Mulheres negras e não negras vivendo com HIV ... - Nepaids - USP
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1.4.4.2 A noção de racismo<br />
O racismo é um fenômeno ideológico 3 , uma doutrina, um dogma, um<br />
conjunto de crenças transmitidas pela linguagem ordinária, mantidas e alimentadas<br />
pela tradição (Guimarães,1995; Munanga, 1990; Cashmore, 2000; López, 2000,<br />
dentre outros).<br />
A socialização cultural coloca os indivíduos e os grupos, em posições de<br />
<strong>com</strong>petição por status e por recursos valorizados, isso ajuda a explicar <strong>com</strong>o os<br />
atores sociais desenvolvem estratégias que têm por finalidade a obtenção de<br />
interesses específicos. Em sendo o racismo um fenômeno ideológico, sua dinâmica é<br />
revitalizada e mantida <strong>com</strong> a evolução das sociedades, das conjunturas históricas e<br />
dos interesses dos grupos. São esses predicados que fazem do racismo um<br />
“fabricante” e multiplicador de vulnerabilidades.<br />
No Brasil, as hierarquias sociais são justificadas e racionalizadas de diferentes<br />
modos, todos eles (sem exceção) apelam à ordem “natural” de sua existência e<br />
apresentam-se <strong>com</strong>o um traço constitutivo das relações sociais. Segundo Guimarães<br />
(1995), o sistema de hierarquização brasileiro (e da América Latina em geral)<br />
interliga raça e cor, classe social (ocupação, renda) e status (origem familiar,<br />
educação formal), sem, contudo, deixar de ser sustentado pela dicotomia racial<br />
branco versus preto que alicerçou a ordem escravocrata por três séculos e persiste<br />
ativa na atualidade, resistindo à urbanização, à industrialização, às mudanças de<br />
sistema e regimes políticos.<br />
As sociedades latino-americanas e a sociedade brasileira, em especial, para<br />
além da ideologia, definem as posições sociais de seus membros de modo que lhes<br />
sejam garantidos direitos e privilégios em sua relação <strong>com</strong> o Estado ou <strong>com</strong> os<br />
demais grupos sociais. No plano das relações intersubjetivas, esses privilégios são<br />
3 De acordo <strong>com</strong> Ricoeur (1988), o fenômeno ideológico está ligado à necessidade, de um grupo<br />
social conferir-se uma imagem e representar-se. A ideologia se dá em virtude da distância que separa<br />
a memória social de um acontecimento repetido continuamente. Seu papel é difundir a convicção para<br />
além do círculo dos pais fundadores e perpetuar sua energia inicial para além do período de<br />
fervescência. É, ao mesmo tempo, aquilo que justifica e que <strong>com</strong>promete; é movida pelo desejo de<br />
demonstrar que o grupo que a professa tem razão de ser o que é. Logo, o fenômeno ideológico é<br />
sempre mais que um reflexo, na medida em que também é justificação e projeto. Para o autor, a<br />
ideologia é operatória e <strong>não</strong> temática porque sua definição está em seu próprio conteúdo. É a partir<br />
dele (o conteúdo da ideologia) que os sujeitos pensam e agem. Logo, a ideologia é um fenômeno<br />
insuperável da existência social, já que a realidade sempre possui uma constituição simbólica e<br />
<strong>com</strong>porta uma interpretação, em imagens e representações do próprio vínculo social.<br />
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