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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO<br />

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA<br />

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO<br />

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO<br />

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,<br />

no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 112, inciso III da<br />

Constituição do Estado do Espírito Santo e artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93<br />

c/c artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97- Lei Orgânica<br />

do Ministério Público, propor a presente<br />

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE<br />

do art. 1º da Lei Nº 410/2003 do Município de Mucurici (doc. 01) pelos fatos<br />

e fundamentos abaixo aduzidos.<br />

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO<br />

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA<br />

I – DA LEGISLAÇÃO VICIADA, IPSIS LITTERIS:<br />

“LEI Nº 410, de 30 de dezembro de 2003:<br />

Altera alíquotas do Imposto sobre Transmissão de Bens<br />

Imóveis – ITBI.<br />

(...)<br />

Art. 1º - O art. 8º e seus incisos da Lei nº 188, de 24 de<br />

fevereiro de 1989, passarão a viger com a seguinte redação<br />

a partir de 1º de janeiro de 2004:<br />

(...)”.<br />

“Art. 8º - O imposto será calculado aplicando-se<br />

sobre o valor estabelecido como base de cálculo as<br />

seguintes alíquotas:<br />

I – Transmissão compreendida no Sistema Financeiro<br />

da Habitação, em relação à parcela financiada:<br />

0,5% (meio por cento);<br />

II – Imóveis urbanos: 2%;<br />

III – Imóveis rurais até 70 hectares: 2% (dois por<br />

cento);<br />

IV – Imóveis rurais de 71 a 500 hectares: 3% (três por<br />

cento);<br />

V – Imóveis rurais acima de 500 hectares: 4% (quatro<br />

por cento).<br />

Saca-se do dispositivo trasladado, que a alíquota incidente no cálculo da<br />

espécie tributária em apreço sofrerá variação em duas situações: (i) se a<br />

transmissão se der no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, ocasião<br />

em que a alíquota será de 0,5% (meio por cento) se compreendida no SFH<br />

e de 2% (dois por cento) se não; (ii) em razão das dimensões do imóvel<br />

rural, podendo variar de 2% (dois por cento) a 4% (quatro por cento).<br />

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Ver-se-á pelas razões expostas a seguir que a alteração procedida viola<br />

substancialmente a Constituição Estadual, merecendo a pronta censura<br />

desse E. Sodalício, consubstanciada na declaração de<br />

inconstitucionalidade da norma, com efeitos ex tunc.<br />

II - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA<br />

O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE<br />

INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO<br />

ESTADUAL<br />

Sendo o Brasil uma Federação, tipo de Estado caracterizado pela<br />

descentralização territorial do poder, no qual os Estados-Membros e os<br />

Municípios possuem autonomia, manifesta-se essa unidade de Estado em<br />

três esferas, cada qual delimitada pelas normas da Constituição Federal,<br />

que atua como Estatuto da Federação.<br />

Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o<br />

Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes detêm<br />

competência para gerir seus próprios interesses. A competência municipal<br />

funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização, através da lei<br />

orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio corpo de agentes<br />

políticos; III) capacidade legislativa, preparando o ordenamento jurídico<br />

local e; IV) autoadministração, organizando e mantendo o serviço público<br />

local.<br />

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Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens<br />

constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores<br />

determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus<br />

municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era<br />

dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os<br />

Municípios.<br />

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de<br />

1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de maneira<br />

que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou limitada aos<br />

aspectos expressamente indicados na Constituição Cidadã.<br />

Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,<br />

estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que<br />

totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por<br />

força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação pela<br />

Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de municípios, etc.).<br />

Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de<br />

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição Estadual,<br />

uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-Membro pouco ou<br />

quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao Município.<br />

Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma já<br />

constante na Constituição da República, caso em que uma eventual<br />

inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição<br />

Federal quanto a Constituição Estadual.<br />

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Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de<br />

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da<br />

República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de<br />

constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição constitucional<br />

estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do Estado.<br />

A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares 1<br />

[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito<br />

do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às<br />

unidades federadas não só a liberdade para criar<br />

Constituições autô-nomas, mas também o poder de regular<br />

a defesa judicial de sua específica Constituição. É<br />

exatamente o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo<br />

art. 125. Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a<br />

competência dos Estados para criar mecanismos de<br />

proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes<br />

sejam contrárias.<br />

Permite-se, assim, uma verdadeira jurisdição constitucional<br />

estadual, a que estarão submetidos os atos normativos<br />

emanados tanto do Estado-membro como de seus<br />

Municípios. Determina o referido dispositivo constitucional:<br />

“Cabe aos Estados a instituição de representação de<br />

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou<br />

municipais em face da Constituição Estadual, vedada a<br />

atribuição da legitimação para agir a um único órgão.<br />

Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última análise,<br />

a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor interpretação das<br />

normas constitucionais em todos os níveis da federação. Ganha, com isso,<br />

a unidade e a força normativa da Lei Fundamental.<br />

1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.<br />

São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.<br />

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Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite<br />

que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide representação<br />

de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro é norma presente<br />

na Constituição Estadual por repetição obrigatória:<br />

Reclamação com fundamento na preservação da<br />

competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de<br />

inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça<br />

na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa<br />

a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem<br />

dispositivos constitucionais federais de observancia<br />

obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos<br />

constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos<br />

Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta<br />

de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,<br />

com possibilidade de recurso extraordinário se a<br />

interpretação da norma constitucional estadual, que<br />

reproduz a norma constitucional federal de observancia<br />

obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance<br />

desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.<br />

(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão<br />

Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).<br />

Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI pela<br />

Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual violada seja<br />

repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da decisão do<br />

Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no artigo 102, inciso III,<br />

da CRFB/88.<br />

Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de<br />

inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado<br />

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abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo<br />

violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da República.<br />

Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar<br />

como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,<br />

declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com ela<br />

conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício Estadual<br />

atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito Santo,<br />

controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais ou<br />

estaduais com esta conflitantes.<br />

III - DO VÍCIO MATERIAL. DISPOSITIVO QUE INSTITUI ALÍQUOTA PROGRESSIVA<br />

PARA O CÁLCULO DO ITBI. IMPOSTO REAL. INCOMPATIBILIDADE. AUSÊNCIA<br />

DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL. OFENSA AO ART. 140, INCISOS II E § 2º, DA<br />

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.<br />

Disseminada classificação acadêmica divide os impostos em impostos<br />

pessoais e impostos reais. Diz-se pessoais os impostos que levam em<br />

consideração os caracteres pessoais juridicamente qualificados do<br />

contribuinte, ou seja, as suas condições particulares, pessoais.<br />

Diversamente, os impostos de natureza real tomam como referência tão<br />

somente a matéria tributária, isto é, o próprio bem cuja movimentação ou<br />

propriedade autoriza a exação fiscal 2 .<br />

Por outro lado, tem-se também o instituto da progressividade, pelo qual<br />

busca-se, conforme as condições pessoais do contribuinte, a fixação de<br />

2 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 363.<br />

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“alíquotas diversas, crescentes na medida em que cresce a base de<br />

cálculo” 3 .<br />

Segue-se, então, que os impostos reais, justamente por abstraírem<br />

totalmente as idiossincrasias do contribuinte e tomarem como referência<br />

tão somente a matéria tributária, apresentam-se incompatíveis com<br />

mecanismos de personalização do tributo.<br />

Nesse contexto, sobressai evidente que a progressividade da alíquota é<br />

uma forma de expressão do princípio da capacidade contributiva,<br />

cânone indissociável dos caracteres pessoais dos impostos.<br />

Sendo o ITBI um imposto eminentemente real, já que se refere unicamente<br />

ao bem imóvel transmitido, nunca poderá ser objeto de qualquer<br />

personalização, restando excluída a possibilidade de estabelecimento de<br />

alíquotas progressivas para o tributo em voga.<br />

A presente discussão já foi levada à apreciação do Supremo Tribunal<br />

Federal, quando da análise da progressividade do IPTU. No Recurso<br />

Especial nº 153.771 o pretório excelso consignou:<br />

IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU<br />

inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual<br />

Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do<br />

IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º,<br />

porque esse imposto tem caráter real que é incompatível<br />

com a progressividade decorrente da capacidade<br />

econômica do contribuinte, quer com arrimo na<br />

conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com<br />

o artigo 156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática<br />

3 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 299.<br />

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da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de<br />

que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II<br />

do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive<br />

com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal<br />

aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional<br />

qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não<br />

atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º,<br />

aplicado com as limitações expressamente constantes dos<br />

§§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal.<br />

Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se<br />

inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei<br />

5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte. (STF. RE<br />

153.771. Relator o Ministro Carlos Velloso. Relator para<br />

Acórdão o Ministro Moreira Alves. Tribunal Pleno. Julgamento<br />

em 20/11/1996)<br />

Nem se argumente que a norma contida no art. 145, § 1º da Constituição<br />

Federal seja o fundamento de validade da progressividade para todos os<br />

impostos indistintamente.<br />

O dispositivo constitucional em apreço prescreve que (...) sempre que<br />

possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a<br />

capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração<br />

tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,<br />

identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o<br />

patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.<br />

Em verdade, como muito bem aduz Hugo de Britto Machado, a expressão<br />

“diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem<br />

sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoal” 4 .<br />

4 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 40.<br />

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Sobremais, essa tese já foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal no<br />

julgamento acima transcrito. A esse respeito, proveitosas as palavras do<br />

Ministro Moreira Alves, cuja divergência restou vitoriosa:<br />

Por outro lado, em face desse dispositivo, não se pode<br />

pretender que a expressão “sempre que possível” se refira<br />

apenas ao caráter (rectius, critério) pessoal do imposto, e<br />

que, por isso, o princípio da capacidade contributiva seja<br />

aplicável a todos os impostos ainda quando não tenham<br />

caráter pessoal (...). De feito, a parte final do dispositivo em<br />

causa repele essa conclusão, porque a Constituição atribui<br />

à administração tributária a faculdade de identificar o<br />

patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do<br />

contribuinte, “especialmente para conferir efetividade A<br />

ESSES OBJETIVOS”, OU SEJA, ao objetivo de que os impostos,<br />

se possível, tenham caráter pessoal e ao de que esses<br />

impostos com caráter pessoal sejam graduados segundo a<br />

capacidade econômica, certo que é que essa faculdade<br />

de identificação só tem sentido quando se trata de imposto<br />

de caráter pessoal (...). O mesmo não ocorre,<br />

evidentemente, com os impostos de caráter real que –<br />

também na definição de GIANINI (Ob. Cit., ibidem) – são os<br />

que “alcançam bens singulares ou rendimentos ou também<br />

grupos de bens ou de rendimentos, considerados na sua<br />

objetividade, sem levar em conta a condição pessoal do<br />

sujeito passivo do imposto”.<br />

No caso dos impostos reais, o princípio da capacidade contributiva se<br />

realiza, então, na proporcionalidade ao preço da alienação, e não na<br />

proporcionalidade.<br />

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De fato, é esta também a posição assumida por autores do quilate de<br />

Aires Fernandino Barreto e Ives Gandra Martins 5 , que, fazendo coro à<br />

jurisprudência do STF vaticinam:<br />

Precisamente porque considera o princípio da capacidade<br />

contributiva como componente dos direitos individuais, o<br />

Supremo Tribunal Federal focalizou as duas facetas<br />

(afirmativa e negativa) em que se desdobra esse princípio e,<br />

como verdadeiro intérprete da Constituição, fixou o<br />

entendimento de que: positivamente, o princípio (da<br />

capacidade contributiva no viés da progressividade) só se<br />

aplica aos impostos pessoais; negativamente, não pode<br />

alcançar os impostos reais.<br />

(...)<br />

Primeiro porque o emprego de progressividade no caso de<br />

imposto real implica a abolição dos limites do princípio da<br />

capacidade econômica; derruba as balizas dessa diretriz<br />

para alcançar – contra a solene promessa do art. 5º, § 2º -<br />

os impostos de natureza real (...) aniquila o direito individual<br />

de os contribuintes não serem tributados progressivamente,<br />

diante de impostos reais.<br />

Segundo, porque o emprego da progressividade, no caso<br />

de imposto real como o IPTU (ou de qualquer outro imposto<br />

real), implica inconstitucionalidade, também por ofensa ao<br />

princípio da isonomia, para a qual não existe qualquer<br />

possibilidade de dúvida de constituir cláusula pétrea, pois<br />

expresso no caput e inciso I do art. 4º CF.<br />

Deveras, como o discrimen se dá pelo valor de cada imóvel,<br />

ficam em condição altamente privilegiada (infringindo a<br />

Constituição pela desigualdade) os inúmeros proprietários<br />

(de casas, lojas, unidades autônomas destinadas à locação<br />

ou de loteamentos inteiros), cujos imóveis, de per si<br />

considerados, têm um valor venal baixo, em confronto com<br />

os titulares de um só imóvel, de valor expressivo.<br />

5 BARRETO, Aires Fernandino. MARTINS, Ives Gandra. A inconstitucionalidade da<br />

progressividade prevista na EC nº 29/2000. In IPTU: Aspectos jurídicos relevantes.<br />

Coordenador: Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: Quartier Latin, 2002, pp. 78-81.<br />

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Assim, exsurge clara a violação constitucional no fato de o dispositivo<br />

guerreado empreender alteração legislativa consistente em instituir um<br />

sistema de progressividade na alíquota do Imposto de Transmissão de Bens<br />

Imóveis inter vivos, imposto eminentemente real, infenso, pois, à<br />

progressividade.<br />

Além disso, ao analisar-se o regramento constitucional aplicável à espécie<br />

percebe-se que a tanto a Constituição Federal quanto a Carta Estadual<br />

não dão margem ao estabelecimento de alíquotas progressivas para o<br />

presente caso.<br />

É a dicção do dispositivo da Constituição Estadual ofendido pela espécie<br />

legislativa objurgada:<br />

Art. 140. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:<br />

(...)<br />

II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso,<br />

de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos<br />

reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como<br />

cessão de direitos à sua aquisição;<br />

(...)<br />

§ 2° O imposto de que trata o inciso II compete ao Município<br />

da situação do bem e não incide sobre a transmissão de<br />

bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoas<br />

jurídicas em realização de capital, nem sobre a transmissão<br />

de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação,<br />

cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos,<br />

a atividade preponderante do adquirente for o comércio<br />

desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou<br />

arrendamento mercantil.<br />

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Como se vê do excerto suso trasladado, não há qualquer nota acerca da<br />

possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas ou progressivas para<br />

o cálculo do ITBI, de sorte que, ao fazê-lo, a lei hostilizada incorreu em<br />

flagrante contrariedade à Constituição Estadual.<br />

De fato, em todas as ocasiões em que o constituinte quis conferir a um<br />

tributo o predicado da progressividade, ele o fez expressamente. Podem<br />

ou devem ser exigidos de forma progressiva somente os seguintes tributos:<br />

(i) imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza – 153, §2º, I CF;<br />

(ii) imposto predial e territorial urbano – 156, § 1º CF (nas hipóteses que dão<br />

concreção à progressividade prevista no art. 182, § 4º, II da CF), e; (iii)<br />

imposto sobre propriedade territorial rural – 153, § 4º CF. Não havendo<br />

previsão constitucional para tanto, não cabe ao legislador municipal criar<br />

tal figura.<br />

Da mesma forma, não há qualquer menção no texto constitucional à<br />

instituição de tratamento diferenciado para as transmissões de imóveis<br />

(fato jurídico tributário do ITBI) realizadas no âmbito do Sistema Financeiro<br />

da Habitação, sendo lídimo concluir que também essa norma é<br />

inconstitucional. Embora o Sistema Financeiro de Habitação tenha grande<br />

importância social, não pode a lei fixar alíquotas diferenciadas para<br />

favorecê-lo. Trata-se de discriminação inconstitucional, pois estabelece<br />

alíquota progressiva sem o devido supedâneo constitucional.<br />

Seguindo também essa linha de raciocínio o Pretório Excelso já ostenta<br />

entendimento pacífico:<br />

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EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE<br />

TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS - ITBI. ALÍQUOTAS<br />

PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2º. Lei nº 11.154, de<br />

30.12.91, do Município de São Paulo, SP.<br />

I. - Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos - ITBI:<br />

alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a<br />

progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da<br />

capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da<br />

venda.<br />

II. - R.E. conhecido e provido.<br />

(RE 234105, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno,<br />

julgado em 08/04/1999, DJ 31-03-2000 PP-00061 EMENT VOL-<br />

01985-04 PP-00823)<br />

Com efeito, dúvida não remanesce a respeito do tema, haja vista que<br />

tanto sob o aspecto da impossibilidade de progressividade nos impostos<br />

reais quanto, especificamente para o ITBI, da falta de sua previsão na<br />

Carta Estadual, é inconstitucional a Lei nº 410/2003, do Município de<br />

Mucurici.<br />

V – DOS PEDIDOS<br />

Ex positis, o Procurador-Geral de Justiça requer:<br />

a) A notificação do Presidente da Câmara Municipal e do Prefeito<br />

de Mucurici, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do<br />

Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;<br />

b) Seja a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada<br />

procedente, declarando-se a inconstitucionalidade material de<br />

todo o art. 1º da Lei Municipal Nº 410/2003, do Município de<br />

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Mucurici, adotando-se as providências necessárias para que<br />

cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.<br />

Valora a causa, por força de expressa disposição legal, em R$ 100,00 (cem<br />

reais).<br />

Pede deferimento.<br />

Vitória, 10 de fevereiro de 2011.<br />

FERNANDO ZARDINI ANTONIO<br />

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