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sexualidade, texto e censura - Seminário Enlaçando Sexualidades ...

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS<br />

SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES<br />

Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos<br />

20 a 31 de Julho de 2009<br />

Salvador - BA<br />

SEXUALIDADE, TEXTO E CENSURA<br />

Débora de Souza ∗<br />

Williane Silva Corôa ∗∗<br />

Rosa Borges dos Santos ∗∗∗<br />

O projeto Edição e estudo de <strong>texto</strong>s teatrais produzidos na Bahia no período da ditadura 1 ,<br />

coordenado pela Prof. Dra. Rosa Borges dos Santos tem por objetivo principal preparar um Banco<br />

de Textos, a partir da prática de edição. A pesquisa conta atualmente com três bolsistas: Débora de<br />

Souza (IC/FAPESB) com o subprojeto Transcrição e edição de <strong>texto</strong>s teatrais <strong>censura</strong>dos com<br />

cortes (monotestemunhais); Fabiana Prudente Correia (PIBIC/CNPq), com o subprojeto<br />

Transcrição e edição de <strong>texto</strong>s teatrais <strong>censura</strong>dos com cortes (politestemunhais); Williane Silva<br />

Corôa (PIBIC/CNPq) e o subprojeto O teatro baiano na imprensa: fontes para o estudo de <strong>texto</strong>s<br />

teatrais <strong>censura</strong>dos.<br />

A realização deste projeto justifica-se pelo resgate de <strong>texto</strong>s que compõem o patrimônio<br />

cultural escrito baiano, bem como pela possibilidade de estudar, a partir de fonte segura, a língua, a<br />

literatura, a cultura, a memória e a história da Bahia (SANTOS, 2008), servindo também como<br />

subsídio para outros estudos e interessando a diversos pesquisadores, filólogos, lingüistas,<br />

historiadores e estudiosos do teatro.<br />

O corpus utilizado na pesquisa encontra-se, em sua maioria, no Acervo do Espaço Xisto<br />

Bahia, localizado na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, em Salvador.<br />

∗ Graduanda em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia<br />

(UNEB). Bolsista de Iniciação Científica FAPESB. E-mail: deboras_23@yahoo.com.br – Autora.<br />

∗∗ Graduanda em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia<br />

(UNEB). Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. E-mail: willicoroa@yahoo.com.br – Autora.<br />

∗∗∗ Professora Titular no Departamento de Ciências Humanas, Campus I, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)<br />

e Professora Adjunta no Departamento de Fundamentos para o Estudo das Letras do Instituto de Letras da Universidade<br />

Federal da Bahia (UFBA). Professora Orientadora. E-mail: borgesrosa6@yahoo.com.br<br />

1 Trata-se de Sub-Projeto que se destaca do Projeto maior “Edição e estudo de <strong>texto</strong>s literários e não-literários baianos”,<br />

de responsabilidade das Professoras Rosa Borges dos Santos e Maria da Conceição Reis Teixeira, que tem por objetivo<br />

principal preparar um Banco de Textos para edição e estudo.<br />

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES<br />

Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos<br />

20 a 31 de Julho de 2009<br />

Salvador - BA<br />

Estudar o período da ditadura militar (1964-1985) através da análise de <strong>texto</strong>s teatrais é<br />

considerar tais <strong>texto</strong>s como sujeitos históricos, “como productos de una determinada configuración<br />

cultural, que es interesante conocer también para la propia crítica textual” 2 (PRIEGO, 1997, p.16).<br />

Dessa forma, observa-se que a recuperação do escrito, sendo o <strong>texto</strong> patrimônio cultural de<br />

específica sociedade, oferece subsídios para a decifração da construção social de determinada época<br />

no qual o mesmo está inserido, revelando diálogos existentes entre cultura, ideologia e história.<br />

Portanto, o trabalho filológico permite, através de investigação, interpretação e edição de<br />

<strong>texto</strong>s teatrais e de elementos paratextuais, fazer uma leitura do que representou a ditadura e suas<br />

conseqüências para a produção dramática baiana, observando-se intricadas relações entre <strong>texto</strong>,<br />

cultura e sociedade.<br />

CONTEXTO HISTÓRICO<br />

Os acontecimentos mais relevantes que marcaram a década de 60 do século XX acontecem<br />

no ano de 1968, conhecido como "O ano que não terminou". Este ano entrou para a história como<br />

extremamente movimentado e cheio de acontecimentos importantes, como o assassinato de Martin<br />

Luther King, a Guerra do Vietnã, além de inúmeras manifestações, sobretudo estudantis, contra a<br />

Guerra do Vietnã e contra os regimes autoritários vigentes em diversos países do mundo, sobretudo,<br />

na América Latina.<br />

No Brasil, o ano foi marcado pela instituição do Ato Institucional nº 5 pelo então Presidente<br />

Costa e Silva, segundo presidente do regime militar instaurado pelo golpe de 1964. Comumente<br />

conhecido como Ditadura Militar, esse golpe mudou as instituições do país através de decretos e<br />

leis. Neste novo regime político, os princípios básicos da democracia foram violados e toda forma<br />

de manifestação reprimida de forma autoritária. O golpe militar foi articulado pelas forças armadas<br />

que possuíam um projeto político-ideológico a executar e que só conseguiriam isso se<br />

permanecessem durante longo tempo no poder.<br />

Alguns setores da sociedade, tais como grandes empresários, a imprensa, os grandes<br />

latifundiários, a Igreja católica e amplos setores de classe média pediram e estimularam a<br />

intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça comunista e controlar a crise econômica pela<br />

qual passava o país. Todos que apoiavam as reformas de base propostas no governo de Goulart ⎯<br />

2 “como produtos de uma determinada configuração cultural, que é interessante conhecer também para a própria crítica<br />

textual”. (PRIEGO, 1997, p.16, tradução nossa).<br />

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partidos políticos, associações e sindicatos, estudantes, artistas, intelectuais, operários ⎯ e que<br />

acreditavam na possibilidade de um país mais justo foram considerados inimigos e ameaça para os<br />

militares.<br />

O êxtase da luta oposicionista culmina em 1968, ano em que, no mundo inteiro, jovens<br />

lutavam embalados pelo sonho de um mundo novo. Com propostas que iam de encontro com a<br />

ideologia vigente no país, pois se buscava nesse momento revolucionar todas as áreas do<br />

comportamento, influenciados por movimentos de contracultura ⎯ que representou uma ruptura<br />

ideológica do que estava posto, modificando inexoravelmente o modo de vida ocidental, na espera<br />

do social, do político, do musical e do sexual, o ano de 1968 foi o catalisador de manifestações de<br />

rua, fazendo com que o governo militar decretasse o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que representou o<br />

total cerceamento da liberdade de expressão. Nesse momento, o país vivia um clima positivo no<br />

plano da cultura e das artes. As profundas mudanças ocorridas na organização política, na vida<br />

social e cultural do país afetaram com muito impacto o campo das artes.<br />

O teatro, enquanto manifestação cultural, também sofreu intervenções. Este, submetido à<br />

<strong>censura</strong> e à repressão, funcionou em condições anormais, constituindo-se como uma frente de<br />

resistência aos desmandes ditatoriais (MICHALSKI, 1985). Por isso, o ano de 1968 foi um dos<br />

mais duros para as artes brasileiras, pois, neste momento, a <strong>censura</strong> assume um papel de<br />

protagonista na cena nacional, declarando guerra contra a criação artística, tornando-se<br />

incomodamente presente no cotidiano dos artistas. Segundo Michalski (1985, p.10),<br />

[...] no momento em que o golpe de 1964 veio interromper o seu fluxo de desenvolvimento<br />

e fixar as novas regras do jogo para o seu futuro caminho, o teatro estava no auge de uma<br />

sucessão de movimentos renovadores, que há cerca de quatro séculos vinham modificando<br />

radicalmente a sua face.<br />

O teatro chegou ao Brasil no século XVI, através dos jesuítas, com o objetivo de propagar a<br />

fé. Somente no século XIX essa atividade será retomada no país, com a chegada da corte portuguesa<br />

para o Rio de Janeiro. Porém, é a partir da década de 40, no século XX, que teatro se firma,<br />

despontando com uma variedade de temas e influenciado pelo teatro moderno. Na Bahia, até<br />

meados da década de 50, o teatro era feito por grupos amadores, pois em Salvador havia poucos<br />

espaços para a divulgação daquele. Assim, a mudança na cena teatral baiana só ocorreu em 1956<br />

com a criação da Escola de teatro, da Universidade da Bahia (atualmente Universidade Federal da<br />

Bahia). A inauguração da Escola de Teatro deu um caráter mais profissional às montagens feitas na<br />

cidade. (SANTANA, 2006).<br />

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O teatro que floresceu durante as décadas de 1950 e meados da década de 1960, tanto na<br />

Bahia, como no Brasil, viu a mudança dessa perspectiva com a deflagração da ditadura militar. No<br />

meio teatral, as manifestações de repúdio da prática censória não só não cessaram com o golpe<br />

militar como ganharam novos adeptos. Para a intelectualidade, as ações do governo no âmbito da<br />

<strong>censura</strong> convertiam-se em ameaça à liberdade de pensamento e ao desenvolvimento da cultural<br />

nacional e, portanto, eram incompatíveis com as tradições democráticas do povo brasileiro.<br />

Os <strong>texto</strong>s que iriam ser encenados passavam pelo Departamento de Polícia Federal (DPF),<br />

em Brasília, e recebiam pareceres que indicariam a sua interdição ou não, caso representassem<br />

ameaça à moral e aos bons costumes. As obras eram interditadas também se não respeitassem a<br />

“norma culta” da língua portuguesa e se representassem ameaça a manutenção da ordem política e<br />

da segurança nacional.<br />

Fig. 1 ⎯ Certificado de <strong>censura</strong> de obra teatral<br />

O fenômeno da <strong>censura</strong> apresenta uma longa trajetória no Brasil, desde a época colonial,<br />

porém, é no governo militar, que a <strong>censura</strong> age de maneira mais intensa, afetando a produção<br />

cultural do país. Ao assumir a função social de “guardiões” da sociedade e de organizadores da<br />

cultura, os representantes da <strong>censura</strong> interditaram inúmeras peças que se reportaram à tradição do<br />

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teatro de revista no Brasil, com espetáculos debochados, esquetes maliciosos, humor insolente,<br />

piadas escrachadas e críticas mordazes.<br />

Observando-se os <strong>texto</strong>s teatrais, nota-se que os censores atuavam de diversas formas. No<br />

plano moral, os técnicos de <strong>censura</strong> interditaram espetáculos públicos que tratavam de temas<br />

“polêmicos” como aborto, homossexualismo, relações extraconjugais, prostituição e consumo de<br />

drogas. Na esfera política, os organismos censórios interditavam peças teatrais que tivessem como<br />

principal objetivo discutir questões políticas como a revolução brasileira, a luta armada, a luta de<br />

classes, o movimento estudantil, a doutrinação comunista, a repressão política, os mecanismos de<br />

controle, as Forças Armadas (GARCIA, 2008).<br />

Mesmo sob a égide da <strong>censura</strong>, o período da ditadura militar é um dos mais prósperos para a<br />

cultura nacional, sobretudo para as artes cênicas. Ao resgatar a dimensão histórica do período<br />

ditatorial militar, através das peças teatrais, dá-se um passo importante para conhecer e refletir sobre<br />

história, observando a contribuição de cada ator social na construção da realidade que o cerca.<br />

3 VEGETAL VIGIADO E A TEMÁTICA DA SEXUALIDADE<br />

O <strong>texto</strong> teatral adulto Vegetal Vigiado, da dramaturga baiana Nivalda Costa, faz parte do<br />

corpus utilizado no projeto de pesquisa acima referido que se encontra no Acervo do Espaço Xisto<br />

Bahia, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, em Salvador, pasta 83C, 10f., datiloscrito em<br />

papel vegetal, uma folha fina e bastante frágil que já demonstra leves desgastes.<br />

O <strong>texto</strong> teatral em questão foi produzido e <strong>censura</strong>do no período da ditadura militar (1964-<br />

1985), na Bahia, e é dividido em dois atos: Jogo em Espirais e Vegetal Vigiado, podendo ser<br />

trabalhados separadamente. Nessa obra a dramaturga estabeleceu uma relação entre poder e espaço,<br />

questionando o regime vigente e, por isso, realizando um trabalho político. Costa (2007) descreve<br />

os homens representados no <strong>texto</strong> como seres<br />

[...] podados em suas ambições pessoais, em seu ser, [...] mais pareciam ser vivo vegetal do<br />

que exatamente humanos; já que eles eram inoperantes, já que falavam, e todas as falas<br />

levavam a nada ou não transformavam nada.<br />

Nesse con<strong>texto</strong>, o <strong>texto</strong> dramático aqui estudado sofreu intervenções da <strong>censura</strong>, tendo<br />

passagens condenadas e encenação proibida, apesar de todo o cenário pronto e estreia marcada para<br />

o dia 12 de outubro, no Solar do Unhão. Tal fato provocou também o cancelamento da produção em<br />

São Paulo, pois, após o ocorrido, passaram-se os prazos, perdendo-se a produção e a oportunidade.<br />

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Diante disso, tudo se tornou mais complexo, realizando-se apenas leituras dramáticas da peça em<br />

Salvador.<br />

Dessa forma, todas as folhas possuem dois carimbos na cor azul, um da Divisão de Censura<br />

de Diversões Públicas (DCDP) do Departamento da Polícia Federal (DPF), no ângulo superior<br />

direito; e outro da Sociedade Brasileira de Atores Teatrais ⎯ Bahia (SBAT), localizado no ângulo<br />

inferior esquerdo, com a rubrica em seu interior em tinta azul, nas folhas 1. e 10. Há retângulos em<br />

tinta azul, à mão, destacando os trechos <strong>censura</strong>dos e carimbo CORTE, em tinta preta, às folhas 5. e<br />

6.<br />

Assim, ao conhecer as circunstâncias externas referentes à criação da obra Vegetal Vigiado,<br />

percebe-se a temática da <strong>sexualidade</strong>, no <strong>texto</strong> estudado como uma forma de mascarar sérias<br />

denúncias assim como modo de expressar libertação mental e física no período opressor e sufocador<br />

do regime militar, em que era proibido falar, gritar ou escrever.<br />

Ao longo do <strong>texto</strong> estudado observam-se algumas alusões a temas sexuais, de forma<br />

explícita e implícita, de modo que a dramaturga orienta a interpretação para determinada leitura,<br />

mas tem sempre a possibilidade de renegá-la em seguida, ou fingir que a renega, pois se trata de<br />

algo, algumas vezes, não mencionado expressamente, cabendo ao leitor tecer hipóteses em muitos<br />

casos. Observam-se alguns cortes, de cunho moral, referentes à temática <strong>sexualidade</strong>:<br />

Fig. 1 ⎯ Vegetal Vigiado, (COSTA, 1977, f. 6.).<br />

Fig. 2 ⎯ Vegetal Vigiado, (COSTA, 1977, f. 6.).<br />

Observam-se também passagens do <strong>texto</strong> em que tal abordagem faz-se por meio de uma<br />

digressão, de interrupção brusca da linha de pensamento, suspendendo reflexões sócio-políticas.<br />

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Segundo Maingueneau (1996, p. 146) digredir é “desviar-se de seu caminho, é enganar o leitor,<br />

impedi-lo de ir para onde espera ir”, portanto pode-se entender tal construção como um recurso<br />

através do qual o erotismo e o prazer mascaram sérias denúncias. Tem-se:<br />

PROMETEU PROSDÓCIMO (sério, dogmatiza) ⎯ Quem diz algo do Nada, transforma-o<br />

ao faze-lo em alguma coisa dizendo algo; Vamos prá cama? (COSTA, 1977, f. 5, l. 28-30).<br />

Por outro lado, em outras passagens, tal temática aparece como forma de libertação mental e<br />

física, pois naquele con<strong>texto</strong> histórico não se tinha liberdade de expressão. Observa-se:<br />

Fig. 3 ⎯ Vegetal Vigiado, (COSTA, 1977, f. 5.).<br />

Outra referência à temática estudada diz respeito à personagem Billie, bissexual e<br />

representante de uma parcela da juventude que se refugiava nas drogas, “de uma geração em que<br />

era proibido proibir” (COSTA, 2009), é descrito desde as primeiras informações, sempre nú da<br />

cintura para cima, como resistente ao regime militar. Portanto, tal abordagem sexual pode-se<br />

perceber também nas indicações cênicas 3 , em que o censor fez também intervenção, à mão, em tinta<br />

azul:<br />

3 Trata-se “dos <strong>texto</strong>s que não se destinam a ser pronunciados no palco, mas que ajudam o leitor a compreender e a<br />

imaginar a ação e as personagens. Esses <strong>texto</strong>s são igualmente úteis ao diretor e aos atores durante os ensaios [...]”<br />

(RYNGAERT, 1995, p. 44).<br />

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Fig. 4 ⎯ Vegetal Vigiado, (COSTA, 1977, f. 6.).<br />

Desse modo, a dramaturga Nivalda Costa ao construir seu <strong>texto</strong>/discurso veicula<br />

informações e, sobretudo, atua e interage socialmente, instituindo um trabalho político ao escrever o<br />

que era proibido. Assim, a enunciação de tal cenário, “dos anos de chumbo”, faz-se presente no<br />

<strong>texto</strong> através de uma série de marcas lingüísticas, em que se expressa a alma da sociedade baiana<br />

dividida entre utopia e repressão cotidiana. Portanto, consciente ou inconscientemente, fez-se uso<br />

de determinados recursos para lidar com aquela situação de pressão e de controle do que poderia ou<br />

não ser dito, tratando sim de questões como a <strong>sexualidade</strong>.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O tema <strong>sexualidade</strong> no período da ditadura militar era completamente proibido, entretanto,<br />

muitos dramaturgos e diretores se arriscavam e abordavam essa temática, demonstrando forte<br />

resistência frente ao regime vigente. Desse modo, o teatro, entendido em sua totalidade ⎯ <strong>texto</strong>,<br />

encenação e performance, se constituiu para o dramaturgo/teatrólogo como um espaço de denúncia<br />

e desabafo em que ora se arrisca, protesta e se manifesta ora se omite e se silencia diante dos fatos.<br />

Dessa forma, através de investigação, interpretação e edição de <strong>texto</strong>s teatrais produzidos e<br />

<strong>censura</strong>dos na época da ditadura militar, em uma abordagem filológica textual, pode-se<br />

(res)significar conhecimentos a respeito de valores sociais, morais e culturais da sociedade daquela<br />

época, bem como analisar o que representou a ditadura e suas conseqüências para a produção<br />

dramática baiana.<br />

REFERÊNCIAS<br />

COSTA, Nivalda. Ditadura militar na Bahia. Salvador, nov. 2007. Entrevista concedida ao Grupo<br />

de Edição e Estudo de <strong>texto</strong>s da UNEB (Luís César Souza e Iza Dantas).<br />

COSTA, Nivalda. Vegetal Vigiado. Salvador. 1977. 10 p. Acervo do Espaço Xisto Bahia. Pasta nº.<br />

83C. Texto não publicado.<br />

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Salvador - BA<br />

COSTA, Nivalda. Vegetal Vigiado. Salvador, 11 fev. 2009. Entrevista concedida ao Grupo de<br />

Edição e Estudo de <strong>texto</strong>s da UNEB (Débora de Souza). 60 min.<br />

GARCIA, Miliandre. “Ou vocês mudam ou acabam”: teatro e <strong>censura</strong> na ditadura militar (1964-<br />

1985). Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2008. Tese de doutorado, UFRJ, Programa de pós-graduação<br />

em História Social. Disponível em: . Acesso: 10 de nov. 2008.<br />

MAINGUENEAU, Dominique. In: ______. Pragmática para o discurso literário. Tradução<br />

Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />

MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar,<br />

1985.<br />

PÉREZ PRIEGO, Miguel Angel. In: La Edición de Textos. Madrid, Síntesis, 1997.<br />

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. Tradução Paulo Neves. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1995.<br />

SANTANA, Jussilene. Impressões modernas/a má consciência teatral: compreensão e debate<br />

sobre teatro na cobertura dos jornais A tarde e Diário de notícias entre 1956 e 1961. Salvador:<br />

UFBA, Escola de Teatro, 2006. Dissertação de mestrado, UFBA, Programa de pós-graduação em<br />

Artes Cênicas. Disponível em: . Acesso: 10 de nov. 2008.<br />

SANTOS, Rosa Borges dos. O Texto como documento social e histórico: por uma análise<br />

filológica. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGÜÍSTICA E FILOLOGIA, 12., 2008, Rio de<br />

Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: CiFEFil, 2008. Disponível em:<br />

. Acesso em: 07 nov. 2008.<br />

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