. Este foi vítima da febre amarela ainda no ano de 1876 e, portanto, não teve a<br />
possibilidade de sequer acompanhar o andamento inicial da escola. Em seu lugar foram<br />
coloca<strong>do</strong>s vários, sempre de acor<strong>do</strong> com as conveniências políticas <strong>do</strong> momento. E o problema<br />
efetivamente era a situação política: o diretor da escola era indica<strong>do</strong> pelo presidente da Província,<br />
mas nem mesmo os mandatários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> conseguiam segurar seus próprios cargos. “[...] entre<br />
80 Relatório <strong>do</strong> escriturário Costa Freire ao presidente da Província, Dr. Teophilo Fernandes <strong>do</strong>s Santos.<br />
03/09/1889. Ver: SAMPAIO, 1892, p. 37.<br />
81 Francisco José Viveiros de Castro nasceu no Maranhão e era bacharel em Direito. Assumiu o cargo de presidente<br />
da Província <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> de julho de 1887 a julho de 1888. Desempenhou a função de desembarga<strong>do</strong>r na Corte de<br />
apelação representan<strong>do</strong> o Maranhão, além de ter assumi<strong>do</strong> como deputa<strong>do</strong> provincial em 1885. In.: BASTOS, op.<br />
cit., p. 124.<br />
82 FALLA com que o Exmo. Sr. Presidente Dr. Francisco José Viveiros de Castro Abrio a 1ª sessão da 27ª legislatura<br />
da Assembléa Provincial <strong>do</strong> Piauhy no dia 2 de junho de 1888.<br />
83 RELATÓRIO com que o Exmo Sr. Presidente da Província <strong>do</strong> Piauhy Dr. Manoel José de Menezes Pra<strong>do</strong> passou<br />
a administração da mesma província ao Exm. Sr. Dr. Antonio Jansen de Mattos Pereira no dia 7 de setembro de<br />
1886.<br />
31
1877 e 1899 [...] nenhum Presidente da Província demorou mais de um ano no cargo” 84 . Isso é<br />
confirma<strong>do</strong> por Honório Parentes, irmão <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Estabelecimento, diretor durante os<br />
anos de 1888 e 1889 que, ao se referir à sua demissão para assunção de Ricar<strong>do</strong> Ernesto Ferreira<br />
de Carvalho – pela 3ª vez, sempre após i<strong>das</strong> ao Rio de Janeiro – afirma que tu<strong>do</strong> isso se devia à<br />
“[...] política, alma pestilenta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> official neste paiz.” 85 . Vivia-se uma crise crônica em que<br />
qualquer projeto “racionalizante” que almejasse o desenvolvimento social – como esta iniciativa<br />
quase isolada <strong>do</strong> século XIX - só poderia ter como desfecho mais provável a falência. De<br />
qualquer mo<strong>do</strong>, formou-se um núcleo urbano no entorno da escola, que ainda na década de 1890<br />
seria eleva<strong>do</strong> à condição de vila e, posteriormente, de cidade. Desde então, Floriano configurou-<br />
se como uma <strong>das</strong> principais e – por que não dizer – mais belas cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
2.7. A CIDADE DE FLORIANO<br />
Do Estabelecimento Rural nasceu a cidade de Floriano, no final <strong>do</strong> século XIX, após<br />
ter passa<strong>do</strong> pela condição de Colônia de São Pedro de Alcântara e Vila de Colônia. A cidade<br />
homenageou o segun<strong>do</strong> presidente da República, no ano de 1897, talvez para fazer um<br />
contraponto ao peso <strong>do</strong> nome <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, presente desde a fundação no perío<strong>do</strong> monárquico.<br />
Mas a década de 1920 ainda assiste à construção de uma igreja homônima à Escola 86 ,<br />
revelan<strong>do</strong> o peso, na mentalidade da população local, <strong>do</strong> empreendimento <strong>do</strong> Sr. Francisco<br />
Parentes. Essa constatação também pode ser válida para a administração que se efetivaria na vila<br />
durante a década de 1890. O primeiro intendente da vila – homenagea<strong>do</strong> atualmente na sede da<br />
prefeitura como primeiro prefeito – foi o Sr. João Francisco Pereira de Araújo. A especificidade é<br />
que se trata de um negro, que assumiu o posto mais importante daquela localidade que, por sua<br />
vez, nascera para cuidar da educação e dar trabalho para ex-escravos, como visto libertos em<br />
decorrência da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Singularidades principalmente quan<strong>do</strong> remontamos a um<br />
século XIX marcadamente influencia<strong>do</strong> por teorias racistas de to<strong>das</strong> as espécies, ti<strong>das</strong> à época<br />
como científicas, escuda<strong>das</strong> no darwinismo, colocan<strong>do</strong> a raça negra como inferior, defenden<strong>do</strong> a<br />
necessidade da imigração européia fundamentalmente para “livrar” o país da mestiçagem 87 .<br />
A cadeira e a mesa de João Chico – o ex-intendente – permanecem no Museu da<br />
cidade, no Espaço Cultural Maria Bonita, um bonito prédio funda<strong>do</strong> nos anos 20 ao la<strong>do</strong> da<br />
84 MENDES, op. cit., p. 33.<br />
85 ROSA, Miguel; PINHEIRO, João; NEVES, Abdias (directtores). Almanak piauhiense. 3. anno. [S.l.: s.n], p. 103.<br />
86 LOPES, Luís Paulo. Flagrantes de uma cidade. Teresina: Jolenne, 1997. p. 79.<br />
87 SCHUARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo <strong>das</strong> raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-<br />
1930). São Paulo: Companhia <strong>das</strong> Letras, 1993.<br />
32
antiga Escola Rural. Tal edificação, tombada em nível estadual, outrora serviu como Usina<br />
Elétrica, e hoje, após a restauração pela qual passou na década de 80 88 , constitui junto com o<br />
prédio <strong>do</strong> Estabelecimento, o que existe de mais interessante <strong>do</strong> ponto de vista histórico e<br />
arquitetônico naquela cidade.<br />
Floriano contaria com outra iniciativa de educação pública apenas no ano de 1929: o<br />
grupo escolar “Agrônomo Parentes” 89 . Esta escola ainda existe, manten<strong>do</strong> o nome <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r<br />
de Colônia, e reforçan<strong>do</strong> a idéia <strong>do</strong> apoio que aquela municipalidade concedeu ao Projeto <strong>do</strong><br />
Estabelecimento. O espaço de mais de 50 anos entre as duas iniciativas educacionais revela o<br />
pioneirismo da escola criada para ex-escravos, principalmente saben<strong>do</strong>-se que a escola pública<br />
posterior foi voltada para preparar setores abasta<strong>do</strong>s para assumirem postos em universidades.<br />
Mas toda essa história vem sen<strong>do</strong> esquecida pela população de Floriano, que ao longo de mais de<br />
um século, transformou-se em uma <strong>das</strong> maiores cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, com uma população de mais de<br />
50 mil habitantes, de onde provêm mais de 10 mil alunos que integram escolas de to<strong>do</strong>s os níveis<br />
e esferas <strong>do</strong> governo 90 .<br />
Durante o século XX a cidade não parou de crescer. O Estabelecimento Rural –<br />
conheci<strong>do</strong> atualmente pela população florianense como “Terminal Turístico” – agora é<br />
circunda<strong>do</strong> por milhares de imóveis em uma cidade que vive <strong>do</strong> comércio, da indústria de<br />
transformação 91 e da agricultura de subsistência. Localizada a 244 km de Teresina, foi construída<br />
em frente ao rio Parnaíba e à cidade de Barão de Grajaú, <strong>do</strong> Maranhão. O prédio <strong>do</strong><br />
Estabelecimento Rural atualmente pertence à Municipalidade e é protegi<strong>do</strong> pelo tombamento<br />
local. Na rua que lhe dá acesso, foi construída uma estrutura para a sociabilidade <strong>do</strong>s munícipes e<br />
para o lazer <strong>do</strong>s visitantes. Lá se pode sentar às margens <strong>do</strong> Parnaíba e observar a aparente calma<br />
<strong>do</strong> rio, a via pela qual chegaram os funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Estabelecimento.<br />
2.8. A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />
DO PIAUÍ<br />
Na virada <strong>do</strong>s séculos XIX e XX o <strong>Piauí</strong> mantinha to<strong>do</strong>s os traços de economia<br />
agrária. Apesar disso, a cidade de Teresina já contava com um belo teatro para o lazer público 92 e<br />
88 LOPES, op. cit., p. 76.<br />
89 Id., Ibid., p. 46-47.<br />
90 Informação extraída de: . Acesso em: 07 nov. 2007.<br />
91 Informação extraída de: . Acesso em: 07 nov. 2007.<br />
92 O Theatro 04 de Setembro, obra de Alfre<strong>do</strong> Modrach, o mesmo engenheiro que projetou a Fábrica de Laticínios,<br />
foi inaugura<strong>do</strong> em 1894.<br />
33
o telégrafo encurtava as distâncias da capital para algumas cidades <strong>do</strong> interior e São Luís <strong>do</strong><br />
Maranhão. O Esta<strong>do</strong> almejava se “modernizar” e tentativas eram realiza<strong>das</strong> no senti<strong>do</strong> da<br />
diversificação econômica, a exemplo da implantação da fábrica de fiação de teci<strong>do</strong>s de Teresina,<br />
em 1893 93 , e de alguns incentivos concedi<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> com o objetivo de possibilitar a<br />
implantação de indústrias várias 94 , sem muito resulta<strong>do</strong>. O charque, primeira manufatura <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />
continuava sen<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> no litoral e pelo interior crescia a busca de produtos que a natureza<br />
oferecia, especialmente a maniçoba para a produção da borracha. E toda a economia transitava –<br />
descen<strong>do</strong> e subin<strong>do</strong> – pelo rio Parnaíba.<br />
Mesmo com a nítida decadência da pecuária no Esta<strong>do</strong>, alguns insistiam nesse ramo<br />
de atividades, com discursos velhos e algumas idéias novas. O presidente da Província Viveiros<br />
de Castro, por exemplo, reafirmava a necessidade de “[...] ser o leite convenientemente<br />
aproveita<strong>do</strong> no fabrico <strong>do</strong> queijo e manteiga[...] 95 , o que já era previsto no Contrato que dera<br />
origem ao estabelecimento rural e em tantas outras falas sem, contu<strong>do</strong>, nunca ter si<strong>do</strong><br />
eficientemente coloca<strong>do</strong> em prática.<br />
Fig. 06: Fábrica de Laticínios.<br />
Fonte: Arquivo 19ª SR/IPHAN-PI<br />
Tratava-se de um ambiente, principalmente se olha<strong>do</strong> ligeiramente o cenário nacional<br />
e internacional, propício para a implantação fabril no <strong>Piauí</strong>, não fossem as “limitações de sempre:<br />
(...) merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r interno muito pequeno, concentração da renda, falta de estra<strong>das</strong> e de<br />
energia, entre outras”. 96 É, então, nos derradeiros anos da centúria de 1800, que nasce a Fábrica<br />
de Laticínios <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Com algumas particularidades que tornavam a<br />
tarefa de construir uma fábrica no <strong>Piauí</strong> naqueles tempos ainda mais difícil: o prédio possuía sua<br />
localização no meio <strong>do</strong>s sertões de dentro, a 40 léguas <strong>do</strong> meio de comunicação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o rio<br />
Parnaíba, sen<strong>do</strong> que não existia nenhuma outra fábrica de laticínios em outros lugares <strong>do</strong> Brasil, à<br />
exceção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais.<br />
93 MENDES, op. cit., p. 34-35.<br />
94 Id., Ibid., p. 94-96.<br />
95 Relatório de Abertura da Assembléia Provincial. Presidente da Província Francisco José Viveiros de Castro. 1888.<br />
In: PEREIRA DA COSTA, 1974 apud Id., Ibid., p. 94.<br />
96 Id., Ibid., p. 96.<br />
34
Assim, com to<strong>das</strong> essas dificuldades, a Fábrica de Laticínios foi inaugurada no dia 09<br />
de abril de 1897, na localidade denominada Campos, da fazenda Castelo. Resultante, como já<br />
afirma<strong>do</strong>, de contratos de arrendamento que tinham como objeto principal as Fazen<strong>das</strong><br />
<strong>Nacionais</strong>. O primeiro foi assina<strong>do</strong> com o Governo Monárquico em 26 de abril de 1889 e, de<br />
acor<strong>do</strong> com Sampaio, “ilegalmente rescindi<strong>do</strong>” em 09 de abril de 1891, pelo Governo<br />
Republicano. A rescisão seria motivo de áci<strong>do</strong>s protestos por parte <strong>do</strong> arrendatário que se<br />
considerava injustiça<strong>do</strong> com a medida <strong>do</strong> ministro Araripe 97 , o qual anulara o contrato,<br />
supostamente, em razão <strong>do</strong> não pagamento acorda<strong>do</strong>. Em <strong>do</strong>cumento envia<strong>do</strong> ao presidente da<br />
República, Marechal Floriano Peixoto, Sampaio afirmava que o ministro alcançava a inverdade,<br />
por desconsiderar os pareceres emiti<strong>do</strong>s pelo Tesouro que definiam a obrigatoriedade <strong>do</strong><br />
pagamento <strong>do</strong> aluguel somente após a entrega de to<strong>das</strong> as Fazen<strong>das</strong> e, “por contagem official”,<br />
de to<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> nelas conti<strong>do</strong> 98 . Na realidade, esse parecer acobertava uma política <strong>do</strong> governo<br />
republicano usada para desprestigiar e prejudicar, evidentemente, um homem que era identifica<strong>do</strong><br />
como alia<strong>do</strong> da Monarquia e impulsiona<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s seus projetos no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Para Vilhena,<br />
mesmo não haven<strong>do</strong> “referência direta” <strong>das</strong> relações de Sampaio com a Monarquia, existem<br />
indicações na literatura que apontam para o prestígio que o seu irmão, Joaquim Sampaio, um<br />
padre, gozava diante da família real e da princesa Isabel. E continua:<br />
Essa aproximação <strong>do</strong>s irmãos Sampaio com a monarquia, por conseqüência, pode ter<br />
significa<strong>do</strong> algum estorvo aos <strong>do</strong>is, nos momentos que procederam à implantação da<br />
república. Joaquim Sampaio, por exemplo, não chegou a assumir como deputa<strong>do</strong>, e<br />
Antônio José teve seu contrato de arrendamento <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais rescindi<strong>do</strong><br />
justamente nesse perío<strong>do</strong> de implantação <strong>do</strong> novo regime político. 99<br />
É notório que se viviam momentos de tensão naquele perío<strong>do</strong>. Grupos novos<br />
brigavam pela hegemonia política também no <strong>Piauí</strong> e o controle político-ideológico era teci<strong>do</strong><br />
com a finalidade de identificar e, possivelmente, punir os últimos alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> antigo regime. Mas<br />
com novos governos tão – ou até mais – conserva<strong>do</strong>res que seus predecessores, não demoraria<br />
muito para se configurar um quadro em que as “novas” lideranças seriam as mesmas da década<br />
de 1880 100 . Sampaio chegou mesmo a ser publicamente convida<strong>do</strong> para o ingresso ao Parti<strong>do</strong><br />
Republicano Federal, aceitan<strong>do</strong> o convite em carta ao Jornal “A Democracia”. 101 E, após muitos<br />
97 Tristão de Alencar Araripe era Bacharel em Ciências Jurídicas. Além de ter si<strong>do</strong> presidente <strong>das</strong> Províncias <strong>do</strong> Rio<br />
Grande <strong>do</strong> Sul e Pará durante a Monarquia, exerceu a pasta da Fazenda no governo <strong>do</strong> Marechal Deo<strong>do</strong>ro da<br />
Fonseca. Ver: MINISTROS <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça: Tristão de Alencar Araripe. Brasília. Disponível em:<br />
. Acesso em 28 ago. 2007>.<br />
98 SAMPAIO, op. cit., p. 31.<br />
99 VILHENA, op. cit., p.145-146.<br />
100 QUEIROZ, apud NASCIMENTO, op. cit., p. 459-485.<br />
101 A Democracia – Órgão <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Federal. Anno I, n. 1, 3/4/1890, p. 4. In: VILHENA, op. cit.,<br />
p.146-149.<br />
35
impasses, apenas no ano de 1893, o contrato seria revalida<strong>do</strong>, em 21 de janeiro 102 , transferin<strong>do</strong>-se<br />
os únicos planos <strong>do</strong> Governo para aquela região definitivamente para a alçada <strong>do</strong> Sr. Antônio<br />
José de Sampaio, o qual aguardaria o cumprimento de um acor<strong>do</strong> que, se leva<strong>do</strong> à risca, resultaria<br />
na privatização de to<strong>do</strong> o território de abrangência <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>.<br />
Na formulação de Felipe Mendes, o projeto possuía “... elementos da mais desvairada<br />
utopia”, com uma parcela <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> tão grande a ser privatizada que certamente criaria um<br />
governo paralelo no <strong>Piauí</strong> 103 . Segun<strong>do</strong> o próprio Sampaio, tratava-se de um “rico e vasto<br />
território, que contém cerca de 18.000 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum, 700 cavalares, habitações e o<br />
grande estabelecimento rural ...” 104 . Eram, ao to<strong>do</strong>, 17 fazen<strong>das</strong>, subdividi<strong>das</strong> em 24. Depois de<br />
terem passa<strong>do</strong> pela administração de jesuítas, corte portuguesa e monarquia brasileira, essas terras<br />
ainda representavam o enorme latifúndio deixa<strong>do</strong> por Mafrense e pela Casa da Torre, que, no<br />
<strong>Piauí</strong>, se estendia da foz <strong>do</strong> Canindé até o extremo sul da Província, em um prolongamento que<br />
chegou a corresponder a cerca de 140 léguas 105 .<br />
O contrato de arrendamento previa o pagamento <strong>do</strong> valor de 20 contos de réis<br />
anuais pelo arrendatário durante nove anos, também obriga<strong>do</strong> a efetivar os “melhoramentos”<br />
acerta<strong>do</strong>s, quais sejam: a introdução de tipos especiais de ga<strong>do</strong> para a melhoria <strong>das</strong> raças ali<br />
existentes, a criação de ga<strong>do</strong> lanígero em grande escala e os cuida<strong>do</strong>s que deveriam ser<br />
endereça<strong>do</strong>s ao Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, inclusive com a contratação de<br />
pessoal “idôneo” para orientar a educação <strong>do</strong>s menores. No que se refere à Fábrica de Laticínios,<br />
que nesse momento mais nos interessa, o Contrato apenas determinava as seguintes obrigações a<br />
serem cumpri<strong>das</strong> pelo arrendatário:<br />
(...) c) montar em tempo o machinismo necessario para o fabrico de queijo, manteiga,<br />
leite condensa<strong>do</strong> e outros productos, pelos processos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s; d)<br />
mandar vir da Europa, a expensas suas, pessoal habilita<strong>do</strong> para o preparo <strong>do</strong>s produtos<br />
lacticínios;<br />
Apesar de esclarecer que to<strong>das</strong> as melhorias nas Fazen<strong>das</strong> seriam realiza<strong>das</strong> às<br />
expensas <strong>do</strong> arrendatário, para o Dr. Antônio José de Sampaio os gastos com as Fazen<strong>das</strong> teriam<br />
um retorno não apenas enquanto durasse o perío<strong>do</strong> previsto para o arrendamento, mas pelo fato<br />
de o contrato estabelecer que, no decorrer de sua vigência, o governo seria obriga<strong>do</strong> a vender<br />
tu<strong>do</strong> o que estava arrenda<strong>do</strong> pela quantia de 400 contos de réis 106 . No mais, é importante registrar<br />
que o contrato, além de citar uma espécie de “maquinismo” para a produção de laticínios,<br />
102 SAMPAIO, op. cit., p. 08.<br />
103 MENDES, op. cit., p. 108.<br />
104 SAMPAIO, Antônio José de. Descrição geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. v. 1. Tradução de Maria Cacilda Ribeiro<br />
Gonçalves. [Teresina]: p. 259.<br />
105 NUNES FILHO, op. cit., p. 18.<br />
106 As informações sobre o Contrato estão em: SAMPAIO, op. cit., p. 07-09.<br />
36
determinava que isso fosse feito através de processos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s, com a<br />
participação de pessoas habilita<strong>das</strong> vin<strong>das</strong> da Europa. To<strong>das</strong> essas medi<strong>das</strong> seriam segui<strong>das</strong> por<br />
Sampaio, que além de trazer daquele continente to<strong>das</strong> as máquinas necessárias para o<br />
funcionamento da Fábrica, trouxe pessoas para acompanhar o processo de produção, como o<br />
engenheiro que traçou o projeto arquitetônico <strong>do</strong> imponente prédio que resiste até os dias<br />
atuais 107 .<br />
É um contrato que demonstra, além da evidente política governamental, as intenções<br />
de um “cientista”, forma<strong>do</strong> na Escola Politécnica Federal de Zurique 108 , sobre uma região<br />
explorada ainda de forma rudimentar e desorganizada. Com um plano de racionalização <strong>do</strong><br />
aproveitamento da área, Sampaio ainda se valeria de sua experiência e estu<strong>do</strong>s na Europa para<br />
fundamentar seus intentos em relação às Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. As muitas informações deixa<strong>das</strong><br />
por ele revelam que, não obstante se tratasse de um prédio isola<strong>do</strong> no meio <strong>do</strong> sertão piauiense, a<br />
construção da Fábrica de Laticínios foi fruto da avaliação <strong>das</strong> potencialidades econômicas da<br />
época e <strong>do</strong> espaço. É com um tom efusivo que ele resume suas aspirações profissionais, parte <strong>do</strong><br />
seu projeto de vida:<br />
Nasci<strong>do</strong> no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauhy, que se presta admiravelmente á expansão da indústria<br />
pastoril e ten<strong>do</strong> feito meus estu<strong>do</strong>s na Suissa, onde a criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> e a exploração<br />
<strong>do</strong>s lacticínios constituem a mais poderosa fonte de riqueza publica, nutri a aspiração,<br />
desde os primeiros annos de minha permanência naquele paiz de, ultima<strong>do</strong> o meu<br />
tirocinio acadêmico, volven<strong>do</strong> ao meu Esta<strong>do</strong>, aproveitar a exhuberancia <strong>do</strong>s seus<br />
elementos naturaes para <strong>do</strong>ptal-o de melhoramentos concernentes a esse ramo de<br />
actividade, sob cuja influencia ficaria garantida sua prosperidade.109<br />
A observação desta atividade econômica que vinha dan<strong>do</strong> muitos resulta<strong>do</strong>s<br />
positivos em outros países levaria Sampaio a participar de forma entusiástica <strong>do</strong>s planos de<br />
aproveitamento <strong>das</strong> terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Havia o entendimento de que o <strong>Piauí</strong>, Esta<strong>do</strong><br />
pecuarista por tradição, possuía to<strong>do</strong>s os requisitos necessários para o desenvolvimento desse<br />
tipo de atividade. Mais que isso, Sampaio depositava mesmo a “fé” de que o Esta<strong>do</strong> possuía<br />
melhores condições naturais de desenvolvimento de indústrias no ramo pastoril <strong>do</strong> que qualquer<br />
outro da União. A fábrica, assim, acabava por tornar-se parte de um verdadeiro emaranha<strong>do</strong> de<br />
107 Dr. Alfre<strong>do</strong> Modrach chegou a ser procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> arrendatário <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Doc. nº 07, ver:<br />
SAMPAIO, op. cit., p. 40. No dia 24 de janeiro de 2007, Modrach foi homenagea<strong>do</strong> pelo Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
com o título de Oficial Post Mortem da Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. In: PIAUÍ. Decreto nº 12.485, de<br />
25 de janeiro de 2007. Admite na Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, as personalidades que<br />
menciona. Tersina, 25 jan. 2007.<br />
108 O livro de Sampaio, publica<strong>do</strong> em inglês <strong>do</strong> ano de 1905, informava: “Dr. Antonio José de Sampaio: Engineer<br />
graduate of the Suiss Federal Polytechnical School at Zurich”. In.: A General Description of the State os Piauhy:<br />
on the northern part of Brazil. Its Natural Resources, Pasturates, Climate and Salubrity with especial reference to<br />
the cattle breeding compared with the conditions of the Argentine Republic and Austrália. Rio de Janeiro, 1905.<br />
O pesquisa<strong>do</strong>r Cláudio Bastos afirma que Sampaio era Doutor em Ciências Físicas e Naturais pela mesma<br />
Universidade e patrono da cadeira nº 19 da Academia Piauiense de Letras. In.: BASTOS, op. cit., p. 500.<br />
109 SAMPAIO, op. cit., p. 06.<br />
37
idéias naturalistas e cientificistas <strong>do</strong> século XIX, que reforçava a crença nas possibilidades de<br />
“prosperidade” e desenvolvimento (e atraso), toman<strong>do</strong>-se como referência o meio natural e os<br />
“modernos processos científicos”. 110 Singularmente, na contramão <strong>do</strong> que então era defendi<strong>do</strong><br />
pelos naturalistas pós-seca de 1877, e pelo “discurso regionalista nortista”, que ambicionava<br />
galgar espaço no Esta<strong>do</strong> desenhan<strong>do</strong> um quadro de tragédia <strong>do</strong> “Nordeste”, Sampaio percebia o<br />
sertão como o espaço da beleza e de um imenso potencial de desenvolvimento econômico 111 .<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, não obstante to<strong>do</strong>s os interesses da época, a construção da Fábrica de Laticínios<br />
não pode ser apartada da linha de pensamento positivista, bastante influente na Europa por quase<br />
to<strong>do</strong> o século XIX, defensora da ciência como fonte da mudança, <strong>do</strong> progresso mundial. Daquele<br />
continente, lugar <strong>do</strong> “tirocínio” <strong>do</strong> “Doutor”, traria as idéias que defenderia na Província <strong>do</strong><br />
<strong>Piauí</strong>, representan<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong>r e criatura, “[...] o progresso, a ciência, a indústria [...] a tradução de<br />
uma época, na medida em que confronta<strong>do</strong> com a reação da tradição ante a iminência <strong>do</strong><br />
novo”. 112<br />
À força <strong>do</strong> positivismo científico aliar-se-ia a consolidação <strong>do</strong> poder da burguesia<br />
industrial por vastas regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Neste perío<strong>do</strong>, a indústria de laticínios européia<br />
demonstrava-se propícia, mais <strong>do</strong> que muitos outros ramos da produção, à obtenção de lucros<br />
consideráveis ao capital priva<strong>do</strong> e, conseqüentemente, eleva<strong>das</strong> somas ao erário público. Muitos<br />
consideravam que países como Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, dentre outros,<br />
haviam enriqueci<strong>do</strong> à custa <strong>do</strong> processo de industrialização <strong>do</strong> leite 113 . Não tardaria para que essas<br />
técnicas fossem expandi<strong>das</strong> para outros continentes. Segun<strong>do</strong> Vilhena, a experiência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s mostraria que esse ramo industrial poderia ser transplanta<strong>do</strong> para outros países da<br />
América: os laticínios, no ano de 1900, já rendiam ao país mais de 280 bilhões de dólares. Difícil<br />
não vislumbrar uma fábrica de manteiga e queijo como um elemento bastante representativo<br />
dessa época.<br />
No Brasil, os últimos anos da Monarquia foram caracteriza<strong>do</strong>s pela intensificação da<br />
produção industrial. De cerca de 200 estabelecimentos industriais que existiam no ano de 1881,<br />
há um crescimento em 1888 para mais de 600, sen<strong>do</strong> 15% destes liga<strong>do</strong>s à área de alimentação.<br />
Esse surto industrial é acelera<strong>do</strong> nos primeiros anos da República, com uma política mais<br />
“consciente” para proteger a produção <strong>do</strong> país, conforme Caio Pra<strong>do</strong>. Com isso, há um<br />
acréscimo de 425 fábricas no perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre os anos de 1890 e 1895, haven<strong>do</strong>, a<br />
partir de então, um recrudescimento constante da produção industrial brasileira, intercalada com<br />
110 Para Sampaio o <strong>Piauí</strong> possuía um “ubérrimo território”. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 32.<br />
111 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção <strong>do</strong> Nordeste e outras artes. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006.<br />
p. 58-59.<br />
112 VILHENA, op. cit., p.131.<br />
113 FORTES, 1981 apud Id., Ibid. p. 45.<br />
38
alguns momentos de crise. Da mesma forma, ocorrerá uma participação crescente da indústria de<br />
alimentos ao longo <strong>do</strong> séc. XX, que já em 1920 chegará à marca de 40,2%, com destaque para o<br />
congelamento de carnes. Toda esta “febre industrial”, porém, estava concentrada na Capital<br />
Federal, São Paulo e Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Os demais Esta<strong>do</strong>s teriam uma participação muito<br />
pequena em to<strong>do</strong> esse processo 114 .<br />
Apesar desse quadro favorável de industrialização e <strong>do</strong>s grandes saltos que o setor de<br />
laticínios dava no mun<strong>do</strong>, para<strong>do</strong>xalmente, no Brasil, o processamento de leite ainda seria<br />
bastante incipiente durante a maior parte <strong>do</strong> século XIX. Os relatos <strong>do</strong> rudimentar processo de<br />
feitura e da total falta de higiene demonstram que, praticamente, não existia o produto que<br />
atualmente designamos por manteiga. Capistrano de Abreu informa-nos que “[...] pouco valia a<br />
manteiga, se merece este nome o esquisito produto guarda<strong>do</strong> em botijas, que se aquecia para<br />
extrair o conteú<strong>do</strong>”. 115 Essa constatação é corroborada por vários cronistas <strong>do</strong>s anos 1800 , tais<br />
como Jonh Mawe, que se assustavam diante da grosseira forma de fabricação da manteiga.<br />
Somente nas últimas déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> séc. XIX esse quadro mudaria, com a implantação <strong>do</strong> processo<br />
de pasteurização <strong>do</strong> leite pelo Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais. O <strong>Piauí</strong> seria o sucessor, no qual se<br />
integra a Fábrica de Laticínios <strong>do</strong> sítio Campos, tornan<strong>do</strong> este Esta<strong>do</strong> o segun<strong>do</strong> a possuir tal<br />
modalidade de industrialização <strong>do</strong> leite 116 .<br />
O início <strong>do</strong> funcionamento desta fábrica, mesmo com a especificidade de estar<br />
incrustada no centro <strong>do</strong> sertão piauiense, caracterizar-se-ia pela sintonia com o que havia de mais<br />
avança<strong>do</strong> na indústria mundial de laticínios. Para Sampaio, constituía-se em um empreendimento<br />
à altura <strong>do</strong>s mais modernos conti<strong>do</strong>s em outros países:<br />
Aquele estabelecimento póde em tu<strong>do</strong> rivalisar com os primeiros congeneres <strong>do</strong><br />
estrangeiro, como sejam o de Cham, no cantão de Zug, na Suissa, onde fabrica-se o<br />
leite condensa<strong>do</strong>, vendi<strong>do</strong> em nosso merca<strong>do</strong>; o de Ayles bury Dairy Company, na<br />
Inglaterra; Samenmelkerij van Oostcamp, na Bélgica, etc., e muitos outros que visitei<br />
em paizes europeus. 117<br />
Essa observação também pode ser ilustrada pelas inúmeras histórias que ficaram<br />
guarda<strong>das</strong> na memória da população acerca da epopéia que tornou possível o funcionamento da<br />
Fábrica de Laticínios. As máquinas, trazi<strong>das</strong> da Suíça, teriam vin<strong>do</strong> em carros-de-boi <strong>do</strong> Porto de<br />
Colônia, onde se localizava a Escola de São Pedro de Alcântara, até o sítio Campos, da fazenda<br />
Castelo. Contam-se os milhares de bois que teriam morri<strong>do</strong> nesse trajeto de 240 km, vítimas <strong>do</strong><br />
gigantesco peso <strong>das</strong> máquinas:<br />
114 PRADO JR., op. cit., p. 259-262.<br />
115 ABREU, op. cit,. p. 235.<br />
116 DIAS, João Castanho. 500 anos de leite no Brasil. São Paulo: Calandra Editorial, 2006. p. 91.<br />
117 SAMPAIO, op. cit., p. 26.<br />
39
Para transportar a maquinaria <strong>do</strong> porto de Colônia para Campos, dr. Sampaio construiu<br />
uma estrada carroçável numa extensão de quarenta léguas. O pior era transportar a<br />
caldeira, pesan<strong>do</strong> tonela<strong>das</strong>. O dr. Sampaio trouxe da Europa um carroção de ferro e<br />
engatou em juntas de bois e man<strong>do</strong>u cobrir a estrada com milhares de couros para que<br />
o carroção pudesse deslizar com a caldeira. Sem exagero, só no transporte da caldeira<br />
morreram mais de mil juntas de bois, de espinhaço quebra<strong>do</strong>, golfan<strong>do</strong> sangue. Não<br />
andavam <strong>do</strong>is metros e caíam arrebenta<strong>do</strong>s. 118<br />
Figura 07: Maquinário da<br />
Fábrica de Laticínios. Fonte:<br />
arquivo 19ª SR/IPHAN-PI.<br />
Depreende-se que, a partir desses discursos sobre a Fábrica, ganhou ares de mito a<br />
idéia <strong>do</strong> esforço despendi<strong>do</strong> para a realização dessa empreitada modernizante, no interior <strong>do</strong><br />
sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Um <strong>do</strong>s elementos aponta<strong>do</strong>s pela historiografia para o crescimento industrial <strong>do</strong><br />
Brasil teria si<strong>do</strong> a construção de uma infra-estrutura de transportes, principalmente ferrovias,<br />
inexistentes na região 119 . Isso, entretanto, não impediu que máquinas modernas e pesa<strong>das</strong> fossem<br />
compor a estrutura daquele empreendimento, localiza<strong>do</strong>, como anteriormente afirma<strong>do</strong>, distante<br />
da única via segura de transporte e escoamento de produtos da região - o rio Parnaíba. Na<br />
prática, to<strong>do</strong> esse esforço deveria materializar-se na venda de manteiga e queijo para to<strong>do</strong> o país,<br />
com um padrão de qualidade internacional. Nessa perspectiva, Sampaio descreve seu<br />
empreendimento, <strong>do</strong>is anos após a inauguração, para o Congresso Nacional:<br />
Neste espaçoso edifício, comprehenden<strong>do</strong> 26 compartimentos, acham-se monta<strong>do</strong>s e<br />
installa<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os apparelhos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s, a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s nos paizes mais<br />
adianta<strong>do</strong>s, para a fabricação de manteiga de exportação e preparação de queijo de<br />
diversas qualidades. 120<br />
118 ROCHA, op. cit., p. 118.<br />
119 Sampaio informa que ele abrira uma estrada de quarenta léguas de Floriano a Campos e que construíra uma ponte<br />
de madeira sobre o rio Itaueira, um <strong>do</strong>s afluentes <strong>do</strong> Parnaíba. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 27-28. Mesmo ten<strong>do</strong><br />
feito isso no final <strong>do</strong> século XIX, até hoje não existe estrada asfaltada ligan<strong>do</strong> Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> ao resto <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>, muito menos ferrovias.<br />
120 Id., Ibid., p. 26.<br />
40
Comprovan<strong>do</strong> o que afirmara, Sampaio buscaria atesta<strong>do</strong>s de instituições e autoridades<br />
“científicas” da época. Um <strong>do</strong>cumento apresenta<strong>do</strong> pelo Laboratório Nacional de Anályses, da<br />
cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro, informa que ele requerera uma análise da qualidade da manteiga,<br />
concluin<strong>do</strong> a Instituição que se tratava de: ...cor mui levemente amarellada, de cheiro e sabor<br />
agradáveis e característicos (...) A referida amostra de manteiga não contem nem gordura, nem<br />
matérias corantes estranhas, nem substâncias nocivas; é um produto de muito boa qualidade. 121<br />
A Faculdade de Medicina <strong>do</strong> Rio de Janeiro também foi solicitada e o seu diretor<br />
chegou a afirmar que utilizava a manteiga e a reputava “... da melhor qualidade e uma <strong>das</strong><br />
melhores manteigas nacionaes que vêm ao nosso merca<strong>do</strong>.” 122 .<br />
To<strong>do</strong>s esses “atesta<strong>do</strong>s” demonstram a busca pela “cientificidade” no processo <strong>do</strong><br />
fabrico da manteiga e queijo. Objetivavam atribuir qualidade internacional a uma manteiga, cujo<br />
idealiza<strong>do</strong>r, experiências, máquinas, engenheiros e alguns trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s nessa<br />
empreitada vinham da Europa. Não se tentaria equiparar a qualidade <strong>do</strong> processo ao que já era<br />
produzi<strong>do</strong> em Minas, absolutamente desconsidera<strong>do</strong> enquanto parâmetro, mas sim ao que o<br />
mun<strong>do</strong> “científico” estabelecia como mais “adianta<strong>do</strong>”.<br />
2.9. A MÃO-DE-OBRA DA FÁBRICA<br />
O Contrato previa a instalação de núcleos de colonos estrangeiros no território <strong>das</strong><br />
Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Ao contrário <strong>do</strong> que se poderia imaginar, a vinda desses colonos europeus<br />
não foi ocasionada por um suposto projeto de industrialização <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> a partir da<br />
Fábrica de Laticínios. Esses trabalha<strong>do</strong>res – ao to<strong>do</strong> 40 famílias – foram envia<strong>do</strong>s para o trabalho<br />
na lavoura, sen<strong>do</strong> lota<strong>do</strong>s nas Fazen<strong>das</strong> Pitombeira e Nazaré.<br />
To<strong>do</strong> o processo de transferência <strong>do</strong>s italianos foi custea<strong>do</strong> por recursos da União.<br />
Esta iniciativa estaria entre as primeiras tentativas de introdução de imigrantes no “Norte” <strong>do</strong><br />
País com vistas ao “desenvolvimento” desta região. Todavia, esta imigração, que se desenrolou<br />
alguns anos antes da inauguração da Fábrica, foi fadada ao fracasso. Os italianos rebelaram-se<br />
comanda<strong>do</strong>s pelo pedreiro Costa Carlo, amotinan<strong>do</strong>-se na localidade Pitombeira. Muitos se<br />
revoltaram quan<strong>do</strong> ainda se encontravam abriga<strong>do</strong>s no Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />
Alcântara 123 . Tu<strong>do</strong> agrava<strong>do</strong> por uma epidemia de difteria que matou cerca de quinze crianças<br />
121 Laboratório Nacional de Analyses – Analyse 5.494. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1897. O Diretor Dr. Borges<br />
da Costa. Ver.: Id., Ibid., p. 67.<br />
122 O diretor da Faculdade era o Visconde de Alvarenga. Capital Federal, 08 de janeiro de 1898. Dr Albino Rodrigues<br />
de Alvarenga. In.: SAMPAIO, op. cit., p. 68.<br />
123 Id., Ibid., p. 42-52.<br />
41
italianas, certamente levan<strong>do</strong> ao desespero aqueles que vieram pensan<strong>do</strong> em trabalhar, mas<br />
encontraram pela frente a morte, a <strong>do</strong>r e uma região semi-árida de difícil convivência. No calor<br />
<strong>do</strong>s conflitos que se gestaram com a ação italiana, os mora<strong>do</strong>res da Vila de Colônia – onde ficava<br />
o Estabelecimento Rural – principalmente deputa<strong>do</strong>s, comerciantes e fazendeiros - saíram, em<br />
nota, na defesa de Sampaio, alegan<strong>do</strong> que a “... conducta sediciosa de alguns <strong>do</strong>s colonos” nada<br />
mais era <strong>do</strong> que “... greve, tão comum na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> Brazil.” 124 . Já para o<br />
delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo italiano que acompanhava a formação <strong>do</strong> núcleo, tu<strong>do</strong> ocorrera em função<br />
da inaptidão <strong>do</strong>s colonos para a agricultura e <strong>do</strong> caráter violento <strong>das</strong> famílias 125 .<br />
Justifican<strong>do</strong>-se para o presidente Prudente de Morais em uma carta que pedia<br />
recursos para solucionar problemas acarreta<strong>do</strong>s pela seca na região, Sampaio informa que a União<br />
despendeu cerca de 60 contos de réis “[...] com a introdução desta primeira colonização<br />
estrangeira em terras nacionaes <strong>do</strong> Norte [...]” . Permaneceram na região pouco mais de 50<br />
pessoas, as quais deixaram muitos descendentes que hoje se espalham por alguns municípios da<br />
região central <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, tais como Picos e Ipiranga.<br />
Fig. 08: Trabalha<strong>do</strong>res negros da fábrica.<br />
Nas janelas, possivelmente, italianos.<br />
Fonte: Museu Ozil<strong>do</strong> Albano, Picos-PI<br />
Apesar <strong>do</strong> não direcionamento desses colonos para trabalhos industriais, não<br />
podemos negar a importância que pessoas vin<strong>das</strong> da Europa possuíram para a instalação da<br />
Fábrica. O contrato já previa que o arrendatário era obriga<strong>do</strong> a “mandar vir da Europa, a<br />
expensas suas, pessoal habilita<strong>do</strong> para o preparo <strong>do</strong>s produtos lacticínios” 126 , medida que foi<br />
mantida pelas déca<strong>das</strong> posteriores, como consta no relato <strong>do</strong> seu José Mariano Filho, um ex-<br />
124 Nota assinada pelos mora<strong>do</strong>res da Vila de Colônia. 13/05/1896. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 59-60.<br />
125 Depoimento <strong>do</strong> Dr. Giuseppe Reminolfi. 20/02/1896. Doc. nº 23. Ver: Id., Ibid., p. 52.<br />
126 SAMPAIO, 1892. p. 09.<br />
42
trabalha<strong>do</strong>r da Fábrica: “aqui trabalhava o velho, que foi monta<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong> esse maquinário,<br />
chamava-se João Monte Santo, era um italiano velho de 82 anos, quan<strong>do</strong> ele chegou aqui.” 127 .<br />
Mesmo utilizan<strong>do</strong>-se destes técnicos estrangeiros, foi fundamental a participação <strong>das</strong><br />
pessoas da região em to<strong>do</strong> este projeto. O engenheiro era alemão, mas aqueles que trabalharam<br />
na construção <strong>das</strong> paredes, telhas e janelas <strong>do</strong> prédio eram brasileiros. Seu José Belém de Sousa,<br />
que também foi operário da Fábrica, desempenhan<strong>do</strong> a função de foguista no local <strong>do</strong> seu avô,<br />
informa que além de ter comanda<strong>do</strong> a caldeira, o pai <strong>do</strong> seu genitor aju<strong>do</strong>u a cavar os alicerces<br />
para a fundação da Fábrica 128 . O mesmo é afirma<strong>do</strong> pelo Seu Minga, mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> quilombo<br />
Volta, <strong>do</strong> município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, lembran<strong>do</strong> que o seu pai – um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res<br />
daquela comunidade - trabalhou como operário da construção civil naquele empreendimento.<br />
Fig. 09: Trabalha<strong>do</strong>res negros na<br />
fábrica. Fonte: Arquivo da 19ª<br />
SR/IPHAN-PI.<br />
Passan<strong>do</strong> aos i<strong>do</strong>s de 30 e 40, as pessoas que trabalharam como operários da fábrica<br />
também eram <strong>das</strong> “re<strong>do</strong>ndezas”. Seu José Mariano diz que, à exceção <strong>do</strong> italiano referi<strong>do</strong>, “...<br />
eram tu<strong>do</strong> gente daqui.”, homens, mas também mulheres que atuavam no setor de<br />
enlatamento 129 . As fotos da Fábrica em funcionamento também demonstram que seus operários<br />
provinham da região <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. É interessante perceber nesse material iconográfico<br />
a participação <strong>do</strong>s negros, ex-escravos ou seus descendentes que o Projeto tentava englobar ou<br />
na produção direta <strong>do</strong>s laticínios ou no fornecimento <strong>do</strong> leite – aqui mais uma convergência com<br />
o Projeto da Escola Rural. Enquanto funcionou como fábrica de laticínios, as fazen<strong>das</strong><br />
particulares e comunidades aquilomba<strong>das</strong> que se formaram na região teriam a oportunidade de<br />
comercializar o leite para o empreendimento, geran<strong>do</strong> renda para os que viviam naquele sertão.<br />
127 Entrevista com o sr. José Mariano Filho, em 17/10/2006 . Lamentavelmente, este senhor, que participou <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>cumentário “A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>: uma histórica contada por seus<br />
trabalha<strong>do</strong>res”, faleceu recentemente.<br />
128 Entrevista com o sr. José Belém de Sousa, em 17/10/2006.<br />
129 Entrevista com o sr. José Mariano Filho, em 17/10/2006.<br />
43
Isso é ilustra<strong>do</strong> pela fala <strong>do</strong> seu Euclides, o qual afirma que, assim como muita “gente pobre”<br />
daquela região, vendia leite para a Fábrica 130 .<br />
Em mea<strong>do</strong>s da década de 40 <strong>do</strong> século XX, a Fábrica, definitivamente, parou de<br />
funcionar na produção <strong>do</strong>s deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> leite. Após ter si<strong>do</strong> restaurada no governo de Landry<br />
Sales, nos anos 30, “funcionou algum tempo, fornecen<strong>do</strong> manteiga boa, rica e saborosa.” 131 . Mas<br />
isso duraria cerca de dez anos. Após esse perío<strong>do</strong> o prédio assumiu diversas funções: igreja,<br />
escola, centro recreativo, dentre outras atividades. Algumas salas <strong>do</strong> prédio foram usa<strong>das</strong> na<br />
produção de farinha; e outras, mais recentemente, como marcenaria.<br />
Retornan<strong>do</strong> às duas primeiras déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XX – com os outros arrendatários<br />
que assumiram o contrato de arrendamento <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, tais como Gervásio<br />
Sampaio Pires Ferreira e Ângelo Acilino de Miranda (este até 1922) – a edificação serviu para<br />
abrigar atividades de cunho extrativista, sobretu<strong>do</strong>, no início <strong>do</strong> século, o trabalho com a<br />
maniçoba para a produção de borracha. A partir de então, ocorre a falência, contornada apenas<br />
durante parte <strong>do</strong>s anos 30 e 40 132 .<br />
De tu<strong>do</strong> isso, o que ficou guarda<strong>do</strong> na mentalidade da população <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />
foi a imagem muito bem sintetizada pelo músico Possidônio Queiroz, no ano de 1972:<br />
Agora a fábrica se fechou para sempre. Resta aos velhos habitantes da região apenas a<br />
lembrança <strong>do</strong>s áureos tempos, em que havia ali muito ga<strong>do</strong>, muito trabalho, dan<strong>do</strong> a<br />
to<strong>do</strong>s a feliz sensação de paz e progresso. Hoje, quem passa por Campos, atualmente<br />
Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, tem a ver apenas o melancólico espetáculo <strong>do</strong> imponente prédio,<br />
cuja majestosa chaminé aponta, em segre<strong>do</strong> ou silenciosamente para o céu, como sinal<br />
de protesto, como grito solene contra a ação depredatória que destruiu, transforman<strong>do</strong><br />
numa ruinaria a opulenta fábrica que foi uma <strong>das</strong> mais importantes da América <strong>do</strong><br />
Sul. 133 .<br />
2.10. A CIDADE DE CAMPINAS<br />
Como afirmou o poeta, Campos – a localidade onde foi erguida a Fábrica – hoje é<br />
Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. A cidade surgiu a partir da fábrica, <strong>das</strong> atividades que eram desenvolvi<strong>das</strong><br />
naquele prédio, e <strong>das</strong> famílias <strong>do</strong>s operários e operárias que por lá passaram. Filhos, netos e<br />
130 Entrevista com o sr. Euclides Ribeiro de Sousa, em 18/10/2006.<br />
131 Nota rabiscada por Possidônio Queiroz em 16 de junho de 1972, a pedi<strong>do</strong> de Senhora Dona Júlia de Carvalho<br />
Nunes. In: FABULOSA fábrica de manteiga <strong>do</strong> Dr. Sampaio, A. O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 2: o mais charmoso <strong>do</strong><br />
Brasil. São Paulo, abr. 2004.<br />
132 BASTOS, Cláudio de Albuquerque. Dicionário Histórico e Geográfico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina, Fundação<br />
Cultural Mons. Chaves. 1994. p. 214. VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de Ícaro: tensões e drama<br />
de um industrial no sertão. Teresina, 2006. p. 157-159.<br />
133 Nota rabiscada por Possidônio Queiroz em 16 de junho de 1972, a pedi<strong>do</strong> de Senhora Dona Júlia de Carvalho<br />
Nunes. In: FABULOSA fábrica de manteiga <strong>do</strong> Dr. Sampaio, A. O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 2: o mais charmoso <strong>do</strong><br />
Brasil. São Paulo, abr. 2004.<br />
44
isnetos daquelas pessoas continuam viven<strong>do</strong> naquela pequena cidade, a rememorar viva e<br />
sau<strong>do</strong>samente os capítulos da epopéia que deu origem àquele empreendimento no sertão. Falam<br />
com propriedade, e com muita intimidade, <strong>das</strong> aventuras <strong>do</strong> “bon<strong>do</strong>so” Doutor Sampaio e <strong>das</strong><br />
“malvadezas” <strong>do</strong> Coronel Ângelo Acilino, que mandava “tocar fogo” nas casas <strong>do</strong>s negros e que,<br />
por isso, quan<strong>do</strong> morreu, virou cobra de asa, ten<strong>do</strong> sua sepultura que ser encarcerada com grades<br />
de ferro, e benzida pelo padre, no cemitério da vizinha cidade de Simplício Mendes. É um povo<br />
que olha para o prédio como a grande referência de suas vi<strong>das</strong>, e clama aos governos para que<br />
tomem providências no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu restauro e viabilização de novas atividades. O prédio já é<br />
tomba<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> 134 e já há algum tempo a população almeja o mesmo reconhecimento em<br />
nível federal.<br />
Campos, no ano de inauguração da Fábrica, era um pequeno povoa<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> por<br />
“casas de administração e residência de emprega<strong>do</strong>s” construí<strong>das</strong> pelo Projeto, pertencente à<br />
cidade de Oeiras. Dali sairia a vila e posterior cidade de Simplício Mendes, da qual Campinas <strong>do</strong><br />
<strong>Piauí</strong> desmembrar-se-ia no ano de 1963. Nesse perío<strong>do</strong> a cidade, distante 411 km de Teresina,<br />
circundada pela caatinga, tem vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong> extrativismo da cera de carnaúba, da agricultura de<br />
subsistência e da pecuária em pequena escala 135 .<br />
Atualmente, a cidade, de acor<strong>do</strong> com o censo de 2007, possui 5.782 habitantes 136 . São<br />
poucas residências, com uma pequena prefeitura que fica logo ao la<strong>do</strong> da antiga fábrica. Esta,<br />
“majestosamente”, mantém-se como principal e único prédio da cidade. No meio <strong>do</strong> semi-ári<strong>do</strong>,<br />
Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> segue com uma pequena feira semanal às segun<strong>das</strong>, sem bancos, sem hotéis e<br />
sem estrada asfaltada ligan<strong>do</strong>-a aos demais municípios. A aventura pelo progresso teve o seu<br />
termo. Talvez por isso haja tanta nostalgia em torno de tu<strong>do</strong> o que representa a grande Fábrica.<br />
134 BRASIL. Decreto nº 7.294, de 26 de jan. 1988. Dispõe sobre o tombamento <strong>do</strong> prédio ‘Fábrica de Laticínios de<br />
Campinas’ na cidade de Campinas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa <strong>do</strong><br />
Brasil, Poder Executivo, Teresina, 02 fev. 1988.<br />
135 BASTOS, op. cit., p. 101.<br />
136 Informação extraída de: . Acesso em: 08 nov. 2007.<br />
45
3. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />
3.1. INTRODUÇÃO<br />
A importância <strong>das</strong> edificações em questão para a formação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> pode ser analisada<br />
sob <strong>do</strong>is pontos de vista: da perspectiva histórica, em virtude <strong>do</strong> momento em que foram cria<strong>das</strong>,<br />
como também por terem da<strong>do</strong> origem às cidades de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e de Floriano; e em<br />
relação a sua arquitetura, pois se constituem em edificações emblemáticas <strong>do</strong> patrimônio<br />
edifica<strong>do</strong> no Brasil entre o final <strong>do</strong> século XIX e começo <strong>do</strong> XX.<br />
Uma vez que, concernente à dimensão histórica, a relevância <strong>do</strong> Estabelecimento Rural<br />
de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> já foi<br />
apresentada, cabe agora tecer algumas considerações referentes ao aspecto arquitetônico <strong>das</strong><br />
cita<strong>das</strong> edificações. Para tanto, inicialmente será apresenta<strong>do</strong> o cenário arquitetônico mundial e<br />
brasileiro, buscan<strong>do</strong> enfocar o contexto <strong>do</strong> Nordeste brasileiro, no que tange aos referenciais<br />
estéticos pre<strong>do</strong>minantes, estilos arquitetônicos vigentes, técnicas e materiais de construção<br />
emprega<strong>do</strong>s. Em seguida, faz-se a mesma reflexão em relação ao <strong>Piauí</strong>, tratan<strong>do</strong> de como os<br />
padrões arquitetônicos vigentes foram incorpora<strong>do</strong>s ou adapta<strong>do</strong>s à realidade piauiense. Na<br />
terceira parte, se fazem as análises arquitetônicas <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />
Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, enumeran<strong>do</strong> suas<br />
características estilísticas, as similaridades e diferenças entre elas. Finalizan<strong>do</strong>, se discrimina as<br />
restrições advin<strong>das</strong> <strong>do</strong> tombamento que garantam a salvaguarda <strong>do</strong> bem, bem como se apresenta<br />
a definição <strong>do</strong> perímetro de entorno <strong>do</strong> bem cultural.<br />
3.2. MATERIAIS, TÉCNICAS, PADRÕES ESTILÍSTICOS DO SÉCULO XIX<br />
No campo da arquitetura, <strong>do</strong>is pontos marcam o século XIX: as inovações tecnológicas<br />
e os revivalismos arquitetônicos, que foram vivencia<strong>do</strong>s de formas e intensidades distintas pelos<br />
países ocidentais.<br />
Em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX, enquanto na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s houve um<br />
incremento tecnológico no que se referem às técnicas construtivas, no Brasil os padrões de<br />
construção ainda estavam basea<strong>do</strong>s mais na prática cotidiana <strong>do</strong> que na ciência. Reis Filho (2004)<br />
considera que na primeira metade <strong>do</strong> século XIX a arquitetura praticada era a mera continuação<br />
<strong>das</strong> soluções e modelos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial. As inovações tecnológicas no Brasil, como por<br />
46
exemplo o uso de tijolos, telha de Marselha, madeira serrada, presença de mão-de-obra<br />
especializada, só viriam a advir com o fim da escravidão e com a chegada de imigrantes europeus,<br />
no fim <strong>do</strong> século XIX. Contu<strong>do</strong>, não aconteceram igualmente por to<strong>do</strong> o país: surgiram<br />
inicialmente de forma mais intensa no sul e sudeste brasileiros e nas capitais litorâneas, chegan<strong>do</strong><br />
apenas no início <strong>do</strong> século XX ao interior <strong>do</strong> Norte e Nordeste brasileiros.<br />
Em relação ao estilo arquitetônico, o século XIX foi marca<strong>do</strong> no Brasil e no mun<strong>do</strong><br />
pelo revivalismo, com o uso de formas, elementos e soluções arquitetônicas de estilos <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong>, com destaque para o neoclássico. Em 1814, a vinda da Missão Artística Francesa para o<br />
Brasil, composta por arquitetos, escultores e pintores, durante a estadia da família real portuguesa<br />
no país, trouxe a influência da arte francesa. Subseqüentemente à chegada desse grupo de artistas,<br />
houve a instalação da Academia Imperial de Belas Artes, com o ensino regular de arquitetura.<br />
Esse fator foi fundamental para o estabelecimento de uma arquitetura oficial no Brasil – a<br />
neoclássica, que passou a ser empregada nos edifícios institucionais – e que aos poucos foi sen<strong>do</strong><br />
apropriada pela população em geral.<br />
Inicialmente, implantada como o estilo arquitetônico <strong>das</strong> edificações oficiais - casas de<br />
câmara e cadeia, teatros, escolas e edifícios institucionais - o neoclássico foi sen<strong>do</strong> difundi<strong>do</strong> nas<br />
cidades e no interior brasileiro. Sua difusão decorria <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong>s fazendeiros e homens de<br />
negócio em reproduzir, nas suas propriedades, o padrão estético com o qual haviam trava<strong>do</strong><br />
conhecimento ao viajar para a Europa e para outros centros urbanos litorâneos brasileiros mais<br />
desenvolvi<strong>do</strong>s, como Rio de Janeiro, Salva<strong>do</strong>r e Recife. O desejo era o de exteriorizar a ligação<br />
com o poder existente, estabelecen<strong>do</strong> relação com os modelos europeus, em detrimento da<br />
paisagem brasileira (REIS FILHO, 2004). Contu<strong>do</strong>, a produção da arquitetura neoclássica no<br />
Brasil dependia de mão-de-obra, equipamentos e materiais importa<strong>do</strong>s da Europa. A a<strong>do</strong>ção<br />
integral ao estilo foi, então, restrita ao poder oficial e aos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> litoral brasileiro com<br />
condições financeiras para patrocinar sua construção. No restante <strong>do</strong> território brasileiro, a<br />
escassa oferta de materiais, a falta de disponibilidade de mão-de-obra com técnicas apura<strong>das</strong> e a<br />
ausência de profissionais que elaborassem os projetos, culminavam numa arquitetura bastante<br />
simplificada, que fazia uso <strong>do</strong> repertório neoclássico, porém adaptan<strong>do</strong>-o às condicionantes<br />
locais. Com relação à mão de obra, mesmo com a abolição da escravatura e a instalação da<br />
República, o processo de qualificação técnica de quem construía não melhoraria tão rapidamente<br />
(REIS FILHO, 2004).<br />
Consideran<strong>do</strong> essa heterogeneidade da realidade nacional, Reis Filho (2004) aponta que<br />
no Brasil existiram <strong>do</strong>is tipos de arquitetura neoclássica: um pratica<strong>do</strong> nos grandes centros<br />
urbanos, localiza<strong>do</strong>s no litoral, que tinham amplo contato com a Europa; e outro realiza<strong>do</strong> no<br />
47
interior <strong>do</strong> Brasil, em que as influências européias chegavam de forma indireta. No primeiro caso,<br />
o que se observou foi uma arquitetura complexa, com materiais importa<strong>do</strong>s, cujo aspecto técnico<br />
e formal integrava-se aos padrões internacionais da época. Já no outro contexto, observou-se<br />
uma imitação bem simplista da arte e da arquitetura, com adaptações de forma superficial <strong>do</strong>s<br />
padrões formais e estilísticos europeus, consistin<strong>do</strong> em aplicações com função meramente<br />
decorativa e/ou estética. Foi nesse quadro, comum à maior parte <strong>do</strong> território brasileiro - sem<br />
materiais provenientes da Europa, equipamentos, arquitetos e mão-de-obra especializada - que o<br />
neoclássico foi amplamente difundi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o estilo pre<strong>do</strong>minante até o final <strong>do</strong> século XIX.<br />
Weimer (2005) ressalta a influência da arquitetura erudita na popular, pois esta, ao procurar seguir<br />
os padrões de grandes obras da arquitetura, criava versões simplifica<strong>das</strong> destas, resultan<strong>do</strong> no<br />
emprego dissemina<strong>do</strong> de decorativismos com motivos florais, formalismos de estilo barroco e<br />
pilastras classiciza<strong>das</strong>.<br />
De mo<strong>do</strong> geral, se pode apontar como principais características da arquitetura<br />
neoclássica no Brasil: clareza no méto<strong>do</strong> construtivo, uso de formas simples, presença de cornijas<br />
e platiban<strong>das</strong>, edificação marcada por pilastras, com aberturas frequentemente em arco pleno e<br />
bandeiras decora<strong>das</strong> (REIS FILHO, 2004; COSTA, 2005). Porém, como foi aponta<strong>do</strong>, muitas<br />
vezes os elementos neoclássicos eram aplica<strong>do</strong>s de forma superficial, restringin<strong>do</strong>-se a enfeites de<br />
gesso e papéis decorativos importa<strong>do</strong>s, aplica<strong>do</strong>s sobre paredes construí<strong>das</strong>, ainda segun<strong>do</strong> os<br />
méto<strong>do</strong>s tradicionais por escravos.<br />
A realidade piauiense era a mesma da maior parte <strong>do</strong> Brasil – as mudanças chegavam<br />
lentamente e com as restrições impostas pelo meio. Assim, no <strong>Piauí</strong>, ao final <strong>do</strong> século XIX, as<br />
técnicas e materiais construtivos em vigor eram aqueles tradicionalmente usa<strong>do</strong>s nas construções<br />
coloniais, com o emprego da mão-de-obra <strong>do</strong>s escravos recém-libertos. As alterações ficavam por<br />
conta da a<strong>do</strong>ção de elementos neoclássicos, que eram apropria<strong>do</strong>s e reproduzi<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com<br />
as particularidades de cada região.<br />
A maior contribuição <strong>do</strong> neoclássico foi a mudança provocada no plano formal, pois o<br />
estilo não chegou a promover um maior aperfeiçoamento técnico da construção no Brasil ou<br />
contribuiu para uma nova disposição <strong>do</strong>s ambientes internos, o que veio a ocorrer apenas com o<br />
ecletismo, surgi<strong>do</strong> durante a segunda metade <strong>do</strong> século XIX (REIS FILHO, 2004).<br />
O estilo eclético começou a se impor no Rio de Janeiro no final <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong>,<br />
com o advento da República, procurou-se deixar pra trás o perío<strong>do</strong> colonial e marcar o início de<br />
um novo momento histórico. Havia o interesse <strong>do</strong> governo em mostrar que o Brasil era um novo<br />
país e um <strong>do</strong>s instrumentos foi o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong>s padrões formais neoclássicos e o advento <strong>do</strong><br />
48
ecletismo, marca<strong>do</strong> pela influência de diversas correntes estilísticas na mesma edificação, pela<br />
adaptação aos novos materiais e à incorporação de técnicas (COLIN, 2007).<br />
Pereira (2005) aponta que a arquitetura <strong>do</strong> século XIX compõe um quadro bastante<br />
complexo, que vai além da existência concomitante de várias linguagens formais, seja <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />
como o barroco e o rococó, sejam releituras feitas à época, como o neoclassiciscmo, o ecletismo<br />
e o art nouveau. Nesse perío<strong>do</strong>, coexistiram: as formas e técnicas coloniais; a apropriação de<br />
materiais importa<strong>do</strong>s nas obras; outros programas e funções nas edificações; as mudanças na<br />
prática construtiva advin<strong>das</strong> com a criação de escolas de arquitetura e de engenharia. Os estilos<br />
eram ti<strong>do</strong>s como modelos a serem segui<strong>do</strong>s.<br />
Entre o final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX, no campo da arquitetura, cabe <strong>das</strong>tacar<br />
ainda, a arquitetura industrial. Diversas edificações que integram o acervo patrimonial fabril<br />
brasileiro são exemplos da transição pela qual se passava entre os 1800 e 1900, caracteriza<strong>do</strong>:<br />
pela transposição de estilos e de materiais [...], pela sua escala, pelo cuida<strong>do</strong> na<br />
composição, pela introdução e consolidação de varia<strong>do</strong>s tipos arquitetônicos e pelo uso<br />
de novas técnicas e materiais construtivos, [...] na disseminação da alvenaria de tijolo e<br />
de outros materiais industrializa<strong>do</strong>s, tal como o ferro, sen<strong>do</strong> exemplos de racionalização<br />
que auxiliaram no estabelecimento de uma renovada práxis construtiva (KUHL, 2006,<br />
p. 02).<br />
A Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003) define como patrimônio industrial “os<br />
vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou<br />
científico”. Estes vestígios compreendem não só os edifícios e máquinas, como os meios de<br />
transporte utiliza<strong>do</strong>s e locais como habitações, igrejas ou escolas, que davam suporte à atividade<br />
industrial.<br />
No século XIX, as transformações pelas quais passava a sociedade, principalmente a<br />
industrialização e o fim <strong>do</strong> trabalho escravo são refleti<strong>do</strong>s na arquitetura. Esse rebatimento será<br />
representa<strong>do</strong> pela inovação tecnológica, tanto em relação às técnicas e materiais como pela<br />
construção de edificações com fins industriais; pela mescla de estilos arquitetônicos; e pela<br />
necessidade de romper com os padrões estéticos até então vigentes. Em síntese, observa-se o<br />
aban<strong>do</strong>no de um modelo e a procura por outro que seja adequa<strong>do</strong> à nova realidade social.<br />
3.3. ARQUITETURA NO PIAUÍ<br />
Figueire<strong>do</strong> (2006) coloca que, assim como chegaram em outros recantos <strong>do</strong> país,<br />
diversas inovações <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX tiveram repercussão também no <strong>Piauí</strong>.<br />
Essas influências tinham maior ou menor intensidade, dependen<strong>do</strong> da possibilidade de chegada<br />
49
dessas novidades ao local, por meio <strong>do</strong> trem, <strong>das</strong> estra<strong>das</strong> de terra, da navegação fluvial ou<br />
marítima.<br />
No semi-ári<strong>do</strong> piauiense foram as pastagens e os veios d´água que condicionaram as<br />
fixações <strong>do</strong> vaqueiro (SILVA FILHO, 2007). A ocupação, que até então tinha ocorri<strong>do</strong> de forma<br />
espontânea, no século XVIII passou a ser uma estratégia da Coroa Portuguesa para consolidar<br />
seu <strong>do</strong>mínio. Contu<strong>do</strong>, uma vez que a principal atividade econômica – a criação de ga<strong>do</strong> – estava<br />
intimamente ligada ao meio rural, a transposição <strong>das</strong> habitações <strong>do</strong> campo para a vila não<br />
aconteceu imediatamente, apesar <strong>do</strong>s incentivos ofereci<strong>do</strong>s pelo Governo Imperial. Esse quadro<br />
persistiu enquanto as fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> prosperavam, até o último quartel <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong><br />
a pecuária entra em declínio e as cidades passam a ocupar papel central na esfera econômica.<br />
Até o século XVIII no <strong>Piauí</strong>, assim como em grande parte <strong>do</strong> sertão nordestino, que era<br />
desbrava<strong>do</strong> pelo vaqueiro, as casas eram ergui<strong>das</strong> de forma não uniforme, à margem <strong>do</strong>s rios,<br />
sem quadras ou arruamentos alinha<strong>do</strong>s previamente projeta<strong>do</strong>s, seguin<strong>do</strong> as inclinações <strong>do</strong> relevo<br />
e elementos naturais e as necessidades locais de movimento <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> (SILVA FILHO, 2007c).<br />
Por volta de 1850, com o fim da escravatura e com o início da navegação a vapor, que<br />
possibilitou a chegada de materiais industrializa<strong>do</strong>s, iniciou-se uma mudança nos padrões<br />
construtivos nas cidades piauienses. As construções de a<strong>do</strong>be dão lugar àquelas ergui<strong>das</strong> em tijolo<br />
queima<strong>do</strong>, assim como se prolifera o uso de gradis de ferro, vidro, madeira serrada e telha<br />
prensada. Em relação ao estilo, como coloca Silva Filho (2007b), o neoclássico passou a ser mais<br />
freqüente, seguin<strong>do</strong> a tendência a<strong>do</strong>tada pelo Império para romper com o passa<strong>do</strong> colonial e<br />
marcar a diferença estilística entre o meio rural e o urbano, sen<strong>do</strong> percebi<strong>do</strong> no enquadramento<br />
<strong>do</strong>s vãos e nos revestimentos que imitavam mármore. Contu<strong>do</strong>, observa-se na maioria <strong>das</strong><br />
edificações, a forma simplificada, cuja simetria está ligada à caixa estrutural da construção, que<br />
seguia o padrão lusitano. Era rara a presença de projetistas, sen<strong>do</strong> os projetos elabora<strong>do</strong>s e<br />
executa<strong>do</strong>s pelos proprietários ou mestre de obras.<br />
No século XIX, os proprietários passaram a residir nas fazen<strong>das</strong> de sua propriedade ou<br />
em cidades próximas a elas. Sua presença nas fazen<strong>das</strong> impingiu a necessidade de adequação da<br />
estrutura existente ou na construção de novas edificações para abrigar o fazendeiro e sua família.<br />
Isto provocou a mudança na arquitetura rural <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: no lugar <strong>das</strong> toscas casas de taipa e palha,<br />
começam a ser ergui<strong>das</strong> casas com maior apuro na técnica e na estética (SILVA FILHO, 2007a).<br />
Tratan<strong>do</strong> especificamente <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, Silva Filho (2007a, p. 42) informa<br />
que "<strong>das</strong> descrições e mapeamentos conheci<strong>do</strong>s, pouco se apura de arquitetura levantada nessas<br />
terras durante o perío<strong>do</strong> de colonização. A falta de da<strong>do</strong>s não deixa de ser um indício da reduzida<br />
expressão <strong>das</strong> moradias, habita<strong>das</strong> então de umas poucas almas". Em um contexto onde a<br />
50
economia girava em torno <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, o proprietário <strong>das</strong> terras não morava no local; a casa, assim,<br />
era o bem de menor valor, geralmente arranjos improvisa<strong>do</strong>s para o vaqueiro. O proprietário<br />
preferia investir em terras e rebanhos - a casa era um produto caro e por isso, muitas não<br />
passavam de um suporte precariamente estrutura<strong>do</strong>, de forma provisória: "antigamente, nas<br />
fazen<strong>das</strong> de criar <strong>do</strong> Nordeste, levantava-se primeiramente uma casa rústica de paredes de taipa e<br />
cobertura de duas águas. Para esse mister preferiam-se as palmas da carnaubeira" (GOULART,<br />
1985 apud SILVA FILHO, 2007a, p. 42).<br />
Fig. 10: Mapa <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> com indicação <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Fonte: 19ª SR/IPHAN, 2008.<br />
Citan<strong>do</strong> o Mappa Estatístico <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> em 1854, Silva Filho (2007a) informa<br />
que quase metade <strong>das</strong> residências nas inspeções de Nazareth e Piauhy tinham cobertura de palha.<br />
Na relação da Tesouraria da Fazenda de 1847 são lista<strong>das</strong> 23 fazen<strong>das</strong> pertencentes às cita<strong>das</strong><br />
inspeções, localiza<strong>das</strong> nos arre<strong>do</strong>res de Oeiras, sen<strong>do</strong> 15 cobertas de telhas e 11 com palha.<br />
Assim, acredita-se que a paisagem construída na região <strong>das</strong> atuais cidades de Floriano e<br />
Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> era composta por casas de vaqueiros, que seguiam o padrão construtivo <strong>do</strong><br />
sertão piauiense – paredes em taipa e/ou a<strong>do</strong>be, com uso da carnaúba e pau d´arco – e tão<br />
esparsas que não chegavam a formar um conjunto. Barreto (1938) refere-se ao depoimento <strong>do</strong> Sr.<br />
Isaias Pereira, administra<strong>do</strong>r <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, que promoveu a reforma de alguns prédios.<br />
Este último descreve as construções ergui<strong>das</strong> na região como: edificações erigi<strong>das</strong> em<br />
taipa, com troncos de carnaúba, preenchi<strong>das</strong> com pedra e barro, cobertura em madeira de<br />
carnaúba e telha vã, piso de terra batida, portas em pau d´arco, pé direito alto, paredes em meia<br />
altura, avaranda<strong>do</strong>s largos e baixos.<br />
51
A partir dessas considerações, infere-se que as construções da Escola Rural São Pedro<br />
de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> configuravam-se, na<br />
realidade, como as primeiras edificações de grande porte da região. Além <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />
empreendimentos se assemelharem em relação à motivação de sua criação, apresentam também<br />
pontos comuns nos seus projetos arquitetônicos. As edificações, por terem si<strong>do</strong> construí<strong>das</strong> na<br />
mesma época – final <strong>do</strong> século XIX, com incentivo <strong>do</strong> governo, apresentam a feição geral de<br />
prédios oficiais, que no perío<strong>do</strong> imperial significava a presença de características neoclássicas. As<br />
duas representam um momento de revivalismo e de transição entre a arquitetura tradicional,<br />
representada por uso de materiais e técnicas da época colonial, com a necessidade de inovação e<br />
<strong>do</strong> emprego de um estilo que enfatize o novo momento histórico. A busca da monumentalidade,<br />
através da simetria especular, influência da arquitetura erudita, como coloca Weimer (2005),<br />
também é marcante nos <strong>do</strong>is prédios, bem como a robustez <strong>das</strong> edificações, a simplicidade<br />
construtiva e a adaptação <strong>do</strong> estilo neoclássico às condições locais. Como característica peculiar<br />
da região, percebe-se o emprego <strong>do</strong>s troncos da carnaúba como estrutura de sustentação da<br />
cobertura.<br />
3.4. ESTUDO ARQUITETÔNICO<br />
3.4.1 ESTUDO SOBRE A ESCOLA RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />
A área da Inspeção de Nazaré, onde foi construída a Escola Rural São Pedro de<br />
Alcântara, era um <strong>do</strong>s departamentos em que foram dividi<strong>das</strong> as Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
Possuía como patrimônio em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX três casas, currais e um rebanho de ga<strong>do</strong><br />
bovino com 10.000 cabeças, distribuí<strong>do</strong>s em uma área de 15.000km 2 , com boas terras e<br />
pastagens.<br />
A construção da edificação decorreu diretamente da necessidade de uma escola para<br />
educação <strong>do</strong>s jovens escravos, libertos pela Lei <strong>do</strong> Ventre Livre em 1871. Assim, a pedra<br />
fundamental da Escola Rural de São Pedro de Alcântara foi lançada em 1874 e a construção<br />
finalizada em 1877. Durante alguns anos não eram autoriza<strong>das</strong> construções particulares nas<br />
imediações da edificação, o que veio a ocorrer apenas a partir de 1884, quan<strong>do</strong> passaram a ser até<br />
incentiva<strong>das</strong> pelos administra<strong>do</strong>res (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANO, 2007).<br />
Nessa época, os lugares povoa<strong>do</strong>s eram o arraial de João Chico, a área <strong>do</strong> estabelecimento e entorno<br />
da Igreja de São Pedro de Alcântara, destruída em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX. Ficou conhecida como<br />
52
Colônia Agrícola, ten<strong>do</strong> a cidade se desenvolvi<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> estabelecimento, em duas déca<strong>das</strong>.<br />
Com o crescimento <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> e aumento da população, foi eleva<strong>do</strong> e nomea<strong>do</strong> como Vila da<br />
Colônia, e, em 1897, passou a ser cidade com a denominação de Floriano (NUNES FILHO,<br />
2005).<br />
Fig. 11: Vista externa <strong>do</strong><br />
Estabelecimento Rural São Pedro de<br />
Alcântara.<br />
Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
A principal diretriz para a construção da edificação é de que ela fosse erguida o mais<br />
depressa possível, sen<strong>do</strong> posta pronta para funcionamento. As salas de aula e o alojamento para<br />
os internos eram separa<strong>do</strong>s em alas, uma masculina e outra feminina. Dois importantes<br />
<strong>do</strong>cumentos referentes à Escola são a descrição feita, em 1875, pelo mestre de obras Raimun<strong>do</strong><br />
Torres Costa, responsável pela construção de acor<strong>do</strong> com a planta 137 , elaborada pelo engenheiro<br />
agrônomo Francisco Parente. A partir <strong>do</strong> desenho <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> projeto, que morreu antes de vê-<br />
lo concluí<strong>do</strong>, o mestre lhe relatava o andamento da obra:<br />
[...] O prédio mede de cumprimento na frente 150 palmos, sob 240 de fun<strong>do</strong>: achan<strong>do</strong>se<br />
com to<strong>do</strong>s os alicerces, construí<strong>do</strong>s de pedra e cal na altura de 3 a 7 palmos<br />
conforme o declive <strong>do</strong> terreno, 80 palmos de cada la<strong>do</strong> <strong>das</strong> meias-águas. A parte<br />
concluída é toda construída de tijolos de alvenaria, assim como deve ser feito o resto da<br />
construção: o corpo da casa, e parte <strong>das</strong> meias-águas já feito e embuça<strong>do</strong>, tem ao to<strong>do</strong><br />
10 salões e quartos para diferentes serventias com consta da planta. Toda as paredes<br />
exteriores tem 3 palmo de grossura; as interiores 2 ½ , e as divisórias 2. O prédio é feito<br />
para a acomodação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sexos, cujas divisões são as seguintes: la<strong>do</strong> <strong>das</strong> mulheres - 1<br />
salão para deposito de rouparia com 32 palmos de comprimento, 19 de largura, 1 dito<br />
igual tamanho para <strong>do</strong>rmitório <strong>das</strong> encarrega<strong>das</strong> <strong>das</strong> menores, 1 com 40 palmos para<br />
aula e salão de trabalho, 1 com 25 palmos para enfermaria, 1 com 38 para refeitório, 1<br />
com 15 palmos para despensa, 1 com 23 palmos para cosinha; la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens: 1 salão<br />
com 32 palmos de comprimento e 19 de largura para deposito de rouparia, 1 dito para<br />
<strong>do</strong>rmitório <strong>do</strong>s maiores, 1 dito para <strong>do</strong>rmitórios <strong>do</strong>s menores com 22 1/2 , 1 para<br />
enfermaria com 25, 1 para oficina de carpina com 40, 1 para ferreiro com 20, 1 para<br />
refeitório com 38, 1 para despensa com 15, e 1 para cosinha com 20 palmos. Os 4<br />
primeiros salões desta secção já estão cobertos. A frente <strong>do</strong> edifício tem 12 janelas e um<br />
portão, e os la<strong>do</strong>s que ficão para dentro <strong>do</strong> mesmo deverão ter 20 janelas e 2 portas.<br />
No pátio que fica no centro <strong>do</strong> estabelecimento, deve ter um poço, casa de banho<br />
repartida para os <strong>do</strong>is sexos, jardins, etc. [...] (NUNES FILHO, 2005, p. 60).<br />
137 In SAMPAIO, Antônio José de. A General Description of the Stade of Piauhy. Rio de Janeiro:1905<br />
53
Fig. 12: Planta elaborada por Francisco Parente <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara.<br />
Fonte: SAMPAIO, Antônio José de. A General Description of the Stade of Piauhy. Rio de Janeiro:1905<br />
Pela descrição <strong>do</strong> mestre de obras, Raimun<strong>do</strong> Torres Costa, são sete cômo<strong>do</strong>s na ala<br />
<strong>das</strong> mulheres e nove cômo<strong>do</strong>s na ala <strong>do</strong>s homens, que correspondem ao mostra<strong>do</strong> na planta<br />
projetada por Parente, composta de uma planta em u interligada internamente por uma varanda.<br />
As duas alas descritas, <strong>do</strong>s homens e <strong>das</strong> mulheres, provavelmente se acomodaram nos <strong>do</strong>is<br />
blocos perpendiculares ao principal, volta<strong>do</strong> para o rio Parnaíba.<br />
O mestre-de-obras discorre ainda sobre as dificuldades encontra<strong>das</strong> em realizar a<br />
construção no tempo previsto, sobre a impossibilidade de fazer a cobertura <strong>do</strong> prédio, pois as<br />
olarias tinham deixa<strong>do</strong> de funcionar em razão <strong>das</strong> chuvas ocorri<strong>das</strong> naquele ano. Considera que,<br />
finaliza<strong>do</strong>, o edifício, este seria "[...] o mais importante que o Esta<strong>do</strong> possue nesta Província [...]"<br />
(NUNES FILHO, 2005, p. 60)..<br />
O agrônomo Ricar<strong>do</strong> Ernesto Ferreira de Carvalho, que assumiu a direção <strong>do</strong><br />
Estabelecimento Rural com a morte de Parentes, elaborou um inventário em que descreve a<br />
situação <strong>do</strong> lugar à época. Informa ser o Estabelecimento Rural a única edificação em construção<br />
na Fazenda, sen<strong>do</strong> necessário concluí-lo brevemente, para que possa funcionar para o fim pelo<br />
qual foi cria<strong>do</strong>, o de acomodar e dar educação aos escravos libertos menores de idade. Outro<br />
relatório, elabora<strong>do</strong> em 1881, pelo então Presidente da Província, Sinval O<strong>do</strong>rico de Moura,<br />
informa a existência, em Vila da Colônia, de uma escola de primeiras letras e três oficinas de<br />
carapina, ferreiro e pedreiro, que funcionam numa edificação que foi por ele considerada como a<br />
54
melhor da Província. Em contraste com essas declarações, que apregoavam a beleza, solidez e<br />
imponência da edificação, em 1887 houve um novo relato <strong>do</strong> Presidente da Província, Antônio<br />
Jansen de Mattos Pereira, que informa: “Visitei [o estabelecimento rural] e nelle nada encontrei<br />
de notável a não ser o seu prédio, que assim mesmo carece de reparos” (NUNES FILHO, 2005 ).<br />
Tal fato é corrobora<strong>do</strong> pelo que afirma Honório Parentes, diretor <strong>do</strong> Estabelecimento<br />
Rural em 1889, em que pede a “benevola e patriotica attenção, [...] para os restos <strong>do</strong><br />
estabelecimento rural S. Pedro de Alcantara, que recebi em esta<strong>do</strong> tão deploravel, que a sua<br />
extincção ou reforma se impunha como inaddiavel e conveniente” (PARENTES, 1889, p. 04).<br />
Conclui-se que, o prédio, que era reconheci<strong>do</strong> como a melhor edificação da Província no final da<br />
década de 1870, vinte anos depois, provavelmente em virtude da falta de cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
administra<strong>do</strong>res, seja por dificuldades financeiras ou ineficiência, encontrava-se em esta<strong>do</strong> de<br />
decadência.<br />
Figs. 13 e 14: Fachada frontal <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara; detalhe da<br />
bandeirola com gradil em ferro. Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Atualmente, o que restou da antiga edificação corresponde praticamente ao bloco<br />
principal que permaneceu como testemunho <strong>do</strong> Estabelecimento e possui área construída de<br />
358m 2 , que foram acresci<strong>das</strong> de 125m 2 de área, de construção bem mais recente. As paredes são<br />
em alvenaria de tijolo, com cobertura em telha cerâmica sustentada por estrutura de carnaúba,<br />
forman<strong>do</strong> praticamente um único volume retangular.<br />
A edificação se distribui, a partir <strong>do</strong> eixo central, em simetria especular. Percebe-se na<br />
fachada frontal a presença de cornijas horizontais, com modenaturas nos extremos laterais <strong>das</strong><br />
edificações. As aberturas em arco pleno distribuem-se ao longo <strong>das</strong> facha<strong>das</strong> <strong>do</strong> edifício, de<br />
forma simétrica. São em madeira, com folhas cegas, apresentan<strong>do</strong> bandeirolas também fecha<strong>das</strong>,<br />
com exceção <strong>das</strong> duas portas principais, na fachada frontal e outra na posterior, fecha<strong>das</strong> com<br />
55
gradil com motivos em arabesco. Interessante notar que a Usina, edificação localizada nas<br />
proximidades <strong>do</strong> Estabelecimento, também apresenta bandeirolas iguais, o que é um indício de<br />
que esse fosse um material industrializa<strong>do</strong>, já trazi<strong>do</strong> pronto. Há quase ausência de ornamentos,<br />
existin<strong>do</strong> apenas a modenatura em volta <strong>das</strong> aberturas, as bandeirolas, as cornijas horizontais e as<br />
pilastras. O madeiramento da cobertura, que foi feito em quatro águas, não apresenta caibros,<br />
apenas linhas em carnaúba que sustentam as ripas de madeira. Não há platibanda, deixan<strong>do</strong><br />
visível a cobertura em telhas cerâmicas <strong>do</strong> tipo canal.<br />
Fig. 15: Detalhe <strong>do</strong> madeiramento da cobertura.<br />
Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Com relação ao entono, observa-se que a edificação localiza-se em uma área já ocupada,<br />
apresentan<strong>do</strong> a particularidade de estar voltada para o Rio Parnaíba, com um amplo espaço livre<br />
em frente. De acor<strong>do</strong> com Luís Paulo Lopes (informação oral), apenas a frente <strong>do</strong> prédio é<br />
original, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o restante sofri<strong>do</strong> diversas modificações. Segun<strong>do</strong> Lopes (1997), o prédio foi<br />
reforma<strong>do</strong> no início <strong>do</strong>s anos de 1990, a fim de garantir sua estabilidade estrutural, porém foram<br />
feitas algumas alterações, como a retirada <strong>do</strong> piso em lajota de barro e uma nova pintura.<br />
Figs.16, 17 e 18: Visuais <strong>do</strong> Estabelecimento para o Rio Parnaíba.<br />
Fonte: Arquivo 19ª SR/IPHAN, 2007.<br />
56
Figs. 19 e 20: Visuais da Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas para o Estabelecimento.<br />
Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Atualmente, o volume retangular único da edificação original, foi acresci<strong>do</strong> de um apoio<br />
para cozinha, banheiros e aumento da parte coberta, tu<strong>do</strong> isso na parte posterior <strong>do</strong> lote,<br />
conforme assinala<strong>do</strong> na figura abaixo.<br />
Fig.: 21: Planta <strong>do</strong> Estabelecimento Rural, com acréscimos assinala<strong>do</strong>s em vermelho.<br />
Fonte: Arquivo SR/IPHAN - PI,2007.<br />
Compreende-se que o valor <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara não<br />
decorre apenas da história a ele vinculada, por ter da<strong>do</strong> origem à cidade de Floriano e por ser um<br />
exemplar <strong>das</strong> edificações integrantes <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> no <strong>Piauí</strong>. Sua importância decorre<br />
ainda <strong>do</strong> fato <strong>do</strong> edifício ser a materialização de um da<strong>do</strong> momento histórico brasileiro,<br />
representa<strong>do</strong> pelos materiais emprega<strong>do</strong>s na sua construção e pelo estilo arquitetônico em que foi<br />
construí<strong>do</strong>.<br />
57
3.4.2 ESTUDO SOBRE A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS DO PIAUÍ<br />
O contexto histórico subjacente à construção da fábrica era de um <strong>Piauí</strong><br />
tecnologicamente atrasa<strong>do</strong>. Antônio José de Sampaio, que havia estuda<strong>do</strong> na Europa, voltava ao<br />
seu local de origem com a intenção de imprimir progresso e modernidade ao Esta<strong>do</strong><br />
(VILHENA, 2006). Como coloca Silva Filho (2007c, p. 43), “[a fábrica] foi o mais arroja<strong>do</strong><br />
empreendimento de industrialização no Esta<strong>do</strong> e que, de alguma forma, daria continuidade à<br />
pecuária da região”.<br />
Construída em 1897, foi a primeira edificação a ser erguida na região, seguida pela<br />
construção da vila operária em seu entorno, edificada para abrigar os trabalha<strong>do</strong>res da fábrica. A<br />
partir desse núcleo foi então se desenvolven<strong>do</strong> a cidade de Campos, atual Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
Figs. 22 a 25: Casas da vila operária, construí<strong>das</strong> no entorno da fábrica.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
As casas que compõem a vila apresentam em média o tamanho entre 60 e 80m 2 , são<br />
térreas, em alvenaria de tijolo maciço, com cobertura de duas águas em telha cerâmica.<br />
Apresentam uma varanda na parte frontal. O conjunto é composto por 63 casas, distribuí<strong>das</strong> em<br />
13 quadras. Apesar de algumas modificações empreendi<strong>das</strong> pelos mora<strong>do</strong>res relativas à adaptação<br />
da casa às necessidades contemporâneas, se considera o conjunto homogêneo. A alteração mais<br />
freqüente foi o fechamento da varanda por paredes, com esse espaço sen<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong> ao<br />
corpo da casa.<br />
58
Acredita-se que a planta da fábrica tenha si<strong>do</strong> elaborada pelo engenheiro alemão<br />
Alfre<strong>do</strong> Modrach, o mesmo projetista <strong>do</strong> Teatro 4 de Setembro em Teresina-PI. A fábrica<br />
apresenta alguns elementos <strong>do</strong> estilo neoclássico, mescla<strong>das</strong> às características arquitetônicas<br />
decorrentes <strong>das</strong> condições históricas e geográficas, que influenciaram a arquitetura <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />
como pontua Afonso (2003). Para Silva Filho, o prédio, “neoclassiza<strong>do</strong>”, não segue os padrões<br />
da arquitetura regional sertaneja, então em voga na época, a não ser pelo uso <strong>do</strong> tronco da<br />
carnaúba na estrutura da cobertura.<br />
Contu<strong>do</strong>, o emprego de elementos neoclássicos deve ser entendi<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> contexto<br />
de um ecletismo tipológico (COLIN, 2006), isto é, mais <strong>do</strong> que seguir um estilo seja ele neoclássico<br />
ou outro, o que se observa é o emprego de determina<strong>do</strong> repertório formal, em que pode haver<br />
emprego de mais de uma tendência estilística. Essa colocação pode ser confirmada quan<strong>do</strong> se<br />
observa que o mesmo arquiteto foi responsável pelo projeto <strong>do</strong> Teatro 4 de setembro, construí<strong>do</strong><br />
2 anos depois, em que utilizou elementos <strong>do</strong> neogótico.<br />
A fábrica possui 1.564,00 m 2 , distribuí<strong>do</strong>s em <strong>do</strong>is pavimentos de área construída. A<br />
edificação é composta, em planta, por 4 volumes: o corpo principal, em forma retangular, outro<br />
volume retangular na parte frontal e <strong>do</strong>is outros na parte posterior. A chaminé se sobressai acima<br />
<strong>do</strong> corpo principal da edificação. É importante ressaltar a especificidade da edificação: como foi<br />
projetada para funcionar como fábrica, segue um programa bastante específico, que acabou por<br />
contribuir para determinar sua forma.<br />
Fig. 26: Vista externa da Fábrica.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Apresenta <strong>do</strong>is pavimentos, sen<strong>do</strong> uma construção <strong>do</strong> tipo porão alto, com estrutura<br />
em alvenaria de barro cozi<strong>do</strong> no térreo e o segun<strong>do</strong> piso em alvenaria armada. As edificações <strong>do</strong><br />
tipo porão alto inovaram na tipologia construtiva de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX, pois permitia que a<br />
59
casa se aproximasse da rua sem os inconvenientes de uma casa térrea. A escolha desse tipo de<br />
construção para o sertão piauiense pode ser explicada tanto pelo fato de que este era o modelo<br />
preconiza<strong>do</strong> na época, como pelo programa da edificação – uma fábrica – exigir isso.<br />
A fachada frontal, com modenatura feita por pilastras, apresenta um frontão triangular,<br />
com presença de óculo, marcada por cornija com cordão e motivos geométricos. Há ainda frisos<br />
de cornija, marcan<strong>do</strong> a separação entre o pavimento térreo e o porão.<br />
As aberturas da edificação estão distribuí<strong>das</strong> simetricamente, a intervalos regulares. As<br />
portas e janelas possuem vergas em arco abati<strong>do</strong>, característica que não integra o repertório de<br />
elementos neoclássicos (em que geralmente era utiliza<strong>do</strong> o arco pleno) com moldura saliente<br />
contornan<strong>do</strong> o vão. O acesso à entrada principal, no eixo da fachada frontal da edificação, se dá<br />
através de uma escada.<br />
Figs. 27 e 28: Facha<strong>das</strong> frontal e lateral da Fábrica de Manteiga e Queijo.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Em relação à cobertura, a edificação tem <strong>do</strong>ze águas, em telha cerâmica, distribuí<strong>das</strong> em<br />
cinco volumes, to<strong>das</strong> elas à vista, sem platibanda. A construção apresenta algumas características<br />
comuns na arquitetura piauiense, como o telha<strong>do</strong> com tesouras em pau-d’arco lavra<strong>do</strong> e caibros e<br />
ripas de carnaúba, material bastante utiliza<strong>do</strong> em coberturas no <strong>Piauí</strong>, como também a presença<br />
de esquadrias com bandeiras em madeira e vidro (AFONSO, 2003).<br />
Figs. 29 e 30: Detalhes da estrutura de madeira da cobertura.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
60
Fig. 31: Planta de cobertura esquemática.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Comparan<strong>do</strong> a planta <strong>do</strong> pavimento superior prevista originalmente com a planta atual,<br />
pode-se perceber que a disposição <strong>do</strong>s espaços se manteve, com a inserção ou supressão de<br />
algumas portas entre os ambientes. A maior alteração foi a construção de <strong>do</strong>is anexos na parte<br />
posterior da edificação.<br />
Figs. 32 e 33: Plantas baixas <strong>do</strong><br />
pavimento superior, atual e original.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
61
Em relação ao pavimento térreo, uma vez que não foi encontrada a planta original, não<br />
se pode analisar o que foi muda<strong>do</strong>. Havia ainda duas esca<strong>das</strong> previstas no projeto, que chegaram<br />
a ser construí<strong>das</strong>, mas que com o passar <strong>do</strong>s anos ruíram ou foram destruí<strong>das</strong>. Do maquinário,<br />
restaram apenas algumas ro<strong>das</strong> e a chaminé.<br />
Em relação ao entorno, a fábrica é a edificação de maior destaque da cidade, cuja<br />
tipologia é composta, majoritariamente, por edificações de um pavimento, de dimensões<br />
reduzi<strong>das</strong>. Sua visibilidade é garantida pela existência de uma praça em frente a ela e em função<br />
da grande largura da rua. A edificação está localizada em uma quadra vizinha à da Prefeitura, a<br />
uma escola e a uma Igreja. O prédio se impõe no espaço citadino de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> pelas<br />
suas linhas, gabarito e imponência, sen<strong>do</strong> um marco urbano. A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong><br />
Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, além de sua importância para a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e para a cidade de<br />
Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, apresenta, ainda, valor arquitetônico, por ser um raro exemplar da arquitetura<br />
industrial piauiense <strong>do</strong> século XIX.<br />
Figs. 34 e 35: Visuais <strong>do</strong> entorno da Fábrica.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN, 2007.<br />
62
3.5. DISPOSIÇÕES RELATIVAS AO TOMBAMENTO E PERÍMETRO<br />
DE ENTORNO<br />
3.5.1. TOMBAMENTO DO ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE<br />
ALCÂNTARA<br />
Além <strong>do</strong> tombamento <strong>do</strong> prédio em si, segun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os disciplinamentos pertinentes,<br />
presentes no Decreto-lei nº25/37, outras disposições deverão ser observa<strong>das</strong>. As principais<br />
características relativas ao entorno <strong>do</strong> Estabelecimento Rural são a amplidão <strong>do</strong> espaço em que<br />
ele está inseri<strong>do</strong> e a relação da edificação com o rio, elementos que devem ser conserva<strong>do</strong>s.<br />
Outro ponto a ser considera<strong>do</strong> é a existência de construções nas imediações da edificação,<br />
ergui<strong>das</strong> no início <strong>do</strong> século XX, essenciais para manutenção <strong>do</strong> seu contexto. Entende-se que a<br />
definição da área a ser considerada como perímetro de entorno deve estar baseada nesses<br />
aspectos, sen<strong>do</strong> balizas fundamentais as questões da visibilidade e da manutenção <strong>do</strong> contexto<br />
arquitetônico.<br />
Sen<strong>do</strong> assim, define-se como área a ser tombada o lote em que está inseri<strong>do</strong> o<br />
Estabelecimento. Como perímetro de entorno, considera-se a quadra em que o imóvel está<br />
inseri<strong>do</strong>, toda a faixa compreendida entre a fachada frontal da edificação e o Rio Parnaíba, as<br />
quadras laterais limítrofes com a quadra <strong>do</strong> Estabelecimento, conforme descrição e desenho a<br />
seguir.<br />
R. FÉLIX PACHECO<br />
MALARIA<br />
R.F.ABREU ROCHA<br />
R. FAUZER BUCAR<br />
X<br />
Fig. 36: Pontos <strong>das</strong> visuais a serem preserva<strong>das</strong>.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
RUA PADRE UCHÔA<br />
R. RUI BARBOSA<br />
CENTRO<br />
AV. ESMARAGDO DE FREITAS<br />
R. SETE DE SETEMBRO<br />
AV. J. LUÍS<br />
EST.RURAL<br />
FERREIRA<br />
R. ALFREDO<br />
ESTRELA<br />
R. FERNANDES MARQUES<br />
Z<br />
R. CASTRO ALVES<br />
BOSQUE<br />
O perímetro de entorno ao bem tomba<strong>do</strong> inicia no cruzamento <strong>do</strong> prolongamento da<br />
Rua Padre Uchôa com a margem <strong>do</strong> rio Parnaíba (A). Segue na direção sul, para a rua Padre<br />
Uchôa, até a interseção desta com a Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas (B). Daí prolonga-se por essa<br />
avenida, até encontrar com a Rua Rui Barbosa (C), seguin<strong>do</strong> por essa via até a interseção desta<br />
63
com a Rua Sete de Setembro (D). Partin<strong>do</strong> desse ponto, o perímetro continua pelo eixo dessa rua<br />
no senti<strong>do</strong> oeste, até encontrar com a Rua Fernandes Marques (E), seguin<strong>do</strong> para o norte por<br />
essa via, até a interseção com a margem <strong>do</strong> rio Parnaíba (F), cuja linha fecha o polígono, ao<br />
encontrar com o ponto A.<br />
R. FÉLIX PACHECO<br />
MALARIA<br />
Fig. 37: Perímetro de entorno <strong>do</strong> Estabelecimento Rural.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
Como limitações impostas aos lotes e edificações <strong>do</strong> perímetro de entorno, devem ser<br />
considera<strong>do</strong>s: gabarito máximo de um (1) pavimento, nos lotes cuja frente dão pra a beira <strong>do</strong> Rio<br />
Parnaíba, forman<strong>do</strong> um perfil com o estabelecimento Rural; gabarito máximo de <strong>do</strong>is (2)<br />
pavimentos (térreo mais um), nos demais lotes <strong>das</strong> três quadras incluí<strong>das</strong> no perímetro; nessas<br />
três quadras, estabelece-se a proibição de construções com emprego de materiais contrastantes<br />
com o <strong>do</strong> bem tomba<strong>do</strong>; utilização de elementos, tais como placas e tol<strong>do</strong>s, que impeçam a<br />
visibilidade da edificação, <strong>das</strong> visuais indica<strong>das</strong> na planta abaixo, no cruzamento <strong>do</strong>s<br />
prolongamentos <strong>das</strong> ruas Padre Uchôa (X) e Fernandes Marques (Z). Para a faixa que margeia o<br />
Rio Parnaíba, entre a projeção <strong>das</strong> ruas Padre Uchôa (X) e Fernandes Marques (Z), acrescente-se<br />
a limitação de qualquer edificação ou elemento que impeça a visão <strong>do</strong> Estabelecimento para o rio,<br />
como residências, comércios, quiosques, pontes, viadutos, portos, arquibanca<strong>das</strong>, anfiteatros,<br />
sen<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong>s apenas postes, lixeiras, telefones públicos, bancos, jardins e demais<br />
equipamentos urbanos.<br />
Entende-se, que além dessas disposições, deve ser observa<strong>do</strong> o disposto no art. 18, <strong>do</strong><br />
Decreto Lei nº 25/37, ao ordenar quem "sem prévia autorização <strong>do</strong> Serviço <strong>do</strong> Patrimônio<br />
Histórico e Artístico Nacional [atual Iphan], não poderá, na vizinhança de coisa tombada, fazer<br />
construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes",<br />
atentan<strong>do</strong>-se ainda para a questão da ambiência <strong>do</strong> bem, da adequação <strong>do</strong> seu entorno à fruição<br />
<strong>do</strong> seus valores culturais.<br />
R.F.ABREU ROCHA<br />
R. FAUZER BUCAR<br />
A<br />
B C<br />
A<br />
RUA PADRE UCHÔ<br />
. RUI BARBOSA<br />
R<br />
D<br />
CENTRO<br />
R. HERMANDO BRANDÃO<br />
AV. ESMARAGDO DE FREITAS<br />
EST.RURAL<br />
R. SETE DE SETEMBRO<br />
AV. J. LUÍS<br />
FERREIRA<br />
R. ALFREDO<br />
ESTRELA<br />
E<br />
F<br />
R. FERNANDES MARQUES<br />
R. CASTRO ALVES<br />
BOSQUE<br />
64
3.5.2. TOMBAMENTO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />
NACIONAIS DO PIAUÍ<br />
Além da preservação da construção em si se deve garantir, através <strong>do</strong> estabelecimento<br />
de um perímetro de entorno, que novos elementos não obstruam ou a reduzam a visibilidade <strong>do</strong><br />
bem ou comprometam a sua ambiência. Deve-se considerar ainda que, nas proximidades da<br />
fábrica, existe um conjunto de residências, construí<strong>das</strong> à época, que constituem o núcleo original<br />
da cidade. Contu<strong>do</strong>, como esse conjunto encontra-se descaracteriza<strong>do</strong>, o objetivo maior em<br />
relação a essas edificações é sua conservação enquanto paisagem construída nas imediações da<br />
fábrica, sen<strong>do</strong> suficiente sua inclusão dentro <strong>do</strong> perímetro de entorno, a fim de manutenção da<br />
volumetria, <strong>do</strong>s tipos de materiais emprega<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> gabarito enquanto mantene<strong>do</strong>r da ambiência<br />
<strong>do</strong> bem tomba<strong>do</strong>.<br />
Sen<strong>do</strong> assim, define-se como perímetro de entorno o espaço a seguir delimita<strong>do</strong>:<br />
partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> cruzamento <strong>das</strong> ruas Matias Gomes e Demerval Lobão (ponto A), seguin<strong>do</strong> por esta<br />
na direção norte até a rua Dirceu Arcoverde (ponto B), prosseguin<strong>do</strong> por essa via na direção<br />
oeste até o encontro com a rua Juscelino Gomes (ponto C), por ela seguin<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> norte até<br />
cruzar a rua Isaías Coelho (ponto D), continuan<strong>do</strong> a leste por essa via até a rua Sete de Setembro<br />
(ponto E), onde <strong>do</strong>bra, seguin<strong>do</strong> nela na direção sul, passan<strong>do</strong> pelo cruzamento desta com a rua<br />
Dom Expedito Lopes (ponto F) até o encontro com a rua Matias Gomes (ponto F), continuan<strong>do</strong><br />
na direção oeste até cruzar com a rua Demerval Lobão (ponto A), fechan<strong>do</strong> o perímetro.<br />
A<br />
G<br />
B<br />
C<br />
F<br />
D<br />
E<br />
Fig. 38: Perímetro de entorno <strong>do</strong><br />
tombamento.<br />
Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />
65
4-JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA<br />
A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, inaugurada em 1897, e o<br />
Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, funda<strong>do</strong> uma década antes, no ano de 1874,<br />
são <strong>do</strong>cumentos que narram um valioso fragmento da história da formação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
brasileiro.<br />
Representantes <strong>das</strong> terras da Nação, a Fábrica e a Escola são – para<strong>do</strong>xalmente -<br />
tentativas de negação <strong>do</strong> modelo de administração existente naqueles espaços. Visavam, em<br />
contradição com as políticas estatais vigentes na época, a racionalização da forma de lidar com<br />
aquele território através de projetos de aproveitamento, que tinham como um <strong>do</strong>s seus aspectos<br />
mais interessantes a utilização da mão-de-obra remanescente da escravidão. Tais projetos foram<br />
inicia<strong>do</strong>s na Monarquia e perduraram por alguns anos durante a República, crian<strong>do</strong> esperanças<br />
em setores da sociedade piauiense na possibilidade de mudança da situação de aban<strong>do</strong>no daquela<br />
região.<br />
A importância destes estabelecimentos foi analisada sob <strong>do</strong>is pontos de vista: da<br />
perspectiva histórica, tanto em virtude <strong>do</strong> momento em que foram cria<strong>das</strong>, como também por<br />
terem da<strong>do</strong> origem às cidades de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e de Floriano; e em relação a sua arquitetura,<br />
pois se constituem em edificações emblemáticas <strong>do</strong> patrimônio edifica<strong>do</strong> no Brasil entre o final<br />
<strong>do</strong> século XIX e começo <strong>do</strong> XX. É a partir dessas duas visões que se desenvolve o presente<br />
estu<strong>do</strong>.<br />
Inicialmente, foi feito um “quadro” da situação <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, sua origem,<br />
estrutura e problemas. Concedeu-se especial atenção à administração destas terras, que se<br />
confunde com a (precária) administração da Província <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> no perío<strong>do</strong>. Terras jesuíticas<br />
cobiça<strong>das</strong> pela Coroa Portuguesa que, resultantes da expropriação <strong>do</strong>s indígenas, passaram a ser<br />
ligação por terra entre o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil e o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão, em tempos em que a<br />
dificuldade <strong>do</strong> tráfego por mar entre esses <strong>do</strong>is territórios fazia-nos bem mais próximos de<br />
Portugal <strong>do</strong> que entre si. A propalada “integração nacional” muito deve à história desses rincões<br />
<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, de onde o ga<strong>do</strong> era envia<strong>do</strong> ora para o Maranhão, ora para a Bahia. Foi lá, onde a Coroa<br />
e o Império designaram tantos (des)governos, que surgiram os <strong>do</strong>is célebres empreendimentos.<br />
Estes, enfrentan<strong>do</strong> duras circunstâncias, tentariam levar o desenvolvimento, o progresso, a<br />
ciência e a educação – conforme entendi<strong>do</strong>s à época – para uma vasta região <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />
Era ali que a Província depositava suas mais “fagueiras esperanças” – como afirmou<br />
um cronista. A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e o<br />
Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara eram vistos dessa maneira no <strong>Piauí</strong> porque<br />
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eram Projetos <strong>do</strong> Brasil. Assumi<strong>do</strong>s e idealiza<strong>do</strong>s pela Monarquia brasileira; pensa<strong>do</strong>s e<br />
concretiza<strong>do</strong>s por notórios piauienses; logo passariam também a ser preocupação da República.<br />
Da mesma forma que a ereção desses prédios, a falência <strong>do</strong>s projetos só pode ser entendida se<br />
passarmos em revista ao Brasil que transitava entre esses <strong>do</strong>is regimes. A crise desses<br />
empreendimentos expressa - muito mais <strong>do</strong> que a desordem interna vivida pelo <strong>Piauí</strong> no perío<strong>do</strong><br />
– a falência da Monarquia, as crises da República e uma tradição de lida com os bens públicos<br />
herdada de Portugal. Nada disso foi dito com eufemismo porque, como to<strong>do</strong> grande <strong>do</strong>cumento<br />
histórico, os <strong>do</strong>is monumentos em apreciação são a síntese <strong>das</strong> mais importantes contradições<br />
vivi<strong>das</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>das</strong> suas ativas existências.<br />
O processo que levaria à libertação <strong>do</strong>s escravos, sobretu<strong>do</strong> com a Lei <strong>do</strong> Ventre<br />
Livre de 1871; as experiências de imigração de italianos no Brasil; o crescimento da<br />
industrialização; as discussões sobre educação no país são alguns <strong>do</strong>s temas que percorrem a<br />
história da Escola e da Fábrica. E foi a partir desses <strong>do</strong>is projetos, também, que foram funda<strong>das</strong><br />
duas cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: Floriano e Campinas. Às margens <strong>do</strong> rio Parnaíba nasceria a primeira,<br />
contingência <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em que os barcos eram o meio de transporte mais usa<strong>do</strong> na Província, e<br />
aquele rio era a via mais segura, por onde transitava grande parte da economia <strong>do</strong> Piauhy. A<br />
segunda cidade, dentro da caatinga, no meio <strong>do</strong> semi-ári<strong>do</strong>, é resultante <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> que<br />
existiam por toda aquela vasta região. Lugar de retiro, de ordenha, de labuta com o ga<strong>do</strong>.<br />
Próxima ao rio Canindé, tornar-se-ia prontamente o lugar da fábrica.<br />
O Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e<br />
Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> foram também analisa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ponto de vista de suas arquiteturas.<br />
Foi apresenta<strong>do</strong> o cenário arquitetônico mundial e brasileiro, buscan<strong>do</strong> enfocar o contexto <strong>do</strong><br />
Nordeste brasileiro, no que tange aos referenciais estéticos pre<strong>do</strong>minantes, estilos arquitetônicos<br />
vigentes, técnicas e materiais de construção emprega<strong>do</strong>s. Fez-se a mesma reflexão em relação ao<br />
<strong>Piauí</strong>, tratan<strong>do</strong> de como os padrões arquitetônicos vigentes foram incorpora<strong>do</strong>s ou adapta<strong>do</strong>s à<br />
realidade piauiense. Finalmente, se procederam às análises arquitetônicas <strong>do</strong> Estabelecimento<br />
Rural de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>,<br />
enumeran<strong>do</strong> suas características estilísticas, as similaridades e diferenças entre elas.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>das</strong> referi<strong>das</strong> edificações sob o prisma da arquitetura permite que se<br />
verifique a materialização <strong>do</strong>s anseios da sociedade da época, bem como possibilita a investigação<br />
de como e em que intensidade as condicionantes históricas determinaram a construção <strong>do</strong> espaço<br />
no sertão piauiense.<br />
Finalizan<strong>do</strong> o presente estu<strong>do</strong>, foram apresenta<strong>das</strong> as definições legais relativas ao<br />
tombamento, visan<strong>do</strong> garantir a salvaguarda de cada um destes <strong>do</strong>is bens culturais. Foram<br />
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apresenta<strong>das</strong> as recomendações a serem segui<strong>das</strong> para a preservação <strong>das</strong> suas características<br />
construtivas bem como as propostas de perímetro de proteção de entorno de cada imóvel. Tais<br />
disposições visam disciplinar as intervenções futuras tanto nos imóveis quanto em suas áreas<br />
lindeiras.<br />
A Fábrica, que é tombada pelo Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, apresenta esta<strong>do</strong> de conservação<br />
precário. Mas, o projeto de restauro feito pelo IPHAN-PI, que prevê o uso diversifica<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus<br />
espaços com cultura, educação e prestação de serviços à comunidade de Campinas, foi aprova<strong>do</strong><br />
no Mecenato <strong>do</strong> MINC, e possui financiamento assegura<strong>do</strong> pela PETROBRAS. A Escola, que<br />
funciona como um Terminal Turístico de Floriano, sofreu processo de restauro na década de 90<br />
e encontra-se em razoável esta<strong>do</strong> de conservação.<br />
Hoje os <strong>do</strong>is prédios pertencem aos respectivos poderes públicos municipais. A<br />
Câmara Municipal de Campinas e a Assembléia Legislativa <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> já aprovaram moções de<br />
apoio ao tombamento da antiga fábrica. A prefeitura municipal de Floriano já se pronunciou por<br />
diversas vezes favorável ao tombamento federal da ex-escola. Trata-se de uma ação que,<br />
observan<strong>do</strong>-se as matérias de jornais impressos ou televisiona<strong>do</strong>s, possui amplo apoio da<br />
sociedade piauiense. Basta ver também as manifestações de apoio oriun<strong>das</strong> de discursos de<br />
deputa<strong>do</strong>s estaduais, federais e sena<strong>do</strong>res; os apelos de “clubs”, associações e fundações, dentre<br />
outros.<br />
A história desse processo de acautelamento já é antiga. Aqui devemos registrar alguns<br />
fatos que apenas comprovam o apoio inconteste devota<strong>do</strong> pela sociedade piauiense a esse<br />
tombamento federal. No ano de 1977, o chefe da Procura<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o Sr. José Eduar<strong>do</strong><br />
Pereira, solicitava informações ao IPHAN para que pudesse “encaminhar o pedi<strong>do</strong> [de<br />
tombamento federal] dentro <strong>das</strong> exigências regulamentares”. A partir disso foi aberto um<br />
processo que – ao que tu<strong>do</strong> indica – foi arquiva<strong>do</strong> em função de um erro “na digitação <strong>do</strong> banco<br />
de da<strong>do</strong>s”: Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> foi confundida com a cidade de Campinas paulista, impedin<strong>do</strong> a<br />
instrução <strong>do</strong> processo 138 . Apesar disso, a fábrica manteve-se nos noticiários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e o desejo<br />
de que o prédio fosse tomba<strong>do</strong> era constantemente revigora<strong>do</strong>.<br />
No ano de 2000, que o IPHAN retoma os estu<strong>do</strong>s da Fábrica e inicia o da Escola.<br />
Neste ano, a secretária municipal de educação da cidade de Campinas, a Sra. Maria <strong>do</strong> Socorro<br />
Alves Moura, envia um ofício ao presidente <strong>do</strong> IPHAN pedin<strong>do</strong> o tombamento <strong>do</strong> prédio. Neste<br />
<strong>do</strong>cumento, que por sua vez encaminha um abaixo-assina<strong>do</strong>, pede “por tu<strong>do</strong> o quanto é sagra<strong>do</strong>”<br />
que se desse atenção àquele monumento 139 . No abaixo-assina<strong>do</strong> referi<strong>do</strong>, assina<strong>do</strong> por 334<br />
138 MINISTÉRIO DA CULTURA. Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Departamento de<br />
Proteção. MEMO DEPROT Nº 339/99. 28/05/1999.<br />
139 MOURA, Maria <strong>do</strong> Socorro Alves. Secretária Municipal de Educação. CI – 001/2000. 25/05/2000.<br />
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pessoas, há o pedi<strong>do</strong> de tombamento da “Fábrica de Laticínios São Pedro de Alcântara”.<br />
Contu<strong>do</strong>, como não há na historiografia piauiense e nos <strong>do</strong>cumentos da época referência à<br />
Fábrica com o nome de São Pedro de Alcântara, acredita-se que houve equívoco no abaixo-<br />
assina<strong>do</strong> de 2000, orienta<strong>do</strong> por uma pesquisa<strong>do</strong>ra que esteve à frente <strong>do</strong>s primeiros<br />
levantamentos de informações sobre os imóveis visan<strong>do</strong> o tombamento.<br />
Finalmente, no ano de 2006, <strong>do</strong>is meses após a equipe técnica <strong>do</strong> IPHAN, em<br />
condições técnicas mais favoráveis, ter reinicia<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s para fundamentar a proposta de<br />
tombamento <strong>do</strong> conjunto da Fábrica de Laticínios <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> e da Escola Rural São<br />
Pedro de Alcântara, a Fundação Nogueira Tapety deu início a uma importante campanha em<br />
defesa <strong>do</strong> tombamento federal da Fábrica. Em ofício de 13 de dezembro, o Sr. Carlos Rubem<br />
Campos Reis desenvolve um “histórico”, em que há um arrolamento <strong>das</strong> obras escritas que<br />
tratam da “Fábrica de Laticínios <strong>do</strong>s Campos”, concluin<strong>do</strong> com “o sábio dita<strong>do</strong> popular: antes<br />
tarde <strong>do</strong> que nunca!” 140 .<br />
Pelos motivos expostos ao longo deste trabalho, preconizamos, junto ao Conselho<br />
Consultivo <strong>do</strong> IPHAN, o tombamento federal da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />
<strong>Nacionais</strong> e <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, a serem inscritos no livro <strong>do</strong><br />
Tombo Histórico. Monumentos localiza<strong>do</strong>s no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, patrimônio cultural <strong>do</strong> Brasil.<br />
140 REIS, Carlos Rubem Campos (Presidente da FNT). Oeiras, 13/12/2006.<br />
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