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Estabelecimentos das Fazendas Nacionais do Piauí - Portal do Sertão

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A ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os Séculos XVIII e XIX<br />

<strong>Estabelecimentos</strong> <strong>das</strong><br />

Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

Fábrica de Manteiga e Queijo em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

Escola Rural São Pedro de Alcântara em Floriano<br />

VOLUME I<br />

Dossiê deTombamento<br />

IPHAN - Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

Superintendência <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

Abril de 2008<br />

1


A ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os Séculos XVIII e XIX<br />

ESTABELECIMENTOS DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />

DO PIAUÍ<br />

Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

CAMPINAS DO PIAUÍ<br />

Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara<br />

FLORIANO<br />

IPHAN - SUPERINTENDÊNCIA DO PIAUÍ<br />

2


CRÉDITOS<br />

Presidente da República<br />

Luiz Inácio Lula da Silva<br />

Ministro da Cultura<br />

Gilberto Passos Gil Moreira<br />

Presidente <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong> Patrimônio<br />

Histórico e Artístico Nacional<br />

Luiz Fernan<strong>do</strong> de Almeida<br />

Diretor <strong>do</strong> Departamento de Patrimônio<br />

Material e Fiscalização - IPHAN<br />

Dalmo Vieira Filho<br />

Diretora <strong>do</strong> Departamento de Patrimônio<br />

Imaterial - IPHAN<br />

Márcia Genésia Sant’Anna<br />

Diretor <strong>do</strong> Departamento de Museus - IPHAN<br />

José <strong>do</strong> Nascimento Júnior<br />

Diretora <strong>do</strong> Departamento de Planejamento<br />

e Administração - IPHAN<br />

Maria Emília Nascimento Santos<br />

Coordenação Geral de Promoção <strong>do</strong><br />

Patrimônio Cultural – IPHAN<br />

Luiz Fhilippe Peres Torelly<br />

Coordenação de Pesquisa, Documentação<br />

e Referência – IPHAN<br />

Lia Mota<br />

Superintendente da 19a SR/IPHAN – PI<br />

Diva Maria Freire Figueire<strong>do</strong><br />

Chefe da Divisão Técnica da 19a SR/IPHAN – PI<br />

Claudiana Cruz <strong>do</strong>s Anjos<br />

Elaboração <strong>do</strong> Dossiê de Tombamento<br />

Arq. Andréa Virgínia Freire Costa<br />

Arq. Diva Maria Freire Figueire<strong>do</strong><br />

Hist. Ricar<strong>do</strong> Augusto Pereira<br />

Apoio técnico<br />

Fabíola Nunes Brasilino (estagiária de Biblioteconomia)<br />

Franceli Mariano de Moura (estagiária de Biblioteconomia)<br />

Francisca Márcia Costa de Souza (estagiária de História)<br />

Cooperação<br />

Carlos Rubens Campos Reis<br />

Joca Oeiras<br />

Luiz Paulo Lopes<br />

Nilson Coelho<br />

3


SUMÁRIO<br />

1. APRESENTAÇÃO<br />

2. PESQUISA HISTÓRICA<br />

VOLUME I<br />

ESTUDO DE TOMBAMENTO<br />

2.1. PIAUÍ: ESTRATÉGIA DE CONTROLE DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />

2.2. OS PROJETOS DE ADMINISTAÇÃO E ARRENDAMENTO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS DO PIAUÍ<br />

2.3. A PROXIMIDADE EXISTENTE ENTRE OS DOIS CONTRATOS<br />

2.4. O ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />

2.5. ESCOLA PARA LIBERTOS<br />

2.6. AS EXPECTATIVAS EM TORNO DA ESCOLA<br />

2.7. A CIDADE DE FLORIANO<br />

2.8. A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS NACIONAIS DO PIAUÍ<br />

2.9. A MÃO-DE-OBRA DA FÁBRICA<br />

2.10. A CIDADE DE CAMPINAS<br />

3. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />

3.1. INTRODUÇÃO<br />

3.2. MATERIAIS, TÉCNICAS, PADRÕES ESTILÍSTICOS DO SÉCULO XIX<br />

3.3. ARQUITETURA NO PIAUÍ<br />

3.4. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />

3.4.1. ESTUDO DA ESCOLA RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />

3.4.2. ESTUDO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS DO PIAUÍ<br />

3.5. DISPOSIÇÕES RELATIVAS AO TOMBAMENTO E PERÍMETRO DE ENTORNO<br />

3.5.1. TOMBAMENTO DO ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE<br />

ALCÂNTARA<br />

3.5.2. TOMBAMENTO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS D O PIAUÍ<br />

4. JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA<br />

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

4


PLANTAS ARQUITETÔNICAS<br />

VOLUME II<br />

ANEXOS<br />

Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara<br />

Prancha 01: Planta original, de situação e de locação<br />

Prancha 02: Planta baixa – levantamento de 1987<br />

Prancha 03: Planta baixa atualizada<br />

Prancha 04: Planta de cobertura<br />

Prancha 05: Cortes AA' e BB'<br />

Prancha 06: Facha<strong>das</strong> frontal e posterior<br />

Prancha 07: Facha<strong>das</strong> laterais direita e esquerda<br />

Prancha 08: Perímetro de entorno<br />

Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />

Prancha 01: Planta original, de situação e de locação<br />

Prancha 02: Planta de cobertura<br />

Prancha 03: Planta baixa <strong>do</strong> pavimento térreo<br />

Prancha 04: Planta baixa <strong>do</strong> pavimento superior<br />

Prancha 05: Corte AA'<br />

Prancha 06: Fachada frontal<br />

Prancha 07: Fachada lateral esquerda<br />

Prancha 08: Fachada lateral direita<br />

Prancha 09: Fachada posterior<br />

Prancha 10: Perímetro de entorno<br />

SOLICITAÇÕES E MONÇÕES DE APOIO AO TOMBAMENTO<br />

Abaixo-assina<strong>do</strong> envia<strong>do</strong> pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />

25/05/2000<br />

Carta aberta da Fundação Nogueira Tapety ao governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, junho de 2006<br />

Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI, 13/12/2006<br />

Ofício da Diocese de Oeiras-Floriano à 19ª SR/IPHAN-PI, 21/02/2007<br />

Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI, 28/02/2007<br />

Ofício da Fundação Nogueira Tapety à 19ª SR/IPHAN-PI (com anexos), 19/03/2007<br />

Ofício <strong>do</strong> Rotary Clube de Floriano à 19ª SR/IPHAN-PI, 20/03/2007<br />

Ofício da Presidência <strong>do</strong> IPHAN ao Depam, com cópia para 19ª SR/IPHAN-PI, com anexo,<br />

26/03/2007<br />

Ofício da Presidência <strong>do</strong> IPHAN ao Depam, com cópia para a 19ª SR/IPHAN-PI, 29/03/2007<br />

Pronunciamento <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r João Vicente Claudino, em 09/04/2007<br />

5


DOCUMENTOS<br />

Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873, autorizan<strong>do</strong> a celebração de contrato proposto<br />

por Francisco Parentes para a fundação de um estabelecimento rural no <strong>Piauí</strong>, com contrato.<br />

Documento de Francisco Parentes, diretor <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara,<br />

ao Presidente da Província A<strong>do</strong>lpho Lamenha Lins, comunican<strong>do</strong> sobre o início <strong>das</strong> obras,<br />

15/09/1874.<br />

Transcrição de <strong>do</strong>cumento <strong>do</strong> mestre-de-obras Raimun<strong>do</strong> Torres Costa destina<strong>do</strong> a Francisco<br />

Parentes, sobre o andamento da obra <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara,<br />

30/12/1875.<br />

Lei nº 2551, de 09 de dezembro de 1963, que cria o município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e dá<br />

outras providências.<br />

Lei nº 495/85-CM, de 01 de abril de 1985, que considera como patrimônio histórico <strong>do</strong><br />

município a Usina Elétrica Maria Bonita e o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara.<br />

Decreto nº 7294, de 26 de janeiro de 1988, que dispõe sobre o tombamento <strong>do</strong> prédio Fábrica<br />

de Laticínios de Campinas, na cidade de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, e dá outras providências.<br />

Escritura pública <strong>do</strong> Cartório Elias Pereira 1º Ofício, de <strong>do</strong>ação <strong>das</strong> terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />

Estaduais, correspondente a quarenta hectares, ao município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

Certidão <strong>do</strong> Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício <strong>do</strong> Município e Comarca de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, 24/07/1991,<br />

relativo ao terreno onde foi construída a fábrica.<br />

Lei nº 140/97, de 16 de junho de 1997, que institui a Zona de Preservação, de Floriano,<br />

disciplina sua preservação e dá outras providências.<br />

Concessão da Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> a Alfre<strong>do</strong> Modrach..<br />

ARTIGOS E REPORTAGENS DE JORNAL<br />

Abril/2004: O ESTADO DO PIAUÍ – O mais charmoso <strong>do</strong> Brasil, nº 02 - capa e matéria<br />

31/08/2006: O DIA – Fundação luta por restauração de fábrica<br />

19/12/2006: MEIO NORTE - Prédio histórico em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> precisa ser tomba<strong>do</strong><br />

30/01/2007: MEIO NORTE – Sociedade de Campinas quer fábrica como centro de cultura<br />

21/03/2007: NOTICIAS DE FLORIANO – Rotaryanos fazem apelo formal de tombamento<br />

<strong>do</strong> Terminal Turístico de Floriano<br />

05/04/2007: PORTAL ACESSEPIAUÍ – Iphan exibe vídeo em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

07/04/2007: O DIA – Municípios/Interior; Luiz Carlos de Oliveira<br />

09/04/2007: PORTAL AZ – Instituto exibe vídeo da 1ª fábrica de manteiga <strong>do</strong> nordeste<br />

10/04/2007: O DIA – Patrimônio Histórico - Roda Viva; Robson Costa<br />

MEIO NORTE - Iphan exibe vídeo para comemorar 110 anos da Fábrica de Laticínios<br />

22/04/2007: MEIO NORTE - Capa: Campanha quer salvar fábrica de laticínios<br />

Reportagem: Fábrica histórica ganha campanha de tombamento<br />

6


FOTOGRAFIAS<br />

Foto 01: Francisco Sampaio<br />

Foto 02: Ângelo Acilino<br />

Foto 03: Funcionários (colonos) da Fábrica de Laticínios<br />

Foto 04: Engenheiro Alfre<strong>do</strong> Modrak e familiares<br />

Foto 05: Maquinaria existente no início <strong>do</strong> funcionamento da fábrica<br />

Foto 06: Maquinaria existente no início <strong>do</strong> funcionamento da fábrica<br />

Foto 07: Cotidiano e funcionamento <strong>do</strong> estabelecimento industrial<br />

Foto 08: Cotidiano e funcionamento <strong>do</strong> estabelecimento industrial<br />

Foto 09: Maquinaria utilizada na pausterização (sala central)<br />

Foto 10: Sala de pausterização (situação atual)<br />

Foto 11: Dependência da fábrica na época da inauguração e nos dias atuais<br />

Foto 12: Sala de pausterização (situação atual)<br />

Foto 13: Caldeira da fábrica de laticínios, época <strong>do</strong> funcionamento<br />

Foto 15: Tanque metálico utiliza<strong>do</strong> no maquinário da fábrica<br />

Foto 16: Detalhe <strong>do</strong> tanque metálico<br />

Foto 17: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó<br />

Foto 18: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó<br />

Foto 19: Maquinaria da fábrica, esta<strong>do</strong> atual<br />

Foto 20: Maquinaria da fábrica, esta<strong>do</strong> atual<br />

Foto 21: coleta de leite nos currais individuais <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />

Foto 22: Embalagens fabrica<strong>das</strong> em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> (serralharia da fábrica)<br />

Foto 23: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

Foto 24: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

Foto 25: Embalagens importa<strong>das</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

Foto 26: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

Foto 27: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

Foto 28: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, segunda metade séc. XX<br />

Foto 29: Influência <strong>das</strong> instalações da fábrica sobre a população campinense<br />

Foto 30: Influência <strong>das</strong> instalações da fábrica sobre a população campinense<br />

Foto 31: Manifestação a favor da restauração da fábrica<br />

Foto 32: Prato decorativo em comemoração aos 100 anos da fábrica<br />

Foto 33: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, século XX<br />

Foto 34: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, século XX<br />

Foto 35: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />

7


Foto 36: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />

Foto 37: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, segunda metade séc. XX<br />

Foto 38: Vista geral da Fábrica de Laticínios de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, início <strong>do</strong> século XX<br />

Foto 39: Visão geral da Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas, com Estabelecimento Rural ao centro<br />

REGISTROS AUDIOVISUAIS<br />

DVD com vídeo A fábrica de manteiga e queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: uma história contada<br />

pelos seus trabalha<strong>do</strong>res, produzi<strong>do</strong> pela 19ª Superintendência Regional <strong>do</strong> Iphan-PI em parceria<br />

com a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas no <strong>Piauí</strong>, 2007.<br />

DVD com duas reportagens veicula<strong>das</strong> pelo Jornal <strong>Piauí</strong> TV (emissora TV Alvorada, afiliada da<br />

Rede Globo) sobre o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, agosto/2006.<br />

OUTROS MATERIAIS<br />

Cartaz da I Semana Cultural de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> – 26/12/1997 a 30/12/1997<br />

Trechos <strong>do</strong> livro “500 anos de leite no Brasil”, de João Castanho Dias, 2006.<br />

Cartão da 19ª SR/IPHAN-PI, que acompanhou o vídeo A fábrica de manteiga e queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />

<strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: uma história contada pelos seus trabalha<strong>do</strong>res.<br />

8


1-APRESENTAÇÃO<br />

A Superintendência Regional <strong>do</strong> IPHAN no <strong>Piauí</strong> desenvolveu este estu<strong>do</strong> para<br />

fundamentar a proposta de tombamento federal de <strong>do</strong>is empreendimentos <strong>do</strong> Século XIX, <strong>das</strong><br />

Antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: a Fábrica de Laticínios, localizada no município de<br />

Campinas e o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, em Floriano. A Fábrica, como uma<br />

iniciativa de industrialização <strong>do</strong> leite <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> com a produção de manteiga e<br />

queijo; o Estabelecimento Rural, uma escola fundada nos tempos <strong>do</strong> Império para dar instrução<br />

para crianças provin<strong>das</strong> <strong>das</strong> mesmas, libertas após a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, de 1871.<br />

Os <strong>do</strong>is imóveis devem ser considera<strong>do</strong>s, ainda que destaca<strong>do</strong>s para este estu<strong>do</strong> mais<br />

aprofunda<strong>do</strong>, testemunhas da ocupação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> durante os séculos XVIII e XIX, segun<strong>do</strong> uma<br />

maneira sistêmica e abrangente de entender a proteção e a preservação de bens culturais, que<br />

objetiva a implantação de uma rede de patrimônio cultural no <strong>Piauí</strong>. Coerente com essa visão, a<br />

proposta de tombamento que ora se apresenta para apreciação <strong>das</strong> instâncias decisórias deve<br />

contribuir para a formação de um conjunto maior de bens culturais protegi<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o Brasil e<br />

a implantação da rede <strong>do</strong> patrimônio cultural brasileiro, que incorpora novos significa<strong>do</strong>s.<br />

Desde mea<strong>do</strong>s de 2006, o IPHAN iniciou os trabalhos de pesquisa que, soma<strong>do</strong>s ao<br />

clamor de importantes setores da sociedade piauiense, justificarão perante o Conselho <strong>do</strong><br />

Patrimônio Cultural o tombamento destes relevantes testemunhos arquitetônicos da história da<br />

sociedade piauiense. São expressões <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, com tu<strong>do</strong> que estas representam: a<br />

colonização, a presença e expulsão <strong>do</strong>s jesuítas, a pecuária, os conflitos... Hoje essas terras são<br />

habita<strong>das</strong> por comunidades quilombolas, são cidades, povoa<strong>do</strong>s, ou seja, conformam uma grande<br />

parte <strong>do</strong> território <strong>do</strong> que atualmente é o <strong>Piauí</strong>.<br />

Assim como Oeiras, a antiga capital <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, cuja origem remonta a uma <strong>das</strong><br />

fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> sertanista Domingos Afonso Mafrense, a fundação da cidade de Campinas, no sertão<br />

e da cidade de Floriano, às margens <strong>do</strong> Parnaíba, já no século XIX, também se vinculam a essas<br />

terras. O sertanista, ao morrer, em 1711, deixou aos jesuítas muitas léguas de terra, depois<br />

amplia<strong>das</strong> por <strong>do</strong>ações e compras que, após a sua expulsão, em 1760, incorporam-se ao<br />

patrimônio real, dividi<strong>das</strong> nas Inspeções de Nazaré (Floriano), Canindé (Campinas) e <strong>Piauí</strong>.<br />

Campinas e Floriano são cidades cuja origem remonta a estes <strong>do</strong>is empreendimentos<br />

emblemáticos <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, ícones da esperança de desenvolvimento <strong>do</strong>s diversos<br />

grupos que hoje formam o povo piauiense. Parte desses grupos está representada pela narrativa<br />

histórica <strong>do</strong>s últimos trabalha<strong>do</strong>res da Fábrica - José Belém de Sousa e José Mariano Filho (in<br />

9


memoriam) - no vídeo produzi<strong>do</strong> pela Superintendência Regional <strong>do</strong> IPHAN no <strong>Piauí</strong> para<br />

divulgar o patrimônio cultural e instruir a presente proposta.<br />

Os <strong>do</strong>is imóveis que ora se apresenta para análise, embora pareça contraditório, não<br />

são exemplos da arquitetura vernácula que se pretende ver reconhecida também nos<br />

tombamentos de sítios históricos urbanos e rurais <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Vários <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ssiês que contemplam<br />

esta arquitetura, caso <strong>do</strong>s sítios de Oeiras, Piracuruca, Amarante, Pedro II e Campo Maior , estão<br />

em elaboração e devem dar sequência aos <strong>do</strong>ssiês que já se encontram em fase conclusiva para<br />

serem analisa<strong>do</strong>s pelas instâncias de decisão quanto ao mérito da proposta de proteção federal:<br />

conjunto histórico e paisagístico de Parnaíba, Ponte Metálica João Luis Ferreira-Teresina;<br />

Floresta Fóssil <strong>do</strong> rio Poti-Teresina, Igreja Nossa Senhora de Lourdes-Teresina. Ao contrário, as<br />

arquiteturas destes <strong>do</strong>is estabelecimentos, como tinham uma função singular no contexto da<br />

região e eram iniciativas oficiais, seguem modelos importa<strong>do</strong>s simplifica<strong>do</strong>s, segun<strong>do</strong> os padrões<br />

<strong>do</strong> Revivalismo, inspira<strong>do</strong> nos estilos históricos. Um deles foi projeta<strong>do</strong> por um piauiense, mas<br />

que estu<strong>do</strong>u na França, e o outro por um estrangeiro, usan<strong>do</strong> ambos elementos classicizantes. A<br />

relevância cultural destes imóveis para a nação, contu<strong>do</strong>, vincula-se menos às características<br />

estéticas da sua arquitetura e mais à capacidade de <strong>do</strong>cumentar e testemunhar as circunstâncias<br />

históricas <strong>das</strong> tentativas de racionalização da ocupação <strong>do</strong> vasto território brasileiro,<br />

compreendi<strong>do</strong> pelas Fazen<strong>das</strong> da Nação, e de dar destinação e trabalho à população de escravos,<br />

recentemente libertada pela Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, como se pretende demonstrar neste estu<strong>do</strong>.<br />

10


2-PESQUISA HISTÓRICA<br />

2.1-PIAUÍ: ESTRATÉGIA DE CONTROLE DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />

Os ataques contra os indígenas e a introdução da pecuária por essas terras<br />

configuram-se como o carro-chefe <strong>do</strong> processo de colonização <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. A importância<br />

da criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> bovino no Esta<strong>do</strong> sofreu um crescimento considerável ao longo <strong>do</strong>s séculos<br />

XVII e XVIII, de tal maneira que as boia<strong>das</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> passaram a ser envia<strong>das</strong> para as mais<br />

diversas Capitanias, especialmente Bahia, Maranhão, Pará, Pernambuco, Minas Gerais e Rio<br />

Grande 1 . Com a fixação dessas fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> e escravos, através <strong>do</strong> estabelecimento de um<br />

permanente esta<strong>do</strong> de guerra contra os índios, as terras que hoje formam o <strong>Piauí</strong> puderam ser<br />

considera<strong>das</strong> pelos coloniza<strong>do</strong>res um espaço de ligação confiável para o tráfego de pessoas e<br />

animais entre o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão e o Brasil. Nesta área em que inexistiam riquezas minerais e<br />

tampouco condição, à época, para o desenvolvimento de monoculturas volta<strong>das</strong> para o merca<strong>do</strong><br />

externo, restou à pecuária a demonstração <strong>do</strong> potencial econômico que serviria de integração<br />

junto às áreas agro-exporta<strong>do</strong>ras. Com isso, de acor<strong>do</strong> com Caio Pra<strong>do</strong> Jr., “as fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

tornar-se-ão logo as mais importantes de to<strong>do</strong> o Nordeste, e a maior parte <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong> na<br />

Bahia provém delas, embora tivesse que percorrer para alcançar seu merca<strong>do</strong> cerca de mil e mais<br />

quilômetros de caminhos” 2· .<br />

Para o alcance desse resulta<strong>do</strong>, caberia aos sertanistas e aos missionários o<br />

desencadeamento <strong>do</strong> processo de conquista da região. Na interessante formulação de Domingos<br />

Jorge Velho, sempre preocupa<strong>do</strong> nas cartas a “El Rei” com “[...] o tapuia gentio brabo [...]” que<br />

não conhecia a “[...] humana sociedade de racional trato[...]” essa região apresentava-se como<br />

“um muro contra o gentio de cima e o negro fugi<strong>do</strong> de baixo.” 3 . E, de acor<strong>do</strong> com essa<br />

perspectiva, a Coroa trabalhava a concessão de enormes áreas de sesmarias aos “conquista<strong>do</strong>res”<br />

<strong>das</strong> terras, geran<strong>do</strong> os extensos latifúndios que marcariam toda a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 4 . Dessa forma,<br />

o <strong>Piauí</strong> seguiria o “[...] modelo coloniza<strong>do</strong>r brasileiro, cujas características fundamentais são a<br />

grande propriedade, uma estrutura econômica respaldada numa única atividade e o emprego <strong>do</strong><br />

trabalho escravo.” 5 . Era o modelo forneci<strong>do</strong> pela Coroa aos representantes de grandes<br />

empreendimentos, os quais poderiam receber grandes extensões de terra para a criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>,<br />

1 BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O escravo na formação social <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: perspectiva histórica <strong>do</strong> século XVIII.<br />

Teresina: UFPI, 1999. p. 63.<br />

2 PRADO JR, Caio. História econômica <strong>do</strong> Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 66.<br />

3 ENNES, apud BRANDÃO, op. cit., p. 47-49.<br />

4 BRANDÃO, op. cit., p. 49.<br />

5 Id., Ibid., p. 54.<br />

11


que seria vendi<strong>do</strong> para as demais Capitanias e de onde era importada, fundamentalmente da<br />

Bahia, a mão-de-obra escrava.<br />

Nesse contexto, a história <strong>das</strong> terras que no perío<strong>do</strong> imperial seriam trata<strong>das</strong> por<br />

Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, integra-se aos primórdios <strong>do</strong> processo de colonização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

O território inicialmente foi toma<strong>do</strong> <strong>das</strong> populações indígenas pelo português da cidade de<br />

Mafra, Domingos Afonso <strong>Sertão</strong>, popularmente conheci<strong>do</strong> por Mafrense, que na segunda metade<br />

<strong>do</strong> século XVII aparece nos sertões <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> os índios “gueguês” 6 e outras tribos,<br />

ti<strong>das</strong> pelos portugueses como “selvagens” a serem combati<strong>das</strong>. Sain<strong>do</strong> da Casa da Torre, sob<br />

ordens de Francisco Dias D’Ávila, que então receberia a patente de Capitão-Mor “de toda a gente<br />

branca e índios” 7 , Mafrense ocupou to<strong>do</strong> o território que posteriormente seria a região central <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, uma área que ultrapassava um milhão e duzentos mil hectares de terras.<br />

Construiu cerca de 30 fazen<strong>das</strong> em toda a região compreendia pelos rios Canindé e <strong>Piauí</strong>,<br />

correspondente a 40 léguas de sesmarias recebi<strong>das</strong> <strong>do</strong>s d’Ávila e da Coroa Portuguesa, como<br />

recompensa pelos inúmeros “serviços” presta<strong>do</strong>s para a Casa da Torre 8 . Essas expedições,<br />

dirigi<strong>das</strong> também por Domingos Rodrigues de Carvalho, foram marca<strong>das</strong> por violência<br />

extremada, haven<strong>do</strong> inúmeros relatos de chacinas que eram perpetra<strong>das</strong> contra indígenas: “‘... os<br />

portugueses, depois da entrega <strong>das</strong> armas, os amarraram e daí a <strong>do</strong>is dias mataram a sangue-frio<br />

to<strong>do</strong>s os homens de guerra, em número aproxima<strong>do</strong> de quinhentos, reduzin<strong>do</strong> à escravidão as<br />

suas mulheres e filhos. ’” 9 .<br />

Desta maneira se formaram as Fazen<strong>das</strong> em parte <strong>do</strong> território que comporia, anos<br />

mais tarde, o <strong>Piauí</strong>. A manutenção destas terras apenas seria possível através da guerra constante<br />

contra as tribos, resultan<strong>do</strong> na expropriação <strong>do</strong>s territórios ocupa<strong>do</strong>s pelos indígenas, uma ação<br />

que representaria o chama<strong>do</strong> “núcleo da pecuária no Esta<strong>do</strong>”. Esta atividade rapidamente se<br />

expande e “já em 1705, o Governa<strong>do</strong>r Geral solicitava <strong>do</strong>s sócios Domingos Afonso e Francisco<br />

Dias D’Ávila, que man<strong>das</strong>sem ga<strong>do</strong> para a Bahia ‘que se lhes garantia o preço <strong>do</strong> cruza<strong>do</strong> por<br />

arroba [...]” 10 . O rebanho bovino <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> passaria a ter importância em toda a colônia<br />

portuguesa na América, segun<strong>do</strong> Nunes (1975), estabelecen<strong>do</strong> uma forte relação entre o<br />

Maranhão e o Brasil: “Essa região por circunstâncias especiais, chegou a reter o mais rico<br />

rebanho de to<strong>do</strong> o império colonial português na América”. 11<br />

6 FALCI, Miridan Britto k. Escravos <strong>do</strong> sertão: demografia, trabalho e relações sociais. Teresina: FCMC, 1995. p.<br />

166.<br />

7 PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina: Arte Nova, 1974. p. 37.<br />

8 FALCI, op. cit., p. 166.<br />

9 NANTES, apud PORTO, op. cit., p. 37.<br />

10 PORTO, op. cit.. p. 38.<br />

11 NUNES, 1975 apud FALCI, op. cit., p. 83. Para alguns autores, o que era fundamental por essas paragens era a<br />

busca por metais “sob o disfarce da implantação de currais”, ver: SILVA, Jacionira Coelho. A presença da Casa da Torre<br />

12


É ainda no início <strong>do</strong> século XVIII, mais especificamente no ano de 1711, que,<br />

oficialmente sem herdeiros, Mafrense deixa o seu lega<strong>do</strong> para a Companhia de Jesus, cuja ação<br />

proporcionou uma ampliação destas terras para a marca de 39 fazen<strong>das</strong>. Desta feita, to<strong>das</strong> estas<br />

terras passam a ser administra<strong>das</strong> pelo reitor <strong>do</strong> Colégio da Bahia, instituição cultural <strong>das</strong> mais<br />

importantes <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial brasileiro 12 , então administrada pelo reitor João Antônio<br />

Andreoni, o Antonil. Tal controle objetivava impulsionar fortemente a construção da Ordem<br />

Religiosa por estas paragens, integran<strong>do</strong> pastoreio e missionarismo em uma ação que<br />

transformava ideologicamente os mora<strong>do</strong>res da região em “operários de Jesus”, dispostos a to<strong>do</strong>s<br />

os esforços no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> engrandecimento da Igreja e <strong>do</strong> Colégio da Bahia 13 .<br />

O trabalho <strong>do</strong>s jesuítas nas fazen<strong>das</strong> permaneceria por muito tempo na memória da<br />

população piauiense. Do ponto de vista da pecuária e <strong>do</strong> agronegócio, as quase cinco déca<strong>das</strong> de<br />

ação <strong>do</strong>s religiosos teriam obti<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>s bastante favoráveis para aquelas terras, “aumentan<strong>do</strong><br />

a criação de ga<strong>do</strong>, construin<strong>do</strong> casas de telhas, currais, cerca<strong>do</strong>s e açudes, levantan<strong>do</strong> capelas,<br />

abrin<strong>do</strong> escolas e ensinan<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res a fazerem lavoura. A primeira casa de telha <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

foi construída pelos jesuítas na fazenda Poção”. 14 Por esses tempos, as propriedades passam a ser<br />

conheci<strong>das</strong> como “Fazen<strong>das</strong> da Capela”, as quais, no ano de 1739, já possuiriam a extensão de<br />

100 léguas e em 1757, poucos anos antes da expropriação <strong>do</strong>s jesuítas pelo governo português,<br />

possuíam um rebanho de 32.000 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum. Ao mesmo tempo, os religiosos<br />

aproveitavam os lucros <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> para aumentar as boia<strong>das</strong> e as terras, constan<strong>do</strong> que, entre<br />

1745 e 1759, teriam adquiri<strong>do</strong> as fazen<strong>das</strong> Guaribas, Matos, Salinas, Cachoeira, Pobre, Itaueira e<br />

S. Romão, dentre outras formas, através da compra <strong>das</strong> propriedades, inclusive, <strong>das</strong> viúvas de<br />

Garcia D’Ávila Pereira e Domingos Jorge 15 . Os jesuítas ainda não eram capazes de prever a ação<br />

pombalina nos anos seguintes, algo que mudaria por completo essa situação.<br />

Com a expulsão e confisco <strong>do</strong>s jesuítas, ti<strong>do</strong>s como ofusca<strong>do</strong>res <strong>das</strong> luzes <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> 16 , as fazen<strong>das</strong> passam a ser considera<strong>das</strong> bens patrimoniais da Coroa Portuguesa, nas<br />

quais estavam incluí<strong>do</strong>s, além <strong>das</strong> terras, o ga<strong>do</strong> vacum e cavalar, e os escravos, vistos como o<br />

no <strong>Piauí</strong>. In: ARAÚJO, Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de; EUGÊNIO, João Kennedy. (Org.). Gente de longe: histórias<br />

e memórias. Teresina: Halley, 2006, p. 113-145.<br />

12 SERAFIM LEITE, 1945 apud NUNES, Odilon. Depoimentos históricos: “as Fazen<strong>das</strong> de Mafrense (hoje,<br />

Fazen<strong>das</strong> Estaduais)”. P. 59.<br />

13 NUNES, Odilon. Pesquisas para a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. 2. ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p. 74-75. v. 1<br />

14 AGUIAR, 1952 apud ROCHA, Odeth Vieira da. Maranduba: memória <strong>do</strong> Nordeste contada de viva voz - de<br />

mãe para filho, de avó para neto - para que não se percam nossos começos e tropeços. 2. ed. Rio de Janeiro:<br />

Sindical, 1994. p. 63-64.<br />

15 NUNES, op. cit., p. 102.<br />

16 SANTOS NETO, Antonio Fonseca <strong>do</strong>s. O <strong>Piauí</strong> e a independência: panfleto, palácio, gente. In: SANTANA, R.<br />

N. Monteiro de; SANTOS, Cineas (Org.). O <strong>Piauí</strong> e a unidade nacional. Teresina: Fundapi, 2007. p. 9-49.<br />

13


maior patrimônio “financeiro” <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> 17 . Desde então se tornou meta da Coroa angariar<br />

lucros a partir <strong>das</strong> terras seqüestra<strong>das</strong> <strong>do</strong>s jesuítas – com o mínimo de trabalho possível. Estas<br />

deveriam ser arremata<strong>das</strong> e vendi<strong>das</strong> em um espaço de tempo extremamente curto, motivo de<br />

vários expedientes <strong>do</strong> marquês de Pombal para o governa<strong>do</strong>r da Capitania, João Pereira Cal<strong>das</strong>.<br />

Todavia, com uma população de coloniza<strong>do</strong>res pobre e escassa, os intentos da Coroa não foram<br />

concretiza<strong>do</strong>s, mesmo porque os setores mais abasta<strong>do</strong>s da Província, “a população rica <strong>do</strong><br />

litoral, não se aventuraria numa empresa em sertão <strong>do</strong>s mais longínquos e temerosos”. 18<br />

Fig. 01: Mapa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> em 1761. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional.<br />

Para viabilizar a administração <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, então chama<strong>das</strong> “<strong>do</strong> Fisco”, a Coroa<br />

resolve dividir as terras em três Inspeções ou Departamentos, que possuíam um administra<strong>do</strong>r,<br />

geralmente escolhi<strong>do</strong> entre os representantes envia<strong>do</strong>s de Portugal e ávi<strong>do</strong>s por enriquecimento<br />

rápi<strong>do</strong>. O controle destas terras passa a ser o objetivo principal <strong>das</strong> juntas governativas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />

17 De acor<strong>do</strong> com FALCI, op. cit., p. 185: “Os escravos representavam entre 40 e 60% <strong>do</strong> patrimônio <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>...<br />

O preço de um escravo, ou seja, entre 400 e 500 mil réis, equivalia ao preço de 100 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum ou 50<br />

cavalos ou 6 jumentos”. As comunidades remanescentes de quilombos <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> observam com repulsa a inserção<br />

de homens e mulheres escraviza<strong>do</strong>s nesta contabilidade comparativa aos animais: “Nas Fazen<strong>das</strong> da Nação, a gente<br />

era conta<strong>do</strong> junto com bois e jumentos!” (informação verbal). Discurso de Antônio Bispo no Seminário <strong>das</strong><br />

Comunidades Negras Rurais Quilombolas da Região Centro Sul <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Técnicos <strong>do</strong> Emater e Parceiros, em São<br />

Raimun<strong>do</strong> Nonato, entre 31/03 e 01/04/2007.<br />

18 NUNES, op. cit., p. 66. A venda <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> possuía o objetivo de auferir recursos para a construção de cadeias,<br />

igrejas casas de câmara e oficinas nas vilas que então se pretendia fundar (Carta de Pombal)<br />

14


transforman<strong>do</strong>-se as cobiça<strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> no “mais importante ramo da administração pública”.<br />

19 A elevação da Vila da Mocha para Oeiras, capital da Província de São José <strong>do</strong> Piauhy, “calculada<br />

engenharia pombalina” no centro <strong>das</strong> antigas terras jesuíticas, bem demonstra que, além de<br />

caminho entre os Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Maranhão e Brasil, o centro <strong>do</strong> poder da nova Província tinha o “...<br />

fito de levar-se aos terreiros de fazenda e aos mais ermos rincões, a mão e olhar atentos <strong>do</strong> rei”. 20<br />

Isso não evitou os “descalabros administrativos”, como afirma Odilon Nunes, e apesar da<br />

corrupção, as fazen<strong>das</strong> cresceram, embora sempre abaixo <strong>das</strong> potencialidades <strong>do</strong> imenso<br />

território ocupa<strong>do</strong> 21 .<br />

Dentre os problemas recorrentes da irresponsabilidade da administração pública<br />

sobre estas terras, encontra-se o envio constante de ga<strong>do</strong> para outras Capitanias, sem a devida<br />

preocupação com os merca<strong>do</strong>s que poderiam efetivamente proporcionar mais lucros, ou ainda a<br />

falta de critérios na escolha de locais que pudessem propiciar menos desgaste <strong>das</strong> boia<strong>das</strong>, quase<br />

sempre leva<strong>das</strong> para a Bahia. Tu<strong>do</strong> isso não impediu que a Coroa auferisse receitas positivas com<br />

as fazen<strong>das</strong>: “como proprietária, seu apuro líqui<strong>do</strong>, nas déca<strong>das</strong> de setenta e oitenta <strong>do</strong> século<br />

XVIII, superou a casa <strong>do</strong>s 83:929$000rs”. 22 Contu<strong>do</strong>, no final <strong>do</strong> século XVIII, a pecuária <strong>do</strong><br />

<strong>Piauí</strong> atravessava sérias dificuldades, devi<strong>do</strong> ao desenvolvimento <strong>do</strong>s rebanhos em outras regiões<br />

– sobretu<strong>do</strong> o sul – e a manutenção da arcaica estrutura de criação extensiva existente desde o<br />

início <strong>do</strong> processo de colonização 23 .<br />

Sob o jugo da Coroa Portuguesa estas terras foram manti<strong>das</strong> até que se<br />

desencadeasse o processo de independência política. Em um novo contexto, as Fazen<strong>das</strong> passam<br />

para o Governo Imperial, sen<strong>do</strong> administra<strong>das</strong> pelo Departamento da Fazenda 24 . Entretanto, a<br />

estrutura patrimonialista criada, com a oficialização da apropriação <strong>do</strong> público pelo priva<strong>do</strong> 25 , fez<br />

com que durante o século XIX algumas <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> integrassem o <strong>do</strong>te de casamento da<br />

princesa Januária, irmã de D. Pedro II. Somente voltaram a ser controla<strong>das</strong> pelo poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

depois da partida da princesa para a Europa; por outro la<strong>do</strong>, na prática, as Fazen<strong>das</strong> pertenciam<br />

ao Impera<strong>do</strong>r, que as dispunha da forma que melhor conviesse aos interesses políticos da<br />

Monarquia. Foi também assim que se formaram fazen<strong>das</strong> particulares, através da utilização <strong>do</strong><br />

próprio ga<strong>do</strong> <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> da Nação: “... tu<strong>do</strong> no roubo e nas <strong>do</strong>ações. E quan<strong>do</strong> veio a<br />

19 Id., Ibid., p. 75.<br />

20 SANTOS NETO, op. cit., p. 16-28.<br />

21 NUNES, op. cit., p. 80.<br />

22 BRANDÃO, op. cit., p. 74.<br />

23 Id., Ibid., p. 76.<br />

24 FALCI, op. cit., p.166-167.<br />

25 Patrimonialismo aqui usa<strong>do</strong> na acepção de Max Weber, ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes <strong>do</strong> Brasil.<br />

26. ed. São Paulo: Companhia <strong>das</strong> Letras, 1995. p. 141-151.<br />

15


independência o governo imperial brasileiro abusou <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio e desan<strong>do</strong>u a fazer <strong>do</strong>ações<br />

para antigos ricos, reduzin<strong>do</strong> o número <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>.” 26<br />

Quanto aos escravos, no decorrer <strong>do</strong> século XIX, estes apenas cresceram em<br />

número, passan<strong>do</strong> oficialmente de 498, em 1811, para 738 no ano de 1855. Formam-se então, de<br />

acor<strong>do</strong> com Rocha, duas categorias de trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s: os “da Nação”, que “... se<br />

julgavam superiores aos escravos de particulares, alegan<strong>do</strong> que o senhor deles era o rei e os...<br />

escravos de parte... de senhores que compravam nas feiras da Bahia.” 27 . Essa população escrava<br />

aglutinar-se-ia em núcleos nas terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, resistin<strong>do</strong> aos diversos administra<strong>do</strong>res<br />

envia<strong>do</strong>s pela Monarquia e aos desman<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s arrendatários que fechavam acor<strong>do</strong>s com os<br />

governos. Embora um setor expressivo da historiografia piauiense considere que os trabalha<strong>do</strong>res<br />

escraviza<strong>do</strong>s destas fazen<strong>das</strong>, desde a administração da Coroa Portuguesa, possuíam uma situação<br />

de “diferenciação” em relação aos escravos de particulares, cada vez mais se evidencia que<br />

também existia uma atmosfera de forte tensão no interior daquelas terras. Inspetores e cria<strong>do</strong>res<br />

eram constantemente denuncia<strong>do</strong>s pelas agressões cotidianamente cometi<strong>das</strong> contra homens e<br />

mulheres escraviza<strong>do</strong>s 28 . Geralmente esses reclamos eram envia<strong>do</strong>s para o presidente da<br />

Província, cuja capital, até o ano de 1852, estava na cidade de Oeiras, como dito anteriormente,<br />

criada no interior <strong>das</strong> terras da Casa da Torre e circundada pelas fazen<strong>das</strong> <strong>do</strong> Fisco. Dentre as<br />

inúmeras queixas impetra<strong>das</strong> contra os mandatários <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> está a bastante conhecida carta<br />

da escrava Esperança Garcia, que em 1770 relatava os castigos sofri<strong>do</strong>s a man<strong>do</strong> <strong>do</strong> inspetor de<br />

Nazaré:<br />

Desde que o Capitão para lá foi administrar, que me tirou da Fazenda <strong>do</strong>s Algodões,<br />

onde vivia com meu mari<strong>do</strong>, para ser cozinheira da sua casa, onde nela passo muito<br />

mal. A primeira é que há grandes trovoa<strong>das</strong> de panca<strong>das</strong> em um filho meu sen<strong>do</strong> uma<br />

criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um<br />

colchão de panca<strong>das</strong>, tanto que caí uma vez <strong>do</strong> sobra<strong>do</strong> abaixo peiada; por misericórdia<br />

de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos.<br />

E uma criança minha e duas mais por batizar. 29<br />

Mais uma vez demonstran<strong>do</strong> a péssima administração a que estiveram submeti<strong>das</strong> as<br />

fazen<strong>das</strong>, houve uma redução drástica <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, que, entre os anos 1811 e 1855, um rebanho de<br />

50.000 cabeças passou para 23.000 cabeças 30 . Isso gerava preocupações na Coroa quanto aos<br />

resulta<strong>do</strong>s negativos obti<strong>do</strong>s e com o suposto trabalho insuficiente <strong>do</strong>s escravos, razão de<br />

constantes reclamações <strong>do</strong> Governo Imperial, consubstancia<strong>das</strong> em cartas e ordens diversas, que<br />

26 ROCHA, op. cit., p. 66-67.<br />

27 Id., Ibid., p. 67-68.<br />

28 Sobre essa questão, ver: LIMA, Solimar Oliveira. Doutrina <strong>do</strong>s inimigos: formas de controle e resistência <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s nas fazen<strong>das</strong> públicas de pastoreio no <strong>Piauí</strong>: 1711 – 1871. In: NASCIMENTO, Alcides;<br />

VAINFAS, Ronal<strong>do</strong> (Org.). História e historiografia. Recife: Bagaço, 2006. p. 433-457.<br />

29 LIMA, op. cit.,. p. 446.<br />

30 FALCI, op. cit., p. 181–183.<br />

16


justificavam inclusive as sucessivas transferências de escravos entre fazen<strong>das</strong>, ou até mesmo o seu<br />

envio para outros Esta<strong>do</strong>s, especialmente o Maranhão 31 . Constituíam, na realidade, meros<br />

pretextos para separar as famílias escraviza<strong>das</strong> e subtrair a responsabilidade da própria<br />

administração pública pelo tratamento dispensa<strong>do</strong> às Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Segun<strong>do</strong> Lima, a Corte<br />

Portuguesa e o Império deixaram:<br />

... as fazen<strong>das</strong> de tal mo<strong>do</strong> dilapida<strong>das</strong> que, no início da década de 1870, nada<br />

mais eram que vastidões de terras praticamente improdutivas, com reduzi<strong>do</strong><br />

número de reses e de trabalha<strong>do</strong>res, na verdade homens e mulheres <strong>do</strong>entes ou<br />

exaustos, muitos jovens ou velhos. Quan<strong>do</strong> pouco ou quase nada restava para<br />

explorar, a Nação determinou a libertação de seus trabalha<strong>do</strong>res e o<br />

arrendamento <strong>das</strong> terras. 32<br />

Com o advento da República, as terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> passaram para o<br />

<strong>do</strong>mínio da União. Tentativas foram realiza<strong>das</strong> no senti<strong>do</strong> de transferi-las para o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, o que já era previsto na Constituição de 1891, quan<strong>do</strong> menciona os “próprios nacionais”<br />

dispensáveis aos serviços da União 33 . Porém, isso não foi cumpri<strong>do</strong>, vin<strong>do</strong> a se tornar realidade<br />

somente com a Constituição <strong>do</strong> ano de 1946. Afirma o Art. 7, em suas Disposições Transitórias:<br />

“Passam à propriedade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> as fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio da União, situa<strong>das</strong><br />

no território daquele Esta<strong>do</strong> e remanescentes <strong>do</strong> confisco aos jesuítas no perío<strong>do</strong> colonial”. 34<br />

Esse dispositivo não representou melhorias para aquelas terras. Nos anos 70,<br />

verdadeiras “sesmarias” ainda chegaram a ser concedi<strong>das</strong> para empresários interessa<strong>do</strong>s na<br />

especulação fundiária, sob o disfarce de projetos agropecuários e de reflorestamento. Vários<br />

órgãos ou programas foram cria<strong>do</strong>s para garantir a regularização fundiária daqueles espaços, mas<br />

apenas mantiveram uma estrutura agrária assentada no latifúndio. Dentre eles estão a<br />

COMDEPI, POLONORDESTE, PDRI e INTERPI que, por não terem como finalidade<br />

precípua a reforma agrária, nunca conseguiram afastar aquela vasta região <strong>do</strong> secular atraso 35 .<br />

Hoje, o INTERPI - Instituto de Terras <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, funda<strong>do</strong> no início <strong>do</strong>s anos 80, é o<br />

principal responsável pela administração e regularização <strong>das</strong> terras que estavam na área de<br />

abrangência <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> Estaduais 36 . Uma parte daquele território foi repassada para a alçada<br />

<strong>do</strong>s municípios. Títulos de propriedade continuam sen<strong>do</strong> concedi<strong>do</strong>s. Indivíduos, grupos ou<br />

comunidades que, tradicionalmente, ocuparam tais localidades ainda esperam a regulamentação<br />

de suas posses em muitas localidades daqueles imensos rincões. Em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Santa<br />

31 Id., Ibid. p. 180-183.<br />

32 LIMA, op. cit.,. p. 457.<br />

33 Para consultar o art. 64 da Constituição de 1891, ver: MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento <strong>do</strong><br />

<strong>Piauí</strong>. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. p. 143.<br />

34 FALCI, op. cit., p. 165-166.<br />

35 MENDES, op. cit., p. 143.<br />

36 FALCI, op. cit., p. 169.<br />

17


Cruz, Santo Inácio, Isaías Coelho e muitos outros municípios finca<strong>do</strong>s nos espaços onde outrora<br />

se encontravam as terras da Nação, INTERPI e INCRA esforçam-se para não repetirem os<br />

mesmos erros. Muitas comunidades mantiveram-se naquelas áreas mesmo após o fim <strong>do</strong> regime<br />

escravista e a derrocada <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong>. Algumas destas são, nos nossos dias, auto-<br />

reconheci<strong>das</strong> e reconheci<strong>das</strong> pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro como quilombolas. Além <strong>das</strong> cidades<br />

referi<strong>das</strong> acima, onde se situava a Inspeção de Canindé, as antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> incluem<br />

também os territórios <strong>do</strong>s seguintes municípios: Nazaré e Floriano (Inspeção Nazareth), S.<br />

Francisco <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, S. José <strong>do</strong> Peixe, Paes Landim, Socorro <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Canto <strong>do</strong> Buriti, S. João <strong>do</strong><br />

<strong>Piauí</strong> (Inspeção <strong>Piauí</strong>); Oeiras, Simplício Mendes, Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e Conceição <strong>do</strong> Canindé<br />

(Inspeção Canindé) 37 . Em Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> está a Fábrica de Laticínios e em Floriano o prédio<br />

<strong>do</strong> antigo estabelecimento rural de São Pedro de Alcântara.<br />

2.2- OS PROJETOS DE ADMINISTRAÇÃO E ARRENDAMENTO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS NO PIAUÍ<br />

Muito já se comentou que o processo de colonização <strong>das</strong> terras hoje compreendi<strong>das</strong><br />

pelo Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> começou <strong>do</strong> sertão <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> para o litoral <strong>das</strong> indústrias de<br />

charque. É importante ainda frisar que a própria “elevação” destas terras para a condição de<br />

Capitania de São José <strong>do</strong> Piauhy não pode ser entendida sem considerar o interesse que a Coroa<br />

Portuguesa nutria em relação às propriedades <strong>do</strong>s jesuítas. A capital <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a cidade de<br />

Oeiras, foi escolhida exatamente pela sua localização, no interior <strong>das</strong> terras toma<strong>das</strong> da Ordem de<br />

Loyola. À época, conforme a perspectiva lusitana, nessa região somente estas terras despertavam<br />

interesse, já que se tratavam <strong>das</strong> “... únicas unidades produtivas organiza<strong>das</strong> racionalmente no<br />

<strong>Piauí</strong>...” 38 .<br />

Nesse contexto, a principal tarefa <strong>do</strong> primeiro governa<strong>do</strong>r, João Pereira Cal<strong>das</strong>, foi<br />

realizar o trabalho “sujo”: confiscar as terras <strong>do</strong>s jesuítas e prendê-los 39 . Com essa medida, as<br />

fazen<strong>das</strong> passavam a configurar-se como a “... base econômica da fundação da Capitania...” 40 e por<br />

aí devem ser cessa<strong>do</strong>s quaisquer elogios ao sucesso <strong>do</strong> empreendimento, racionalidade da<br />

administração ou outras coisas dessa natureza. Por outro la<strong>do</strong>, mesmo diante da inépcia <strong>do</strong>s<br />

37 Id., Ibid., p. 171. Ver: ALENCASTRE, J. M. Memória cronológica, histórica e corográphica da província <strong>do</strong><br />

Piauhy. Rio 15 de maio de 1855. Revista <strong>do</strong> IHGB. Tomo XX, p. 50-61.<br />

38 BORGES, Geral<strong>do</strong> Almeida. Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>: evolução e decadência. Teresina: Fundação CEPRO, 1981. p.<br />

06.<br />

39 MENDES, op. cit., p. 31-32.<br />

40 BORGES, op. cit., p. 06.<br />

18


projetos monárquicos de produzir resulta<strong>do</strong>s satisfatórios, os <strong>do</strong>is monumentos que ora estão em<br />

apreciação para tombamento federal apresentam-se, para<strong>do</strong>xalmente, como exceções a essa<br />

lógica, apesar da falência quase que imediata dessas tentativas.<br />

Passan<strong>do</strong> para o controle <strong>do</strong>s reis de Portugal ou <strong>do</strong> Brasil, conforme o perío<strong>do</strong>, e<br />

seus asseclas em Oeiras ou Teresina, a administração desses bens públicos nitidamente destaca-se<br />

pelo descaso, absenteísmo e apadrinhamentos políticos. Várias foram as tentativas de vendê-las, a<br />

exemplo <strong>do</strong> projeto apresenta<strong>do</strong> às Cortes em 1822 pelo deputa<strong>do</strong> Domingos da Conceição,<br />

diga-se de passagem, não aprova<strong>do</strong> e da orientação concedida em 1861 pelo governo imperial<br />

para que as terras fossem vendi<strong>das</strong> 41 , também não concretizada. Na verdade, tu<strong>do</strong> se inicia com<br />

marquês de Pombal, que estimulava a venda para a obtenção de recursos para a estruturação <strong>das</strong><br />

novas vilas, mas sempre se esbarrava em algum empecilho, e quan<strong>do</strong> isso foi feito, já pelo Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, o negócio não poderia ter si<strong>do</strong> pior 42 .<br />

Nos mais de 270 anos em que as fazen<strong>das</strong> ficaram sob o jugo <strong>do</strong> governo 43 , a<br />

alternativa tardiamente encontrada à venda foi o arrendamento. Mas tal opção não pode ser<br />

considerada uma invenção monárquica, pois, mesmo a Casa da Torre e os seus sócios – os<br />

irmãos Mafrense – embora controlan<strong>do</strong> rigidamente toda a extensão de terras que era aumentada<br />

sucessivamente, entregavam a terceiros suas possessões através de arrendamentos ou da partilha<br />

<strong>do</strong> ga<strong>do</strong>. Leonor Pereira Marinho, <strong>do</strong>s d’Ávila, por exemplo, entregava os latifúndios para a<br />

administração de vaqueiros que ficariam com uma em cada quatro novas reses nasci<strong>das</strong> nas<br />

fazen<strong>das</strong>. Já o padre Miguel de Carvalho, contemporâneo de Domingos Afonso <strong>Sertão</strong> 44 e autor<br />

de “Descrição <strong>do</strong> <strong>Sertão</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>”, legou-nos a informação de que os magnatas 45 da Casa da<br />

Torre arrendavam suas terras ao valor de 10 mil réis por fazenda.<br />

Tais práticas mantiveram-se ao longo <strong>do</strong>s séculos, sen<strong>do</strong> responsáveis pelo<br />

surgimento lícito ou ilícito – toman<strong>do</strong>-se como parâmetro os acor<strong>do</strong>s da época – de muitas<br />

fazen<strong>das</strong> particulares que se espalharam pelo sertão piauiense 46 . Os jesuítas cultivaram o sistema<br />

de quarta, prática também a<strong>do</strong>tada pelas Monarquias. Estas, ao que tu<strong>do</strong> indica, descobriram-na<br />

como importante instrumento de controle de mão-de-obra que, não obstante sob o trabalho<br />

compulsório, poderia sentir-se menos explorada por perceber aquela porcentagem da produção<br />

41 Id., Ibid., p. 13-20.<br />

42 MENDES, op. cit., p. 146.<br />

43 Esses cálculos são de: Ibid., p. 143.<br />

44 Os <strong>do</strong>is entraram em conflito em função da localização da Capelinha de Nossa Senhora da Vitória, destruída pelos<br />

homens da Casa da Torre por estar dentro, como tu<strong>do</strong> o mais no <strong>Piauí</strong>, <strong>das</strong> suas possessões. Posteriormente no<br />

local da Capela surgiria a Vila da Mocha, onde hoje localiza-se a cidade de Oeiras. NUNES, op. cit., p. 67-68.<br />

45 Expressão utilizada pelo ilustre historia<strong>do</strong>r piauiense Odilon Nunes.<br />

46 NUNES, op. cit., p. 63.<br />

19


ovina. Os repeti<strong>do</strong>s momentos de tensão nas fazen<strong>das</strong> obrigavam a que se retomasse o costume<br />

da partilha <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, a man<strong>do</strong> <strong>das</strong> autoridades da Corte Portuguesa ou da Monarquia brasileira 47 .<br />

Já a possibilidade de arrendamento criou condições favoráveis para que essa grande<br />

extensão de terras e a enorme estrutura <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> passassem a ser cobiça<strong>das</strong> pelos setores<br />

<strong>do</strong>minantes da sociedade piauiense, que viam no usufruto dessa área a oportunidade de serem<br />

reconheci<strong>do</strong>s como ricos fazendeiros, embora fossem grandes os riscos de derrocada <strong>do</strong>s<br />

empreendimentos instala<strong>do</strong>s em pleno “sertão de dentro” 48 . Ou seja, além <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> despontar<br />

como maior gera<strong>do</strong>r de riquezas para particulares em função <strong>do</strong> comércio interprovincial, havia a<br />

pesada memória da pecuária que transformara a figura <strong>do</strong> fazendeiro em símbolo de status e<br />

poder na sociedade piauiense 49 , o que tornou aquelas terras alvo de acirra<strong>das</strong> disputas políticas no<br />

século XIX. Não seria, portanto, difícil transformar o “tradicional” expediente <strong>do</strong> arrendamento<br />

em uma prática para viabilizar a administração <strong>das</strong> propriedades da Monarquia, sempre<br />

justifica<strong>do</strong> pelos contínuos prejuízos proporciona<strong>do</strong>s pela péssima administração pública ou<br />

como forma de se evitar os saques <strong>do</strong>s bens <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong>, soma<strong>do</strong> aos problemas advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

sucessivos conflitos entre administra<strong>do</strong>res, vaqueiros, posseiros e (ex) escravos. Nada, porém,<br />

impediria que esses problemas se repetissem, pois mesmo o caráter <strong>do</strong>s arrendamentos, tantas<br />

vezes coloca<strong>do</strong> pelas lideranças políticas locais como panacéia até mesmo para problemas<br />

financeiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, assim como a natureza política assumida pelas sucessivas administrações,<br />

na realidade, contribuíram para acelerar a derrocada <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> e <strong>do</strong>s mais<br />

interessantes empreendimentos construí<strong>do</strong>s na região: a Fábrica e a Escola Rural.<br />

To<strong>do</strong>s esses problemas são sobejamente denuncia<strong>do</strong>s por críticos da utilização<br />

patrimonialista <strong>das</strong> terras nacionais. A situação é exposta de forma bastante ácida pelo deputa<strong>do</strong><br />

Coelho de Rezende, que em seu discurso na Câmara Geral <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s disparava:<br />

Senhores, as fazen<strong>das</strong> nacionais <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, a sua inspeção e administração constituem o<br />

que se pode chamar uma escola de furto; constituem uma cova de Caco, em cujo balcão<br />

se mercadeja com a consciência <strong>do</strong>s amigos da situação e os princípios políticos <strong>do</strong>s<br />

adversários, porque os efeitos nacionais servem para conservar a firmeza política de uns<br />

e atrair a adesão <strong>do</strong>s outros.<br />

Dos elementos políticos com que joga naquela terra a política <strong>do</strong> <strong>do</strong>natário, não há cousa<br />

alguma comparável aos efeitos extraordinários da atração <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais. 50<br />

47 Este assunto é discuti<strong>do</strong> em: LIMA, op. cit., p.438-442.<br />

48 Para Capistrano de Abreu, eram “... baianos os sertões de dentro, desde o rio S. Francisco até o Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

Maranhão”, área dentro da qual se encontra o sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e que foi palco da ação <strong>do</strong>s membros da Casa da<br />

Torre. Ver: ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia;<br />

São Paulo: USP, 1988. p.239.<br />

49 QUEIROZ, Terezinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. 3. ed. Teresina: UFPI, 2006. p. 22.<br />

50 SAMPAIO, Antônio José de. Petição dirigida aos ilustres membros <strong>do</strong> Congresso Nacional pelo Dr.<br />

Antônio José de Sampaio: arrendatário nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Rio de Janeiro: Casa<br />

Mont’Alverne, 1899. p. 23. (Discurso <strong>do</strong> deputa<strong>do</strong> Simplício Coelho de Rezende. Câmara Geral <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s).<br />

20


Trata-se de uma passagem que revela, de forma cristalina, o que seguimos afirman<strong>do</strong>.<br />

Primeiro, a elite piauiense possuía eleva<strong>do</strong> interesse naquelas terras. Em segun<strong>do</strong> lugar, a péssima<br />

administração e a corrupção eram duas faces da mesma moeda no que se refere à forma de<br />

gerenciar toda aquela região. E, finalmente, por conta da possibilidade de enriquecimento e status<br />

não havia no <strong>Piauí</strong> “cousa alguma comparável aos efeitos extraordinários da atração <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong><br />

nacionais”.<br />

Utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> discurso da necessidade de ruptura com essa prática, o Dr. Antônio<br />

José de Sampaio argumentava ao Congresso Brasileiro sobre a importância <strong>do</strong> novo projeto que<br />

com ele se construíra 51 . O Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara – algumas déca<strong>das</strong><br />

antes – havia se configura<strong>do</strong> como a esperança de transformação de toda uma área que, além de<br />

fazen<strong>das</strong> estropia<strong>das</strong> e atividades de subsistência leva<strong>das</strong> adiante por comunidades negras<br />

renitentes, praticamente nada mais possuía de importância. Assim seriam celebra<strong>do</strong>s contratos de<br />

arrendamento entre o Governo Imperial e os senhores Antônio José de Sampaio e Francisco<br />

Parentes, responsáveis, respectivamente, pelo soerguimento da Fábrica de Laticínios e <strong>do</strong><br />

Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara. Eles foram incumbi<strong>do</strong>s de colocar em prática os<br />

novos projetos <strong>do</strong> Governo Imperial, estan<strong>do</strong> a construção de ambos os prédios previstos e<br />

defini<strong>do</strong>s nos respectivos contratos, com prazos a serem cumpri<strong>do</strong>s e utilização de verbas<br />

públicas e/ou priva<strong>das</strong>. Esses promissores contratos seriam os pioneiros na tentativa de<br />

utilização racional <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong>, mediante projetos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Imperial, que evidenciavam a<br />

busca de “desenvolvimento humano e material” 52 daquela região.<br />

2.3- A PROXIMIDADE EXISTENTE ENTRE OS DOIS CONTRATOS<br />

O Contrato que proporcionou a fundação <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro<br />

de Alcântara foi assina<strong>do</strong> junto ao Ministério <strong>do</strong>s Negócios da Agricultura, Commercio e Obras<br />

Públicas, por intermédio <strong>do</strong> conselheiro José Fernandes da Costa Pereira Júnior 53 . É patente a<br />

relação que possui com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, de 1871, que oficializaria a libertação <strong>do</strong>s escravos<br />

“da Nação” de to<strong>das</strong> as idades. Em decorrência desse dispositivo, surgiu a necessidade de se<br />

disciplinar, educar, tornar apta ao trabalho uma massa de trabalha<strong>do</strong>res <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong><br />

51 SAMPAIO, op. cit., p. 23.<br />

52 VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de Ícaro: tensões e drama de um industrial no sertão. Teresina:<br />

Halley, 2006. p. 59.<br />

53 PIAUÍ. Decreto nº 5.392, de 10 de setembro de 1873. Autoriza a celebração <strong>do</strong> contrato proposto por Francisco<br />

Parentes para a fundação de um estabelecimento rural na província <strong>do</strong> Piauhy, comprehenden<strong>do</strong> as fazen<strong>das</strong><br />

nacionaes denomina<strong>das</strong> – Guaribas, Serrinhas, Mattos, Algodões e Olho D’Água – pertencentes ao departamento<br />

de Nazareth. <strong>Piauí</strong>, 1873.<br />

21


saí<strong>das</strong> <strong>do</strong> cativeiro sem projetos e potencialmente rebelde, o que poderia trazer como<br />

conseqüências, <strong>do</strong> ponto de vista da elite agrária <strong>do</strong>minante, sérios prejuízos para a “ordem”<br />

daquela sociedade.<br />

É nessa perspectiva que se formula o Contrato, estipulan<strong>do</strong>, inicialmente, que<br />

deveriam ser emprega<strong>do</strong>s no Estabelecimento to<strong>do</strong>s os “libertos da nação” aptos ao trabalho,<br />

sen<strong>do</strong> de responsabilidade <strong>do</strong> arrendatário, no caso o engenheiro agrônomo Francisco Parentes,<br />

imprimir à escola um caráter de formação para a “agricultura prática”. A função primeira <strong>do</strong><br />

Estabelecimento seria a “educação física, moral e religiosa” <strong>do</strong>s libertos menores de idade e <strong>do</strong>s<br />

filhos <strong>das</strong> escravas nasci<strong>do</strong>s após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Porém, estes não<br />

poderiam ser separa<strong>do</strong>s <strong>das</strong> mães e nem envia<strong>do</strong>s para a escola antes de completarem os cinco<br />

anos de idade. Aos inváli<strong>do</strong>s e aos órfãos, o Estabelecimento deveria também fornecer a<br />

assistência necessária, abrigan<strong>do</strong>-os em asilo e prestan<strong>do</strong> socorros e alimentos 54 .<br />

Fig. 02: Francisco Parentes assinou o Contrato que deu origem ao Estabelecimento<br />

Rural. Fonte: arquivo pessoal de Nilson Coelho.<br />

Além da agricultura, que seria uma atividade básica <strong>do</strong> Estabelecimento, na qual se<br />

aconselhava o plantio de algodão e cana-de-açúcar, o empreendimento deveria também realizar o<br />

trabalho de fabrico de charquea<strong>das</strong>, curtume e sabão. Na verdade, o Contrato previa algo bem<br />

maior <strong>do</strong> que o monumento que ora se encontra em apreciação para tombamento federal.<br />

Quan<strong>do</strong> se mencionava o “Estabelecimento”, havia referência a um conjunto arquitetônico que<br />

incluiria: “prédio de residência, casa de oração, enfermaria, aula, cemitério, edifícios com<br />

proporções para as fábricas e curtume... para quartel <strong>das</strong> praças encarrega<strong>das</strong> da polícia <strong>do</strong><br />

estabelecimento... deven<strong>do</strong> também preparar um campo para estu<strong>do</strong>s agronômicos.” 55<br />

Ou seja, tratava-se de uma proposta, de certa forma ousada <strong>do</strong> governo, em que se<br />

daria a construção de um projeto-piloto que poderia transformar-se, como de fato ocorreu, em<br />

54 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula III.<br />

55 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula V.<br />

22


um germe <strong>do</strong> núcleo urbano para o atendimento <strong>das</strong> necessidades de pessoas negras que<br />

vagavam sem ocupação, com o fim da escravidão nas fazen<strong>das</strong>. Para a execução dessa tarefa, o<br />

governo comprometer-se-ia a desembolsar a vultosa quantia de 80 (oitenta) contos de réis, em<br />

um prazo de cinco anos a partir da assinatura <strong>do</strong> Contrato, celebra<strong>do</strong> em 10 de setembro de<br />

1873, <strong>do</strong>is anos após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Na prática, toda essa soma de<br />

recursos públicos resultaria na construção de cinco edificações, <strong>das</strong> quais resta-nos apenas uma,<br />

atualmente conhecida como “Terminal Turístico” da cidade de Floriano. O desaparecimento <strong>das</strong><br />

demais pode ser constata<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> algumas informações forneci<strong>das</strong> por Sampaio, que, em um<br />

livro de 1892, descreve os prédios existentes: “... um denomina<strong>do</strong> residência, bonito edifício<br />

construí<strong>do</strong> de tijolos de alvenaria, com accomodações proprias para um internato, situa<strong>do</strong> à<br />

margem <strong>do</strong> Parnahyba (...) e quatro de construção fraca, de a<strong>do</strong>bes sobre alicerces de pedra”. 56<br />

Fig. 03: Foto de Antônio Sampaio.<br />

Fonte: “A General Description of the State of Piauhy…”, 1905.<br />

Nos anos iniciais <strong>do</strong> seu Contrato, o Dr. Antônio José de Sampaio já demonstrava<br />

preocupações com os rumos segui<strong>do</strong>s pelo Estabelecimento Rural, primeiro imóvel recebi<strong>do</strong> pelo<br />

arrendamento <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. A situação <strong>do</strong> Estabelecimento não condizia com as<br />

somas de recursos despendi<strong>do</strong>s com o Projeto e, muito menos, com as expectativas deposita<strong>das</strong><br />

pela Província nos ideais <strong>do</strong> empreendimento. Tu<strong>do</strong> isso seria motivo de segui<strong>do</strong>s protestos por<br />

parte daquele arrendatário que, para atribuir valor de verdade ao seu discurso sobre o povoa<strong>do</strong> de<br />

Colônia, utilizava-se da fala de funcionários <strong>do</strong> governo que davam conta da situação desola<strong>do</strong>ra<br />

56 SAMPAIO, Antônio José de. Injusta rescisão <strong>do</strong> contracto de arrendamento celebra<strong>do</strong> no contecioso <strong>do</strong><br />

thesouro nacional a 26 de abril de 1889 entre o governo geral e o Dr.Antônio José de Sampaio referente o<br />

mesmo contracto às fazen<strong>das</strong> nacionaes sitas no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> piauhy. Ao Exm. Sr. Marechal Floriano<br />

Peixoto presidente da República. Rio de Janeiro: Typographia <strong>do</strong> Apostolo, Rua da Assembléia nº 53, 1892. p.<br />

40.<br />

23


<strong>do</strong> Estabelecimento 57 , contrária ao que estava previsto no Contrato que dera origem aos prédios.<br />

Em petição endereçada ao Congresso Nacional, em 1899, Sampaio afirmava a impossibilidade <strong>do</strong><br />

atendimento <strong>das</strong> cláusulas pertinentes ao Estabelecimento, reclaman<strong>do</strong> da enorme quantia gasta<br />

pelo Governo no Projeto, “afora as sucessivas verbas anualmente autoriza<strong>das</strong> para o seu custeio”,<br />

que resultara em um prédio “mal construí<strong>do</strong>” e “sem estilo” 58 (nesse trecho desconsiderou,<br />

então, o fato de tê-lo chama<strong>do</strong> de um “bonito edifício” alguns anos antes).<br />

Mas não era apenas o problemático Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />

Alcântara e suas respectivas fazen<strong>das</strong> que havia de comum entre o acor<strong>do</strong> assina<strong>do</strong> por Sampaio<br />

e o subscrito por Parentes alguns anos antes. Assim como aquele que nos legou a Fábrica de<br />

Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, o contrato anterior previa a “fabricação” de produtos<br />

diversos. A produção de queijo encontrava-se entre os itens resultantes <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong><br />

Estabelecimento 59 , e, inclusive, era estipula<strong>do</strong> um prazo de <strong>do</strong>is anos para que fossem inicia<strong>do</strong>s<br />

os trabalhos da “fábrica de queijo” 60 , termo utiliza<strong>do</strong> no próprio contrato. Ambos determinavam<br />

aos arrendatários as obrigações de construção de “açudes artificiais” e o melhoramento <strong>das</strong> raças<br />

de ga<strong>do</strong> existentes nas Fazen<strong>das</strong>. E o mais importante: tinham como principal objeto de interesse<br />

o arrendamento <strong>das</strong> enormes Fazen<strong>das</strong> da Nação existentes no <strong>Piauí</strong>.<br />

Fig. 04: Represamento <strong>do</strong> Riacho Socotó.<br />

Fonte: Arquivo da 19ª SR/IPHAN.<br />

A relação entre esses projetos – que deveriam ser desenvolvi<strong>do</strong>s em comunhão a<br />

cada arrendamento – levava por vezes à confusão entre o que era escola e aquilo que era feito na<br />

fábrica, como pode ser ilustra<strong>do</strong> na fala de um descendente de italiano, ao explicar os motivos da<br />

vinda <strong>do</strong>s seus ancestrais para o <strong>Piauí</strong>: “falavam da vinda <strong>do</strong>s italianos da Lituana para trabalhar<br />

nas antigas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, conhecida como Colônia de São Pedro de Alcântara para o<br />

serviço na fabrica de queijo e manteiga”. 61<br />

57 SAMPAIO, op. cit,. p. 37.<br />

58 Id., Ibid., p. 24.<br />

59 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula IV.<br />

60 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula XII. Termo utiliza<strong>do</strong> no próprio Contrato assina<strong>do</strong><br />

por Parentes.<br />

61 Entrevista de José Leitão Reinal<strong>do</strong> concedida à pesquisa<strong>do</strong>ra Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de Araújo em 07/09/2007.<br />

Ver: ARAÚJO, Maria Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de. Italianos em Picos-PI: imagens e narrativas. In: ARAÚJO, Maria<br />

24


2.4. O ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />

Funda<strong>do</strong> em tempos de Monarquia para o cumprimento de determinações da Lei<br />

<strong>do</strong> Ventre Livre, o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara afigurou-se também como<br />

uma estratégia <strong>do</strong> governo monárquico para reforçar sua popularidade entre homens e mulheres<br />

escraviza<strong>do</strong>s, que viviam um momento de esperanças com a proximidade de um possível terceiro<br />

reina<strong>do</strong>, no qual seriam considera<strong>do</strong>s cidadãos, servin<strong>do</strong> a um impera<strong>do</strong>r paternalista e<br />

carismático 62 .<br />

Fig. 05: Fotografia recente <strong>do</strong> antigo<br />

Estabelecimento Rural São Pedro de<br />

Alcântara.<br />

Fonte: arquivo pessoal de Nilson Coelho.<br />

O nome <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r ao longo <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XIX gozava de certo<br />

nível de popularidade entre os negros. O monarca passara a ser reconheci<strong>do</strong> como defensor <strong>das</strong><br />

causas <strong>do</strong>s escravos, um ser providencial que preparava a libertação <strong>do</strong>s escravos, apesar <strong>das</strong><br />

ameaças <strong>do</strong>s setores republicanos. Um estratagema monárquico desenvolvi<strong>do</strong> através de uma<br />

“carpintaria político-teatral”, para usar um termo de Chalhoub, que incluía concessão de graças<br />

em dias de festas, e perdão a condena<strong>do</strong>s em sentenças de morte 63 . Não poderíamos deixar de<br />

imaginar que o nome <strong>do</strong> Estabelecimento que ora analisamos estaria dentro dessas “artimanhas”<br />

de Sua Alteza no senti<strong>do</strong> de continuar arrebanhan<strong>do</strong> o apoio político da população negra até a<br />

“i<strong>do</strong>latria áulica”, condenada por Rui Barbosa 64 .<br />

Mafalda Bal<strong>do</strong>íno de; EUGÊNIO, João Kennedy (Org.). Gente de longe: histórias e memórias. Teresina: Halley,<br />

2006. p. 369.<br />

62 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong> da escravidão na corte. São Paulo:<br />

Companhia <strong>das</strong> Letras, 1990. p. 179-180.<br />

63 Id., Ibid., p. 178-179.<br />

64 BARBOSA, 1921 apud Id., Ibid., p. 180.<br />

25


Contu<strong>do</strong>, algumas pistas nos são forneci<strong>das</strong> pelos <strong>do</strong>cumentos da época e por<br />

relatos desencontra<strong>do</strong>s. O nome teria si<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong> após uma conversa entre o Marquês de<br />

Paranaguá 65 e o Impera<strong>do</strong>r Pedro II. Pergunta<strong>do</strong> sobre o que poderia ser feito na Província após<br />

uma “seca cruel”, o Marquês responde ao rei que se deveria criar uma colônia agrícola às margens<br />

<strong>do</strong> rio Parnaíba, sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> engenheiro agrônomo Francisco Parentes. A única exigência<br />

deste, conforme a patética narrativa seria o nome que a Colônia deveria receber: “São Pedro de<br />

Alcântara”, “nome de nosso imortal Impera<strong>do</strong>r, que Deus guarde”. 66 A autorização para a criação<br />

<strong>do</strong> Estabelecimento teria si<strong>do</strong> concedida após esse glamoroso encontro.<br />

Francisco Parentes era forma<strong>do</strong> pela Escola de Grand Jouan, da França. Idealizara o<br />

Projeto e vinha discutin<strong>do</strong> com inúmeros presidentes da Província <strong>do</strong> Piauhy, como atesta o<br />

memorial elabora<strong>do</strong> pelo agrônomo e envia<strong>do</strong> ao presidente da Província, Sousa Leão, em 1871.<br />

Este, por sua vez, encaminha o <strong>do</strong>cumento, através de um longo ofício, ao Visconde <strong>do</strong> Rio<br />

Branco, então ministro da Fazenda, esperan<strong>do</strong> que fosse acolhida “benigna e favoravelmente a<br />

pretensão <strong>do</strong> cidadão Francisco Parentes, o qual levan<strong>do</strong> a effeito a idéia, que aninha em seu<br />

peito, abrirá para esta província largos horizontes de prosperidade e adiantamento”. 67 Este ofício,<br />

envia<strong>do</strong> poucos dias após a promulgação da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, expressaria a convergência de<br />

interesses que naquele momento concretizar-se-ia entre um agrônomo, a Província e o Império.<br />

2.5. ESCOLA PARA LIBERTOS<br />

O regime escravista brasileiro não permitia a formação de escolas para negros. A<br />

rebelião negra na Bahia <strong>das</strong> primeiras déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XIX impeliu a elite escravista a rejeitar a<br />

proposta de homens e mulheres escraviza<strong>do</strong>s terem acesso ao ensino escolar. O me<strong>do</strong> de<br />

movimentos semelhantes ao <strong>do</strong>s malês, de 1835, levou políticos, burocratas e senhores de<br />

escravos a tremerem diante de possíveis novas rebeliões. Isso explica, por exemplo, as diligências<br />

determina<strong>das</strong> pelo chefe de polícia da Corte, Eusébio de Queiroz, em 27 de março de 1835, no<br />

senti<strong>do</strong> de investigar uma casa “na qual há reuniões de pretos Minas a título de escola de ensinar<br />

65 João Lustosa da Cunha Paranaguá foi o político piauiense mais influente durante o Império. Presidiu as Províncias<br />

<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, Maranhão, Pernambuco e Bahia. Era advoga<strong>do</strong> e, dentre os vários cargos importantes, assumiu o de<br />

Ministro da Guerra durante a Guerra <strong>do</strong> Paraguai. Ver: BASTOS, Cláudio. Dicionário histórico e geográfico <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina: FCMC, 1994. p. 362.<br />

66 O relato da reunião entre o Marquês de Paranaguá e o Impera<strong>do</strong>r D. Pedro II está em: NUNES, 1993 apud<br />

NUNES FILHO, Djalma José. A importância de uma escola para a história de uma cidade: <strong>do</strong><br />

estabelecimento rural de São Pedro de Alcântara à criação de Floriano (1873-1897). Fortaleza: Mestra<strong>do</strong> em<br />

Educação <strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC, 2005. p. 48.<br />

67 Ofício de “nº 37 Palácio <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Piauhy, 18 de outubro de 1871 – 2ª Secção. Arquivo Público <strong>do</strong> Piauhy.<br />

Casa Anísio Brito – Teresina. Ver: NUNES FILHO, op. cit., p. 43-47.<br />

26


a ler e escrever” 68 . As escolas exigiam reuniões de pessoas e qualquer agrupamento de negros<br />

possuía um perigo em potencial, fundamentalmente na primeira metade <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong> o<br />

me<strong>do</strong> era constantemente realimenta<strong>do</strong> por histórias de revoltas urbanas de negros, basea<strong>do</strong> na<br />

idéia de uma conspiração internacional para destruir as sociedades escravistas, e até mesmo pelas<br />

informações sobre haitianos passan<strong>do</strong> pelas ruas da Corte 69 .<br />

Ainda no ano de 1835 é criada uma determinação proibin<strong>do</strong> o acesso de filhos de<br />

escravos a escolas, medida que perduraria durante boa parte <strong>do</strong> século. Essa situação só seria<br />

modificada com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, no ano de 1871, em parte, devi<strong>do</strong> à transição para um<br />

outro modelo <strong>das</strong> relações de trabalho que exigia novas bases para a formação da mão-de-obra.<br />

Ou seja, estas condições fomentaram uma discussão que vinha se arrastan<strong>do</strong> entre os setores da<br />

elite política e teve necessariamente de ser resolvida – mesmo que precariamente – com a lei que<br />

dispunha sobre educação e escolas para filhos de escravos. Perdigão Malheiros, em um livro que<br />

buscava a solução para alguns <strong>do</strong>s problemas de sua época, percebia claramente a necessidade <strong>do</strong><br />

desenvolvimento pela Nação de um processo de educação para os negros:<br />

Embora em contato com escravos, a sua educação deve ser modificada, não a fazê-los<br />

exclusivamente <strong>do</strong>utores e literatos, mas sobretu<strong>do</strong> pessoas morigera<strong>das</strong>, que possam<br />

vir a ser úteis a si e ao país, cidadãos prestantes. Em contato com os escravos está<br />

também a demais gente livre. Os inconvenientes irão diminuin<strong>do</strong> à proporção que a<br />

escravatura que ainda se conserva se for gradualmente extinguin<strong>do</strong> pelos falecimentos e<br />

manumissões. 70<br />

Realmente, a finalidade dessas escolas, que foram funda<strong>das</strong> em decorrência da Lei <strong>do</strong><br />

Ventre Livre, não era formar “<strong>do</strong>utores”, mas atender a algumas expectativas que se formavam<br />

por parte <strong>das</strong> elites agrárias. Com efeito, como bem esclarece o contrato assina<strong>do</strong> junto ao<br />

Ministério da Agricultura, tratava-se de uma modalidade de educação voltada diretamente para o<br />

trabalho “... objetivan<strong>do</strong> que elas se convertessem em seres úteis à ordem social estabelecida<br />

mediante a agricultura”. 71 Em outros termos, correspondia a um modelo de educação que tinha<br />

como objetivo central disciplinar a mão-de-obra negra, impedin<strong>do</strong> que o contínuo processo de<br />

abolição levasse também à africanização da sociedade brasileira:<br />

...as práticas educativas não buscavam uma transformação <strong>do</strong> status <strong>do</strong>s negros na<br />

sociedade livre, mas sua manutenção na condição que foi tradicionalmente construída<br />

ao longo de mais de três séculos de contato entre negros e brancos: deveriam<br />

permanecer como a parcela de mão-de-obra <strong>do</strong> estrato mais baixo <strong>do</strong> processo<br />

produtivo... 72<br />

68 Registro de Correspondência Reservada Expedida pela Polícia (1835-1844), cód. 335, fls. 2-3, AN. In.:<br />

CHALHOUB, op. cit., p. 187.<br />

69 Id., Ibid., p. 193-194.<br />

70 Malheiros, 1976 apud FONSECA, Marcos Vinícius. A educação <strong>do</strong>s negros: uma nova face <strong>do</strong> processo de<br />

abolição escravidão no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 139.<br />

71 Id., Ibid., p. 83.<br />

72 Id., Ibid. p. 142.<br />

27


Mas o problema era também posto de outra maneira com a fundação, em 1873, da<br />

Colônia Orphanologica Izabel, em Pernambuco. Até o final dessa década, os debates em torno da<br />

viabilização desse tipo de instituição se intensificam em função da aproximação da idade de 08<br />

anos por parte <strong>do</strong>s primeiros beneficia<strong>do</strong>s com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, perío<strong>do</strong> em que essas<br />

crianças poderiam ter direito à educação sob a responsabilidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> 73 . O Ministro da<br />

Agricultura passaria a externar com certa freqüência essa preocupação, dada a grande quantidade<br />

de pessoas incluí<strong>das</strong> na Lei e, por outro la<strong>do</strong>, a completa falta de estrutura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para lidar<br />

com toda aquela população. É interessante acompanhar uma passagem em que o Ministro explica<br />

o impasse que vivia a Monarquia brasileira:<br />

Aproxima-se o termo <strong>do</strong> prazo marca<strong>do</strong> no art. 1º da Lei de 28 de Setembro para<br />

opção <strong>do</strong>s senhores <strong>das</strong> mães entre os serviços <strong>do</strong>s menores e a indenização pecuniária,<br />

em títulos de renda. Posto seja de presumir que a maioria <strong>do</strong>s senhores preferir concluir<br />

a educação começada, a troco <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> menor até 21 annos de idade, cabe ao<br />

governo Imperial cuidar, desde já, <strong>do</strong>s meios necessários ao desempenho daquella<br />

obrigação.<br />

No intuito de saber com que estabelecimentos públicos se poderá contar, no dia em<br />

que haja de ser cumprida essa disposição da Lei, expedi a circular de 24 de maio último,<br />

exigin<strong>do</strong> <strong>das</strong> presidências de províncias informações minuciosas acêrca de taes<br />

estabelecimentos. Nessa circular inquiri tambem da existência de associações<br />

especialmente destinada áquele fim, ou <strong>do</strong>s recursos com que pode contar cada<br />

província para fundar e animar. 74<br />

Ou seja, a situação também girava em torno da indenização de 600$000 que cada<br />

proprietário teria direito a receber – se optasse por entregar o menor ao Esta<strong>do</strong> – e da quantidade<br />

de libertos que poderia passar para a responsabilidade <strong>do</strong> Império, aproximadamente 200.000,<br />

caso to<strong>do</strong>s os senhores de escravos optassem por receber a indenização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Isso poderia<br />

levá-lo à crise financeira e administrativa, por ser incapaz de atender à vasta demanda 75 , se<br />

quisermos colocar de forma drástica a questão, partin<strong>do</strong> da pressuposição de que o governo<br />

monárquico realmente cumpriria sua lei a qualquer custo.<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, está demonstra<strong>do</strong> que o projeto de fundação <strong>do</strong> Estabelecimento<br />

Rural de São Pedro de Alcântara fez parte de um contexto em que o governo imperial<br />

impulsionava a formação desse tipo de instituição em to<strong>do</strong> o país. Eram escolas volta<strong>das</strong> para<br />

libertos beneficia<strong>do</strong>s com a Lei nº 2040, de 28 de setembro de 1871, que determinava, em seu<br />

texto, a obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em última instância, de se responsabilizar pelos filhos de mulheres<br />

escravas nasci<strong>do</strong>s a partir daquela data. Aos oito anos de idade, a criança poderia ser entregue<br />

pelo senhor ao Esta<strong>do</strong>, que teria de pagar ao primeiro a indenização de 600 mil réis. Neste caso, a<br />

73 FONSECA, op. cit. p. 71.<br />

74 Relatorio apresenta<strong>do</strong> á Assembléa Geral Legislativa na terceira sessão da décima legislatura pelo Ministro e<br />

Secretario de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas. Rio de Janeiro: Typographia da<br />

Gazeta Jurídica, 1876. Ver: Id.. Ibid., p. 72.<br />

75 Id., Ibid., p. 73.<br />

28


criança seria recolhida para “estabelecimentos públicos”, os quais teriam que “criar”, “tratar” e<br />

“constituir pecúlio” para cada menor que trabalhasse no estabelecimento.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, abria-se a possibilidade de fundação de associações priva<strong>das</strong>, também<br />

previstas em lei, para cuidar da educação <strong>do</strong>s menores, as quais poderiam utilizar-se <strong>do</strong>s serviços<br />

destes até a idade de 21 anos, ten<strong>do</strong> que assumir, igualmente, as mesmas responsabilidades <strong>do</strong>s<br />

estabelecimentos públicos. Mais uma vez, deparamo-nos com o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato que originou<br />

o “Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara”, expressan<strong>do</strong> uma verdadeira associação<br />

circunstancial de interesses entre o público e o priva<strong>do</strong>. Ao Esta<strong>do</strong> seria mais interessante<br />

transferir to<strong>das</strong> as responsabilidades <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais, fundamentalmente daquilo que era<br />

considera<strong>do</strong> um problema de grandes proporções, para as mãos de particulares. E estes viam nas<br />

enormes fazen<strong>das</strong> nacionais, com seu vasto patrimônio, uma notável possibilidade de<br />

desenvolvimento de grandes empreendimentos que resultariam em enriquecimento rápi<strong>do</strong>. A<br />

participação de particulares seria facilitada pela assunção, pelo Esta<strong>do</strong>, <strong>do</strong> custeio integral <strong>das</strong><br />

obras <strong>do</strong> Estabelecimento, que, de qualquer forma, resultaria em gastos menores <strong>do</strong> que os<br />

despendi<strong>do</strong>s normalmente com as fazen<strong>das</strong> nacionais, em decorrência <strong>das</strong> péssimas<br />

administrações empreendi<strong>das</strong>. É o ministro José Fernandes da Costa Pereira Júnior, responsável<br />

pela idealização e assinatura <strong>do</strong> Contrato, quem explica para a Assembléia Geral Legislativa, ainda<br />

no ano de 1874, os interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no Projeto que então se constituía:<br />

Poupan<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong> a despeza com custeio de fazen<strong>das</strong>, que pouco ou nada rendiam<br />

pela incapacidade ou falta de conhecimentos profissionaes de seus administra<strong>do</strong>res,<br />

facilitará ao mesmo tempo o emprego <strong>do</strong>s libertos n’ellas existentes e o tratamento e a<br />

educação <strong>do</strong>s seus filhos. 76<br />

A relação com a Lei <strong>do</strong> Ventre Livre também é reafirmada pelo ministro da<br />

Agricultura, quan<strong>do</strong> se refere ao aproveitamento <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> Serrinha, Guaribas, Mattos e Olho<br />

D’água. Segun<strong>do</strong> ele,<br />

...com desígnio de melhor aproveitar as fazen<strong>das</strong> nacionaes (...) e de promover o<br />

estabelecimento e a educação <strong>do</strong> considerável numero de antigos escravos da nação,<br />

liberta<strong>do</strong>s pela lei 2040 de 28 de setembro de 1871, o governo resolveu entregar as ditas<br />

fazen<strong>das</strong> ao Agronomo Francisco Parentes, encarregan<strong>do</strong>-o de fundar um<br />

estabelecimento de agricultura prática... 77<br />

Pela fala <strong>do</strong> então ministro, percebe-se que uma <strong>das</strong> linhas de raciocínio utilizada,<br />

importante para a compreensão <strong>do</strong> processo que levou a serem erigi<strong>das</strong> as paredes <strong>do</strong><br />

Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara – fato que o torna bastante singular - está<br />

76 PEREIRA JR., José Fernandes da Costa. Relatorio apresenta<strong>do</strong> à Assembléa Geral Legislativa na terceira<br />

sessão da décima quinta legislatura pelo Ministro e Secretário de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negocios da Agricultura ,<br />

Commercio e Obras Publicas. [S.l.]: Typographia Americana, 1874.<br />

77 PEREIRA JR., op. cit. (Grifo nosso)<br />

29


elacionada à promulgação da lei. Esta define que a partir daquele momento, to<strong>do</strong>s os homens e<br />

mulheres submeti<strong>do</strong>s à escravidão nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> deveriam ser considera<strong>do</strong>s (as) livres.<br />

Com efeito: “Art. 6º - Serão declara<strong>do</strong>s libertos: § 1º - Os escravos pertencentes à nação, dan<strong>do</strong>-<br />

lhes o governo a ocupação que julgar conveniente.” 78<br />

Nesse artigo se observa mais uma função importante que o Estabelecimento Rural<br />

deveria ter cumpri<strong>do</strong>: dar ocupações para escravos da nação torna<strong>do</strong>s livres através da Lei de<br />

1871, o que então seria formalmente previsto no Projeto de 1873. Uma de suas cláusulas<br />

observava que deveriam “ser admiti<strong>do</strong>s, como trabalha<strong>do</strong>res, to<strong>do</strong>s os libertos da nação que<br />

forem aptos para o serviço rural...” 79 .<br />

Tratava-se, portanto, de exigências importantíssimas, <strong>do</strong> ponto de vista da sociedade<br />

piauiense <strong>do</strong> último quadrante <strong>do</strong> século XIX, e que possuíam to<strong>das</strong> as condições para não<br />

constar apenas como “letra morta”. Diferentemente <strong>das</strong> demais regiões e <strong>do</strong>s diversos<br />

estabelecimentos que eram abertos pelo país, a escola <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais não dependia <strong>do</strong><br />

arbítrio de senhores de escravos que poderiam ou não conceder permissão para que os menores<br />

estu<strong>das</strong>sem em associações priva<strong>das</strong> ou em estabelecimentos públicos. Aqui não haveria a “troca”<br />

<strong>do</strong> menor por uma indenização de 600 mil réis, a ser paga pelo Esta<strong>do</strong> como “recompensa” pela<br />

não utilização <strong>do</strong> braço <strong>do</strong> menor pelo senhor até a idade de 21 anos. Isso porque, como visto,<br />

nas Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, de acor<strong>do</strong> com a Lei nº 2.040, eram considera<strong>do</strong>s livres os menores e<br />

to<strong>do</strong>s os adultos. Por outro la<strong>do</strong>, estabelecia-se uma condição periclitante para aquela sociedade,<br />

em que, pela ausência “controla<strong>do</strong>ra” <strong>do</strong>s senhores, ou “disciplinava-se” os libertos para o<br />

trabalho, religião e os “bons costumes”, ou não se saberia o que poderia acontecer com aquela<br />

enorme quantidade de terras habita<strong>das</strong> – portanto não aban<strong>do</strong>na<strong>das</strong> – pelos antigos escravos.<br />

2.6. AS EXPECTATIVAS EM TORNO DA ESCOLA<br />

Ultrapassan<strong>do</strong> aquilo que era sua função precípua, a situação em que foi funda<strong>do</strong> o<br />

Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara serviu para ensejar naquela sociedade que<br />

transitava entre a Monarquia e a República uma série de expectativas. Segun<strong>do</strong> um observa<strong>do</strong>r da<br />

78 RIO DE JANEIRO (Esta<strong>do</strong>). Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Declara de condição livre os filhos de<br />

mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a<br />

criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos. Disponível em:<br />

. Acesso em 18/10/2007.<br />

79 PIAUÍ. Decreto nº 5392, de 10 de setembro de 1873. Cláusula VII.<br />

30


época, avalian<strong>do</strong> os quinze anos iniciais <strong>do</strong> projeto, “[...] tinha a província suas vistas volta<strong>das</strong><br />

para a empreza, fundan<strong>do</strong> nella suas mais fagueiras esperanças.” 80<br />

O presidente da Província, Viveiros de Castro 81 , por exemplo, afirmava que o<br />

estabelecimento deveria ser “não só” uma escola voltada para a educação <strong>do</strong>s negros, mas uma<br />

instituição – uma escola zootechnica – dirigida para a seleção e aprimoramento <strong>das</strong> raças de ga<strong>do</strong><br />

existentes 82 ( certamente, para este senhor, o ga<strong>do</strong> era mais importante <strong>do</strong> que os negros). Outros<br />

presidentes da Província seguem o mesmo roteiro nos seus relatórios de governo, em que<br />

informavam os gastos realiza<strong>do</strong>s no Projeto, em reformas, com os dirigentes e demais<br />

funcionários, sempre no intuito de “torná-lo verdadeiramente útil a esta província”.<br />

Todavia, lamentavelmente, a conclusão era sempre semelhante àquilo que afirmara<br />

um presidente da Província no ano de 1886: “o estabelecimento rural de S. Pedro de Alcântara<br />

não tem até o presente correspondi<strong>do</strong> às esperanças que a população desta província depositava<br />

em sua fundação, nem tão pouco presta<strong>do</strong> ao Piauhy serviço algum apreciável” 83 . As expectativas<br />

eram grandes, as notícias sobre o estabelecimento sempre circulavam na imprensa, os<br />

observa<strong>do</strong>res passavam pelo porto da Vila de Colônia e geralmente faziam questão de tornar<br />

público o que tinham visto a respeito daquele projeto, de onde to<strong>do</strong>s esperavam grandes<br />

resulta<strong>do</strong>s. Mas, não obstante o acompanhamento e as constantes denúncias por parte de setores<br />

da sociedade, os sucessivos governos foram incapazes de concretizar as idéias, que giravam em<br />

torno <strong>do</strong> prédio e que animaram toda uma geração – como visto, desde a população negra até<br />

parcela da elite branca.<br />

A explicação encontrada por muitos daquela época para o malogro de tão nobre<br />

iniciativa estava na morte prematura <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Estabelecimento: o agrônomo Francisco<br />

Parentes. Este foi vítima da febre amarela ainda no ano de 1876 e, portanto, não teve a<br />

possibilidade de sequer acompanhar o andamento inicial da escola. Em seu lugar foram<br />

coloca<strong>do</strong>s vários, sempre de acor<strong>do</strong> com as conveniências políticas <strong>do</strong> momento. E o problema<br />

efetivamente era a situação política: o diretor da escola era indica<strong>do</strong> pelo presidente da Província,<br />

mas nem mesmo os mandatários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> conseguiam segurar seus próprios cargos. “[...] entre<br />

80 Relatório <strong>do</strong> escriturário Costa Freire ao presidente da Província, Dr. Teophilo Fernandes <strong>do</strong>s Santos.<br />

03/09/1889. Ver: SAMPAIO, 1892, p. 37.<br />

81 Francisco José Viveiros de Castro nasceu no Maranhão e era bacharel em Direito. Assumiu o cargo de presidente<br />

da Província <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> de julho de 1887 a julho de 1888. Desempenhou a função de desembarga<strong>do</strong>r na Corte de<br />

apelação representan<strong>do</strong> o Maranhão, além de ter assumi<strong>do</strong> como deputa<strong>do</strong> provincial em 1885. In.: BASTOS, op.<br />

cit., p. 124.<br />

82 FALLA com que o Exmo. Sr. Presidente Dr. Francisco José Viveiros de Castro Abrio a 1ª sessão da 27ª legislatura<br />

da Assembléa Provincial <strong>do</strong> Piauhy no dia 2 de junho de 1888.<br />

83 RELATÓRIO com que o Exmo Sr. Presidente da Província <strong>do</strong> Piauhy Dr. Manoel José de Menezes Pra<strong>do</strong> passou<br />

a administração da mesma província ao Exm. Sr. Dr. Antonio Jansen de Mattos Pereira no dia 7 de setembro de<br />

1886.<br />

31


1877 e 1899 [...] nenhum Presidente da Província demorou mais de um ano no cargo” 84 . Isso é<br />

confirma<strong>do</strong> por Honório Parentes, irmão <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Estabelecimento, diretor durante os<br />

anos de 1888 e 1889 que, ao se referir à sua demissão para assunção de Ricar<strong>do</strong> Ernesto Ferreira<br />

de Carvalho – pela 3ª vez, sempre após i<strong>das</strong> ao Rio de Janeiro – afirma que tu<strong>do</strong> isso se devia à<br />

“[...] política, alma pestilenta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> official neste paiz.” 85 . Vivia-se uma crise crônica em que<br />

qualquer projeto “racionalizante” que almejasse o desenvolvimento social – como esta iniciativa<br />

quase isolada <strong>do</strong> século XIX - só poderia ter como desfecho mais provável a falência. De<br />

qualquer mo<strong>do</strong>, formou-se um núcleo urbano no entorno da escola, que ainda na década de 1890<br />

seria eleva<strong>do</strong> à condição de vila e, posteriormente, de cidade. Desde então, Floriano configurou-<br />

se como uma <strong>das</strong> principais e – por que não dizer – mais belas cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

2.7. A CIDADE DE FLORIANO<br />

Do Estabelecimento Rural nasceu a cidade de Floriano, no final <strong>do</strong> século XIX, após<br />

ter passa<strong>do</strong> pela condição de Colônia de São Pedro de Alcântara e Vila de Colônia. A cidade<br />

homenageou o segun<strong>do</strong> presidente da República, no ano de 1897, talvez para fazer um<br />

contraponto ao peso <strong>do</strong> nome <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, presente desde a fundação no perío<strong>do</strong> monárquico.<br />

Mas a década de 1920 ainda assiste à construção de uma igreja homônima à Escola 86 ,<br />

revelan<strong>do</strong> o peso, na mentalidade da população local, <strong>do</strong> empreendimento <strong>do</strong> Sr. Francisco<br />

Parentes. Essa constatação também pode ser válida para a administração que se efetivaria na vila<br />

durante a década de 1890. O primeiro intendente da vila – homenagea<strong>do</strong> atualmente na sede da<br />

prefeitura como primeiro prefeito – foi o Sr. João Francisco Pereira de Araújo. A especificidade é<br />

que se trata de um negro, que assumiu o posto mais importante daquela localidade que, por sua<br />

vez, nascera para cuidar da educação e dar trabalho para ex-escravos, como visto libertos em<br />

decorrência da Lei <strong>do</strong> Ventre Livre. Singularidades principalmente quan<strong>do</strong> remontamos a um<br />

século XIX marcadamente influencia<strong>do</strong> por teorias racistas de to<strong>das</strong> as espécies, ti<strong>das</strong> à época<br />

como científicas, escuda<strong>das</strong> no darwinismo, colocan<strong>do</strong> a raça negra como inferior, defenden<strong>do</strong> a<br />

necessidade da imigração européia fundamentalmente para “livrar” o país da mestiçagem 87 .<br />

A cadeira e a mesa de João Chico – o ex-intendente – permanecem no Museu da<br />

cidade, no Espaço Cultural Maria Bonita, um bonito prédio funda<strong>do</strong> nos anos 20 ao la<strong>do</strong> da<br />

84 MENDES, op. cit., p. 33.<br />

85 ROSA, Miguel; PINHEIRO, João; NEVES, Abdias (directtores). Almanak piauhiense. 3. anno. [S.l.: s.n], p. 103.<br />

86 LOPES, Luís Paulo. Flagrantes de uma cidade. Teresina: Jolenne, 1997. p. 79.<br />

87 SCHUARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo <strong>das</strong> raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-<br />

1930). São Paulo: Companhia <strong>das</strong> Letras, 1993.<br />

32


antiga Escola Rural. Tal edificação, tombada em nível estadual, outrora serviu como Usina<br />

Elétrica, e hoje, após a restauração pela qual passou na década de 80 88 , constitui junto com o<br />

prédio <strong>do</strong> Estabelecimento, o que existe de mais interessante <strong>do</strong> ponto de vista histórico e<br />

arquitetônico naquela cidade.<br />

Floriano contaria com outra iniciativa de educação pública apenas no ano de 1929: o<br />

grupo escolar “Agrônomo Parentes” 89 . Esta escola ainda existe, manten<strong>do</strong> o nome <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r<br />

de Colônia, e reforçan<strong>do</strong> a idéia <strong>do</strong> apoio que aquela municipalidade concedeu ao Projeto <strong>do</strong><br />

Estabelecimento. O espaço de mais de 50 anos entre as duas iniciativas educacionais revela o<br />

pioneirismo da escola criada para ex-escravos, principalmente saben<strong>do</strong>-se que a escola pública<br />

posterior foi voltada para preparar setores abasta<strong>do</strong>s para assumirem postos em universidades.<br />

Mas toda essa história vem sen<strong>do</strong> esquecida pela população de Floriano, que ao longo de mais de<br />

um século, transformou-se em uma <strong>das</strong> maiores cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, com uma população de mais de<br />

50 mil habitantes, de onde provêm mais de 10 mil alunos que integram escolas de to<strong>do</strong>s os níveis<br />

e esferas <strong>do</strong> governo 90 .<br />

Durante o século XX a cidade não parou de crescer. O Estabelecimento Rural –<br />

conheci<strong>do</strong> atualmente pela população florianense como “Terminal Turístico” – agora é<br />

circunda<strong>do</strong> por milhares de imóveis em uma cidade que vive <strong>do</strong> comércio, da indústria de<br />

transformação 91 e da agricultura de subsistência. Localizada a 244 km de Teresina, foi construída<br />

em frente ao rio Parnaíba e à cidade de Barão de Grajaú, <strong>do</strong> Maranhão. O prédio <strong>do</strong><br />

Estabelecimento Rural atualmente pertence à Municipalidade e é protegi<strong>do</strong> pelo tombamento<br />

local. Na rua que lhe dá acesso, foi construída uma estrutura para a sociabilidade <strong>do</strong>s munícipes e<br />

para o lazer <strong>do</strong>s visitantes. Lá se pode sentar às margens <strong>do</strong> Parnaíba e observar a aparente calma<br />

<strong>do</strong> rio, a via pela qual chegaram os funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Estabelecimento.<br />

2.8. A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS NACIONAIS<br />

DO PIAUÍ<br />

Na virada <strong>do</strong>s séculos XIX e XX o <strong>Piauí</strong> mantinha to<strong>do</strong>s os traços de economia<br />

agrária. Apesar disso, a cidade de Teresina já contava com um belo teatro para o lazer público 92 e<br />

88 LOPES, op. cit., p. 76.<br />

89 Id., Ibid., p. 46-47.<br />

90 Informação extraída de: . Acesso em: 07 nov. 2007.<br />

91 Informação extraída de: . Acesso em: 07 nov. 2007.<br />

92 O Theatro 04 de Setembro, obra de Alfre<strong>do</strong> Modrach, o mesmo engenheiro que projetou a Fábrica de Laticínios,<br />

foi inaugura<strong>do</strong> em 1894.<br />

33


o telégrafo encurtava as distâncias da capital para algumas cidades <strong>do</strong> interior e São Luís <strong>do</strong><br />

Maranhão. O Esta<strong>do</strong> almejava se “modernizar” e tentativas eram realiza<strong>das</strong> no senti<strong>do</strong> da<br />

diversificação econômica, a exemplo da implantação da fábrica de fiação de teci<strong>do</strong>s de Teresina,<br />

em 1893 93 , e de alguns incentivos concedi<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> com o objetivo de possibilitar a<br />

implantação de indústrias várias 94 , sem muito resulta<strong>do</strong>. O charque, primeira manufatura <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />

continuava sen<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> no litoral e pelo interior crescia a busca de produtos que a natureza<br />

oferecia, especialmente a maniçoba para a produção da borracha. E toda a economia transitava –<br />

descen<strong>do</strong> e subin<strong>do</strong> – pelo rio Parnaíba.<br />

Mesmo com a nítida decadência da pecuária no Esta<strong>do</strong>, alguns insistiam nesse ramo<br />

de atividades, com discursos velhos e algumas idéias novas. O presidente da Província Viveiros<br />

de Castro, por exemplo, reafirmava a necessidade de “[...] ser o leite convenientemente<br />

aproveita<strong>do</strong> no fabrico <strong>do</strong> queijo e manteiga[...] 95 , o que já era previsto no Contrato que dera<br />

origem ao estabelecimento rural e em tantas outras falas sem, contu<strong>do</strong>, nunca ter si<strong>do</strong><br />

eficientemente coloca<strong>do</strong> em prática.<br />

Fig. 06: Fábrica de Laticínios.<br />

Fonte: Arquivo 19ª SR/IPHAN-PI<br />

Tratava-se de um ambiente, principalmente se olha<strong>do</strong> ligeiramente o cenário nacional<br />

e internacional, propício para a implantação fabril no <strong>Piauí</strong>, não fossem as “limitações de sempre:<br />

(...) merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r interno muito pequeno, concentração da renda, falta de estra<strong>das</strong> e de<br />

energia, entre outras”. 96 É, então, nos derradeiros anos da centúria de 1800, que nasce a Fábrica<br />

de Laticínios <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Com algumas particularidades que tornavam a<br />

tarefa de construir uma fábrica no <strong>Piauí</strong> naqueles tempos ainda mais difícil: o prédio possuía sua<br />

localização no meio <strong>do</strong>s sertões de dentro, a 40 léguas <strong>do</strong> meio de comunicação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o rio<br />

Parnaíba, sen<strong>do</strong> que não existia nenhuma outra fábrica de laticínios em outros lugares <strong>do</strong> Brasil, à<br />

exceção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais.<br />

93 MENDES, op. cit., p. 34-35.<br />

94 Id., Ibid., p. 94-96.<br />

95 Relatório de Abertura da Assembléia Provincial. Presidente da Província Francisco José Viveiros de Castro. 1888.<br />

In: PEREIRA DA COSTA, 1974 apud Id., Ibid., p. 94.<br />

96 Id., Ibid., p. 96.<br />

34


Assim, com to<strong>das</strong> essas dificuldades, a Fábrica de Laticínios foi inaugurada no dia 09<br />

de abril de 1897, na localidade denominada Campos, da fazenda Castelo. Resultante, como já<br />

afirma<strong>do</strong>, de contratos de arrendamento que tinham como objeto principal as Fazen<strong>das</strong><br />

<strong>Nacionais</strong>. O primeiro foi assina<strong>do</strong> com o Governo Monárquico em 26 de abril de 1889 e, de<br />

acor<strong>do</strong> com Sampaio, “ilegalmente rescindi<strong>do</strong>” em 09 de abril de 1891, pelo Governo<br />

Republicano. A rescisão seria motivo de áci<strong>do</strong>s protestos por parte <strong>do</strong> arrendatário que se<br />

considerava injustiça<strong>do</strong> com a medida <strong>do</strong> ministro Araripe 97 , o qual anulara o contrato,<br />

supostamente, em razão <strong>do</strong> não pagamento acorda<strong>do</strong>. Em <strong>do</strong>cumento envia<strong>do</strong> ao presidente da<br />

República, Marechal Floriano Peixoto, Sampaio afirmava que o ministro alcançava a inverdade,<br />

por desconsiderar os pareceres emiti<strong>do</strong>s pelo Tesouro que definiam a obrigatoriedade <strong>do</strong><br />

pagamento <strong>do</strong> aluguel somente após a entrega de to<strong>das</strong> as Fazen<strong>das</strong> e, “por contagem official”,<br />

de to<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> nelas conti<strong>do</strong> 98 . Na realidade, esse parecer acobertava uma política <strong>do</strong> governo<br />

republicano usada para desprestigiar e prejudicar, evidentemente, um homem que era identifica<strong>do</strong><br />

como alia<strong>do</strong> da Monarquia e impulsiona<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s seus projetos no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Para Vilhena,<br />

mesmo não haven<strong>do</strong> “referência direta” <strong>das</strong> relações de Sampaio com a Monarquia, existem<br />

indicações na literatura que apontam para o prestígio que o seu irmão, Joaquim Sampaio, um<br />

padre, gozava diante da família real e da princesa Isabel. E continua:<br />

Essa aproximação <strong>do</strong>s irmãos Sampaio com a monarquia, por conseqüência, pode ter<br />

significa<strong>do</strong> algum estorvo aos <strong>do</strong>is, nos momentos que procederam à implantação da<br />

república. Joaquim Sampaio, por exemplo, não chegou a assumir como deputa<strong>do</strong>, e<br />

Antônio José teve seu contrato de arrendamento <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> nacionais rescindi<strong>do</strong><br />

justamente nesse perío<strong>do</strong> de implantação <strong>do</strong> novo regime político. 99<br />

É notório que se viviam momentos de tensão naquele perío<strong>do</strong>. Grupos novos<br />

brigavam pela hegemonia política também no <strong>Piauí</strong> e o controle político-ideológico era teci<strong>do</strong><br />

com a finalidade de identificar e, possivelmente, punir os últimos alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> antigo regime. Mas<br />

com novos governos tão – ou até mais – conserva<strong>do</strong>res que seus predecessores, não demoraria<br />

muito para se configurar um quadro em que as “novas” lideranças seriam as mesmas da década<br />

de 1880 100 . Sampaio chegou mesmo a ser publicamente convida<strong>do</strong> para o ingresso ao Parti<strong>do</strong><br />

Republicano Federal, aceitan<strong>do</strong> o convite em carta ao Jornal “A Democracia”. 101 E, após muitos<br />

97 Tristão de Alencar Araripe era Bacharel em Ciências Jurídicas. Além de ter si<strong>do</strong> presidente <strong>das</strong> Províncias <strong>do</strong> Rio<br />

Grande <strong>do</strong> Sul e Pará durante a Monarquia, exerceu a pasta da Fazenda no governo <strong>do</strong> Marechal Deo<strong>do</strong>ro da<br />

Fonseca. Ver: MINISTROS <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça: Tristão de Alencar Araripe. Brasília. Disponível em:<br />

. Acesso em 28 ago. 2007>.<br />

98 SAMPAIO, op. cit., p. 31.<br />

99 VILHENA, op. cit., p.145-146.<br />

100 QUEIROZ, apud NASCIMENTO, op. cit., p. 459-485.<br />

101 A Democracia – Órgão <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Federal. Anno I, n. 1, 3/4/1890, p. 4. In: VILHENA, op. cit.,<br />

p.146-149.<br />

35


impasses, apenas no ano de 1893, o contrato seria revalida<strong>do</strong>, em 21 de janeiro 102 , transferin<strong>do</strong>-se<br />

os únicos planos <strong>do</strong> Governo para aquela região definitivamente para a alçada <strong>do</strong> Sr. Antônio<br />

José de Sampaio, o qual aguardaria o cumprimento de um acor<strong>do</strong> que, se leva<strong>do</strong> à risca, resultaria<br />

na privatização de to<strong>do</strong> o território de abrangência <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>.<br />

Na formulação de Felipe Mendes, o projeto possuía “... elementos da mais desvairada<br />

utopia”, com uma parcela <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> tão grande a ser privatizada que certamente criaria um<br />

governo paralelo no <strong>Piauí</strong> 103 . Segun<strong>do</strong> o próprio Sampaio, tratava-se de um “rico e vasto<br />

território, que contém cerca de 18.000 cabeças de ga<strong>do</strong> vacum, 700 cavalares, habitações e o<br />

grande estabelecimento rural ...” 104 . Eram, ao to<strong>do</strong>, 17 fazen<strong>das</strong>, subdividi<strong>das</strong> em 24. Depois de<br />

terem passa<strong>do</strong> pela administração de jesuítas, corte portuguesa e monarquia brasileira, essas terras<br />

ainda representavam o enorme latifúndio deixa<strong>do</strong> por Mafrense e pela Casa da Torre, que, no<br />

<strong>Piauí</strong>, se estendia da foz <strong>do</strong> Canindé até o extremo sul da Província, em um prolongamento que<br />

chegou a corresponder a cerca de 140 léguas 105 .<br />

O contrato de arrendamento previa o pagamento <strong>do</strong> valor de 20 contos de réis<br />

anuais pelo arrendatário durante nove anos, também obriga<strong>do</strong> a efetivar os “melhoramentos”<br />

acerta<strong>do</strong>s, quais sejam: a introdução de tipos especiais de ga<strong>do</strong> para a melhoria <strong>das</strong> raças ali<br />

existentes, a criação de ga<strong>do</strong> lanígero em grande escala e os cuida<strong>do</strong>s que deveriam ser<br />

endereça<strong>do</strong>s ao Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, inclusive com a contratação de<br />

pessoal “idôneo” para orientar a educação <strong>do</strong>s menores. No que se refere à Fábrica de Laticínios,<br />

que nesse momento mais nos interessa, o Contrato apenas determinava as seguintes obrigações a<br />

serem cumpri<strong>das</strong> pelo arrendatário:<br />

(...) c) montar em tempo o machinismo necessario para o fabrico de queijo, manteiga,<br />

leite condensa<strong>do</strong> e outros productos, pelos processos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s; d)<br />

mandar vir da Europa, a expensas suas, pessoal habilita<strong>do</strong> para o preparo <strong>do</strong>s produtos<br />

lacticínios;<br />

Apesar de esclarecer que to<strong>das</strong> as melhorias nas Fazen<strong>das</strong> seriam realiza<strong>das</strong> às<br />

expensas <strong>do</strong> arrendatário, para o Dr. Antônio José de Sampaio os gastos com as Fazen<strong>das</strong> teriam<br />

um retorno não apenas enquanto durasse o perío<strong>do</strong> previsto para o arrendamento, mas pelo fato<br />

de o contrato estabelecer que, no decorrer de sua vigência, o governo seria obriga<strong>do</strong> a vender<br />

tu<strong>do</strong> o que estava arrenda<strong>do</strong> pela quantia de 400 contos de réis 106 . No mais, é importante registrar<br />

que o contrato, além de citar uma espécie de “maquinismo” para a produção de laticínios,<br />

102 SAMPAIO, op. cit., p. 08.<br />

103 MENDES, op. cit., p. 108.<br />

104 SAMPAIO, Antônio José de. Descrição geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. v. 1. Tradução de Maria Cacilda Ribeiro<br />

Gonçalves. [Teresina]: p. 259.<br />

105 NUNES FILHO, op. cit., p. 18.<br />

106 As informações sobre o Contrato estão em: SAMPAIO, op. cit., p. 07-09.<br />

36


determinava que isso fosse feito através de processos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s, com a<br />

participação de pessoas habilita<strong>das</strong> vin<strong>das</strong> da Europa. To<strong>das</strong> essas medi<strong>das</strong> seriam segui<strong>das</strong> por<br />

Sampaio, que além de trazer daquele continente to<strong>das</strong> as máquinas necessárias para o<br />

funcionamento da Fábrica, trouxe pessoas para acompanhar o processo de produção, como o<br />

engenheiro que traçou o projeto arquitetônico <strong>do</strong> imponente prédio que resiste até os dias<br />

atuais 107 .<br />

É um contrato que demonstra, além da evidente política governamental, as intenções<br />

de um “cientista”, forma<strong>do</strong> na Escola Politécnica Federal de Zurique 108 , sobre uma região<br />

explorada ainda de forma rudimentar e desorganizada. Com um plano de racionalização <strong>do</strong><br />

aproveitamento da área, Sampaio ainda se valeria de sua experiência e estu<strong>do</strong>s na Europa para<br />

fundamentar seus intentos em relação às Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. As muitas informações deixa<strong>das</strong><br />

por ele revelam que, não obstante se tratasse de um prédio isola<strong>do</strong> no meio <strong>do</strong> sertão piauiense, a<br />

construção da Fábrica de Laticínios foi fruto da avaliação <strong>das</strong> potencialidades econômicas da<br />

época e <strong>do</strong> espaço. É com um tom efusivo que ele resume suas aspirações profissionais, parte <strong>do</strong><br />

seu projeto de vida:<br />

Nasci<strong>do</strong> no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauhy, que se presta admiravelmente á expansão da indústria<br />

pastoril e ten<strong>do</strong> feito meus estu<strong>do</strong>s na Suissa, onde a criação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> e a exploração<br />

<strong>do</strong>s lacticínios constituem a mais poderosa fonte de riqueza publica, nutri a aspiração,<br />

desde os primeiros annos de minha permanência naquele paiz de, ultima<strong>do</strong> o meu<br />

tirocinio acadêmico, volven<strong>do</strong> ao meu Esta<strong>do</strong>, aproveitar a exhuberancia <strong>do</strong>s seus<br />

elementos naturaes para <strong>do</strong>ptal-o de melhoramentos concernentes a esse ramo de<br />

actividade, sob cuja influencia ficaria garantida sua prosperidade.109<br />

A observação desta atividade econômica que vinha dan<strong>do</strong> muitos resulta<strong>do</strong>s<br />

positivos em outros países levaria Sampaio a participar de forma entusiástica <strong>do</strong>s planos de<br />

aproveitamento <strong>das</strong> terras <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Havia o entendimento de que o <strong>Piauí</strong>, Esta<strong>do</strong><br />

pecuarista por tradição, possuía to<strong>do</strong>s os requisitos necessários para o desenvolvimento desse<br />

tipo de atividade. Mais que isso, Sampaio depositava mesmo a “fé” de que o Esta<strong>do</strong> possuía<br />

melhores condições naturais de desenvolvimento de indústrias no ramo pastoril <strong>do</strong> que qualquer<br />

outro da União. A fábrica, assim, acabava por tornar-se parte de um verdadeiro emaranha<strong>do</strong> de<br />

107 Dr. Alfre<strong>do</strong> Modrach chegou a ser procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> arrendatário <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Doc. nº 07, ver:<br />

SAMPAIO, op. cit., p. 40. No dia 24 de janeiro de 2007, Modrach foi homenagea<strong>do</strong> pelo Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

com o título de Oficial Post Mortem da Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. In: PIAUÍ. Decreto nº 12.485, de<br />

25 de janeiro de 2007. Admite na Ordem Estadual <strong>do</strong> Mérito Renascença <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, as personalidades que<br />

menciona. Tersina, 25 jan. 2007.<br />

108 O livro de Sampaio, publica<strong>do</strong> em inglês <strong>do</strong> ano de 1905, informava: “Dr. Antonio José de Sampaio: Engineer<br />

graduate of the Suiss Federal Polytechnical School at Zurich”. In.: A General Description of the State os Piauhy:<br />

on the northern part of Brazil. Its Natural Resources, Pasturates, Climate and Salubrity with especial reference to<br />

the cattle breeding compared with the conditions of the Argentine Republic and Austrália. Rio de Janeiro, 1905.<br />

O pesquisa<strong>do</strong>r Cláudio Bastos afirma que Sampaio era Doutor em Ciências Físicas e Naturais pela mesma<br />

Universidade e patrono da cadeira nº 19 da Academia Piauiense de Letras. In.: BASTOS, op. cit., p. 500.<br />

109 SAMPAIO, op. cit., p. 06.<br />

37


idéias naturalistas e cientificistas <strong>do</strong> século XIX, que reforçava a crença nas possibilidades de<br />

“prosperidade” e desenvolvimento (e atraso), toman<strong>do</strong>-se como referência o meio natural e os<br />

“modernos processos científicos”. 110 Singularmente, na contramão <strong>do</strong> que então era defendi<strong>do</strong><br />

pelos naturalistas pós-seca de 1877, e pelo “discurso regionalista nortista”, que ambicionava<br />

galgar espaço no Esta<strong>do</strong> desenhan<strong>do</strong> um quadro de tragédia <strong>do</strong> “Nordeste”, Sampaio percebia o<br />

sertão como o espaço da beleza e de um imenso potencial de desenvolvimento econômico 111 .<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, não obstante to<strong>do</strong>s os interesses da época, a construção da Fábrica de Laticínios<br />

não pode ser apartada da linha de pensamento positivista, bastante influente na Europa por quase<br />

to<strong>do</strong> o século XIX, defensora da ciência como fonte da mudança, <strong>do</strong> progresso mundial. Daquele<br />

continente, lugar <strong>do</strong> “tirocínio” <strong>do</strong> “Doutor”, traria as idéias que defenderia na Província <strong>do</strong><br />

<strong>Piauí</strong>, representan<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong>r e criatura, “[...] o progresso, a ciência, a indústria [...] a tradução de<br />

uma época, na medida em que confronta<strong>do</strong> com a reação da tradição ante a iminência <strong>do</strong><br />

novo”. 112<br />

À força <strong>do</strong> positivismo científico aliar-se-ia a consolidação <strong>do</strong> poder da burguesia<br />

industrial por vastas regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Neste perío<strong>do</strong>, a indústria de laticínios européia<br />

demonstrava-se propícia, mais <strong>do</strong> que muitos outros ramos da produção, à obtenção de lucros<br />

consideráveis ao capital priva<strong>do</strong> e, conseqüentemente, eleva<strong>das</strong> somas ao erário público. Muitos<br />

consideravam que países como Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, dentre outros,<br />

haviam enriqueci<strong>do</strong> à custa <strong>do</strong> processo de industrialização <strong>do</strong> leite 113 . Não tardaria para que essas<br />

técnicas fossem expandi<strong>das</strong> para outros continentes. Segun<strong>do</strong> Vilhena, a experiência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s mostraria que esse ramo industrial poderia ser transplanta<strong>do</strong> para outros países da<br />

América: os laticínios, no ano de 1900, já rendiam ao país mais de 280 bilhões de dólares. Difícil<br />

não vislumbrar uma fábrica de manteiga e queijo como um elemento bastante representativo<br />

dessa época.<br />

No Brasil, os últimos anos da Monarquia foram caracteriza<strong>do</strong>s pela intensificação da<br />

produção industrial. De cerca de 200 estabelecimentos industriais que existiam no ano de 1881,<br />

há um crescimento em 1888 para mais de 600, sen<strong>do</strong> 15% destes liga<strong>do</strong>s à área de alimentação.<br />

Esse surto industrial é acelera<strong>do</strong> nos primeiros anos da República, com uma política mais<br />

“consciente” para proteger a produção <strong>do</strong> país, conforme Caio Pra<strong>do</strong>. Com isso, há um<br />

acréscimo de 425 fábricas no perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre os anos de 1890 e 1895, haven<strong>do</strong>, a<br />

partir de então, um recrudescimento constante da produção industrial brasileira, intercalada com<br />

110 Para Sampaio o <strong>Piauí</strong> possuía um “ubérrimo território”. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 32.<br />

111 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção <strong>do</strong> Nordeste e outras artes. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006.<br />

p. 58-59.<br />

112 VILHENA, op. cit., p.131.<br />

113 FORTES, 1981 apud Id., Ibid. p. 45.<br />

38


alguns momentos de crise. Da mesma forma, ocorrerá uma participação crescente da indústria de<br />

alimentos ao longo <strong>do</strong> séc. XX, que já em 1920 chegará à marca de 40,2%, com destaque para o<br />

congelamento de carnes. Toda esta “febre industrial”, porém, estava concentrada na Capital<br />

Federal, São Paulo e Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Os demais Esta<strong>do</strong>s teriam uma participação muito<br />

pequena em to<strong>do</strong> esse processo 114 .<br />

Apesar desse quadro favorável de industrialização e <strong>do</strong>s grandes saltos que o setor de<br />

laticínios dava no mun<strong>do</strong>, para<strong>do</strong>xalmente, no Brasil, o processamento de leite ainda seria<br />

bastante incipiente durante a maior parte <strong>do</strong> século XIX. Os relatos <strong>do</strong> rudimentar processo de<br />

feitura e da total falta de higiene demonstram que, praticamente, não existia o produto que<br />

atualmente designamos por manteiga. Capistrano de Abreu informa-nos que “[...] pouco valia a<br />

manteiga, se merece este nome o esquisito produto guarda<strong>do</strong> em botijas, que se aquecia para<br />

extrair o conteú<strong>do</strong>”. 115 Essa constatação é corroborada por vários cronistas <strong>do</strong>s anos 1800 , tais<br />

como Jonh Mawe, que se assustavam diante da grosseira forma de fabricação da manteiga.<br />

Somente nas últimas déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> séc. XIX esse quadro mudaria, com a implantação <strong>do</strong> processo<br />

de pasteurização <strong>do</strong> leite pelo Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais. O <strong>Piauí</strong> seria o sucessor, no qual se<br />

integra a Fábrica de Laticínios <strong>do</strong> sítio Campos, tornan<strong>do</strong> este Esta<strong>do</strong> o segun<strong>do</strong> a possuir tal<br />

modalidade de industrialização <strong>do</strong> leite 116 .<br />

O início <strong>do</strong> funcionamento desta fábrica, mesmo com a especificidade de estar<br />

incrustada no centro <strong>do</strong> sertão piauiense, caracterizar-se-ia pela sintonia com o que havia de mais<br />

avança<strong>do</strong> na indústria mundial de laticínios. Para Sampaio, constituía-se em um empreendimento<br />

à altura <strong>do</strong>s mais modernos conti<strong>do</strong>s em outros países:<br />

Aquele estabelecimento póde em tu<strong>do</strong> rivalisar com os primeiros congeneres <strong>do</strong><br />

estrangeiro, como sejam o de Cham, no cantão de Zug, na Suissa, onde fabrica-se o<br />

leite condensa<strong>do</strong>, vendi<strong>do</strong> em nosso merca<strong>do</strong>; o de Ayles bury Dairy Company, na<br />

Inglaterra; Samenmelkerij van Oostcamp, na Bélgica, etc., e muitos outros que visitei<br />

em paizes europeus. 117<br />

Essa observação também pode ser ilustrada pelas inúmeras histórias que ficaram<br />

guarda<strong>das</strong> na memória da população acerca da epopéia que tornou possível o funcionamento da<br />

Fábrica de Laticínios. As máquinas, trazi<strong>das</strong> da Suíça, teriam vin<strong>do</strong> em carros-de-boi <strong>do</strong> Porto de<br />

Colônia, onde se localizava a Escola de São Pedro de Alcântara, até o sítio Campos, da fazenda<br />

Castelo. Contam-se os milhares de bois que teriam morri<strong>do</strong> nesse trajeto de 240 km, vítimas <strong>do</strong><br />

gigantesco peso <strong>das</strong> máquinas:<br />

114 PRADO JR., op. cit., p. 259-262.<br />

115 ABREU, op. cit,. p. 235.<br />

116 DIAS, João Castanho. 500 anos de leite no Brasil. São Paulo: Calandra Editorial, 2006. p. 91.<br />

117 SAMPAIO, op. cit., p. 26.<br />

39


Para transportar a maquinaria <strong>do</strong> porto de Colônia para Campos, dr. Sampaio construiu<br />

uma estrada carroçável numa extensão de quarenta léguas. O pior era transportar a<br />

caldeira, pesan<strong>do</strong> tonela<strong>das</strong>. O dr. Sampaio trouxe da Europa um carroção de ferro e<br />

engatou em juntas de bois e man<strong>do</strong>u cobrir a estrada com milhares de couros para que<br />

o carroção pudesse deslizar com a caldeira. Sem exagero, só no transporte da caldeira<br />

morreram mais de mil juntas de bois, de espinhaço quebra<strong>do</strong>, golfan<strong>do</strong> sangue. Não<br />

andavam <strong>do</strong>is metros e caíam arrebenta<strong>do</strong>s. 118<br />

Figura 07: Maquinário da<br />

Fábrica de Laticínios. Fonte:<br />

arquivo 19ª SR/IPHAN-PI.<br />

Depreende-se que, a partir desses discursos sobre a Fábrica, ganhou ares de mito a<br />

idéia <strong>do</strong> esforço despendi<strong>do</strong> para a realização dessa empreitada modernizante, no interior <strong>do</strong><br />

sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Um <strong>do</strong>s elementos aponta<strong>do</strong>s pela historiografia para o crescimento industrial <strong>do</strong><br />

Brasil teria si<strong>do</strong> a construção de uma infra-estrutura de transportes, principalmente ferrovias,<br />

inexistentes na região 119 . Isso, entretanto, não impediu que máquinas modernas e pesa<strong>das</strong> fossem<br />

compor a estrutura daquele empreendimento, localiza<strong>do</strong>, como anteriormente afirma<strong>do</strong>, distante<br />

da única via segura de transporte e escoamento de produtos da região - o rio Parnaíba. Na<br />

prática, to<strong>do</strong> esse esforço deveria materializar-se na venda de manteiga e queijo para to<strong>do</strong> o país,<br />

com um padrão de qualidade internacional. Nessa perspectiva, Sampaio descreve seu<br />

empreendimento, <strong>do</strong>is anos após a inauguração, para o Congresso Nacional:<br />

Neste espaçoso edifício, comprehenden<strong>do</strong> 26 compartimentos, acham-se monta<strong>do</strong>s e<br />

installa<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os apparelhos modernos e aperfeiçoa<strong>do</strong>s, a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s nos paizes mais<br />

adianta<strong>do</strong>s, para a fabricação de manteiga de exportação e preparação de queijo de<br />

diversas qualidades. 120<br />

118 ROCHA, op. cit., p. 118.<br />

119 Sampaio informa que ele abrira uma estrada de quarenta léguas de Floriano a Campos e que construíra uma ponte<br />

de madeira sobre o rio Itaueira, um <strong>do</strong>s afluentes <strong>do</strong> Parnaíba. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 27-28. Mesmo ten<strong>do</strong><br />

feito isso no final <strong>do</strong> século XIX, até hoje não existe estrada asfaltada ligan<strong>do</strong> Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> ao resto <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, muito menos ferrovias.<br />

120 Id., Ibid., p. 26.<br />

40


Comprovan<strong>do</strong> o que afirmara, Sampaio buscaria atesta<strong>do</strong>s de instituições e autoridades<br />

“científicas” da época. Um <strong>do</strong>cumento apresenta<strong>do</strong> pelo Laboratório Nacional de Anályses, da<br />

cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro, informa que ele requerera uma análise da qualidade da manteiga,<br />

concluin<strong>do</strong> a Instituição que se tratava de: ...cor mui levemente amarellada, de cheiro e sabor<br />

agradáveis e característicos (...) A referida amostra de manteiga não contem nem gordura, nem<br />

matérias corantes estranhas, nem substâncias nocivas; é um produto de muito boa qualidade. 121<br />

A Faculdade de Medicina <strong>do</strong> Rio de Janeiro também foi solicitada e o seu diretor<br />

chegou a afirmar que utilizava a manteiga e a reputava “... da melhor qualidade e uma <strong>das</strong><br />

melhores manteigas nacionaes que vêm ao nosso merca<strong>do</strong>.” 122 .<br />

To<strong>do</strong>s esses “atesta<strong>do</strong>s” demonstram a busca pela “cientificidade” no processo <strong>do</strong><br />

fabrico da manteiga e queijo. Objetivavam atribuir qualidade internacional a uma manteiga, cujo<br />

idealiza<strong>do</strong>r, experiências, máquinas, engenheiros e alguns trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s nessa<br />

empreitada vinham da Europa. Não se tentaria equiparar a qualidade <strong>do</strong> processo ao que já era<br />

produzi<strong>do</strong> em Minas, absolutamente desconsidera<strong>do</strong> enquanto parâmetro, mas sim ao que o<br />

mun<strong>do</strong> “científico” estabelecia como mais “adianta<strong>do</strong>”.<br />

2.9. A MÃO-DE-OBRA DA FÁBRICA<br />

O Contrato previa a instalação de núcleos de colonos estrangeiros no território <strong>das</strong><br />

Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Ao contrário <strong>do</strong> que se poderia imaginar, a vinda desses colonos europeus<br />

não foi ocasionada por um suposto projeto de industrialização <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> a partir da<br />

Fábrica de Laticínios. Esses trabalha<strong>do</strong>res – ao to<strong>do</strong> 40 famílias – foram envia<strong>do</strong>s para o trabalho<br />

na lavoura, sen<strong>do</strong> lota<strong>do</strong>s nas Fazen<strong>das</strong> Pitombeira e Nazaré.<br />

To<strong>do</strong> o processo de transferência <strong>do</strong>s italianos foi custea<strong>do</strong> por recursos da União.<br />

Esta iniciativa estaria entre as primeiras tentativas de introdução de imigrantes no “Norte” <strong>do</strong><br />

País com vistas ao “desenvolvimento” desta região. Todavia, esta imigração, que se desenrolou<br />

alguns anos antes da inauguração da Fábrica, foi fadada ao fracasso. Os italianos rebelaram-se<br />

comanda<strong>do</strong>s pelo pedreiro Costa Carlo, amotinan<strong>do</strong>-se na localidade Pitombeira. Muitos se<br />

revoltaram quan<strong>do</strong> ainda se encontravam abriga<strong>do</strong>s no Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />

Alcântara 123 . Tu<strong>do</strong> agrava<strong>do</strong> por uma epidemia de difteria que matou cerca de quinze crianças<br />

121 Laboratório Nacional de Analyses – Analyse 5.494. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1897. O Diretor Dr. Borges<br />

da Costa. Ver.: Id., Ibid., p. 67.<br />

122 O diretor da Faculdade era o Visconde de Alvarenga. Capital Federal, 08 de janeiro de 1898. Dr Albino Rodrigues<br />

de Alvarenga. In.: SAMPAIO, op. cit., p. 68.<br />

123 Id., Ibid., p. 42-52.<br />

41


italianas, certamente levan<strong>do</strong> ao desespero aqueles que vieram pensan<strong>do</strong> em trabalhar, mas<br />

encontraram pela frente a morte, a <strong>do</strong>r e uma região semi-árida de difícil convivência. No calor<br />

<strong>do</strong>s conflitos que se gestaram com a ação italiana, os mora<strong>do</strong>res da Vila de Colônia – onde ficava<br />

o Estabelecimento Rural – principalmente deputa<strong>do</strong>s, comerciantes e fazendeiros - saíram, em<br />

nota, na defesa de Sampaio, alegan<strong>do</strong> que a “... conducta sediciosa de alguns <strong>do</strong>s colonos” nada<br />

mais era <strong>do</strong> que “... greve, tão comum na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> Brazil.” 124 . Já para o<br />

delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo italiano que acompanhava a formação <strong>do</strong> núcleo, tu<strong>do</strong> ocorrera em função<br />

da inaptidão <strong>do</strong>s colonos para a agricultura e <strong>do</strong> caráter violento <strong>das</strong> famílias 125 .<br />

Justifican<strong>do</strong>-se para o presidente Prudente de Morais em uma carta que pedia<br />

recursos para solucionar problemas acarreta<strong>do</strong>s pela seca na região, Sampaio informa que a União<br />

despendeu cerca de 60 contos de réis “[...] com a introdução desta primeira colonização<br />

estrangeira em terras nacionaes <strong>do</strong> Norte [...]” . Permaneceram na região pouco mais de 50<br />

pessoas, as quais deixaram muitos descendentes que hoje se espalham por alguns municípios da<br />

região central <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, tais como Picos e Ipiranga.<br />

Fig. 08: Trabalha<strong>do</strong>res negros da fábrica.<br />

Nas janelas, possivelmente, italianos.<br />

Fonte: Museu Ozil<strong>do</strong> Albano, Picos-PI<br />

Apesar <strong>do</strong> não direcionamento desses colonos para trabalhos industriais, não<br />

podemos negar a importância que pessoas vin<strong>das</strong> da Europa possuíram para a instalação da<br />

Fábrica. O contrato já previa que o arrendatário era obriga<strong>do</strong> a “mandar vir da Europa, a<br />

expensas suas, pessoal habilita<strong>do</strong> para o preparo <strong>do</strong>s produtos lacticínios” 126 , medida que foi<br />

mantida pelas déca<strong>das</strong> posteriores, como consta no relato <strong>do</strong> seu José Mariano Filho, um ex-<br />

124 Nota assinada pelos mora<strong>do</strong>res da Vila de Colônia. 13/05/1896. Ver: SAMPAIO, op. cit., p. 59-60.<br />

125 Depoimento <strong>do</strong> Dr. Giuseppe Reminolfi. 20/02/1896. Doc. nº 23. Ver: Id., Ibid., p. 52.<br />

126 SAMPAIO, 1892. p. 09.<br />

42


trabalha<strong>do</strong>r da Fábrica: “aqui trabalhava o velho, que foi monta<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong> esse maquinário,<br />

chamava-se João Monte Santo, era um italiano velho de 82 anos, quan<strong>do</strong> ele chegou aqui.” 127 .<br />

Mesmo utilizan<strong>do</strong>-se destes técnicos estrangeiros, foi fundamental a participação <strong>das</strong><br />

pessoas da região em to<strong>do</strong> este projeto. O engenheiro era alemão, mas aqueles que trabalharam<br />

na construção <strong>das</strong> paredes, telhas e janelas <strong>do</strong> prédio eram brasileiros. Seu José Belém de Sousa,<br />

que também foi operário da Fábrica, desempenhan<strong>do</strong> a função de foguista no local <strong>do</strong> seu avô,<br />

informa que além de ter comanda<strong>do</strong> a caldeira, o pai <strong>do</strong> seu genitor aju<strong>do</strong>u a cavar os alicerces<br />

para a fundação da Fábrica 128 . O mesmo é afirma<strong>do</strong> pelo Seu Minga, mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> quilombo<br />

Volta, <strong>do</strong> município de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, lembran<strong>do</strong> que o seu pai – um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res<br />

daquela comunidade - trabalhou como operário da construção civil naquele empreendimento.<br />

Fig. 09: Trabalha<strong>do</strong>res negros na<br />

fábrica. Fonte: Arquivo da 19ª<br />

SR/IPHAN-PI.<br />

Passan<strong>do</strong> aos i<strong>do</strong>s de 30 e 40, as pessoas que trabalharam como operários da fábrica<br />

também eram <strong>das</strong> “re<strong>do</strong>ndezas”. Seu José Mariano diz que, à exceção <strong>do</strong> italiano referi<strong>do</strong>, “...<br />

eram tu<strong>do</strong> gente daqui.”, homens, mas também mulheres que atuavam no setor de<br />

enlatamento 129 . As fotos da Fábrica em funcionamento também demonstram que seus operários<br />

provinham da região <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. É interessante perceber nesse material iconográfico<br />

a participação <strong>do</strong>s negros, ex-escravos ou seus descendentes que o Projeto tentava englobar ou<br />

na produção direta <strong>do</strong>s laticínios ou no fornecimento <strong>do</strong> leite – aqui mais uma convergência com<br />

o Projeto da Escola Rural. Enquanto funcionou como fábrica de laticínios, as fazen<strong>das</strong><br />

particulares e comunidades aquilomba<strong>das</strong> que se formaram na região teriam a oportunidade de<br />

comercializar o leite para o empreendimento, geran<strong>do</strong> renda para os que viviam naquele sertão.<br />

127 Entrevista com o sr. José Mariano Filho, em 17/10/2006 . Lamentavelmente, este senhor, que participou <strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>cumentário “A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>: uma histórica contada por seus<br />

trabalha<strong>do</strong>res”, faleceu recentemente.<br />

128 Entrevista com o sr. José Belém de Sousa, em 17/10/2006.<br />

129 Entrevista com o sr. José Mariano Filho, em 17/10/2006.<br />

43


Isso é ilustra<strong>do</strong> pela fala <strong>do</strong> seu Euclides, o qual afirma que, assim como muita “gente pobre”<br />

daquela região, vendia leite para a Fábrica 130 .<br />

Em mea<strong>do</strong>s da década de 40 <strong>do</strong> século XX, a Fábrica, definitivamente, parou de<br />

funcionar na produção <strong>do</strong>s deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> leite. Após ter si<strong>do</strong> restaurada no governo de Landry<br />

Sales, nos anos 30, “funcionou algum tempo, fornecen<strong>do</strong> manteiga boa, rica e saborosa.” 131 . Mas<br />

isso duraria cerca de dez anos. Após esse perío<strong>do</strong> o prédio assumiu diversas funções: igreja,<br />

escola, centro recreativo, dentre outras atividades. Algumas salas <strong>do</strong> prédio foram usa<strong>das</strong> na<br />

produção de farinha; e outras, mais recentemente, como marcenaria.<br />

Retornan<strong>do</strong> às duas primeiras déca<strong>das</strong> <strong>do</strong> século XX – com os outros arrendatários<br />

que assumiram o contrato de arrendamento <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, tais como Gervásio<br />

Sampaio Pires Ferreira e Ângelo Acilino de Miranda (este até 1922) – a edificação serviu para<br />

abrigar atividades de cunho extrativista, sobretu<strong>do</strong>, no início <strong>do</strong> século, o trabalho com a<br />

maniçoba para a produção de borracha. A partir de então, ocorre a falência, contornada apenas<br />

durante parte <strong>do</strong>s anos 30 e 40 132 .<br />

De tu<strong>do</strong> isso, o que ficou guarda<strong>do</strong> na mentalidade da população <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong><br />

foi a imagem muito bem sintetizada pelo músico Possidônio Queiroz, no ano de 1972:<br />

Agora a fábrica se fechou para sempre. Resta aos velhos habitantes da região apenas a<br />

lembrança <strong>do</strong>s áureos tempos, em que havia ali muito ga<strong>do</strong>, muito trabalho, dan<strong>do</strong> a<br />

to<strong>do</strong>s a feliz sensação de paz e progresso. Hoje, quem passa por Campos, atualmente<br />

Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, tem a ver apenas o melancólico espetáculo <strong>do</strong> imponente prédio,<br />

cuja majestosa chaminé aponta, em segre<strong>do</strong> ou silenciosamente para o céu, como sinal<br />

de protesto, como grito solene contra a ação depredatória que destruiu, transforman<strong>do</strong><br />

numa ruinaria a opulenta fábrica que foi uma <strong>das</strong> mais importantes da América <strong>do</strong><br />

Sul. 133 .<br />

2.10. A CIDADE DE CAMPINAS<br />

Como afirmou o poeta, Campos – a localidade onde foi erguida a Fábrica – hoje é<br />

Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. A cidade surgiu a partir da fábrica, <strong>das</strong> atividades que eram desenvolvi<strong>das</strong><br />

naquele prédio, e <strong>das</strong> famílias <strong>do</strong>s operários e operárias que por lá passaram. Filhos, netos e<br />

130 Entrevista com o sr. Euclides Ribeiro de Sousa, em 18/10/2006.<br />

131 Nota rabiscada por Possidônio Queiroz em 16 de junho de 1972, a pedi<strong>do</strong> de Senhora Dona Júlia de Carvalho<br />

Nunes. In: FABULOSA fábrica de manteiga <strong>do</strong> Dr. Sampaio, A. O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 2: o mais charmoso <strong>do</strong><br />

Brasil. São Paulo, abr. 2004.<br />

132 BASTOS, Cláudio de Albuquerque. Dicionário Histórico e Geográfico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>. Teresina, Fundação<br />

Cultural Mons. Chaves. 1994. p. 214. VILHENA, Marcos Aurélio Gonçalves de. Vôo de Ícaro: tensões e drama<br />

de um industrial no sertão. Teresina, 2006. p. 157-159.<br />

133 Nota rabiscada por Possidônio Queiroz em 16 de junho de 1972, a pedi<strong>do</strong> de Senhora Dona Júlia de Carvalho<br />

Nunes. In: FABULOSA fábrica de manteiga <strong>do</strong> Dr. Sampaio, A. O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> 2: o mais charmoso <strong>do</strong><br />

Brasil. São Paulo, abr. 2004.<br />

44


isnetos daquelas pessoas continuam viven<strong>do</strong> naquela pequena cidade, a rememorar viva e<br />

sau<strong>do</strong>samente os capítulos da epopéia que deu origem àquele empreendimento no sertão. Falam<br />

com propriedade, e com muita intimidade, <strong>das</strong> aventuras <strong>do</strong> “bon<strong>do</strong>so” Doutor Sampaio e <strong>das</strong><br />

“malvadezas” <strong>do</strong> Coronel Ângelo Acilino, que mandava “tocar fogo” nas casas <strong>do</strong>s negros e que,<br />

por isso, quan<strong>do</strong> morreu, virou cobra de asa, ten<strong>do</strong> sua sepultura que ser encarcerada com grades<br />

de ferro, e benzida pelo padre, no cemitério da vizinha cidade de Simplício Mendes. É um povo<br />

que olha para o prédio como a grande referência de suas vi<strong>das</strong>, e clama aos governos para que<br />

tomem providências no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu restauro e viabilização de novas atividades. O prédio já é<br />

tomba<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> 134 e já há algum tempo a população almeja o mesmo reconhecimento em<br />

nível federal.<br />

Campos, no ano de inauguração da Fábrica, era um pequeno povoa<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> por<br />

“casas de administração e residência de emprega<strong>do</strong>s” construí<strong>das</strong> pelo Projeto, pertencente à<br />

cidade de Oeiras. Dali sairia a vila e posterior cidade de Simplício Mendes, da qual Campinas <strong>do</strong><br />

<strong>Piauí</strong> desmembrar-se-ia no ano de 1963. Nesse perío<strong>do</strong> a cidade, distante 411 km de Teresina,<br />

circundada pela caatinga, tem vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong> extrativismo da cera de carnaúba, da agricultura de<br />

subsistência e da pecuária em pequena escala 135 .<br />

Atualmente, a cidade, de acor<strong>do</strong> com o censo de 2007, possui 5.782 habitantes 136 . São<br />

poucas residências, com uma pequena prefeitura que fica logo ao la<strong>do</strong> da antiga fábrica. Esta,<br />

“majestosamente”, mantém-se como principal e único prédio da cidade. No meio <strong>do</strong> semi-ári<strong>do</strong>,<br />

Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> segue com uma pequena feira semanal às segun<strong>das</strong>, sem bancos, sem hotéis e<br />

sem estrada asfaltada ligan<strong>do</strong>-a aos demais municípios. A aventura pelo progresso teve o seu<br />

termo. Talvez por isso haja tanta nostalgia em torno de tu<strong>do</strong> o que representa a grande Fábrica.<br />

134 BRASIL. Decreto nº 7.294, de 26 de jan. 1988. Dispõe sobre o tombamento <strong>do</strong> prédio ‘Fábrica de Laticínios de<br />

Campinas’ na cidade de Campinas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa <strong>do</strong><br />

Brasil, Poder Executivo, Teresina, 02 fev. 1988.<br />

135 BASTOS, op. cit., p. 101.<br />

136 Informação extraída de: . Acesso em: 08 nov. 2007.<br />

45


3. ANÁLISE ARQUITETÔNICA<br />

3.1. INTRODUÇÃO<br />

A importância <strong>das</strong> edificações em questão para a formação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> pode ser analisada<br />

sob <strong>do</strong>is pontos de vista: da perspectiva histórica, em virtude <strong>do</strong> momento em que foram cria<strong>das</strong>,<br />

como também por terem da<strong>do</strong> origem às cidades de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e de Floriano; e em<br />

relação a sua arquitetura, pois se constituem em edificações emblemáticas <strong>do</strong> patrimônio<br />

edifica<strong>do</strong> no Brasil entre o final <strong>do</strong> século XIX e começo <strong>do</strong> XX.<br />

Uma vez que, concernente à dimensão histórica, a relevância <strong>do</strong> Estabelecimento Rural<br />

de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> já foi<br />

apresentada, cabe agora tecer algumas considerações referentes ao aspecto arquitetônico <strong>das</strong><br />

cita<strong>das</strong> edificações. Para tanto, inicialmente será apresenta<strong>do</strong> o cenário arquitetônico mundial e<br />

brasileiro, buscan<strong>do</strong> enfocar o contexto <strong>do</strong> Nordeste brasileiro, no que tange aos referenciais<br />

estéticos pre<strong>do</strong>minantes, estilos arquitetônicos vigentes, técnicas e materiais de construção<br />

emprega<strong>do</strong>s. Em seguida, faz-se a mesma reflexão em relação ao <strong>Piauí</strong>, tratan<strong>do</strong> de como os<br />

padrões arquitetônicos vigentes foram incorpora<strong>do</strong>s ou adapta<strong>do</strong>s à realidade piauiense. Na<br />

terceira parte, se fazem as análises arquitetônicas <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro de<br />

Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, enumeran<strong>do</strong> suas<br />

características estilísticas, as similaridades e diferenças entre elas. Finalizan<strong>do</strong>, se discrimina as<br />

restrições advin<strong>das</strong> <strong>do</strong> tombamento que garantam a salvaguarda <strong>do</strong> bem, bem como se apresenta<br />

a definição <strong>do</strong> perímetro de entorno <strong>do</strong> bem cultural.<br />

3.2. MATERIAIS, TÉCNICAS, PADRÕES ESTILÍSTICOS DO SÉCULO XIX<br />

No campo da arquitetura, <strong>do</strong>is pontos marcam o século XIX: as inovações tecnológicas<br />

e os revivalismos arquitetônicos, que foram vivencia<strong>do</strong>s de formas e intensidades distintas pelos<br />

países ocidentais.<br />

Em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX, enquanto na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s houve um<br />

incremento tecnológico no que se referem às técnicas construtivas, no Brasil os padrões de<br />

construção ainda estavam basea<strong>do</strong>s mais na prática cotidiana <strong>do</strong> que na ciência. Reis Filho (2004)<br />

considera que na primeira metade <strong>do</strong> século XIX a arquitetura praticada era a mera continuação<br />

<strong>das</strong> soluções e modelos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial. As inovações tecnológicas no Brasil, como por<br />

46


exemplo o uso de tijolos, telha de Marselha, madeira serrada, presença de mão-de-obra<br />

especializada, só viriam a advir com o fim da escravidão e com a chegada de imigrantes europeus,<br />

no fim <strong>do</strong> século XIX. Contu<strong>do</strong>, não aconteceram igualmente por to<strong>do</strong> o país: surgiram<br />

inicialmente de forma mais intensa no sul e sudeste brasileiros e nas capitais litorâneas, chegan<strong>do</strong><br />

apenas no início <strong>do</strong> século XX ao interior <strong>do</strong> Norte e Nordeste brasileiros.<br />

Em relação ao estilo arquitetônico, o século XIX foi marca<strong>do</strong> no Brasil e no mun<strong>do</strong><br />

pelo revivalismo, com o uso de formas, elementos e soluções arquitetônicas de estilos <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, com destaque para o neoclássico. Em 1814, a vinda da Missão Artística Francesa para o<br />

Brasil, composta por arquitetos, escultores e pintores, durante a estadia da família real portuguesa<br />

no país, trouxe a influência da arte francesa. Subseqüentemente à chegada desse grupo de artistas,<br />

houve a instalação da Academia Imperial de Belas Artes, com o ensino regular de arquitetura.<br />

Esse fator foi fundamental para o estabelecimento de uma arquitetura oficial no Brasil – a<br />

neoclássica, que passou a ser empregada nos edifícios institucionais – e que aos poucos foi sen<strong>do</strong><br />

apropriada pela população em geral.<br />

Inicialmente, implantada como o estilo arquitetônico <strong>das</strong> edificações oficiais - casas de<br />

câmara e cadeia, teatros, escolas e edifícios institucionais - o neoclássico foi sen<strong>do</strong> difundi<strong>do</strong> nas<br />

cidades e no interior brasileiro. Sua difusão decorria <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong>s fazendeiros e homens de<br />

negócio em reproduzir, nas suas propriedades, o padrão estético com o qual haviam trava<strong>do</strong><br />

conhecimento ao viajar para a Europa e para outros centros urbanos litorâneos brasileiros mais<br />

desenvolvi<strong>do</strong>s, como Rio de Janeiro, Salva<strong>do</strong>r e Recife. O desejo era o de exteriorizar a ligação<br />

com o poder existente, estabelecen<strong>do</strong> relação com os modelos europeus, em detrimento da<br />

paisagem brasileira (REIS FILHO, 2004). Contu<strong>do</strong>, a produção da arquitetura neoclássica no<br />

Brasil dependia de mão-de-obra, equipamentos e materiais importa<strong>do</strong>s da Europa. A a<strong>do</strong>ção<br />

integral ao estilo foi, então, restrita ao poder oficial e aos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> litoral brasileiro com<br />

condições financeiras para patrocinar sua construção. No restante <strong>do</strong> território brasileiro, a<br />

escassa oferta de materiais, a falta de disponibilidade de mão-de-obra com técnicas apura<strong>das</strong> e a<br />

ausência de profissionais que elaborassem os projetos, culminavam numa arquitetura bastante<br />

simplificada, que fazia uso <strong>do</strong> repertório neoclássico, porém adaptan<strong>do</strong>-o às condicionantes<br />

locais. Com relação à mão de obra, mesmo com a abolição da escravatura e a instalação da<br />

República, o processo de qualificação técnica de quem construía não melhoraria tão rapidamente<br />

(REIS FILHO, 2004).<br />

Consideran<strong>do</strong> essa heterogeneidade da realidade nacional, Reis Filho (2004) aponta que<br />

no Brasil existiram <strong>do</strong>is tipos de arquitetura neoclássica: um pratica<strong>do</strong> nos grandes centros<br />

urbanos, localiza<strong>do</strong>s no litoral, que tinham amplo contato com a Europa; e outro realiza<strong>do</strong> no<br />

47


interior <strong>do</strong> Brasil, em que as influências européias chegavam de forma indireta. No primeiro caso,<br />

o que se observou foi uma arquitetura complexa, com materiais importa<strong>do</strong>s, cujo aspecto técnico<br />

e formal integrava-se aos padrões internacionais da época. Já no outro contexto, observou-se<br />

uma imitação bem simplista da arte e da arquitetura, com adaptações de forma superficial <strong>do</strong>s<br />

padrões formais e estilísticos europeus, consistin<strong>do</strong> em aplicações com função meramente<br />

decorativa e/ou estética. Foi nesse quadro, comum à maior parte <strong>do</strong> território brasileiro - sem<br />

materiais provenientes da Europa, equipamentos, arquitetos e mão-de-obra especializada - que o<br />

neoclássico foi amplamente difundi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o estilo pre<strong>do</strong>minante até o final <strong>do</strong> século XIX.<br />

Weimer (2005) ressalta a influência da arquitetura erudita na popular, pois esta, ao procurar seguir<br />

os padrões de grandes obras da arquitetura, criava versões simplifica<strong>das</strong> destas, resultan<strong>do</strong> no<br />

emprego dissemina<strong>do</strong> de decorativismos com motivos florais, formalismos de estilo barroco e<br />

pilastras classiciza<strong>das</strong>.<br />

De mo<strong>do</strong> geral, se pode apontar como principais características da arquitetura<br />

neoclássica no Brasil: clareza no méto<strong>do</strong> construtivo, uso de formas simples, presença de cornijas<br />

e platiban<strong>das</strong>, edificação marcada por pilastras, com aberturas frequentemente em arco pleno e<br />

bandeiras decora<strong>das</strong> (REIS FILHO, 2004; COSTA, 2005). Porém, como foi aponta<strong>do</strong>, muitas<br />

vezes os elementos neoclássicos eram aplica<strong>do</strong>s de forma superficial, restringin<strong>do</strong>-se a enfeites de<br />

gesso e papéis decorativos importa<strong>do</strong>s, aplica<strong>do</strong>s sobre paredes construí<strong>das</strong>, ainda segun<strong>do</strong> os<br />

méto<strong>do</strong>s tradicionais por escravos.<br />

A realidade piauiense era a mesma da maior parte <strong>do</strong> Brasil – as mudanças chegavam<br />

lentamente e com as restrições impostas pelo meio. Assim, no <strong>Piauí</strong>, ao final <strong>do</strong> século XIX, as<br />

técnicas e materiais construtivos em vigor eram aqueles tradicionalmente usa<strong>do</strong>s nas construções<br />

coloniais, com o emprego da mão-de-obra <strong>do</strong>s escravos recém-libertos. As alterações ficavam por<br />

conta da a<strong>do</strong>ção de elementos neoclássicos, que eram apropria<strong>do</strong>s e reproduzi<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com<br />

as particularidades de cada região.<br />

A maior contribuição <strong>do</strong> neoclássico foi a mudança provocada no plano formal, pois o<br />

estilo não chegou a promover um maior aperfeiçoamento técnico da construção no Brasil ou<br />

contribuiu para uma nova disposição <strong>do</strong>s ambientes internos, o que veio a ocorrer apenas com o<br />

ecletismo, surgi<strong>do</strong> durante a segunda metade <strong>do</strong> século XIX (REIS FILHO, 2004).<br />

O estilo eclético começou a se impor no Rio de Janeiro no final <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong>,<br />

com o advento da República, procurou-se deixar pra trás o perío<strong>do</strong> colonial e marcar o início de<br />

um novo momento histórico. Havia o interesse <strong>do</strong> governo em mostrar que o Brasil era um novo<br />

país e um <strong>do</strong>s instrumentos foi o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong>s padrões formais neoclássicos e o advento <strong>do</strong><br />

48


ecletismo, marca<strong>do</strong> pela influência de diversas correntes estilísticas na mesma edificação, pela<br />

adaptação aos novos materiais e à incorporação de técnicas (COLIN, 2007).<br />

Pereira (2005) aponta que a arquitetura <strong>do</strong> século XIX compõe um quadro bastante<br />

complexo, que vai além da existência concomitante de várias linguagens formais, seja <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />

como o barroco e o rococó, sejam releituras feitas à época, como o neoclassiciscmo, o ecletismo<br />

e o art nouveau. Nesse perío<strong>do</strong>, coexistiram: as formas e técnicas coloniais; a apropriação de<br />

materiais importa<strong>do</strong>s nas obras; outros programas e funções nas edificações; as mudanças na<br />

prática construtiva advin<strong>das</strong> com a criação de escolas de arquitetura e de engenharia. Os estilos<br />

eram ti<strong>do</strong>s como modelos a serem segui<strong>do</strong>s.<br />

Entre o final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX, no campo da arquitetura, cabe <strong>das</strong>tacar<br />

ainda, a arquitetura industrial. Diversas edificações que integram o acervo patrimonial fabril<br />

brasileiro são exemplos da transição pela qual se passava entre os 1800 e 1900, caracteriza<strong>do</strong>:<br />

pela transposição de estilos e de materiais [...], pela sua escala, pelo cuida<strong>do</strong> na<br />

composição, pela introdução e consolidação de varia<strong>do</strong>s tipos arquitetônicos e pelo uso<br />

de novas técnicas e materiais construtivos, [...] na disseminação da alvenaria de tijolo e<br />

de outros materiais industrializa<strong>do</strong>s, tal como o ferro, sen<strong>do</strong> exemplos de racionalização<br />

que auxiliaram no estabelecimento de uma renovada práxis construtiva (KUHL, 2006,<br />

p. 02).<br />

A Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003) define como patrimônio industrial “os<br />

vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou<br />

científico”. Estes vestígios compreendem não só os edifícios e máquinas, como os meios de<br />

transporte utiliza<strong>do</strong>s e locais como habitações, igrejas ou escolas, que davam suporte à atividade<br />

industrial.<br />

No século XIX, as transformações pelas quais passava a sociedade, principalmente a<br />

industrialização e o fim <strong>do</strong> trabalho escravo são refleti<strong>do</strong>s na arquitetura. Esse rebatimento será<br />

representa<strong>do</strong> pela inovação tecnológica, tanto em relação às técnicas e materiais como pela<br />

construção de edificações com fins industriais; pela mescla de estilos arquitetônicos; e pela<br />

necessidade de romper com os padrões estéticos até então vigentes. Em síntese, observa-se o<br />

aban<strong>do</strong>no de um modelo e a procura por outro que seja adequa<strong>do</strong> à nova realidade social.<br />

3.3. ARQUITETURA NO PIAUÍ<br />

Figueire<strong>do</strong> (2006) coloca que, assim como chegaram em outros recantos <strong>do</strong> país,<br />

diversas inovações <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX tiveram repercussão também no <strong>Piauí</strong>.<br />

Essas influências tinham maior ou menor intensidade, dependen<strong>do</strong> da possibilidade de chegada<br />

49


dessas novidades ao local, por meio <strong>do</strong> trem, <strong>das</strong> estra<strong>das</strong> de terra, da navegação fluvial ou<br />

marítima.<br />

No semi-ári<strong>do</strong> piauiense foram as pastagens e os veios d´água que condicionaram as<br />

fixações <strong>do</strong> vaqueiro (SILVA FILHO, 2007). A ocupação, que até então tinha ocorri<strong>do</strong> de forma<br />

espontânea, no século XVIII passou a ser uma estratégia da Coroa Portuguesa para consolidar<br />

seu <strong>do</strong>mínio. Contu<strong>do</strong>, uma vez que a principal atividade econômica – a criação de ga<strong>do</strong> – estava<br />

intimamente ligada ao meio rural, a transposição <strong>das</strong> habitações <strong>do</strong> campo para a vila não<br />

aconteceu imediatamente, apesar <strong>do</strong>s incentivos ofereci<strong>do</strong>s pelo Governo Imperial. Esse quadro<br />

persistiu enquanto as fazen<strong>das</strong> de ga<strong>do</strong> prosperavam, até o último quartel <strong>do</strong> século XIX, quan<strong>do</strong><br />

a pecuária entra em declínio e as cidades passam a ocupar papel central na esfera econômica.<br />

Até o século XVIII no <strong>Piauí</strong>, assim como em grande parte <strong>do</strong> sertão nordestino, que era<br />

desbrava<strong>do</strong> pelo vaqueiro, as casas eram ergui<strong>das</strong> de forma não uniforme, à margem <strong>do</strong>s rios,<br />

sem quadras ou arruamentos alinha<strong>do</strong>s previamente projeta<strong>do</strong>s, seguin<strong>do</strong> as inclinações <strong>do</strong> relevo<br />

e elementos naturais e as necessidades locais de movimento <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> (SILVA FILHO, 2007c).<br />

Por volta de 1850, com o fim da escravatura e com o início da navegação a vapor, que<br />

possibilitou a chegada de materiais industrializa<strong>do</strong>s, iniciou-se uma mudança nos padrões<br />

construtivos nas cidades piauienses. As construções de a<strong>do</strong>be dão lugar àquelas ergui<strong>das</strong> em tijolo<br />

queima<strong>do</strong>, assim como se prolifera o uso de gradis de ferro, vidro, madeira serrada e telha<br />

prensada. Em relação ao estilo, como coloca Silva Filho (2007b), o neoclássico passou a ser mais<br />

freqüente, seguin<strong>do</strong> a tendência a<strong>do</strong>tada pelo Império para romper com o passa<strong>do</strong> colonial e<br />

marcar a diferença estilística entre o meio rural e o urbano, sen<strong>do</strong> percebi<strong>do</strong> no enquadramento<br />

<strong>do</strong>s vãos e nos revestimentos que imitavam mármore. Contu<strong>do</strong>, observa-se na maioria <strong>das</strong><br />

edificações, a forma simplificada, cuja simetria está ligada à caixa estrutural da construção, que<br />

seguia o padrão lusitano. Era rara a presença de projetistas, sen<strong>do</strong> os projetos elabora<strong>do</strong>s e<br />

executa<strong>do</strong>s pelos proprietários ou mestre de obras.<br />

No século XIX, os proprietários passaram a residir nas fazen<strong>das</strong> de sua propriedade ou<br />

em cidades próximas a elas. Sua presença nas fazen<strong>das</strong> impingiu a necessidade de adequação da<br />

estrutura existente ou na construção de novas edificações para abrigar o fazendeiro e sua família.<br />

Isto provocou a mudança na arquitetura rural <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: no lugar <strong>das</strong> toscas casas de taipa e palha,<br />

começam a ser ergui<strong>das</strong> casas com maior apuro na técnica e na estética (SILVA FILHO, 2007a).<br />

Tratan<strong>do</strong> especificamente <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, Silva Filho (2007a, p. 42) informa<br />

que "<strong>das</strong> descrições e mapeamentos conheci<strong>do</strong>s, pouco se apura de arquitetura levantada nessas<br />

terras durante o perío<strong>do</strong> de colonização. A falta de da<strong>do</strong>s não deixa de ser um indício da reduzida<br />

expressão <strong>das</strong> moradias, habita<strong>das</strong> então de umas poucas almas". Em um contexto onde a<br />

50


economia girava em torno <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, o proprietário <strong>das</strong> terras não morava no local; a casa, assim,<br />

era o bem de menor valor, geralmente arranjos improvisa<strong>do</strong>s para o vaqueiro. O proprietário<br />

preferia investir em terras e rebanhos - a casa era um produto caro e por isso, muitas não<br />

passavam de um suporte precariamente estrutura<strong>do</strong>, de forma provisória: "antigamente, nas<br />

fazen<strong>das</strong> de criar <strong>do</strong> Nordeste, levantava-se primeiramente uma casa rústica de paredes de taipa e<br />

cobertura de duas águas. Para esse mister preferiam-se as palmas da carnaubeira" (GOULART,<br />

1985 apud SILVA FILHO, 2007a, p. 42).<br />

Fig. 10: Mapa <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> com indicação <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>. Fonte: 19ª SR/IPHAN, 2008.<br />

Citan<strong>do</strong> o Mappa Estatístico <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> em 1854, Silva Filho (2007a) informa<br />

que quase metade <strong>das</strong> residências nas inspeções de Nazareth e Piauhy tinham cobertura de palha.<br />

Na relação da Tesouraria da Fazenda de 1847 são lista<strong>das</strong> 23 fazen<strong>das</strong> pertencentes às cita<strong>das</strong><br />

inspeções, localiza<strong>das</strong> nos arre<strong>do</strong>res de Oeiras, sen<strong>do</strong> 15 cobertas de telhas e 11 com palha.<br />

Assim, acredita-se que a paisagem construída na região <strong>das</strong> atuais cidades de Floriano e<br />

Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> era composta por casas de vaqueiros, que seguiam o padrão construtivo <strong>do</strong><br />

sertão piauiense – paredes em taipa e/ou a<strong>do</strong>be, com uso da carnaúba e pau d´arco – e tão<br />

esparsas que não chegavam a formar um conjunto. Barreto (1938) refere-se ao depoimento <strong>do</strong> Sr.<br />

Isaias Pereira, administra<strong>do</strong>r <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, que promoveu a reforma de alguns prédios.<br />

Este último descreve as construções ergui<strong>das</strong> na região como: edificações erigi<strong>das</strong> em<br />

taipa, com troncos de carnaúba, preenchi<strong>das</strong> com pedra e barro, cobertura em madeira de<br />

carnaúba e telha vã, piso de terra batida, portas em pau d´arco, pé direito alto, paredes em meia<br />

altura, avaranda<strong>do</strong>s largos e baixos.<br />

51


A partir dessas considerações, infere-se que as construções da Escola Rural São Pedro<br />

de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> configuravam-se, na<br />

realidade, como as primeiras edificações de grande porte da região. Além <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

empreendimentos se assemelharem em relação à motivação de sua criação, apresentam também<br />

pontos comuns nos seus projetos arquitetônicos. As edificações, por terem si<strong>do</strong> construí<strong>das</strong> na<br />

mesma época – final <strong>do</strong> século XIX, com incentivo <strong>do</strong> governo, apresentam a feição geral de<br />

prédios oficiais, que no perío<strong>do</strong> imperial significava a presença de características neoclássicas. As<br />

duas representam um momento de revivalismo e de transição entre a arquitetura tradicional,<br />

representada por uso de materiais e técnicas da época colonial, com a necessidade de inovação e<br />

<strong>do</strong> emprego de um estilo que enfatize o novo momento histórico. A busca da monumentalidade,<br />

através da simetria especular, influência da arquitetura erudita, como coloca Weimer (2005),<br />

também é marcante nos <strong>do</strong>is prédios, bem como a robustez <strong>das</strong> edificações, a simplicidade<br />

construtiva e a adaptação <strong>do</strong> estilo neoclássico às condições locais. Como característica peculiar<br />

da região, percebe-se o emprego <strong>do</strong>s troncos da carnaúba como estrutura de sustentação da<br />

cobertura.<br />

3.4. ESTUDO ARQUITETÔNICO<br />

3.4.1 ESTUDO SOBRE A ESCOLA RURAL SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA<br />

A área da Inspeção de Nazaré, onde foi construída a Escola Rural São Pedro de<br />

Alcântara, era um <strong>do</strong>s departamentos em que foram dividi<strong>das</strong> as Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

Possuía como patrimônio em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX três casas, currais e um rebanho de ga<strong>do</strong><br />

bovino com 10.000 cabeças, distribuí<strong>do</strong>s em uma área de 15.000km 2 , com boas terras e<br />

pastagens.<br />

A construção da edificação decorreu diretamente da necessidade de uma escola para<br />

educação <strong>do</strong>s jovens escravos, libertos pela Lei <strong>do</strong> Ventre Livre em 1871. Assim, a pedra<br />

fundamental da Escola Rural de São Pedro de Alcântara foi lançada em 1874 e a construção<br />

finalizada em 1877. Durante alguns anos não eram autoriza<strong>das</strong> construções particulares nas<br />

imediações da edificação, o que veio a ocorrer apenas a partir de 1884, quan<strong>do</strong> passaram a ser até<br />

incentiva<strong>das</strong> pelos administra<strong>do</strong>res (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANO, 2007).<br />

Nessa época, os lugares povoa<strong>do</strong>s eram o arraial de João Chico, a área <strong>do</strong> estabelecimento e entorno<br />

da Igreja de São Pedro de Alcântara, destruída em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX. Ficou conhecida como<br />

52


Colônia Agrícola, ten<strong>do</strong> a cidade se desenvolvi<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> estabelecimento, em duas déca<strong>das</strong>.<br />

Com o crescimento <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> e aumento da população, foi eleva<strong>do</strong> e nomea<strong>do</strong> como Vila da<br />

Colônia, e, em 1897, passou a ser cidade com a denominação de Floriano (NUNES FILHO,<br />

2005).<br />

Fig. 11: Vista externa <strong>do</strong><br />

Estabelecimento Rural São Pedro de<br />

Alcântara.<br />

Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

A principal diretriz para a construção da edificação é de que ela fosse erguida o mais<br />

depressa possível, sen<strong>do</strong> posta pronta para funcionamento. As salas de aula e o alojamento para<br />

os internos eram separa<strong>do</strong>s em alas, uma masculina e outra feminina. Dois importantes<br />

<strong>do</strong>cumentos referentes à Escola são a descrição feita, em 1875, pelo mestre de obras Raimun<strong>do</strong><br />

Torres Costa, responsável pela construção de acor<strong>do</strong> com a planta 137 , elaborada pelo engenheiro<br />

agrônomo Francisco Parente. A partir <strong>do</strong> desenho <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> projeto, que morreu antes de vê-<br />

lo concluí<strong>do</strong>, o mestre lhe relatava o andamento da obra:<br />

[...] O prédio mede de cumprimento na frente 150 palmos, sob 240 de fun<strong>do</strong>: achan<strong>do</strong>se<br />

com to<strong>do</strong>s os alicerces, construí<strong>do</strong>s de pedra e cal na altura de 3 a 7 palmos<br />

conforme o declive <strong>do</strong> terreno, 80 palmos de cada la<strong>do</strong> <strong>das</strong> meias-águas. A parte<br />

concluída é toda construída de tijolos de alvenaria, assim como deve ser feito o resto da<br />

construção: o corpo da casa, e parte <strong>das</strong> meias-águas já feito e embuça<strong>do</strong>, tem ao to<strong>do</strong><br />

10 salões e quartos para diferentes serventias com consta da planta. Toda as paredes<br />

exteriores tem 3 palmo de grossura; as interiores 2 ½ , e as divisórias 2. O prédio é feito<br />

para a acomodação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sexos, cujas divisões são as seguintes: la<strong>do</strong> <strong>das</strong> mulheres - 1<br />

salão para deposito de rouparia com 32 palmos de comprimento, 19 de largura, 1 dito<br />

igual tamanho para <strong>do</strong>rmitório <strong>das</strong> encarrega<strong>das</strong> <strong>das</strong> menores, 1 com 40 palmos para<br />

aula e salão de trabalho, 1 com 25 palmos para enfermaria, 1 com 38 para refeitório, 1<br />

com 15 palmos para despensa, 1 com 23 palmos para cosinha; la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens: 1 salão<br />

com 32 palmos de comprimento e 19 de largura para deposito de rouparia, 1 dito para<br />

<strong>do</strong>rmitório <strong>do</strong>s maiores, 1 dito para <strong>do</strong>rmitórios <strong>do</strong>s menores com 22 1/2 , 1 para<br />

enfermaria com 25, 1 para oficina de carpina com 40, 1 para ferreiro com 20, 1 para<br />

refeitório com 38, 1 para despensa com 15, e 1 para cosinha com 20 palmos. Os 4<br />

primeiros salões desta secção já estão cobertos. A frente <strong>do</strong> edifício tem 12 janelas e um<br />

portão, e os la<strong>do</strong>s que ficão para dentro <strong>do</strong> mesmo deverão ter 20 janelas e 2 portas.<br />

No pátio que fica no centro <strong>do</strong> estabelecimento, deve ter um poço, casa de banho<br />

repartida para os <strong>do</strong>is sexos, jardins, etc. [...] (NUNES FILHO, 2005, p. 60).<br />

137 In SAMPAIO, Antônio José de. A General Description of the Stade of Piauhy. Rio de Janeiro:1905<br />

53


Fig. 12: Planta elaborada por Francisco Parente <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara.<br />

Fonte: SAMPAIO, Antônio José de. A General Description of the Stade of Piauhy. Rio de Janeiro:1905<br />

Pela descrição <strong>do</strong> mestre de obras, Raimun<strong>do</strong> Torres Costa, são sete cômo<strong>do</strong>s na ala<br />

<strong>das</strong> mulheres e nove cômo<strong>do</strong>s na ala <strong>do</strong>s homens, que correspondem ao mostra<strong>do</strong> na planta<br />

projetada por Parente, composta de uma planta em u interligada internamente por uma varanda.<br />

As duas alas descritas, <strong>do</strong>s homens e <strong>das</strong> mulheres, provavelmente se acomodaram nos <strong>do</strong>is<br />

blocos perpendiculares ao principal, volta<strong>do</strong> para o rio Parnaíba.<br />

O mestre-de-obras discorre ainda sobre as dificuldades encontra<strong>das</strong> em realizar a<br />

construção no tempo previsto, sobre a impossibilidade de fazer a cobertura <strong>do</strong> prédio, pois as<br />

olarias tinham deixa<strong>do</strong> de funcionar em razão <strong>das</strong> chuvas ocorri<strong>das</strong> naquele ano. Considera que,<br />

finaliza<strong>do</strong>, o edifício, este seria "[...] o mais importante que o Esta<strong>do</strong> possue nesta Província [...]"<br />

(NUNES FILHO, 2005, p. 60)..<br />

O agrônomo Ricar<strong>do</strong> Ernesto Ferreira de Carvalho, que assumiu a direção <strong>do</strong><br />

Estabelecimento Rural com a morte de Parentes, elaborou um inventário em que descreve a<br />

situação <strong>do</strong> lugar à época. Informa ser o Estabelecimento Rural a única edificação em construção<br />

na Fazenda, sen<strong>do</strong> necessário concluí-lo brevemente, para que possa funcionar para o fim pelo<br />

qual foi cria<strong>do</strong>, o de acomodar e dar educação aos escravos libertos menores de idade. Outro<br />

relatório, elabora<strong>do</strong> em 1881, pelo então Presidente da Província, Sinval O<strong>do</strong>rico de Moura,<br />

informa a existência, em Vila da Colônia, de uma escola de primeiras letras e três oficinas de<br />

carapina, ferreiro e pedreiro, que funcionam numa edificação que foi por ele considerada como a<br />

54


melhor da Província. Em contraste com essas declarações, que apregoavam a beleza, solidez e<br />

imponência da edificação, em 1887 houve um novo relato <strong>do</strong> Presidente da Província, Antônio<br />

Jansen de Mattos Pereira, que informa: “Visitei [o estabelecimento rural] e nelle nada encontrei<br />

de notável a não ser o seu prédio, que assim mesmo carece de reparos” (NUNES FILHO, 2005 ).<br />

Tal fato é corrobora<strong>do</strong> pelo que afirma Honório Parentes, diretor <strong>do</strong> Estabelecimento<br />

Rural em 1889, em que pede a “benevola e patriotica attenção, [...] para os restos <strong>do</strong><br />

estabelecimento rural S. Pedro de Alcantara, que recebi em esta<strong>do</strong> tão deploravel, que a sua<br />

extincção ou reforma se impunha como inaddiavel e conveniente” (PARENTES, 1889, p. 04).<br />

Conclui-se que, o prédio, que era reconheci<strong>do</strong> como a melhor edificação da Província no final da<br />

década de 1870, vinte anos depois, provavelmente em virtude da falta de cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

administra<strong>do</strong>res, seja por dificuldades financeiras ou ineficiência, encontrava-se em esta<strong>do</strong> de<br />

decadência.<br />

Figs. 13 e 14: Fachada frontal <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara; detalhe da<br />

bandeirola com gradil em ferro. Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Atualmente, o que restou da antiga edificação corresponde praticamente ao bloco<br />

principal que permaneceu como testemunho <strong>do</strong> Estabelecimento e possui área construída de<br />

358m 2 , que foram acresci<strong>das</strong> de 125m 2 de área, de construção bem mais recente. As paredes são<br />

em alvenaria de tijolo, com cobertura em telha cerâmica sustentada por estrutura de carnaúba,<br />

forman<strong>do</strong> praticamente um único volume retangular.<br />

A edificação se distribui, a partir <strong>do</strong> eixo central, em simetria especular. Percebe-se na<br />

fachada frontal a presença de cornijas horizontais, com modenaturas nos extremos laterais <strong>das</strong><br />

edificações. As aberturas em arco pleno distribuem-se ao longo <strong>das</strong> facha<strong>das</strong> <strong>do</strong> edifício, de<br />

forma simétrica. São em madeira, com folhas cegas, apresentan<strong>do</strong> bandeirolas também fecha<strong>das</strong>,<br />

com exceção <strong>das</strong> duas portas principais, na fachada frontal e outra na posterior, fecha<strong>das</strong> com<br />

55


gradil com motivos em arabesco. Interessante notar que a Usina, edificação localizada nas<br />

proximidades <strong>do</strong> Estabelecimento, também apresenta bandeirolas iguais, o que é um indício de<br />

que esse fosse um material industrializa<strong>do</strong>, já trazi<strong>do</strong> pronto. Há quase ausência de ornamentos,<br />

existin<strong>do</strong> apenas a modenatura em volta <strong>das</strong> aberturas, as bandeirolas, as cornijas horizontais e as<br />

pilastras. O madeiramento da cobertura, que foi feito em quatro águas, não apresenta caibros,<br />

apenas linhas em carnaúba que sustentam as ripas de madeira. Não há platibanda, deixan<strong>do</strong><br />

visível a cobertura em telhas cerâmicas <strong>do</strong> tipo canal.<br />

Fig. 15: Detalhe <strong>do</strong> madeiramento da cobertura.<br />

Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Com relação ao entono, observa-se que a edificação localiza-se em uma área já ocupada,<br />

apresentan<strong>do</strong> a particularidade de estar voltada para o Rio Parnaíba, com um amplo espaço livre<br />

em frente. De acor<strong>do</strong> com Luís Paulo Lopes (informação oral), apenas a frente <strong>do</strong> prédio é<br />

original, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o restante sofri<strong>do</strong> diversas modificações. Segun<strong>do</strong> Lopes (1997), o prédio foi<br />

reforma<strong>do</strong> no início <strong>do</strong>s anos de 1990, a fim de garantir sua estabilidade estrutural, porém foram<br />

feitas algumas alterações, como a retirada <strong>do</strong> piso em lajota de barro e uma nova pintura.<br />

Figs.16, 17 e 18: Visuais <strong>do</strong> Estabelecimento para o Rio Parnaíba.<br />

Fonte: Arquivo 19ª SR/IPHAN, 2007.<br />

56


Figs. 19 e 20: Visuais da Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas para o Estabelecimento.<br />

Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Atualmente, o volume retangular único da edificação original, foi acresci<strong>do</strong> de um apoio<br />

para cozinha, banheiros e aumento da parte coberta, tu<strong>do</strong> isso na parte posterior <strong>do</strong> lote,<br />

conforme assinala<strong>do</strong> na figura abaixo.<br />

Fig.: 21: Planta <strong>do</strong> Estabelecimento Rural, com acréscimos assinala<strong>do</strong>s em vermelho.<br />

Fonte: Arquivo SR/IPHAN - PI,2007.<br />

Compreende-se que o valor <strong>do</strong> Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara não<br />

decorre apenas da história a ele vinculada, por ter da<strong>do</strong> origem à cidade de Floriano e por ser um<br />

exemplar <strong>das</strong> edificações integrantes <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> no <strong>Piauí</strong>. Sua importância decorre<br />

ainda <strong>do</strong> fato <strong>do</strong> edifício ser a materialização de um da<strong>do</strong> momento histórico brasileiro,<br />

representa<strong>do</strong> pelos materiais emprega<strong>do</strong>s na sua construção e pelo estilo arquitetônico em que foi<br />

construí<strong>do</strong>.<br />

57


3.4.2 ESTUDO SOBRE A FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS DO PIAUÍ<br />

O contexto histórico subjacente à construção da fábrica era de um <strong>Piauí</strong><br />

tecnologicamente atrasa<strong>do</strong>. Antônio José de Sampaio, que havia estuda<strong>do</strong> na Europa, voltava ao<br />

seu local de origem com a intenção de imprimir progresso e modernidade ao Esta<strong>do</strong><br />

(VILHENA, 2006). Como coloca Silva Filho (2007c, p. 43), “[a fábrica] foi o mais arroja<strong>do</strong><br />

empreendimento de industrialização no Esta<strong>do</strong> e que, de alguma forma, daria continuidade à<br />

pecuária da região”.<br />

Construída em 1897, foi a primeira edificação a ser erguida na região, seguida pela<br />

construção da vila operária em seu entorno, edificada para abrigar os trabalha<strong>do</strong>res da fábrica. A<br />

partir desse núcleo foi então se desenvolven<strong>do</strong> a cidade de Campos, atual Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

Figs. 22 a 25: Casas da vila operária, construí<strong>das</strong> no entorno da fábrica.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

As casas que compõem a vila apresentam em média o tamanho entre 60 e 80m 2 , são<br />

térreas, em alvenaria de tijolo maciço, com cobertura de duas águas em telha cerâmica.<br />

Apresentam uma varanda na parte frontal. O conjunto é composto por 63 casas, distribuí<strong>das</strong> em<br />

13 quadras. Apesar de algumas modificações empreendi<strong>das</strong> pelos mora<strong>do</strong>res relativas à adaptação<br />

da casa às necessidades contemporâneas, se considera o conjunto homogêneo. A alteração mais<br />

freqüente foi o fechamento da varanda por paredes, com esse espaço sen<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong> ao<br />

corpo da casa.<br />

58


Acredita-se que a planta da fábrica tenha si<strong>do</strong> elaborada pelo engenheiro alemão<br />

Alfre<strong>do</strong> Modrach, o mesmo projetista <strong>do</strong> Teatro 4 de Setembro em Teresina-PI. A fábrica<br />

apresenta alguns elementos <strong>do</strong> estilo neoclássico, mescla<strong>das</strong> às características arquitetônicas<br />

decorrentes <strong>das</strong> condições históricas e geográficas, que influenciaram a arquitetura <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>,<br />

como pontua Afonso (2003). Para Silva Filho, o prédio, “neoclassiza<strong>do</strong>”, não segue os padrões<br />

da arquitetura regional sertaneja, então em voga na época, a não ser pelo uso <strong>do</strong> tronco da<br />

carnaúba na estrutura da cobertura.<br />

Contu<strong>do</strong>, o emprego de elementos neoclássicos deve ser entendi<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> contexto<br />

de um ecletismo tipológico (COLIN, 2006), isto é, mais <strong>do</strong> que seguir um estilo seja ele neoclássico<br />

ou outro, o que se observa é o emprego de determina<strong>do</strong> repertório formal, em que pode haver<br />

emprego de mais de uma tendência estilística. Essa colocação pode ser confirmada quan<strong>do</strong> se<br />

observa que o mesmo arquiteto foi responsável pelo projeto <strong>do</strong> Teatro 4 de setembro, construí<strong>do</strong><br />

2 anos depois, em que utilizou elementos <strong>do</strong> neogótico.<br />

A fábrica possui 1.564,00 m 2 , distribuí<strong>do</strong>s em <strong>do</strong>is pavimentos de área construída. A<br />

edificação é composta, em planta, por 4 volumes: o corpo principal, em forma retangular, outro<br />

volume retangular na parte frontal e <strong>do</strong>is outros na parte posterior. A chaminé se sobressai acima<br />

<strong>do</strong> corpo principal da edificação. É importante ressaltar a especificidade da edificação: como foi<br />

projetada para funcionar como fábrica, segue um programa bastante específico, que acabou por<br />

contribuir para determinar sua forma.<br />

Fig. 26: Vista externa da Fábrica.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Apresenta <strong>do</strong>is pavimentos, sen<strong>do</strong> uma construção <strong>do</strong> tipo porão alto, com estrutura<br />

em alvenaria de barro cozi<strong>do</strong> no térreo e o segun<strong>do</strong> piso em alvenaria armada. As edificações <strong>do</strong><br />

tipo porão alto inovaram na tipologia construtiva de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX, pois permitia que a<br />

59


casa se aproximasse da rua sem os inconvenientes de uma casa térrea. A escolha desse tipo de<br />

construção para o sertão piauiense pode ser explicada tanto pelo fato de que este era o modelo<br />

preconiza<strong>do</strong> na época, como pelo programa da edificação – uma fábrica – exigir isso.<br />

A fachada frontal, com modenatura feita por pilastras, apresenta um frontão triangular,<br />

com presença de óculo, marcada por cornija com cordão e motivos geométricos. Há ainda frisos<br />

de cornija, marcan<strong>do</strong> a separação entre o pavimento térreo e o porão.<br />

As aberturas da edificação estão distribuí<strong>das</strong> simetricamente, a intervalos regulares. As<br />

portas e janelas possuem vergas em arco abati<strong>do</strong>, característica que não integra o repertório de<br />

elementos neoclássicos (em que geralmente era utiliza<strong>do</strong> o arco pleno) com moldura saliente<br />

contornan<strong>do</strong> o vão. O acesso à entrada principal, no eixo da fachada frontal da edificação, se dá<br />

através de uma escada.<br />

Figs. 27 e 28: Facha<strong>das</strong> frontal e lateral da Fábrica de Manteiga e Queijo.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Em relação à cobertura, a edificação tem <strong>do</strong>ze águas, em telha cerâmica, distribuí<strong>das</strong> em<br />

cinco volumes, to<strong>das</strong> elas à vista, sem platibanda. A construção apresenta algumas características<br />

comuns na arquitetura piauiense, como o telha<strong>do</strong> com tesouras em pau-d’arco lavra<strong>do</strong> e caibros e<br />

ripas de carnaúba, material bastante utiliza<strong>do</strong> em coberturas no <strong>Piauí</strong>, como também a presença<br />

de esquadrias com bandeiras em madeira e vidro (AFONSO, 2003).<br />

Figs. 29 e 30: Detalhes da estrutura de madeira da cobertura.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

60


Fig. 31: Planta de cobertura esquemática.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Comparan<strong>do</strong> a planta <strong>do</strong> pavimento superior prevista originalmente com a planta atual,<br />

pode-se perceber que a disposição <strong>do</strong>s espaços se manteve, com a inserção ou supressão de<br />

algumas portas entre os ambientes. A maior alteração foi a construção de <strong>do</strong>is anexos na parte<br />

posterior da edificação.<br />

Figs. 32 e 33: Plantas baixas <strong>do</strong><br />

pavimento superior, atual e original.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

61


Em relação ao pavimento térreo, uma vez que não foi encontrada a planta original, não<br />

se pode analisar o que foi muda<strong>do</strong>. Havia ainda duas esca<strong>das</strong> previstas no projeto, que chegaram<br />

a ser construí<strong>das</strong>, mas que com o passar <strong>do</strong>s anos ruíram ou foram destruí<strong>das</strong>. Do maquinário,<br />

restaram apenas algumas ro<strong>das</strong> e a chaminé.<br />

Em relação ao entorno, a fábrica é a edificação de maior destaque da cidade, cuja<br />

tipologia é composta, majoritariamente, por edificações de um pavimento, de dimensões<br />

reduzi<strong>das</strong>. Sua visibilidade é garantida pela existência de uma praça em frente a ela e em função<br />

da grande largura da rua. A edificação está localizada em uma quadra vizinha à da Prefeitura, a<br />

uma escola e a uma Igreja. O prédio se impõe no espaço citadino de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> pelas<br />

suas linhas, gabarito e imponência, sen<strong>do</strong> um marco urbano. A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong><br />

Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, além de sua importância para a história <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e para a cidade de<br />

Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, apresenta, ainda, valor arquitetônico, por ser um raro exemplar da arquitetura<br />

industrial piauiense <strong>do</strong> século XIX.<br />

Figs. 34 e 35: Visuais <strong>do</strong> entorno da Fábrica.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN, 2007.<br />

62


3.5. DISPOSIÇÕES RELATIVAS AO TOMBAMENTO E PERÍMETRO<br />

DE ENTORNO<br />

3.5.1. TOMBAMENTO DO ESTABELECIMENTO RURAL SÃO PEDRO DE<br />

ALCÂNTARA<br />

Além <strong>do</strong> tombamento <strong>do</strong> prédio em si, segun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os disciplinamentos pertinentes,<br />

presentes no Decreto-lei nº25/37, outras disposições deverão ser observa<strong>das</strong>. As principais<br />

características relativas ao entorno <strong>do</strong> Estabelecimento Rural são a amplidão <strong>do</strong> espaço em que<br />

ele está inseri<strong>do</strong> e a relação da edificação com o rio, elementos que devem ser conserva<strong>do</strong>s.<br />

Outro ponto a ser considera<strong>do</strong> é a existência de construções nas imediações da edificação,<br />

ergui<strong>das</strong> no início <strong>do</strong> século XX, essenciais para manutenção <strong>do</strong> seu contexto. Entende-se que a<br />

definição da área a ser considerada como perímetro de entorno deve estar baseada nesses<br />

aspectos, sen<strong>do</strong> balizas fundamentais as questões da visibilidade e da manutenção <strong>do</strong> contexto<br />

arquitetônico.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, define-se como área a ser tombada o lote em que está inseri<strong>do</strong> o<br />

Estabelecimento. Como perímetro de entorno, considera-se a quadra em que o imóvel está<br />

inseri<strong>do</strong>, toda a faixa compreendida entre a fachada frontal da edificação e o Rio Parnaíba, as<br />

quadras laterais limítrofes com a quadra <strong>do</strong> Estabelecimento, conforme descrição e desenho a<br />

seguir.<br />

R. FÉLIX PACHECO<br />

MALARIA<br />

R.F.ABREU ROCHA<br />

R. FAUZER BUCAR<br />

X<br />

Fig. 36: Pontos <strong>das</strong> visuais a serem preserva<strong>das</strong>.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

RUA PADRE UCHÔA<br />

R. RUI BARBOSA<br />

CENTRO<br />

AV. ESMARAGDO DE FREITAS<br />

R. SETE DE SETEMBRO<br />

AV. J. LUÍS<br />

EST.RURAL<br />

FERREIRA<br />

R. ALFREDO<br />

ESTRELA<br />

R. FERNANDES MARQUES<br />

Z<br />

R. CASTRO ALVES<br />

BOSQUE<br />

O perímetro de entorno ao bem tomba<strong>do</strong> inicia no cruzamento <strong>do</strong> prolongamento da<br />

Rua Padre Uchôa com a margem <strong>do</strong> rio Parnaíba (A). Segue na direção sul, para a rua Padre<br />

Uchôa, até a interseção desta com a Av. Esmarag<strong>do</strong> de Freitas (B). Daí prolonga-se por essa<br />

avenida, até encontrar com a Rua Rui Barbosa (C), seguin<strong>do</strong> por essa via até a interseção desta<br />

63


com a Rua Sete de Setembro (D). Partin<strong>do</strong> desse ponto, o perímetro continua pelo eixo dessa rua<br />

no senti<strong>do</strong> oeste, até encontrar com a Rua Fernandes Marques (E), seguin<strong>do</strong> para o norte por<br />

essa via, até a interseção com a margem <strong>do</strong> rio Parnaíba (F), cuja linha fecha o polígono, ao<br />

encontrar com o ponto A.<br />

R. FÉLIX PACHECO<br />

MALARIA<br />

Fig. 37: Perímetro de entorno <strong>do</strong> Estabelecimento Rural.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

Como limitações impostas aos lotes e edificações <strong>do</strong> perímetro de entorno, devem ser<br />

considera<strong>do</strong>s: gabarito máximo de um (1) pavimento, nos lotes cuja frente dão pra a beira <strong>do</strong> Rio<br />

Parnaíba, forman<strong>do</strong> um perfil com o estabelecimento Rural; gabarito máximo de <strong>do</strong>is (2)<br />

pavimentos (térreo mais um), nos demais lotes <strong>das</strong> três quadras incluí<strong>das</strong> no perímetro; nessas<br />

três quadras, estabelece-se a proibição de construções com emprego de materiais contrastantes<br />

com o <strong>do</strong> bem tomba<strong>do</strong>; utilização de elementos, tais como placas e tol<strong>do</strong>s, que impeçam a<br />

visibilidade da edificação, <strong>das</strong> visuais indica<strong>das</strong> na planta abaixo, no cruzamento <strong>do</strong>s<br />

prolongamentos <strong>das</strong> ruas Padre Uchôa (X) e Fernandes Marques (Z). Para a faixa que margeia o<br />

Rio Parnaíba, entre a projeção <strong>das</strong> ruas Padre Uchôa (X) e Fernandes Marques (Z), acrescente-se<br />

a limitação de qualquer edificação ou elemento que impeça a visão <strong>do</strong> Estabelecimento para o rio,<br />

como residências, comércios, quiosques, pontes, viadutos, portos, arquibanca<strong>das</strong>, anfiteatros,<br />

sen<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong>s apenas postes, lixeiras, telefones públicos, bancos, jardins e demais<br />

equipamentos urbanos.<br />

Entende-se, que além dessas disposições, deve ser observa<strong>do</strong> o disposto no art. 18, <strong>do</strong><br />

Decreto Lei nº 25/37, ao ordenar quem "sem prévia autorização <strong>do</strong> Serviço <strong>do</strong> Patrimônio<br />

Histórico e Artístico Nacional [atual Iphan], não poderá, na vizinhança de coisa tombada, fazer<br />

construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes",<br />

atentan<strong>do</strong>-se ainda para a questão da ambiência <strong>do</strong> bem, da adequação <strong>do</strong> seu entorno à fruição<br />

<strong>do</strong> seus valores culturais.<br />

R.F.ABREU ROCHA<br />

R. FAUZER BUCAR<br />

A<br />

B C<br />

A<br />

RUA PADRE UCHÔ<br />

. RUI BARBOSA<br />

R<br />

D<br />

CENTRO<br />

R. HERMANDO BRANDÃO<br />

AV. ESMARAGDO DE FREITAS<br />

EST.RURAL<br />

R. SETE DE SETEMBRO<br />

AV. J. LUÍS<br />

FERREIRA<br />

R. ALFREDO<br />

ESTRELA<br />

E<br />

F<br />

R. FERNANDES MARQUES<br />

R. CASTRO ALVES<br />

BOSQUE<br />

64


3.5.2. TOMBAMENTO DA FÁBRICA DE MANTEIGA E QUEIJO DAS FAZENDAS<br />

NACIONAIS DO PIAUÍ<br />

Além da preservação da construção em si se deve garantir, através <strong>do</strong> estabelecimento<br />

de um perímetro de entorno, que novos elementos não obstruam ou a reduzam a visibilidade <strong>do</strong><br />

bem ou comprometam a sua ambiência. Deve-se considerar ainda que, nas proximidades da<br />

fábrica, existe um conjunto de residências, construí<strong>das</strong> à época, que constituem o núcleo original<br />

da cidade. Contu<strong>do</strong>, como esse conjunto encontra-se descaracteriza<strong>do</strong>, o objetivo maior em<br />

relação a essas edificações é sua conservação enquanto paisagem construída nas imediações da<br />

fábrica, sen<strong>do</strong> suficiente sua inclusão dentro <strong>do</strong> perímetro de entorno, a fim de manutenção da<br />

volumetria, <strong>do</strong>s tipos de materiais emprega<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> gabarito enquanto mantene<strong>do</strong>r da ambiência<br />

<strong>do</strong> bem tomba<strong>do</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, define-se como perímetro de entorno o espaço a seguir delimita<strong>do</strong>:<br />

partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> cruzamento <strong>das</strong> ruas Matias Gomes e Demerval Lobão (ponto A), seguin<strong>do</strong> por esta<br />

na direção norte até a rua Dirceu Arcoverde (ponto B), prosseguin<strong>do</strong> por essa via na direção<br />

oeste até o encontro com a rua Juscelino Gomes (ponto C), por ela seguin<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> norte até<br />

cruzar a rua Isaías Coelho (ponto D), continuan<strong>do</strong> a leste por essa via até a rua Sete de Setembro<br />

(ponto E), onde <strong>do</strong>bra, seguin<strong>do</strong> nela na direção sul, passan<strong>do</strong> pelo cruzamento desta com a rua<br />

Dom Expedito Lopes (ponto F) até o encontro com a rua Matias Gomes (ponto F), continuan<strong>do</strong><br />

na direção oeste até cruzar com a rua Demerval Lobão (ponto A), fechan<strong>do</strong> o perímetro.<br />

A<br />

G<br />

B<br />

C<br />

F<br />

D<br />

E<br />

Fig. 38: Perímetro de entorno <strong>do</strong><br />

tombamento.<br />

Fonte: 19ª SR/IPHAN-PI, 2007.<br />

65


4-JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA<br />

A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, inaugurada em 1897, e o<br />

Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, funda<strong>do</strong> uma década antes, no ano de 1874,<br />

são <strong>do</strong>cumentos que narram um valioso fragmento da história da formação <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

brasileiro.<br />

Representantes <strong>das</strong> terras da Nação, a Fábrica e a Escola são – para<strong>do</strong>xalmente -<br />

tentativas de negação <strong>do</strong> modelo de administração existente naqueles espaços. Visavam, em<br />

contradição com as políticas estatais vigentes na época, a racionalização da forma de lidar com<br />

aquele território através de projetos de aproveitamento, que tinham como um <strong>do</strong>s seus aspectos<br />

mais interessantes a utilização da mão-de-obra remanescente da escravidão. Tais projetos foram<br />

inicia<strong>do</strong>s na Monarquia e perduraram por alguns anos durante a República, crian<strong>do</strong> esperanças<br />

em setores da sociedade piauiense na possibilidade de mudança da situação de aban<strong>do</strong>no daquela<br />

região.<br />

A importância destes estabelecimentos foi analisada sob <strong>do</strong>is pontos de vista: da<br />

perspectiva histórica, tanto em virtude <strong>do</strong> momento em que foram cria<strong>das</strong>, como também por<br />

terem da<strong>do</strong> origem às cidades de Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e de Floriano; e em relação a sua arquitetura,<br />

pois se constituem em edificações emblemáticas <strong>do</strong> patrimônio edifica<strong>do</strong> no Brasil entre o final<br />

<strong>do</strong> século XIX e começo <strong>do</strong> XX. É a partir dessas duas visões que se desenvolve o presente<br />

estu<strong>do</strong>.<br />

Inicialmente, foi feito um “quadro” da situação <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>, sua origem,<br />

estrutura e problemas. Concedeu-se especial atenção à administração destas terras, que se<br />

confunde com a (precária) administração da Província <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> no perío<strong>do</strong>. Terras jesuíticas<br />

cobiça<strong>das</strong> pela Coroa Portuguesa que, resultantes da expropriação <strong>do</strong>s indígenas, passaram a ser<br />

ligação por terra entre o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil e o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão, em tempos em que a<br />

dificuldade <strong>do</strong> tráfego por mar entre esses <strong>do</strong>is territórios fazia-nos bem mais próximos de<br />

Portugal <strong>do</strong> que entre si. A propalada “integração nacional” muito deve à história desses rincões<br />

<strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, de onde o ga<strong>do</strong> era envia<strong>do</strong> ora para o Maranhão, ora para a Bahia. Foi lá, onde a Coroa<br />

e o Império designaram tantos (des)governos, que surgiram os <strong>do</strong>is célebres empreendimentos.<br />

Estes, enfrentan<strong>do</strong> duras circunstâncias, tentariam levar o desenvolvimento, o progresso, a<br />

ciência e a educação – conforme entendi<strong>do</strong>s à época – para uma vasta região <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>.<br />

Era ali que a Província depositava suas mais “fagueiras esperanças” – como afirmou<br />

um cronista. A Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> e o<br />

Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara eram vistos dessa maneira no <strong>Piauí</strong> porque<br />

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eram Projetos <strong>do</strong> Brasil. Assumi<strong>do</strong>s e idealiza<strong>do</strong>s pela Monarquia brasileira; pensa<strong>do</strong>s e<br />

concretiza<strong>do</strong>s por notórios piauienses; logo passariam também a ser preocupação da República.<br />

Da mesma forma que a ereção desses prédios, a falência <strong>do</strong>s projetos só pode ser entendida se<br />

passarmos em revista ao Brasil que transitava entre esses <strong>do</strong>is regimes. A crise desses<br />

empreendimentos expressa - muito mais <strong>do</strong> que a desordem interna vivida pelo <strong>Piauí</strong> no perío<strong>do</strong><br />

– a falência da Monarquia, as crises da República e uma tradição de lida com os bens públicos<br />

herdada de Portugal. Nada disso foi dito com eufemismo porque, como to<strong>do</strong> grande <strong>do</strong>cumento<br />

histórico, os <strong>do</strong>is monumentos em apreciação são a síntese <strong>das</strong> mais importantes contradições<br />

vivi<strong>das</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>das</strong> suas ativas existências.<br />

O processo que levaria à libertação <strong>do</strong>s escravos, sobretu<strong>do</strong> com a Lei <strong>do</strong> Ventre<br />

Livre de 1871; as experiências de imigração de italianos no Brasil; o crescimento da<br />

industrialização; as discussões sobre educação no país são alguns <strong>do</strong>s temas que percorrem a<br />

história da Escola e da Fábrica. E foi a partir desses <strong>do</strong>is projetos, também, que foram funda<strong>das</strong><br />

duas cidades <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>: Floriano e Campinas. Às margens <strong>do</strong> rio Parnaíba nasceria a primeira,<br />

contingência <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em que os barcos eram o meio de transporte mais usa<strong>do</strong> na Província, e<br />

aquele rio era a via mais segura, por onde transitava grande parte da economia <strong>do</strong> Piauhy. A<br />

segunda cidade, dentro da caatinga, no meio <strong>do</strong> semi-ári<strong>do</strong>, é resultante <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> que<br />

existiam por toda aquela vasta região. Lugar de retiro, de ordenha, de labuta com o ga<strong>do</strong>.<br />

Próxima ao rio Canindé, tornar-se-ia prontamente o lugar da fábrica.<br />

O Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e<br />

Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> foram também analisa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ponto de vista de suas arquiteturas.<br />

Foi apresenta<strong>do</strong> o cenário arquitetônico mundial e brasileiro, buscan<strong>do</strong> enfocar o contexto <strong>do</strong><br />

Nordeste brasileiro, no que tange aos referenciais estéticos pre<strong>do</strong>minantes, estilos arquitetônicos<br />

vigentes, técnicas e materiais de construção emprega<strong>do</strong>s. Fez-se a mesma reflexão em relação ao<br />

<strong>Piauí</strong>, tratan<strong>do</strong> de como os padrões arquitetônicos vigentes foram incorpora<strong>do</strong>s ou adapta<strong>do</strong>s à<br />

realidade piauiense. Finalmente, se procederam às análises arquitetônicas <strong>do</strong> Estabelecimento<br />

Rural de São Pedro de Alcântara e da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong>,<br />

enumeran<strong>do</strong> suas características estilísticas, as similaridades e diferenças entre elas.<br />

O estu<strong>do</strong> <strong>das</strong> referi<strong>das</strong> edificações sob o prisma da arquitetura permite que se<br />

verifique a materialização <strong>do</strong>s anseios da sociedade da época, bem como possibilita a investigação<br />

de como e em que intensidade as condicionantes históricas determinaram a construção <strong>do</strong> espaço<br />

no sertão piauiense.<br />

Finalizan<strong>do</strong> o presente estu<strong>do</strong>, foram apresenta<strong>das</strong> as definições legais relativas ao<br />

tombamento, visan<strong>do</strong> garantir a salvaguarda de cada um destes <strong>do</strong>is bens culturais. Foram<br />

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apresenta<strong>das</strong> as recomendações a serem segui<strong>das</strong> para a preservação <strong>das</strong> suas características<br />

construtivas bem como as propostas de perímetro de proteção de entorno de cada imóvel. Tais<br />

disposições visam disciplinar as intervenções futuras tanto nos imóveis quanto em suas áreas<br />

lindeiras.<br />

A Fábrica, que é tombada pelo Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, apresenta esta<strong>do</strong> de conservação<br />

precário. Mas, o projeto de restauro feito pelo IPHAN-PI, que prevê o uso diversifica<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus<br />

espaços com cultura, educação e prestação de serviços à comunidade de Campinas, foi aprova<strong>do</strong><br />

no Mecenato <strong>do</strong> MINC, e possui financiamento assegura<strong>do</strong> pela PETROBRAS. A Escola, que<br />

funciona como um Terminal Turístico de Floriano, sofreu processo de restauro na década de 90<br />

e encontra-se em razoável esta<strong>do</strong> de conservação.<br />

Hoje os <strong>do</strong>is prédios pertencem aos respectivos poderes públicos municipais. A<br />

Câmara Municipal de Campinas e a Assembléia Legislativa <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> já aprovaram moções de<br />

apoio ao tombamento da antiga fábrica. A prefeitura municipal de Floriano já se pronunciou por<br />

diversas vezes favorável ao tombamento federal da ex-escola. Trata-se de uma ação que,<br />

observan<strong>do</strong>-se as matérias de jornais impressos ou televisiona<strong>do</strong>s, possui amplo apoio da<br />

sociedade piauiense. Basta ver também as manifestações de apoio oriun<strong>das</strong> de discursos de<br />

deputa<strong>do</strong>s estaduais, federais e sena<strong>do</strong>res; os apelos de “clubs”, associações e fundações, dentre<br />

outros.<br />

A história desse processo de acautelamento já é antiga. Aqui devemos registrar alguns<br />

fatos que apenas comprovam o apoio inconteste devota<strong>do</strong> pela sociedade piauiense a esse<br />

tombamento federal. No ano de 1977, o chefe da Procura<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o Sr. José Eduar<strong>do</strong><br />

Pereira, solicitava informações ao IPHAN para que pudesse “encaminhar o pedi<strong>do</strong> [de<br />

tombamento federal] dentro <strong>das</strong> exigências regulamentares”. A partir disso foi aberto um<br />

processo que – ao que tu<strong>do</strong> indica – foi arquiva<strong>do</strong> em função de um erro “na digitação <strong>do</strong> banco<br />

de da<strong>do</strong>s”: Campinas <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong> foi confundida com a cidade de Campinas paulista, impedin<strong>do</strong> a<br />

instrução <strong>do</strong> processo 138 . Apesar disso, a fábrica manteve-se nos noticiários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e o desejo<br />

de que o prédio fosse tomba<strong>do</strong> era constantemente revigora<strong>do</strong>.<br />

No ano de 2000, que o IPHAN retoma os estu<strong>do</strong>s da Fábrica e inicia o da Escola.<br />

Neste ano, a secretária municipal de educação da cidade de Campinas, a Sra. Maria <strong>do</strong> Socorro<br />

Alves Moura, envia um ofício ao presidente <strong>do</strong> IPHAN pedin<strong>do</strong> o tombamento <strong>do</strong> prédio. Neste<br />

<strong>do</strong>cumento, que por sua vez encaminha um abaixo-assina<strong>do</strong>, pede “por tu<strong>do</strong> o quanto é sagra<strong>do</strong>”<br />

que se desse atenção àquele monumento 139 . No abaixo-assina<strong>do</strong> referi<strong>do</strong>, assina<strong>do</strong> por 334<br />

138 MINISTÉRIO DA CULTURA. Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Departamento de<br />

Proteção. MEMO DEPROT Nº 339/99. 28/05/1999.<br />

139 MOURA, Maria <strong>do</strong> Socorro Alves. Secretária Municipal de Educação. CI – 001/2000. 25/05/2000.<br />

68


pessoas, há o pedi<strong>do</strong> de tombamento da “Fábrica de Laticínios São Pedro de Alcântara”.<br />

Contu<strong>do</strong>, como não há na historiografia piauiense e nos <strong>do</strong>cumentos da época referência à<br />

Fábrica com o nome de São Pedro de Alcântara, acredita-se que houve equívoco no abaixo-<br />

assina<strong>do</strong> de 2000, orienta<strong>do</strong> por uma pesquisa<strong>do</strong>ra que esteve à frente <strong>do</strong>s primeiros<br />

levantamentos de informações sobre os imóveis visan<strong>do</strong> o tombamento.<br />

Finalmente, no ano de 2006, <strong>do</strong>is meses após a equipe técnica <strong>do</strong> IPHAN, em<br />

condições técnicas mais favoráveis, ter reinicia<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s para fundamentar a proposta de<br />

tombamento <strong>do</strong> conjunto da Fábrica de Laticínios <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong> <strong>Nacionais</strong> e da Escola Rural São<br />

Pedro de Alcântara, a Fundação Nogueira Tapety deu início a uma importante campanha em<br />

defesa <strong>do</strong> tombamento federal da Fábrica. Em ofício de 13 de dezembro, o Sr. Carlos Rubem<br />

Campos Reis desenvolve um “histórico”, em que há um arrolamento <strong>das</strong> obras escritas que<br />

tratam da “Fábrica de Laticínios <strong>do</strong>s Campos”, concluin<strong>do</strong> com “o sábio dita<strong>do</strong> popular: antes<br />

tarde <strong>do</strong> que nunca!” 140 .<br />

Pelos motivos expostos ao longo deste trabalho, preconizamos, junto ao Conselho<br />

Consultivo <strong>do</strong> IPHAN, o tombamento federal da Fábrica de Manteiga e Queijo <strong>das</strong> Fazen<strong>das</strong><br />

<strong>Nacionais</strong> e <strong>do</strong> Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, a serem inscritos no livro <strong>do</strong><br />

Tombo Histórico. Monumentos localiza<strong>do</strong>s no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Piauí</strong>, patrimônio cultural <strong>do</strong> Brasil.<br />

140 REIS, Carlos Rubem Campos (Presidente da FNT). Oeiras, 13/12/2006.<br />

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