LITERATURA LATINA II - Universidade Castelo Branco
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1.3 - A Sátira Latina<br />
A sátira latina não só desperta interesse por suas<br />
próprias características, por afi gurar-se como uma espécie<br />
de crônica social em versos, como também por<br />
ter sido amiúde considerada como um gênero poético<br />
original. A seu respeito e em consideração ao fato<br />
de não se inspirar em modelos gregos equivalentes,<br />
afi rmou Quintiliano na Instituição – a sátira é toda<br />
nossa (satura tota nostra est - Inst. -.93), – porém é<br />
necessário fazer uma distinção entre as sátiras literárias<br />
que chegaram até nossos dias, trazendo preciosas<br />
informações sobre a vida cotidiana do romano, e a<br />
satura dramática da época primitiva. As sátiras literárias,<br />
produzidas por diversos autores, são composições<br />
poéticas narrativo-dissertativas ou dialogadas,<br />
que, apresentando fatos ou pondo pessoas em foco<br />
ridicularizam os vícios e defeitos de maneira jacosa e<br />
assumem não raro um tom fi losófi co-moral; a satura<br />
dramática é uma modalidade teatral rudimentar, que<br />
nunca encontrou expressão escrita e resulta da combinação<br />
de cantos fesceninos com danças mímicas.<br />
A mesma palavra – satura – foi utilizada para designar<br />
duas coisas distintas, a forma dramática embrionária<br />
e a espécie literária.<br />
Da forma dramática, que desapareceu em sua condição<br />
de modalidade primitiva, temos apenas vagas referências.<br />
Possivelmente, dado o seu caráter cômico,<br />
os atores se valessem de brincadeiras e caçoadas na<br />
representação, sendo esse talvez o ponto de contato<br />
com a sátira literária que também usava a zombaria<br />
como um de seus ingredientes essenciais.<br />
Muitas elucubrações linguísticas foram feitas em<br />
torno da palavra satura. Alguns nela viram uma possível<br />
origem grega, aproximando-a do nome dos sdtiros<br />
(satyroz), divindades campestres associadas aos<br />
faunos e presentes nos dramas satíricos. Tais dramas,<br />
porém, nada têm a ver com a satura dramática. De<br />
outro lado, como a palavra satura designava também<br />
cesta de primícias de frutas de várias qualidades, ofertada<br />
aos deuses no início do outono, e uma espécie<br />
de patê em cuja composição eram usados diferentes<br />
tipos de carne, a aproximação metonímico-catacrética<br />
possivelmente foi feita. A característica da satura<br />
– dramática ou literária – seria exploração de assuntos<br />
variados em sua composição e a utilização de diversidade<br />
de metros e de tons. Em ambos os casos pode<br />
ser considerada como criação latina.<br />
Ênio foi o primeiro poeta romano a dar o nome de<br />
sátiras (Saturae) a uma coletânea de poemas variados<br />
que compôs em metros diversos, agrupando-os<br />
em quatro livros. Desses poemas restam apenas fragmentos,<br />
insufi cientes para que neles sejam verifi cadas<br />
suas principais peculiaridades.<br />
A Sátira de Lucílio<br />
Lucílio (Caius Lucilius - 180-103 a.C.) pertencia à<br />
alta sociedade da época e era bastante rico; por essa<br />
razão, ao escrever suas sátiras, teve liberdade sufi -<br />
ciente para atacar tudo aquilo que julgou censurável:<br />
a venalidade dos homens públicos, a corrupção, a vaidade,<br />
o luxo, a gula e até mesmo o esnobismo helenizante<br />
daqueles que repudiavam sua própria cultura<br />
e língua.<br />
Compondo trinta livros de sátiras, dos quais restam<br />
cerca de 1.400 versos, Lucílio se refere, no prefácio<br />
do livro XXVI, a sua “intenção literária”: escrever<br />
com simplicidade, espontaneidade e realismo. A essas<br />
características que iriam marcar sua obra poderíamos<br />
acrescentar o moralismo, a franqueza e a precisão.<br />
Diversos são os temas abordados nas sátiras. De maneira<br />
geral Lucílio ridiculariza o que considera como<br />
defeito a ser corrigido, merecendo especial menção<br />
as sátiras em que o poeta, apontando modismos de<br />
estilo e de linguagem, acaba por apresentar questões<br />
de interesse literário.<br />
Um tom fi losófi co-moralista perpassa sua obra; embora<br />
ele não se fi liasse rigorosamente a uma corrente<br />
de pensamento nem procurasse divulgar princípios<br />
doutrinários, valeu-se da moral comum, própria das<br />
pessoas de bom senso. Lucílio se utilizou de muitos<br />
tipos de versos (jâmbicos, trocaicos, dísticos elegíacos),<br />
empregando predominantemente o hexâmetro<br />
que se tornaria mais tarde o metro usual dos poetas<br />
satíricos. Seu estilo, um pouco irregular – decorrência<br />
talvez do pouco tempo de que dispôs para escrever<br />
obra tão vasta –, chegou a ser censurado por alguns,<br />
mas não foi levado em conta na avaliação dos méritos<br />
de um pioneiro que agradou ao público.<br />
Varrão e as Sátiras Menipéias<br />
Após Lucílio, a sátira vai encontrar muitos cultivadores<br />
em Roma. Entre eles não poderíamos deixar de<br />
citar Varrão (Marcus Terentius Várro - 116-27 a.C.),<br />
autor de uma obra imensa e variada, da qual, infelizmente,<br />
pouca coisa restou. Entre os 74 trabalhos<br />
que escreveu – 600 livros, aproximadamente – estão<br />
as Sátiras menipéias (Saturae Menippeae), cerca de<br />
cento e cinquenta poemas inspirados nas diatribes de<br />
Menipo de Gádara, fi lósofo grego do século IV a.C.<br />
Como nesses textos Varrão mistura prosa e verso, a<br />
expressão sátira menipéia passou a designar uma forma<br />
literária mista não só sob o aspecto formal mas<br />
também quanto ao conteúdos e ao tom.