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LITERATURA LATINA II - Universidade Castelo Branco

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Em todas as elegias que ele compôs, existem<br />

certas tônicas inconfundíveis. Tibulo – como o<br />

fizera Catulo e como o vão fazer outros contemporâneos<br />

– canta o amor puro e desinteressado,<br />

entendendo-se por pureza não a sacralização<br />

através do matrimônio, mas, sim, a sinceridade<br />

amorosa que faz uma pessoa inclinar-se por outra<br />

e desejá-la. Não importa qual seja o objeto<br />

dessa espécie de amor. Nas elegias que Tibulo<br />

consagra a Délia – uma jovem bela, delicada e<br />

loura (1, 1; 2; 3; 5 e 6) – existe essa “pureza”,<br />

apesar de o fato de ser ela apresentada como<br />

uma mulher casada. A mesma “pureza” existe<br />

no amor que o “eu poético” devota a Márato, o<br />

escravo (1,4; 8 e 9), e a Nêmesis, a prostituta<br />

(lI, 3; 4 e 6). A ausência de laços matrimoniais<br />

e o homossexualismo não “poluem” o amor, não<br />

lhe tiram o halo de “quase-santidade”.<br />

As Elegias de Propércio<br />

Contemporâneo de Tibulo, mas em tudo diferente<br />

do “cantor de Délia”, muito embora também<br />

tivesse escolhido a elegia como forma de<br />

expressão poética, Propércio (Sextus Propertius<br />

- 45? - 15? a.C.) chegou a ser considerado algumas<br />

vezes como um poeta de menor importância.<br />

A crítica moderna, porém, tem procurado<br />

rever esse posicionamento, atribuindo-lhe um<br />

justo valor.<br />

Como seus predecessores e contemporâneos,<br />

Propércio compôs, sobretudo, elegias amorosas,<br />

imortalizando nos versos a figura inesquecível<br />

de Cíntia.<br />

Os biógrafos dos poetas ditos subjetivos procuraram,<br />

desde a Antiguidade, identificar as figuras<br />

das “musas inspiradoras” que surgem nos<br />

poemas como mulheres reais, conferindo assim<br />

aos textos poéticos uma importância documental.<br />

Essa atitude é hoje encarada com muitas restrições.<br />

Os poemas de inspiração Alexandrina,<br />

em vez de serem considerados como peças confessionais,<br />

são vistos atualmente como obras<br />

artísticas, construídas rigorosamente de acordo<br />

com padrões estéticos especiais. Admite-se,<br />

pois, não somente que o poeta alexandrino se<br />

apoiasse em modelos e cânones como também<br />

que burilasse o verso da mesma forma que o<br />

artesão esculpia a estatueta ou retocava o camafeu.<br />

É, realmente, muito difícil tentar entrever a<br />

confissão de sentimentos reais numa obra poética<br />

em que o artificialismo impera e tudo é convencional<br />

e maneiroso, dos temas às imagens,<br />

do vocabulário aos exemplos.<br />

Assim, a bela Cíntia, de cabelos loiros e olhos<br />

brilhantes como estrelas, “esbelta no porte e divina<br />

no andar”, passou a ser vista como uma<br />

criação estética e não como a mulher volúvel e<br />

perjura, ambiciosa e frívola, vaidosa e pérfida,<br />

que torturou o poeta nos longos anos em que<br />

ele, como servo humilde e fiel, esteve a seus<br />

pés, pronto a satisfazer-lhe os desejos e caprichos.<br />

Como criação literária, Cíntia não precisa ser<br />

associada a uma dama qualquer da sociedade da<br />

época; não há mais necessidade de elucubrações<br />

sobre seu nome verdadeiro, sua idade, seu estado<br />

civil e sua posição. Dela temos o que o texto<br />

nos dá, e isso já é o bastante. Propércio fartouse<br />

de trabalhar na modelagem de sua criação.<br />

Construiu um retrato feminino complexo, o<br />

mais detalhado de toda a poesia latina conhecida.<br />

Esmerou-se na caracterização dos pormenores<br />

físicos, compôs sua textura psicológica,<br />

conferiu-lhe personalidade. Mostrou-nos Cíntia<br />

em diversas situações: adormecida como uma<br />

bacante cansada, provocante e sensual em seu<br />

traje transparente, dançando, bebendo, jogando<br />

dados, esmorecida e doente no leito de morte,<br />

tomando sol na praia e contemplando o mar,<br />

conduzindo a biga veloz no meio da noite, festejando<br />

o aniversário, dirigindo-se ao templo,<br />

esbofeteando o amante num acesso de ciúme,<br />

desnudando-se diante dele numa noite de amor.<br />

Até morta, como espectro saído do mundo das<br />

trevas, Propércio a coloca ante os olhos, com<br />

seus atributos de sempre, seus cabelos esvoaçantes,<br />

seus olhos ardentes.<br />

Das noventa e duas elegias que compôs, setenta<br />

e três se ocupam do amor e, na grande maioria<br />

delas, a figura de Cíntia domina o texto.<br />

São quatro os livros de elegias escritos por<br />

Propércio (Elegiarum libri IV). O primeiro, o<br />

Livro de Cíntia (Cynthia monobiblos), foi publicado<br />

durante a curta vida do escritor, em 27<br />

a.C., provavelmente. Contém vinte e duas peças<br />

elegíacas. Acredita-se que Mecenas, o “ministro”<br />

de Augusto, tenha então insistido com<br />

o poeta para que ele, a exemplo de Virgílio e<br />

Horácio, colocasse sua inspiração a serviço da<br />

política imperial, escrevendo sobre temas patrióticos<br />

ou cívicos. No início do livro <strong>II</strong> o poeta<br />

deixa de escrever tal fato. Dirigindo-se a Mecenas,<br />

fala sobre a impossibilidade de aquiescer<br />

ao convite que lhe teria sido feito, uma vez que<br />

sua lira, até então, só se deixara tanger pelo sentimento<br />

amoroso.<br />

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