21.04.2013 Views

teoria literária - Universidade Castelo Branco

teoria literária - Universidade Castelo Branco

teoria literária - Universidade Castelo Branco

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

SUMÁRIO<br />

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................ 11<br />

Contextualização da disciplina .................................................................................. 12<br />

UNIDADE I<br />

TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA<br />

1.1 - Explicação do termo Teoria<br />

1.2 - Especificidade do Literário (Ciência Analítica X Ciência Fenomenológica)<br />

1.3 - Teoria: Cientificismo X Teoria: Fenomenologia (Eduardo Portella)<br />

1.4 - Posicionamento crítico em favor da Fenomenologia (Eduardo Portella)<br />

O Dever da Crítica Literária em Relação ao estudo da obra de arte <strong>literária</strong><br />

1.5 - Explicação do termo Crítica<br />

1.6 - Objetivo da Crítica Literária (visão cientificista)<br />

1.7 - Crítica Literária e Teoria Literária:<br />

A Crítica como consciência do Fato Literário (visão fenomenológica)<br />

1.8 - Retrospectiva: A Natureza do Fenômeno Literário<br />

UNIDADE II<br />

TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA: CARACTERES (CARÁTERES) INTERDISCIPLINARES<br />

2.1 - O atual caráter interdisciplinar da Teoria Literária<br />

2.2 - Crítica de Eduardo Portella sobre as terminologias Teoria da Literatura e Teoria<br />

Literária<br />

2.3 - Crítica e História Literária<br />

2.4 - Crítica e Sociedade<br />

2.5 - O percurso histórico da Crítica Literária<br />

2.6 - Reavaliando a atuação da Crítica Literária (Neuza Machado)<br />

UNIDADE III<br />

CRÍTICA LITERÁRIA: MODERNIDADE X PÓS-MODERNIDADE<br />

3.1 - Modernidade<br />

3.2 - Modernidade: Imanência e Imediatismo (≠ de transmanência)<br />

3.3 - Pós-Modernidade<br />

3.4 - Temas e Variações da Pós-Modernidade<br />

3.5 - Sobre a Poesia Pós-Moderna<br />

3.6 - Sobre as Sociedades Capitalistas Pós-Modernas<br />

3.7 - Pós-Moderno / Pós-Modernismo (Nicolau Sevcenko)<br />

3.8 - Pós-Moderno / Pós-Modernismo (Jair Ferreira dos Santos)<br />

3.9 - Pós-Moderno / Narrativas<br />

3.10 - Tendência Literária<br />

3.11 - Narrativa Pos-Moderna/Pós-Modernista de 1 a Geração<br />

3.12 - Narrativas Pós-Modernas/Pós-Modernistas de 1 a e 2 a Gerações<br />

3.13 - Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács como auxiliar nos estudos de<br />

literatura pelo ponto de vista de Teofilo Urdanoz<br />

3.14 - Modernidade/Pós-Modernidade: características sócio-culturais e ficcionais<br />

(Século XX ao início do Século XXI)<br />

3.15 - Sobre a Ficção Pós-Modernista (2 a Geração Brasileira) de Rogel Samuel (Neuza<br />

Machado)<br />

3.16 - Leitura Crítico-Reflexiva de Neuza Machado (Sobre O Amante das Amazonas de<br />

Rogel Samuel)


QUADRO-SÍNTESE DO CONTEÚDO<br />

PROGRAMÁTICO<br />

UNIDADE OBJETIVOS ESPECÍFICOS<br />

I - Teoria Literária X Crítica Literária Levar ao aluno informações que definem a<br />

- Explicação do termo Teoria situação do texto literário (Arte Literária),<br />

- Especificidade do literário chamando a atenção para os aspectos que<br />

- Teoria: Cientificismo X Teoria: Fenomenologia possam orientar teoricamente e criticamen-<br />

- Posicionamento crítico (Fenomenologia) te suas leituras.<br />

- Explicação do termo Crítica<br />

- Objetivo da Crítica Literária (cientificismo)<br />

- Crítica Literária e Teoria Literária (Fenomenologia)<br />

- A Natureza do Fenômeno Literário (retrospectiva)<br />

II - Teoria Literária e Crítica Literária Levar o aluno a reconhecer no texto literá-<br />

- O atual caráter interdisciplinar da Teoria Literária rio a categoria genérica do mesmo.<br />

- Crítica de Eduardo Portella sobre as terminologias<br />

Teoria da Literatura e Teoria Literária<br />

- Crítica e História Literária<br />

- Crítica e Sociedade<br />

- O percurso histórico da Crítica Literária<br />

- Reavaliando a atuação da Crítica Literária<br />

III - Crítica Literária: Modernidade X Pós-Modernidade Levar o aluno a reconhecer a Literatura da<br />

- Modernidade Pós-Modernidade.<br />

- Modernidade: Imanência e Imediatismo<br />

- Pós-Modernidade<br />

- Temas e Variações da Pós-Modernidade<br />

- Sobre a poesia Pós-Moderna<br />

- Sobre as Sociedades Capitalistas Pós-Modernas<br />

- Pós-Moderno/Pós-Modernismo<br />

- Pós-Moderno/Narrativas<br />

- Tendência Literária<br />

- Narrativa Pós-Moderna/Pós-Modernista de 1 a Geração<br />

- Narrativas Pós-Modernas/Pós-Modernistas de 1 a e 2 a<br />

Gerações<br />

- Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács<br />

- Características Sócio-Culturais e Ficcionais da Pós-<br />

Modernidade<br />

- Sobre a Ficção Pós-Modernista no Brasil<br />

- Leitura Crítico-Reflexiva de O Amante das Amazonas<br />

(romance de Rogel Samuel) – Neuza Machado


CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA<br />

A disciplina Teoria Literária IV, acrescida de saberes de Crítica Literária, visa<br />

reafirmar e consolidar o leque de informações que foram utilizadas no decorrer dos<br />

cursos de Teoria Literária I, Teoria Literária II e Teoria Literária III, e, ao mesmo<br />

tempo, apresentar as renovadas e/ou inovadas orientações teórico-críticas do atual<br />

momento histórico, orientações estas que permitirão a sempre necessária e exigida<br />

reciclagem de um contínuo e atualizado conhecimento do texto literário (seja o texto<br />

pesquisado literatura-arte ou não). A Crítica Literária, enquanto conhecimento que<br />

busca a capacidade de julgar as camadas particulares do texto-arte e/ou paraliterário, e<br />

enquanto complemento indispensável às diversas diretrizes teóricas (replenas de<br />

conteúdos universais), sempre estará em evolução, acompanhando o próprio processo<br />

transformador da disciplina aqui realçada, apresentando-se, por este aspecto, como<br />

contribuinte interdisciplinar, imprescindível, para que o estudioso da literatura possa<br />

interagir com todas as camadas de qualquer texto literário (as camadas visíveis e as<br />

camadas invisíveis).<br />

Este conhecimento se somará às informações dos cursos anteriores, pois, além<br />

de permitir a continuação das explorações de todas as possibilidades e fundamentos da<br />

Teoria Literária, afora o perrmanente reconhecimento dos papéis da mimésis e da<br />

catársis no fenômeno literário, o analista e/ou intérprete continuará a ter condições de se<br />

disciplinar a estudar, com reanimado empenho, e, por tais motivações, continuar a<br />

desenvolver o senso crítico no intuito de prosseguir em estudos posteriores, tais como<br />

Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Teoria Literária e Literatura propriamente<br />

dita, brasileira ou estrangeira, ou mesmo em Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu, ou<br />

seja, um Mestrado e, posteriormente, um Doutorado.<br />

Reafirmando as anteriores contextualizações — dos anteriores Instrucionais de<br />

Teoria Literária —, as informações, contidas nesta disciplina, tendem a provocar no<br />

estudioso da literatura, agora produtor de literatura-técnica, a continuação do gosto pelo<br />

crescimento intelectual, o qual o levará a pesquisas posteriores (Artigos, Ensaios,<br />

Monografias, Dissertações, Teses), assim, desenvolvendo e ampliando o seu saber ao<br />

longo do tempo. Sem as informações teórico-críticas avançadas, já reconhecidas e<br />

respeitadas, e as posteriores, ao término do Curso de Letras, o candidato a professor de<br />

literatura (brasileira, portuguesa, inglesa, hispano-americana ou de qualquer outra<br />

nacionalidade) não conseguirá atingir o necessário suporte para o seu próprio<br />

desenvolvimento intelectual, ético e profissional.


UNIDADE I<br />

TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA<br />

Objetivos Específicos:<br />

• Quanto à Teoria Literária: Levar o aluno a reavaliar as informações teórico-críticas<br />

adquiridas anteriormente, as quais, nos cursos anteriores, definiram a situação do<br />

texto literário (texto-obra e/ou paraliterário), com isto, chamando a atenção do<br />

analista e/ou intérprete para os aspectos que tipificaram e orientaram a sua leitura.<br />

• Quanto à Crítica Literária propriamente dita: Possibilitar ao estudioso da literatura<br />

a faculdade de analisar e/ou interpretar a obra-de-arte <strong>literária</strong> auxiliado pelo atual<br />

arcabouço crítico-literário, principalmente a construção textual crítico-<strong>literária</strong> que<br />

corresponde ao século XX e início do século XXI (avaliadoras e reconhecedoras da<br />

grandeza de obras narrativas modernistas e pós-modernistas, obras estas inovadoras,<br />

em prosa e em versos, e poemas líricos das mesmas estéticas) e reconhecer<br />

(continuamente e fenomenicamente) a Natureza Específica do Literário.<br />

1.1 - EXPLICAÇÃO DO TERMO TEORIA<br />

O QUE É TEORIA?<br />

“Nos estudos literários e culturais, nos dias de hoje, fala-se muito sobre <strong>teoria</strong><br />

— não <strong>teoria</strong> da literatura, veja bem; apenas “<strong>teoria</strong>” pura e simples. Para qualquer um<br />

fora do campo, esse uso deve parecer muito estranho. “Teoria do quê?” você gostaria de<br />

perguntar. É surpreendentemente difícil dizer. Não é a <strong>teoria</strong> de qualquer coisa em<br />

particular, nem uma <strong>teoria</strong> abrangente de coisas em geral. Às vezes, a <strong>teoria</strong> parece<br />

menos uma explicação de alguma coisa, do que uma atividade — algo que você faz ou<br />

não faz. Você pode se envolver com a <strong>teoria</strong>; pode ensinar ou estudar <strong>teoria</strong>; pode odiar<br />

a <strong>teoria</strong> ou temê-la. Nada disso, contudo, ajuda muito a entender o que é <strong>teoria</strong>.<br />

A “<strong>teoria</strong>”, nos dizem, mudou radicalmente a natureza dos estudos literários,<br />

mas aqueles que dizem isso não se referem à <strong>teoria</strong> <strong>literária</strong>, à explicação sistemática<br />

da natureza da literatura e dos seus métodos de análise. Quando as pessoas se queixam<br />

de que há <strong>teoria</strong> demais nos estudos literários nos dias de hoje, elas não se referem à<br />

demasiada reflexão sistemática sobre a natureza da literatura ou ao debate sobre as<br />

qualidades distintivas da linguagem <strong>literária</strong>, por exemplo. Longe disso. Elas têm outra<br />

coisa em vista.<br />

O que têm em mente pode ser exatamente que há discussões demais sobre<br />

questões não-<strong>literária</strong>s, debate demais sobre questões gerais cuja relação com a<br />

literatura quase não é evidente, leitura demais de textos psicanalíticos, políticos e<br />

filosóficos difíceis. A <strong>teoria</strong> é um punhado de nomes (principalmente estrangeiros); ela<br />

significa Jacques Derrida, Michel Foucault, Luce Irigaray, Jacques Lacan, Judith Butler,<br />

Louis Althusser, Gayatri Spivak, por exemplo.<br />

Então, o que é <strong>teoria</strong>? Parte do problema reside no próprio termo <strong>teoria</strong>, que faz<br />

gestos em duas direções. Por um lado, falamos de “<strong>teoria</strong> da relatividade”, por exemplo,<br />

[ou seja] um conjunto estabelecido de proposições. Por outro lado, há o uso mais<br />

comum da palavra <strong>teoria</strong>.<br />

“Por que Laura e Michel romperam?”<br />

“Bom, minha <strong>teoria</strong> é que ...”<br />

O que significa <strong>teoria</strong> aqui? Em primeiro lugar, <strong>teoria</strong> significa “especulação”.<br />

Mas uma <strong>teoria</strong> não é o mesmo que uma suposição. “Minha suposição é que ...”


sugeriria que há uma resposta correta, que por acaso eu não sei: “Minha suposição é<br />

que Laura se cansou das críticas de Michel, mas descobriremos com certeza quando<br />

Mary, a amiga deles, chegar aqui”. Uma <strong>teoria</strong>, por contraste, é especulação que poderia<br />

não ser afetada pelo que Mary diz, uma explicação cuja verdade ou falsidade ser difícil<br />

de demonstrar.<br />

“Minha <strong>teoria</strong> é que ...” também pretende dar uma explicação que não é óbvia.<br />

Não esperamos que o falante continue: “Minha <strong>teoria</strong> é que é porque Michel estava<br />

tendo um caso com Samantha”. Isso não contaria como uma <strong>teoria</strong>. Dificilmente é<br />

preciso perspicácia teórica para concluir que, se Michel e Samantha estavam tendo um<br />

caso, isso poderia ter tido alguma relação com a atitude de Laura para com Michel. O<br />

interessante é que, se o falante dissesse: “Minha <strong>teoria</strong> é que Michel está tendo um caso<br />

com Samantha”, de repente a existência desse caso torna-se uma questão de conjectura,<br />

não mais certa, e portanto uma possível <strong>teoria</strong>.mas geralmente, para contar com uma<br />

<strong>teoria</strong>, uma explicação não apenas não deve ser óbvia; ela deveria envolver uma certa<br />

complexidade: “Minha <strong>teoria</strong> é que Laura sempre esteve secretamente apaixonada pelo<br />

pai e que Michel jamais conseguiria se tornar a pessoa certa”. Uma <strong>teoria</strong> deve ser mais<br />

do que uma hipótese: não pode ser óbvia; envolve relações complexas de tipo<br />

sistemático entre inúmeros fatores; e não é facilmente confirmada ou refutada. Se<br />

tivermos esses fatores em mente, torna-se mais fácil compreender o que se entende por<br />

“<strong>teoria</strong>”.<br />

Teoria, nos estudos literários, não é uma explicação sobre a natureza da literatura<br />

ou sobre os métodos para seu estudo (embora essas questões sejam parte da <strong>teoria</strong> e<br />

serão tratadas aqui, (...). É um conjunto de reflexão e escrita cujos limites são<br />

excessivamente difíceis de definir. O filósofo Richard Rorty fala de um gênero novo,<br />

misto, que começou no século XIX: “Tendo começado na época de Goëthe, Macaulay,<br />

Carlyle e Emerson, desenvolveu-se um novo tipo de escrita que não é nem a avaliação<br />

dos méritos relativos das produções <strong>literária</strong>s, nem história intelectual, nem filosofia<br />

moral, nem profecia social, mas tudo isso combinado num novo gênero”. A designação<br />

mais conveniente desse gênero misturado é simplesmente o apelido <strong>teoria</strong>, que passou a<br />

designar obras que conseguem contestar e reorientar a reflexão em campos outros que<br />

não aqueles aos quais aparentemente pertencem. Essa é a explicação mais simples<br />

daquilo que faz com que algo conte como <strong>teoria</strong>. Obras consideradas como <strong>teoria</strong> têm<br />

efeitos que vão além de seu campo original.<br />

Essa explicação simples é uma definição insatisfatória, mas parece realmente<br />

captar o que aconteceu desde o decênio de 1960: textos de fora do campo dos estudos<br />

literários foram adotados por pessoas dos estudos literários porque suas análises da<br />

linguagem, ou da mente, ou da história, ou da cultura, oferecem explicações novas e<br />

persuasivas acerca de questões textuais e culturais. Teoria, nesse sentido, não é um<br />

conjunto de métodos para o estudo literário, mas um grupo ilimitado de textos sobre<br />

tudo o que existe sob o sol, dos problemas mais técnicos de filosofia acadêmica até os<br />

modos mutáveis nos quais se fala e se pensa sobre o corpo. O gênero da “<strong>teoria</strong>” inclui<br />

obras de antropologia, história da arte, cinema, estudo de gêneros, lingüística, filosofia,<br />

<strong>teoria</strong> política, psicanálise, estudos de ciência, história social e intelectual e sociologia.<br />

As obras em questão são ligadas a argumentos nessas áreas, mas tornam-se “<strong>teoria</strong>”<br />

porque suas visões ou argumentos foram sugestivos ou produtivos para pessoas que não<br />

estão estudando aquelas disciplinas. As obras que se tornam “<strong>teoria</strong>” oferecem<br />

explicações que outros podem usar sobre sentido, natureza e cultura, o funcionamento<br />

da psique, as relações entre experiência pública e privada e entre forças históricas mais<br />

amplas e experiência individual.


Se a <strong>teoria</strong> é definida por seus efeitos práticos, como aquilo que muda os pontos<br />

de vista das pessoas, as faz pensar de maneira diferente a respeito de seus objetos de<br />

estudo e de suas atividades de estuda-los, que tipo de efeitos são esses?<br />

O principal efeito da <strong>teoria</strong> é a discussão do “senso comum”: visões de senso<br />

comum sobre sentido, escrita, literatura, experiência. Por exemplo, a <strong>teoria</strong> questiona<br />

• a concepção de que o sentido de uma fala ou texto é o que o falante “tinha em mente”,<br />

• ou a idéia de que a escrita é uma expressão cuja verdade reside em outra parte, numa<br />

experiência ou num estado de coisas que ela expressa,<br />

• ou a noção de que a realidade é o que está “presente” num momento dado.<br />

A <strong>teoria</strong> é muitas vezes uma crítica belicosa de noções de senso comum; mais<br />

ainda, uma tentativa de mostrar que o que aceitamos sem discussão como “senso<br />

comum” é, de fato, uma construção histórica, uma <strong>teoria</strong> específica que passou a nos<br />

parecer tão natural que nem ao menos a vemos como uma <strong>teoria</strong>. Como crítica do senso<br />

comum e investigação de concepções alternativas, a <strong>teoria</strong> envolve um questionamento<br />

das premissas ou pressupostos mais básicos do estudo literário, a perturbação de<br />

qualquer coisa que pudesse ter sido aceita sem discussão: o que é sentido? O que é um<br />

autor? O que é ler? O que é o “eu” ou sujeito que escreve, lê ou age? Como os textos se<br />

relacionam com as circunstâncias em que são produzidos?<br />

O que é um exemplo de uma “<strong>teoria</strong>”? Ao invés de falar sobre a <strong>teoria</strong> em geral,<br />

vamos mergulhar direto em (...) textos difíceis (...) dos mais celebrados teóricos para ver<br />

se podemos entendê-los.” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma<br />

Introdução. Tradução de Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 11-14)<br />

Ler proposta de Jonathan Culler (op. cit.: 14-26) de dois casos<br />

relacionados, sobre <strong>teoria</strong>s contrastantes que envolvem críticas de<br />

idéias do senso comum sobre “sexo”, “escrita” e “experiência”: a<br />

<strong>teoria</strong> de A História da Sexualidade, de Michel Foucault, e a <strong>teoria</strong> de<br />

Confissões (livro escrito no século XVIII) de Jean-Jacques Rousseau,<br />

obra citada por Jacques Derrida (pós-estruturalista do século XX) em<br />

Of Grammatology, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976.<br />

“A <strong>teoria</strong> é intimidadora. Um dos traços mais desanimadores da <strong>teoria</strong><br />

hoje é que ela é infinita. Não é algo que você poderia algum dia dominar, nem<br />

um grupo específico de textos que poderia aprender de modo a “saber <strong>teoria</strong>”. É<br />

um corpus ilimitado de textos escritos que está sempre sendo aumentado à<br />

medida que os jovens e inquietos, em críticas das concepções condutoras de seus<br />

antepassados, promovem as contribuições à <strong>teoria</strong> de novos pensadores e<br />

redescobrem a obra de pensadores mais velhos e negligenciados. A <strong>teoria</strong> é,<br />

portanto, uma fonte de intimidação, um recurso para constantes roubos de cena:<br />

“O quê? Você não leu Lacan! Como pode falar sobre a lírica sem tratar da<br />

constituição especular do sujeito?” Ou “como pode escrever acerca do romance<br />

vitoriano sem usar a explicação que Foucault dá sobre o desenvolvimento da<br />

sexualidade e sobre a histerização dos corpos femininos e a demonstração que<br />

Gayatri Spivak faz do papel do colonianismo na construção do sujeito metropolitano?”<br />

Às vezes, a <strong>teoria</strong> se apresenta como uma sentença diabólica que condena você a<br />

leituras árduas em campos desconhecidos, onde mesmo a conclusão de uma tarefa trará


não uma pausa mas mais deveres difíceis. (“Spivak? Sim, mas você leu a crítica que<br />

Benita Parry faz de Spivak e a resposta dela?”)” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria<br />

Literária: Uma Introdução. Trad.: Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 23-24)<br />

Texto humorístico: “Você é um terrorista? Graças a Deus. Entendi Meg dizer<br />

que você é um teorista?” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária:<br />

Uma Introdução. Tradução de Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 24)<br />

“A impossibilidade de dominar a <strong>teoria</strong> é uma causa importante de<br />

resistência a ela. Não importa quão bem versado você possa pensar ser, não pode<br />

jamais ter certeza se “tem de ler” ou não Jean Baudrillard, Mikhail Bakhtin,<br />

Walter Benjamin, Hélène Cixous, C.L.R. James, Melanie Klein ou Júlia Kristeva,<br />

ou se pode ou não esquecê-los com segurança. (Dependerá, naturalmente, de<br />

quem “você” é e quem quer ser). Grande parte da hostilidade à <strong>teoria</strong>, sem dúvida,<br />

vem do fato de que admitir a importância da <strong>teoria</strong> é assumir um compromisso<br />

aberto, deixar a si mesmo numa posição em que há sempre coisas importantes que<br />

você não sabe. Mas essa é uma condição da própria vida.<br />

A <strong>teoria</strong> faz você desejar o domínio: você espera que a leitura teórica lhe dê<br />

os conceitos para organizar e entender os fenômenos que o preocupam. Mas a<br />

<strong>teoria</strong> torna o domínio impossível, não apenas porque há sempre mais para saber,<br />

mas, mais especificamente e mais dolorosamente, porque a <strong>teoria</strong> é ela própria o<br />

questionamento dos resultados presumidos e dos pressupostos sobre os quais eles<br />

se baseiam. A natureza da <strong>teoria</strong> é desfazer, através de uma constatação de<br />

premissas e postulados, aquilo que você pensou que sabia, de modo que os efeitos<br />

da <strong>teoria</strong> não são previsíveis. Você não se tornou senhor, mas tampouco está onde<br />

estava antes. Reflete sobre sua leitura de maneiras novas. Tem perguntas<br />

diferentes a fazer e uma percepção melhor das implicações das questões que<br />

coloca às obras que lê.<br />

Essa brevíssima introdução não o transformará num mestre da <strong>teoria</strong>, e não<br />

apenas porque ela é muito breve, mas porque esboçam linhas de pensamento e áreas de<br />

debate significativas, especialmente aquelas que dizem respeito à literatura. Ela<br />

apresenta exemplos de investigação teórica na esperança de que os leitores achem a<br />

<strong>teoria</strong> valiosa e cativante e aproveitem para experimentar os prazeres da reflexão.”<br />

(Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma Introdução. Tradução de Sandra<br />

Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 24-25)<br />

1.2 - ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO (CIÊNCIA ANALÍTICA X CIÊNCIA FENOMENOLÓGICA)<br />

“A formação de um conceito para a palavra especificidade, pelo ponto de vista<br />

cientificista, um conceito que diligencia analisar apenas as linhas do enunciado (ou seja,<br />

os aspectos visíveis do texto), determina ao analista ou intérprete da literatura um<br />

entendimento fechado, estático e formal. A literatura (literatura-arte) torna-se<br />

simplesmente um objeto, não possibilita desenvolver uma apreciação reflexiva que<br />

revele o lado oculto do texto, elimina-se a idéia de compreensão das camadas profundas<br />

(isto em relação apenas ao texto-arte) uma vez que o pesquisador se vê obrigado a<br />

analisar rigorosamente apenas as camadas expressivas do discurso literário.<br />

Pelo ponto de vista fenomenológico, observa-se o texto-arte como um<br />

fenômeno, em princípio, estático, como é visto pelos cientificistas rigorosos, mas, logo<br />

a seguir, tal fenômeno torna-se dinâmico, graças à compreensão e ao conhecimento do<br />

leitor, quando este empreende um estudo consciente das mensagens interlineares,


mensagens reveladoras, produtoras de novos conhecimentos, mensagens que estarão<br />

sempre e sempre se renovando, pois, com o passar do tempo, novos leitores estarão<br />

também em comunhão anímica com tais textos (textos-arte, que fique bem entendido),<br />

desenvolvendo renovados diálogos ao longo dos séculos (pelo menos, enquanto tais<br />

textos existirem)”.<br />

(Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, no prelo)<br />

FENÔMENO aquilo que se manifesta [o já manifestado<br />

(estático) e o que ainda está se manifestando (dinâmico)]<br />

1.3 - TEORIA: CIENTIFICISMO X TEORIA: FENOMENOLOGIA (EDUARDO PORTELLA)<br />

POSICIONAMENTO CRÍTICO CONTRA A CRÍTICA DE BASE CIENTIFICISTA EM<br />

RELAÇÃO AOS TEXTOS LITERÁRIOS CONSIDERADOS ARTE<br />

“A partir do instante em que o pensamento ocidental fez a sua opção<br />

declaradamente científica, as outras formas de conhecimento, apreensão ou<br />

manifestação do real, foram sendo progressivamente desvalorizadas. Compreende-se:<br />

uma história escrita à imagem e semelhança dos modelos científicos guarda, no seu<br />

incontido unidimensionalismo, uma profunda indiferença para com as demais figuras de<br />

verdade. Todo o empenho dessa civilização cientificizante se foi concentrando na tarefa<br />

de desenvolver e aperfeiçoar uma técnica ─ a técnica da transformação do mundo. E de<br />

tal modo esse programa se impôs, que a nova bíblia decorrente chegou a considerar<br />

irrealtudo o que não fosse passível de transformação. A arte, imediatamente, passou a<br />

ser a pátria da irrealidade. Mas enquanto perdurou e perdura o homem, ela sobreviveu e<br />

sobrevive. Através de uma vida constantemente ameaçada, mas sobrevive. Porque o seu<br />

lugar na estruturação da existência humana não é um lugar supletivo ou acidental. A<br />

arte é dimensão fundadora do homem”. (Conferir: PORTELLA, Eduardo. Fundamento<br />

da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974: 29-30)<br />

1.4 - POSICIONAMENTO CRÍTICO EM FAVOR DA FENOMENOLOGIA (E. PORTELLA)<br />

O DEVER DA CRÍTICA LITERÁRIA EM RELAÇÃO AO ESTUDO DA OBRA DE ARTE LITERÁRIA<br />

“Enquanto a ciência é, toda ela, uma redução à homogeneidade, a obra de arte se<br />

oferece como um conjunto heterogêneo. Mas heterogêneo precisamente pela força de<br />

atuação da linguagem; cujo desempenho fundamental consiste em promover<br />

permanentemente a abertura do sistema sígnico. E assim a crítica <strong>literária</strong> deve<br />

preservar a heterogeneidade para implicitar ou explicitar a verdade da obra. Deve<br />

crescer por dentro. O que somente será possível mediante a restauração da marca<br />

original do literário. O literário não é apenas discurso, porque dá origem ao discurso.<br />

Não fala; faz falar. É o pré-texto instaurando o entre-texto. Como penetrar nessa<br />

estrutura heterogênea? Não basta o conhecimento da estrutura específica de cada nível,<br />

da episteme de cada área. É imprescindível estar de posse de um saber integrado e<br />

integrador de toda a constelação elaborada pelo entre-texto. Perceber a dinâmica que<br />

alimenta as categorias fundadoras; estilo, individualidade, ambiente, forma, sons, todos<br />

os diferentes recursos da unificação da obra, já que toda essa complexa e matizada<br />

polivalia desemboca no único estuário unificador: a obra. A apreensão dessa<br />

disseminação terá de processar-se no interior da dialética deidentidade (linguagem, prétexto)<br />

e diferença (língua, texto)”. (Conferir: PORTELLA, Eduardo. Fundamento da<br />

Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974: 69-70)


1.5 - EXPLICAÇÃO DO TERMO CRÍTICA<br />

DEFINIÇÃO E OBJETIVO<br />

CRÍTICA (Etimologia):<br />

“O termo crítica deriva do grego KRÍNEIN, que significa “julgar”, através do<br />

feminino da forma latina CRITICU(M). KRITÉS significa “juiz” e KRITIKÓS, “juiz” ou<br />

“censor literário”.<br />

“A palavra crítica, ou qualquer de seus sinônimos, enriqueceu-se de sentido e<br />

tornou-se universalmente aceita como designativo de análise, interpretação e julgamento<br />

da obra de arte, ou de objetos paralelos (crítica da situação econômica, crítica do<br />

progresso científico, etc.), ou ainda indicativo dos modos de julgar (crítica histórica,<br />

crítica oral, crítica jurídica, etc.).<br />

Em razão da elasticidade semântica adquirida, a palavra também recorre no diaa-dia<br />

para emoldurar juízos ou opiniões a favor ou contra [designação errada].<br />

No curso do tempo, aos poucos o vocábulo crítica veio ganhando significados<br />

novos, até chegar à indeterminação semântica dos nossos dias (abarca atividades<br />

múltiplas e diferenciadas: desde artigos de jornal à tese universitária, passando pelas<br />

monografias, ensaios, artigos de revista, conferências, etc., tudo recebe indistintamente<br />

o apelativo de crítica. Como se não bastasse, aglutina-se a atividades vizinhas, numa<br />

inter-relação verdadeiramente labiríntica; a historiografia <strong>literária</strong>, que possui métodos e<br />

objetivos próprios, não dispensa o suporte da crítica; a análise <strong>literária</strong> conduz<br />

necessariamente à crítica e dela recolhe esclarecimentos, etc.).” (Conferir: MOISÉS,<br />

Massaud. A criação <strong>literária</strong>. 5. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1973: 289-290)<br />

1.6 - OBJETIVO DA CRÍTCA LITERÁRIA (visão cientificista)<br />

“Para a crítica <strong>literária</strong> o que interessa é averiguar os processos literários que o<br />

autor empregou para traduzir a sua visão de mundo”. (Massaud Moisés, Ibidem)<br />

1.7 - CRÍTICA LITERÁRIA E TEORIA LITERÁRIA<br />

A CRÍTICA COMO CONSCIÊNCIA DO FATO LITERÁRIO (Visão fenomenológica)<br />

“O conhecimento literário não pode prescindir de uma base teórica, que o<br />

sustente sem limitá-lo, que o livre dos “achismos”, sem confiná-lo numa única<br />

perspectiva.” (Conferir:<br />

FATO coisa ou ação feita;<br />

caso;<br />

acontecimento;<br />

feito;<br />

aquilo que realmente existe, que é real;<br />

FENÔMENO (Filosofia).<br />

TEORIA LITERÁRIA fornece elementos para a apreensão do<br />

FENÔMENO LITERÁRIO.<br />

A aprendizagem teórica não pode estar desvinculada do contato profundo e constante com o texto literário.<br />

A <strong>teoria</strong> nasce do texto e para ele se volta. O texto literário guarda a <strong>teoria</strong>, implícita ou explicitamente.<br />

TEORIA E CRÍTICA inter-relação teórico-analítica para o reconhecimento do texto literário.


LITERATURA caracteriza-se pela pluralidade de sentidos.<br />

TEORIA LITERÁRIA aberta às múltiplas dimensões do seu objeto<br />

de estudo (a Literatura).<br />

TEORIA LITERÁRIA caráter interdisciplinar e, ao mesmo tempo,<br />

independente.<br />

“A Teoria Literária assume um caráter interdisciplinar porque assimila os<br />

conhecimentos de ciências afins tais como a sociologia, a antropologia, a lingüística, a<br />

história, a psicanálise, todas voltadas igualmente para manifestações do ser e do fazer<br />

humanos. Este inter-relacionamento amplia e enriquece o estudo da Literatura. (...) A<br />

crítica, qualquer que seja a via de acesso escolhida (sociológica, psicológica,<br />

lingüística...), não pode descartar-se de sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá a<br />

um rigor, que lhe é garantido pelo método de abordagem e, enquanto <strong>literária</strong>, incluirá<br />

literariamente o sentido que, na literatura, ultrapassa o campo do conhecimento com o<br />

qual se articulou, na construção do modelo de leitura.” (Conferir: SOARES, Angélica<br />

Maria. “A Crítica”. In: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis:<br />

Vozes: 90-91)<br />

TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA<br />

1) TEORIA LITERÁRIA Disciplina de configuração autônoma (porém de caráter<br />

interdisciplinar).<br />

CRÍTICA *pratica concretamente o<br />

sistema de ensino de<br />

literatura<br />

TEORIA<br />

(NÚCLEO)<br />

MÉTODO * TEORIA suporte para ensinar<br />

literatura<br />

LIMITES DA TEORIA LITERÁRIA Teoria: Não pode desequilibrar as relações de<br />

poder das outras disciplinas <strong>literária</strong>s (limite<br />

que não pode ser violado).<br />

Limites: Impedem que a Teoria Literária se<br />

transforme numa disciplina dominadora e<br />

repressiva.<br />

2) ALARGAMENTO INTERDISCIPLINAR É uma natural conseqüência do seu<br />

progresso técnico.


METODOLOGIA ALTERNADA:<br />

*<br />

ANTROPOLOGIA TEXTO LITERÁRIO<br />

LINGÜÍSTICA<br />

PSICOLOGIA *Disciplinas aparentemente dissociadas<br />

DIREITO<br />

SOCIOLOGIA<br />

SEMIOLOGIA<br />

FILOSOFIA<br />

HERMENÊUTICA<br />

ANTROPOLOGIA<br />

ETC.<br />

* União para a DECIFRAÇÃO do enigma do homem.<br />

TEORIA LITERÁRIA<br />

(Ponto de vista de Eduardo Portella, na década de setenta – Livro de Portella: Teoria<br />

Literária, editora Tempo brasileiro)<br />

INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA = CRÍTICA LITERÁRIA<br />

1.8 - RETROSPECTIVA: A NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO<br />

“Há inúmeras correntes teórico-críticas formalizando idéias de como interagir<br />

com o texto literário; há formas teórico-críticas cientificistas de como recortar o texto,<br />

seja ele paraliterário ou texto-arte, e deter-se em um dos referentes, para investigá-lo,<br />

mas, subentendido, os outros dois sempre estarão presentes. É importante que os três<br />

referentes estejam sempre interligados, para que o leitor possa desenvolver uma análise<br />

consciente do que se encontra visível no objeto de sua investigação (ponto de vista<br />

cientificista). Mas, o entendimento e/ou reconhecimento das entrelinhas (o que se<br />

encontra invisível no texto-arte), desenvolvido por intermédio do CONHECIMENTO<br />

particular de cada leitor (ponto de vista fenomenológico), é algo que a investigação<br />

cientificista não poderá alcançar.”<br />

(Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, no prelo)<br />

TEXTO = HOMEM + REALIDADE + EXPRESSÃO<br />

TODO TEXTO É O RESULTADO DE UMA LEITURA<br />

LEITOR + TEXTO = relação objetiva e subjetiva.<br />

LEITURA = PRODUTIVIDADE (enquanto modalidade de relação radical do homem com a realidade)<br />

TEXTO = elaboração humana, trabalho<br />

TRABALHO = ação humana (pela qual o homem textualizando, significando o real se significa)


Por um lado:<br />

Esta elaboração humana só encontra sua plenitude na medida em que ao elaborar ele<br />

colabora (pressupõe o outro, socializa)<br />

TEXTO<br />

Ação =<br />

significativa<br />

TRABALHO<br />

ação humana: “o homem, textualizando, significando o real<br />

se significa”.<br />

ação humana: “ao elaborar (o texto como trabalho) o<br />

homem co-labora (pressupõe o outro, socializa-se)<br />

LEITURA<br />

“supõe colaboração, porque o texto não se lê, o instrumento não se lê”;<br />

“pressupõe o outro”;<br />

“pressupõe colaboração”.<br />

Por outro lado:<br />

Tal noção evidencia que o texto não se limita ao escrito, implicando sobretudo o oral.<br />

Uma fotografia, uma estátua, um instrumento, etc., é um texto / expressa uma relação do<br />

homem com o real.<br />

Entre tantas modalidades de texto, quando um texto é especificamente literário?<br />

UNIDADE II<br />

(LITERÁRIO AQUI = LITERATURA-ARTE)<br />

TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA: CARACTERES (CARÁTERES) INTERDISCIPLINARES<br />

2.1 - O ATUAL CARÁTER INTERDISCIPLINAR DA TEORIA LITERÁRIA<br />

“A Teoria Literária assume um caráter interdisciplinar porque assimila os<br />

conhecimentos de ciências afins tais como a sociologia, a antropologia, a lingüística, a<br />

história, a psicanálise, todas voltadas igualmente para manifestações do ser e do fazer<br />

humanos. Este inter-relacionamento amplia e enriquece o estudo da Literatura. (...) A<br />

crítica, qualquer que seja a via de acesso escolhida (sociológica, psicológica,<br />

lingüística...), não pode descartar-se de sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá a<br />

um rigor, que lhe é garantido pelo método de abordagem e, enquanto <strong>literária</strong>, incluirá<br />

literariamente o sentido que, na literatura, ultrapassa o campo do conhecimento com o<br />

qual se articulou, na construção do modelo de leitura”. (Conferir: SOARES, Angélica<br />

Maria. “A Crítica”. In.: SAMUEL, R. (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis:<br />

Vozes, 1999: 90-91)


2.2 - CRÍTICA DE EDUARDO PORTELLA SOBRE AS TERMINOLOGIAS TEORIA DA<br />

LITERATURA E TEORIA LITERÁRIA<br />

“O estudo moderno da literatura fez emergir, e potencializou progressivamente,<br />

uma disciplina portadora de movimentada biografia, ou de honrosa ascendência, a que<br />

se vem chamando indiscriminadamente de Teoria Literária ou Teoria da Literatura.<br />

Trata-se de disciplina estruturalmente ambígua, irresistivelmente interdisciplinar, ao<br />

mesmo tempo autônoma e supletiva.<br />

Preferimos a primeira opção terminológica porque, se Teoria da Literatura diz<br />

nominalmente todo e qualquer conceito que se dirige ou se aplica ao texto poético,<br />

Teoria Literária é antes uma modalidade reflexiva que surge ou se instala a partir do<br />

literário.<br />

Essa pequena controvérsia terminológica seria irrelevante se não escondesse ou<br />

abrigasse um entendimento da própria matéria. A interdisciplinariedade (sic) referida foi<br />

se ampliando de tal maneira que se transformou numa interdisciplinariedade,<br />

estabelecendo estranho contraponto onde se observa de um lado a orgia teórica e do<br />

outro a insensibilidade <strong>literária</strong>. O novo saber começou correndo o risco de se converter<br />

num departamento menor de instituições maiores, especialmente da Lingüística, da<br />

Antropologia e da Psicologia. E a ânsia de objetividade incrustada no modelo cultural<br />

da nossa era estimulou e promoveu essas conexões aprisionadoras. Do mesmo modo, e<br />

como conseqüência, tiveram de processar a condenação da Estética. Mas a demissão da<br />

Estética se apresentava por meio de raciocínios simplificados que, ao contrário de<br />

mostrar os sinais do cadáver apodrecido, deixava aparecer um corpo pleno de vida e<br />

múltiplas vibrações. Aquela Estética proclamada morta talvez só tenha existido na<br />

decodificação insuficiente de leitores desinformados.<br />

A arte permanece como uma modalidade do real. E o processo diferenciante<br />

passa a ter sentido se admitimos que nem toda realidade é arte. Descrever a diferença da<br />

arte na identidade do real, faz parte ou indica uma problemática que escapa à visão<br />

míope da funcionalidade. É justamente em meio a essa tensão infindável que o entretexto<br />

proclama a sua autonomia. Entre-textualizar quer dizer autonomizar”. (Conferir:<br />

PORTELLA, Eduardo. Fundamento da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo<br />

Brasileiro, 1974: 151 - 152)<br />

“Tenho uma tendência pouco freqüente a celebrar a especialização. Houve época<br />

em que cheguei a celebrar a especialização, porque imaginava que se as disciplinas se<br />

verticalizassem, se salvariam. Progressivamente, porém, fui percebendo que as<br />

disciplinas se fechavam em guetos, que com isso mesmo elas não perceberam que o<br />

saber dispõe de uma estrutura plural, que era fundamental estabelecer alianças,<br />

parcerias, modalidades de cooperação pluridisciplinar para que elas pudessem ressurgir.<br />

Então, neste caso específico, a interdisciplinaridade não constitui um espaço de abrigo,<br />

de proteção, mas uma base de lançamento: é por ali que os conhecimentos em crise<br />

circularão. Os conhecimentos que precisam de novas alianças para se reerguerem se<br />

encontrarão.<br />

A transdisciplinaridade, contudo, só desponta no cenário intelectual a partir de<br />

um determinado período ao longo de 30 anos, os 30 anos de 1968. Inicialmente, até<br />

1968, houve o império da análise estilística nos estudos literários. A análise estilística já<br />

foi vanguarda.já tinha sido pouco antes a “nova crítica” e, com a chegada de 1968,<br />

irrompeu uma espécie de desconstruçionismo ambicioso, que invadiu as margens<br />

dediferentes áreas do conhecimento. Ele invadiu também a área do saber literário e, com<br />

isso, prestou alguns serviços, ao desmontar alguns sistemas altamente instalados.<br />

Instalados de maneira inflexível, como se não houvesse lugar para certas


permeabilidades, coabitações, regimes de convivência. Com a descontração, geramos<br />

alguns paradigmas desconstrucionistas. Esses paradigmas tiveram um papel<br />

fundamental, na medida em que contribuíram para desestabilizar um conjunto de<br />

princípios rigidamente constituídos. A chegada, portanto, desse esforço de<br />

desconstrução teve um papel essencial ─ o de abalar nossas certezas.<br />

Todos sabem que nós vivemos, em alguns instantes quase dramaticamente, esse<br />

tipo de transformação. Mas, de qualquer maneira, absorvemos com serenidade a<br />

avalanche do desconstrucionismo e, ao mesmo tempo, fomos capazes de procurar saídas<br />

para o impasse que ele gerou. Porque após duas, três gerações, não se pode mais viver<br />

só de desconstruir. Me parece que hoje, 30 anos depois, nós já podemos dizer basta à<br />

desconstrução. Ela desempenhou um papel histórico fundamental, ela contribuiu<br />

inegavelmente para alterar certo regime de propriedade intelectual. Mas, já precisamos,<br />

nesse final de milênio, nesse final de reconstrução de uma história perplexa, e de uma<br />

história seguramente incerta, nós precisamos rever este conjunto de princípios que<br />

fizeram a glória da desconstrução.<br />

Nesse (Naquele) período de domínio total da desconstrução, um grupo de<br />

pessoas tentou fazer uma leitura hermenêutica da literatura. Essa leitura não tinha a<br />

menor aceitação no quadro de trabalho então vigente. Era considerada uma inutilidade,<br />

ou uma aberração, ou uma imprudência teórica, ou as três coisas simultaneamente.<br />

Porque essa nova modalidade de interpretação significava uma espécie de núcleo de<br />

resistência a essa voracidade formalizadora. Era o período em que a lingüística<br />

modelizava para todas as outras disciplinas.<br />

Lembro-me que a sociologia se amparou enormemente na lingüística. Que<br />

disciplinas complexas, como a neurologia ou como a própria filosofia, em certos<br />

instantes, começaram a modelizar em função dos parâmetros científicos dispostos pela<br />

lingüística. O momento era residualmente de combate ao impressionismo e aquelas<br />

possibilidades de formalização eram extremamente bem-sucedidas e bem recebidas.<br />

Evidentemente, neste quadro de predominância dos modelos formalizantes,<br />

representados sobretudo pelo estruturalismo, aliado, mais do que aliado, da lingüística, a<br />

proposta hermenêutica era considerada de pouca cientificidade, de capacidade reduzida<br />

para dar conta de uma relação mais objetiva com o texto.” (Conferir: PORTELLA,<br />

Eduardo. “Os Paradigmas do Silêncio”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização e<br />

Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999: 11-13)<br />

“A partir do esforço de verticalização, quando a consciência crítica da literatura<br />

assumiu o comando dos estudos literários, deixando de lado o palpite emocionado mas<br />

ingênuo, a investigação <strong>literária</strong> registrou algumas atitudes básicas, importantes.<br />

A primeira tomada de posição aconteceu com a chamada NOVA CRÍTICA, que<br />

abrigava vários tipos de análise <strong>literária</strong>, desde a análise estilística alemã ou espanhola<br />

até o new criticism anglo-americano.<br />

A segunda opção crítica [filológica], embora podendo ser enlaçada com a<br />

primeira, identifica-se por um rigor sistemático e por uma amplitude de visão, que<br />

justifica plenamente o tratamento autônomo (isto, quando exercida por representantes<br />

da força criadora de um Leo Spitizer, de um Erich Auerbach, de um Damaso Alonso, de<br />

um Hugo Friedrich).<br />

O terceiro momento tem na Lingüística o seu modelo e o seu padrão de<br />

verdade.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo. “Limites Ilimitados da Teoria Literária”. In.:<br />

PORTELLA, Eduardo (org.). Teoria Literária. R. J.: Tempo Brasileiro, 1977: 9)


2.3 - CRÍTICA E HISTÓRIA LITERÁRIA<br />

“Crítica e História Literária são encaradas atualmente de muitas perspectivas.<br />

Em meio aos múltiplos ensaios e posições teóricas torna-se cada vez mais difícil abrir<br />

um caminho de apreensão e compreensão mínima, não só do objeto como das próprias<br />

metodologias. É que, a par das múltiplas pesquisas de que resulta uma bibliografia<br />

numerosa, muitas vezes de difícil acesso, elabora-se uma nomenclatura especialíssima.<br />

Sucede então que em vez de aquelas esclarecerem cada vez mais o objeto pesquisado,<br />

tem-se um resultado inverso. Acresce que a mudança constante deixa o leitor<br />

interessado – o qual procura um acesso a tal conhecimento, confuso e desanimado. De<br />

fato, nem sempre isto é inevitável, porque o conhecimento do literário se constitui cada<br />

vez mais crítica e reflexivamente.” (Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de. “Crítica e<br />

História Literária”. In.: PORTELLA, Eduardo (Org.) Teoria Literária. Rio de Janeiro:<br />

Tempo Brasileiro, 1975:19)<br />

HISTÓRIA LITERÁRIA SUPÕE UM ENFOQUE TEÓRICO-CRÍTICO.<br />

*A posição crítica resulta de uma teorização do que seja determinado objeto.<br />

*A <strong>teoria</strong> <strong>literária</strong>, ao teorizar sobre o objeto (obra <strong>literária</strong>), automaticamente institui<br />

um método, decorrente da própria <strong>teoria</strong> e do objeto de enfoque.<br />

TEORIA OBJETO<br />

MÉTODO<br />

MÉTODO caminho para<br />

REALIZAÇÃO METODOLÓGICA (se pode dar em forma de):<br />

*proposições (teorizações);<br />

*forma prática (ensaios, história <strong>literária</strong>)<br />

Partindo do princípio de que não há prática sem <strong>teoria</strong>, “acontece muitas vezes que a<br />

prática é uma <strong>teoria</strong> que se desconhece. Temos assim, inevitavelmente, um primeiro<br />

nível de relacionamento entre Crítica e História Literária.”(Conf.: CASTRO, op.cit.: 19)<br />

2.4 - CRÍTICA E SOCIEDADE<br />

DICIONÁRIO:<br />

CRÍTICA<br />

Faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de<br />

caráter literário ou artístico;<br />

A expressão da crítica, em geral por escrito, sob forma de análise, comentário<br />

ou apreciação teórica e/ou estética;<br />

Discussão dos fatos históricos;<br />

O conjunto daqueles que exercem a crítica; os críticos;<br />

Juízo crítico; discernimento; critério;<br />

Apreciação minuciosa, julgamento;<br />

SOCIEDADE<br />

Agrupamento de seres que vivem em estado gregário (sociedade humana;<br />

sociedade de abelhas; etc.);


Conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e espaço, seguindo<br />

normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo; CORPO<br />

SOCIAL (a sociedade medieval; a sociedade moderna; etc.);<br />

Grupo de indivíduos que vivem por vontade própria sob normas comuns;<br />

COMUNIDADE (sociedade cristã; sociedade dos hippies);<br />

Meio humano em que o indivíduo se encontra integrado (A sociedade<br />

constitui-se de classes de diferentes níveis);<br />

Relação entre pessoas; vida em grupo; participação; convivência;<br />

comunicação (O homem precisa da sociedade dos seus semelhantes);<br />

Reunião de indivíduos que mantêm relações sociais e mundanas (os prazeres<br />

da sociedade; homem de sociedade);<br />

Grupo de pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma<br />

atividade comum ou defender interesses comuns (agremiação; centro; grêmio;<br />

associação [Sociedade brasileira de autores teatrais; Sociedade protetora dos animais,<br />

etc.] );<br />

Companhia de pessoas que se agrupam em instituições ou ordens religiosas;<br />

Parceria; associação;<br />

Etc.<br />

2.5 - O PERCURSO HISTÓRICO DA CRÍTICA LITERÁRIA<br />

• As primeiras manifestações no final do século XIX: Crítica Biográfica<br />

(Romantismo); Crítica Impressionista (Impressionismo) e Crítica Determinista<br />

(Realismo/Naturalismo): “O século XIX tem uma especial importância, pois é<br />

quando nascem as principais idéias e ciências que vão formar o século XX. No<br />

século XIX aparecem Hegel e Marx, o positivismo e o evolucionismo. A razão, a<br />

racionalidade desta época atinge o máximo de seu apogeu com o capitalismo<br />

europeu. (...) O século XIX assiste ao nascimento de um conflito teórico prático até<br />

agora não superado, e modificou o velho mundo: as idéias liberais e neoliberais<br />

democráticas da burguesia ocidental predominaram. Correntes filosóficas<br />

fundamentavam dois tipos de <strong>teoria</strong> <strong>literária</strong>, dois modos de ler o texto, um<br />

tradicional e o outro prospectivo, que tinha os olhos no futuro, nas transformações<br />

sociais.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis:<br />

Vozes, 2002: 61-62);<br />

“Século XIX no Brasil. No Brasil havia um ambiente de estagnação intelectual,<br />

salvo pelo gênio de uns poucos críticos extraordinariamente ativos, como Tobias<br />

Barreto (1839-1889), que superava a sua época. Tobias Barreto revolucionava e<br />

escreveu grandes obras – hoje desconhecidas. // O meio cultural do Brasil persistia<br />

reacionário, não aceitando nada que exigisse algum esforço de compreensão ou que<br />

lhe mudasse o gosto, a idéia.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria<br />

Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 73);<br />

• O Formalismo Russo (Círculo Lingüístico de Moscou, 1914): “Caracterizando-se<br />

pela recusa aos elementos extratextuais, como fonte de explicação da obra <strong>literária</strong>,<br />

através de seu método descritivo e morfológico (Eikhenbaun), os formalistas vão<br />

procurar distinguir, no próprio texto, as características que o tornam literário, a sua<br />

literariedade. Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel<br />

(Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 95);<br />

“A primeira notícia que se dá sobre o Formalismo Russo diz que nasceu no Círculo<br />

Lingüístico de Moscou (1914-1915) e durou até 1924-25, quando o patrulhamento<br />

ideológico bruscamente interrompeu suas pesquisas, não sem o fuzilamento de


alguém, como o do lingüísta Polivanov. Nessa época foi fundada a Associação para<br />

o estudo da linguagem poética, chamada de Opaiaz, que também não escapou ao<br />

início do stalinismo. Não era para estranhar: o chefe do formalismo, Chklovski,<br />

atacava o marxismo. (...) // Os que deixaram trabalhos pioneiros foram Chklovski,<br />

Eikhenbaurn, Jakobson e Tinjanov. A grafia destes nomes varia muito, e a<br />

pronúncia geralmente se desconhece: Jakobson disse que seu nome se dizia<br />

/Jacobêu/. (...) // A literatura, entretanto, é explicada no formalismo como uma<br />

função da linguagem, a função poética: que dá ênfase à própria mensagem (uma<br />

contradição, já que se omitia o estudo da mensagem).” (Conferir: SAMUEL, Rogel.<br />

Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 78-79);<br />

• Opoiaz (Associação Para o Estudo da Linguagem Poética, 1917): “Um movimento<br />

de crítica <strong>literária</strong>, estreitamente ligado aos movimentos artísticos de vanguarda” e<br />

ao Formalismo Russo. (Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In.:<br />

SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 95);<br />

• A Dialética Hegeliana: A Fenomenologia do Espírito de Hegel é um texto que só<br />

deve ser compreendido na integralidade de seu método (o sistema é um todo, ou “o<br />

verdadeiro é o todo”*, dizia ele), em que um fato gerador é racionalmente verificado<br />

como matriz de uma determinada forma de pensar o mundo, e qulquer parte se torna<br />

obscura se não for vista como parte dele. O sistema da ciência – como diz Hegel,<br />

denominaria a atividade filosófica – tem unidade interna que tudo sistematiza, e<br />

quem se propõe a pensar sem sistema, não faz ciência, apenas emite opiniões e<br />

convicções, como na cultura de massa, opiniões que só se justificariam dentro de um<br />

conteúdo sistemático que tem um princípio, ou seja, aquilo que determina tudo o<br />

mais na construção da grade lógica. O sistema hegeliano, tal como se apresenta na<br />

Fenomenologia, é um círculo que se fecha sobre uma totalidade, mas se abre à<br />

contingência, ao não-necessário; e também se abre à liberdade, à revolução, pois é<br />

filho da Revolução Francesa, e Hegel foi o primeiro a submeter a dialética da<br />

filosofia à História. Além disso, a liberdade em Hegel significa poder ser, e tal<br />

sistema deve conter em si uma capacidade, na medida em que nele sejamos<br />

conduzidos a ver que nós produzimos o saber ou, dito de outro modo, na medida em<br />

que descubramos que a realidade é produzida por nós mesmos, como na Democracia<br />

Representativa.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.<br />

Petrópolis: Vozes, 2002: 63-64). *NOTA DE ROGEL SAMUEL: HEGEL.<br />

Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, p. 31. Tradução de Paulo Meneses.<br />

• Estilística: um ramo da Ciência da Linguagem (apogeu: anos 30/40): “Charles<br />

Bally (!865-1947), discípulo de Saussure,foi quem primeiramente colocou a<br />

estilística como ramo da ciência da linguagem. Ele propõe uma estilística<br />

fundamentalmente lingüística, ainda não voltada para os aspectos da função estética<br />

da língua <strong>literária</strong>”. (Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In: SAMUEL,<br />

Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 98-99).<br />

• Nietzsche e a Crítica dos Valores: “A crítica (toda a filosofia de Nietzsche é<br />

crítica) determina conceitos de valor, noção de valor que implica num certo<br />

investimento crítico contra: 1) de um lado, os valores aparecem como princípios<br />

pressupostos (existindo como tais); 2) de outro lado, ao contrário, contra valores de<br />

que derivam avaliações, “pontos de vista de apreciação”, de onde esates valores<br />

derivam (são fenômenos criados). Estas avaliações não são valores, mas maneiras de<br />

ser, modos de vida daqueles que julgam, avaliam e criam seus próprios princípios<br />

sobre os quais são construídos os valores (a democracia, o socialismo). / A filosofia<br />

crítica de Nietzsche* tem dois movimentos inseparáveis: todas as coisas e todas as


origens de qualquer valor se referem a valores, para depois referir estes valores a<br />

outra coisa que seja a origem (dos valores) e que decida o valor (dos valores), como<br />

o “bem” e o “mal”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.<br />

Petrópolis: Vozes, 2002: 70);<br />

(* NOTA DE ROGEL SAMUEL: DELEUZE, Gilles. Nietzsche et la philosophie.<br />

Paris: PUF, 1983, 282 p.)<br />

• O New Criticism norte-americano dos anos quarenta do século XX: “Na década<br />

de 30 surgiu, nos Estados Unidos, o New Criticism (Nova Crítica) / O new criticism<br />

acabou com a crítica que se publicava nos jornais, acusada de impressionista, de<br />

não-científica. Passou a ser exercida unicamente pelos professores universitários,<br />

que só deviam ver os elementos “intrínsecos”, formais, sendo abolidas as<br />

verificações “extrínsecas”, históricas e sociológicas. // Os próprios escritores<br />

tiveram máxima influência naquele momento, dentre eles Paul Valéry, Ezra Pound,<br />

Henry James, T. S. Eliot. / Acreditava-se que a crítica podia ser produto da<br />

experiência. Eliot dizia: “A crítica honesta e a sensibilidade <strong>literária</strong> não se<br />

interessam pelo poeta, e sim pela poesia”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo<br />

Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 81);<br />

“A nova crítica se propõe a romper com a hermenêutica (interpretação de texto),<br />

com a ontologia (estudo metafísico ou do ser), com a filologia (interpretação a partir<br />

de figuras de linguagem previamente dadas) e com a leitura de texto que empresta a<br />

este a noção de “intenção do autor” ou se rege pelo perfil biográfico do mesmo.<br />

Dentro de uma noção de autonomia do texto estético, a nova crítica propõe para o<br />

texto poético uma “leitura microscópica” (close reading), isto é, imanente do texto<br />

literário, com uma análise a partir do significado do próprio texto, e não de um<br />

contexto histórico, biográfico ou externo a ele, como seria o caso também de uma<br />

leitura de fontes. A obra é o próprio testemunho do autor. / O crítico busca portanto<br />

os significados denotativos e conotativos das palavras, ambigüidades tensões de<br />

vocábulos e sintagmas, imagens, metáforas e símbolos dominantes ou recorrentes,<br />

processos retóricos na composição de cada gênero a partir do enredo, personagens,<br />

atmosfera, temas principais e secundários. Na “leitura microscópica” o crítico se<br />

aproxima do texto com objetividade e precisão, como um anatomista que estuda o<br />

tecido ao microscópio, embora sem esquecer do aspecto humano da obra. A ênfase<br />

está no objeto analisado, a obra, e não no sujeito que a analisa, ou mesmo nas<br />

origens e efeitos daquela. (...) / O objetivo da nova crítica é aproximar o crítico do<br />

texto poético e afastá-lo da interpretação ontológica ou hermenêutica, que especula<br />

sobre a essência, ou da interpretação sociológica ou histórica, que extrapola os<br />

limites do texto.” (Conferir: LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.).<br />

Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 102-104);<br />

• A Nova Crítica Americana no cenário cultural brasileiro dos anos 50/60 do<br />

século XX: “As proposições teóricas da Nova Crítica foram introduzidas no Brasil<br />

por Afrânio Coutinho. Sua atividade infatigável, de um verdadeiro profissional das<br />

Letras e não um mero diletante, provocou uma renovação dos estudos críticos<br />

literários e abriu-lhe novos rumos. Entre os numerosos escritos destaca-se A<br />

literatura no Brasil, onde pôs em prática os princípios da Nova Crítica.”. (Conferir:<br />

CASTRO, Manuel Antônio de. “Crítica e História Literária.”. In: PORTELLA,<br />

Eduardo (Org.) Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975:31);<br />

• E Estruturalismo: Reunião de pesquisas analítico-cientificistas (anos 50/60 do<br />

século XX - Modelos de Análise; Gramática Geral da Narrativa): “Trazendo a<br />

herança do Formalismo Russo e recebendo a influência do grande desenvolvimento


que tiveram os estudos lingüísticos, com a publicação póstuma do Cours de<br />

linguístique générale (1916) do genebrino Ferdinand de Saussure (no qual Bally e<br />

Sechehaye reuniam anotações de aula de três cursos do mestre), aparecem, sob o<br />

rótulo do estruturalismo, pesquisas diversas sobre a análise do texto literário, toas<br />

elas guiadas pelo reconhecimento da obra como uma estrutura, isto é, um sistema de<br />

relações, um todo formado de elementos solidários, tais que cada um depende dos<br />

outros e não pode ser o que é, senão devido à relação que têm uns com os outros.<br />

Cada elemento teria uma maneira de ser funcional, determinada pela organização do<br />

conjunto e, conseqüentemente, pelas leis que a regiam. Apreendendo-se o texto<br />

literário como estrutura verbal, essas leis eram buscadas na lingüística e, a partir<br />

delas, criaram os estruralistas, desde os primeiros trabalhos de Roland Barthes<br />

(1915-1980) ou de Tzvetan Todorov, modelos de análise que conduziam a uma<br />

possível gramática geral da narrativa”. (Conferir: LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.:<br />

SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 104-<br />

105);<br />

• Sociologia da Literatura: “Lukács estuda a forma romanesca caracterizando a<br />

existência de um herói problemático, isto é, o romance seria a história de uma<br />

investigação degradada (ou demoníaca), pesquisa de valores autênticos num mundo<br />

inautêntico (degradado). E se caracterizaria pela ruptura insuperável entre este herói<br />

e o mundo, quando se dariam duas degradações: a do herói e a do mundo.”<br />

(Conferir: SAMUEL, Rogel. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de<br />

Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 108-109);<br />

• Semiologia da Literatura: “A Semiologia (também chamada num sentido<br />

filosófico, semiótica) é a ciência dos signos. Seu criador foi C. S. Peirce (1839-<br />

1914), que definiu o signo como um primeiro que mantém com um segundo,<br />

chamado objeto, uma relação triádica capaz de determinar um terceiro, o<br />

interpretante do sentido do signo. Ou seja, um signo se traduz por outro signo, no<br />

qual se desenvolve. / O interpretante do signo na mente das pessoas se forma<br />

quando elas se encontram em relação de comunicação com aquilo que representa<br />

alguma coisa para alguém. / A semiologia estuda os meios de comunicação, que<br />

podem ser: 1) vocal: ações envolvidas na fala; 2) não-vocal: comunicações que não<br />

se utilizam da fala como o gesto, o sinal com o dedo; 3) verbal: comunicações que<br />

não usam a língua codificada. Há comunicações vocal-verbais, como as palavras;<br />

vocal não-verbal, como a entonação, a ênfase; não-vocal verbal, as palavras escritas;<br />

não-vocal, não-verbal, como os elementos faciais, os gestos. / Pearce fez a distinção<br />

de ícone, índice e símbolo. O ícone retrata o objeto, um signo determinado por seu<br />

objeto através da natureza interna dos dois. Por exemplo, uma onomatopéia ou<br />

fotografia. O ícone imita o objeto, tem pelo menos um traço em comum com ele,<br />

como as caricaturas. / O índice tem uma relação real, causal, direta com seu objeto,<br />

aponta para o objeto, assinala-o É o signo determinado pelo objeto em virtude de<br />

uma relação real que com ele mantém. Por exemplo, a fumaça índice do fogo. / O<br />

símbolo não imita nem indica nada, mas o representa de maneira arbitrária. É um<br />

elemento determinado pelo seu objeto convencionalmente, como uma bandeira ou<br />

um nome de batismo. / O ícone imita de fora: a fotografia. O índice tem uma relação<br />

real e contínua com o objeto: a fumaça em relação ao fogo. O símbolo não tem<br />

nenhuma relação com o simbolizado. Mas o signo marca sempre a intenção de<br />

comunicar um sentido. Chama-se significação esta relação entre significante e<br />

significado. Quando um significante se refere ou sugere vários significados há


literariedade.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.<br />

Petrópolis: Vozes, 2002: 84-85);<br />

• Hermenêutica Antiga (religiosa) X Hermenêutica Literária (profana): “O termo<br />

“hermenêutica” tem origem em Hermes, divindade-intérprete a quem era confiada a<br />

transmissão das mensagens do destino dos mortais. E, como atividade de<br />

interpretação, da hermenêutica podemos traçar um longo caminho que vem desde a<br />

época clássica ateniense até os nossos dias. Nosso propósito, no entanto, é aqui<br />

apresentar algumas de suas características atuais, com relação à crítica <strong>literária</strong>.<br />

Colocando-se em oposição a uma postura epistemológica, a hermenêutica substitui a<br />

tarefa analítico-descritiva por um trabalho de interpretação, que parte do texto e se<br />

encaminha para uma reflexão sobre a ess~encia humana.<br />

Alicerçando-se filosoficamente, os postulados dessa proposta de compreensão<br />

existencial da obra <strong>literária</strong> estão hoje ligados, sobretudo, à conceituação de história<br />

de Wilhelm Dilthey, à ontologia [ontologia = Filosofia que trata do ser enquanto<br />

ser, isto é, ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e<br />

a cada um dos seres] de Martin Heidegger e à hermenêutica filosófica de Hans-<br />

Georg Gadamer. (...).<br />

Eduardo Portella esclarece, em seu Fundamento da Investigação Literária, que<br />

para além da estrutura pronta, do sistema de signos, do texto, constitui-se a literatura<br />

por uma força de criação da linguagem, energia geradora do texto, que, estando por<br />

trás dele e mantendo-se em permanente tensão com ele, faz com que seu sentido<br />

penetre no não-dito, pelo pré-texto. O texto poético seria sempre, portanto, um<br />

entretexto, uma entidade dinâmica resultante da tensão texto/pré-texto. E caberia ao<br />

intérprete apreender a literatura enquanto processo de entretextualização, através de<br />

um modelo aberto e transmanente, construído com consciência de que o sentido da<br />

obra não se esgota numa perspectiva, pois que a imagem poética é, a todo o tempo,<br />

uma coisa nova, nos dirigindo para possibilidades ilimitadas.<br />

Emmanuel Carneiro Leão, em vários ensaios do seu Aprendendo a pensar, remetenos<br />

para a necessidade de uma crítica que se exerça literariamente, para que mais se<br />

aproxime do processo de constituição da obra. (...)<br />

A razão hermenêutica seria, portanto, conscientemente inconclusa e antiimpositiva,<br />

mantendo, muitas vezes, a pergunta como única resposta possível, deixando, tantas<br />

vezes, que o poema fale, ao invés de falar por ele, pois a imagem poética, como<br />

lembrou Otávio Paz, não pode ser explicada com outras palavras, senão pelas da<br />

própria imagem, que, enquanto imagem, já deixaram de ser simplesmente palavras.<br />

A imagem, segundo o crítico mexicano, nos convidaria sempre a recriá-la, a revivêla:<br />

proposta que nos parece muito tem a ver com a da leitura poética.” (Conferir:<br />

LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria<br />

Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 117-119);<br />

“De acordo com Ricoer e Gadamer, a hermenêutica vê os textos como expressões da<br />

vida social fixadas na escrita, através de fatos psíquicos, de encadeamentos<br />

históricos. Sua interpretação consiste, então, em decifrar o sentido oculto no<br />

aparente e desdobrar os diversos graus de interpretação ali implicados.<br />

Só há interpretação quando houver ambigüidade, e é na interpretação que a<br />

pluralidade de sentidos se torna manifesta.


Na realidade, a hermenêutica é a compreensão de si mediante a compreensão do<br />

outro: o máximo de interpretação se dá quando o leitor compreende a si mesmo,<br />

interpretando o texto.<br />

• A tática da interpretação aparece sempre que há ambigüidade, mas compreender não<br />

significa a repetição do conhecer. A hermenêutica postula uma superação: ela se<br />

quer uma <strong>teoria</strong> e uma arte, fazendo da leitura uma nova criação; e dela se exige<br />

uma reflexão que leve à ação.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria<br />

Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 86);<br />

• A Crítica Filosófica de Gaston Bachelard: Gaston Bachelard (1884-1962) se<br />

caracteriza pelo trabalho dedicado à pesquisa da epistemologia. Seus trabalhos sobre<br />

a imaginação revolucionaram o campo da crítica <strong>literária</strong> francesa e deram origem,<br />

durante os anos 50, aos estudos das imagens, ou à crítica temática. Bachelard<br />

trabalha com as imagens da terra, água, ar e fogo como contexto metodológico para<br />

a sua pesquisa da imaginação. Nesses quatro elementos tradicionais considerou os<br />

componentes principais de todo o universo imaginativo. Sua meta era estudar a<br />

imaginação como forma de consciência, conceito que pareceu indispensável a ele<br />

para que estudasse a criação poética. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de<br />

Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 89-90);<br />

• Conceitos psicanalíticos na elucidação de textos literários do século XX<br />

(Psicocrítica): “É grande a apropriação da psicanálise pela recente <strong>teoria</strong> <strong>literária</strong>,<br />

especialmente com respeito ao trabalho de Freud e Lacan. Em particular foi usado o<br />

método da <strong>teoria</strong> da subjetividade para colocar a questão do falar, escrever e ler em<br />

relação aos sistemas simbólicos e às representações inconscientes. Estudou-se,<br />

também, assim, a função da fantasia e do desejo no texto literário. (Conferir:<br />

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 91-92);<br />

• Crítica Marxista e Neomarxista: “Nos anos 70 os intelectuais romperam ao<br />

mesmo tempo com o capitalismo e com o comunismo do regime de Stalin.<br />

Desenvolveram-se novas tradições esquerdistas e marxistas até então reprimidas,<br />

principalmente na Inglaterra, como correntes alternativas do marxismo<br />

revolucionário ligado à política de massas luxemburguista, trotskista, maoísta.<br />

Simultaneamente, os vários legados do marxismo ocidental, nascido de Lukács,<br />

Korsch e Gramsci, tornaram-se importantes, sob a influência do marxismo de Sartre,<br />

Lefèbvre, Adorno, Marcuse, Della Volpe, Colletti, Althusser e outros. (...)<br />

A crítica marxista é baseada na <strong>teoria</strong> histórica, econômica e sociológica de Karl<br />

Marx e Friedrich Engels. De acordo com o Marxismo, a consciência de uma<br />

determinada classe em um determinado momento histórico deriva do modo de<br />

produção material. O jogo de convicções, valores, atitudes e idéias, que constituem a<br />

consciência de classe, forma uma superestrutura ideológica, e esta superestrutura<br />

ideológica é amoldada e determinada pela infra-estrutura material ou base<br />

econômica. Conseqüentemente, o termo marxismo vê o produto de forças históricas<br />

e uma relação dialética entre trabalho literário e base sócio-histórica. A crítica<br />

dialética marxista focaliza as conexões causais entre conteúdo, ou forma de uma<br />

obra <strong>literária</strong>, e os fatores sociais, econômicos, de classe ou ideológicos, que<br />

amoldam e determinam aquele conteúdo ou forma. Por exemplo, escritores<br />

burgueses propagam a ideologia burguesa que busca inevitavelmente universalizar o<br />

status quo, vendo isto como natural e não como fato histórico. A noção de que há<br />

uma correspondência entre consciência de classe, ideologia do trabalho e a base<br />

sócio-histórica na qual emerge é freqüente no Marxismo. Mas Fredric Jameson<br />

mostra a influência de uma determinada matéria-prima social, não só no conteúdo,


mas na forma mesma das obras. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de<br />

Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 93-97);<br />

• A Estética da Recepção de Base Alemã (Diálogo com o Texto) Presente no<br />

Cenário Cultural Brasileiro, no final do século XX: “A crítica <strong>literária</strong><br />

desenvolvida na Alemanha Ocidental durante os anos 60 e 70 inclui a Escola de<br />

Constance que se volta para a recepção de textos literários, ao contrário dos métodos<br />

que enfatizam a produção ou sua leitura. Essa escola fez sucesso na Alemanha<br />

durante uma década como “<strong>teoria</strong> da recepção” ou como “estética da recepção”, mas<br />

não foi muito conhecida até quando os trabalhos mais importantes foram traduzidos,<br />

como os de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser.<br />

Surgiu durante o movimento estudantil que pedia reformas educacionais e<br />

questionava os métodos tradicionais na <strong>Universidade</strong> Experimental de Constance,<br />

fundada em 1967. Surgiu quando uma conferência de Hans Robert Jauss (1967) foi<br />

pronunciada, sobre o que se chamou de Estética da Recepção, e era uma tentativa de<br />

superar o formalismo e a crítica marxista.<br />

Segundo Jauss, o marxismo representava uma aproximação positivista, e o<br />

formalismo tinha uma percepção estética que isolava a arte de seu contexto<br />

histórico. Por isso, ele tentava fundir as melhores qualidades do marxismo e do<br />

formalismo, propondo alterar a perspectiva pela qual nós normalmente<br />

interpretamos os textos literários. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de<br />

Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 117-118);<br />

• Os novíssimos rumos da Crítica Literária no Panorama Mundial: “Como a<br />

crítica sociológica, a crítica marxista se orienta para a realidade social que<br />

condiciona as obras de arte, como na <strong>teoria</strong> de Frankfurt e em Benjamin.<br />

A nova esquerda hoje é representada por Hobsbawm, que fez a interpretação do<br />

século XIX; Jameson, que escreveu sobre pós-modernidade; Robert Brenner, que<br />

ofereceu uma interpretação econômica do desenvolvimento capitalista desde a<br />

Segunda Guerra Mundial; e também Giovanni Arrighi, sobre estrutura temporal<br />

mais extensa. Tom Nairn e Benedict Anderson são importantes autores sobre o<br />

nacionalismo moderno. Regis Debray desenvolveu uma <strong>teoria</strong> da mídia<br />

contemporânea. Terry Eagleton desenvolveu seus estudos no campo literário. T. J.<br />

Clark nas artes visuais e David Harvey na reconstrução da geografia. Nos campos da<br />

filosofia, sociologia e economia, estariam incluídos os trabalhos de Habermas,<br />

Bordieu, Fredric Jameson, Edward Said e Perry Anderson.” (Conferir: SAMUEL,<br />

Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 96-97);<br />

• A Crítica Literária no Brasil: Nestes anos iniciais do Terceiro Milênio, que<br />

rumo devemos tomar? (Repensar as palavras de Eduardo Portella, publicadas em<br />

1970).<br />

“Sem dúvida um pensamento que não se arme dialeticamente permanecerá<br />

inteiramente perdido diante de um fenômeno tão multidimensional como é o<br />

literário. Na chave da dicotomia, as categorias se opõem excluindo-se mutuamente.<br />

Somente os pensadores tricótomos pensam no eixo da contradição, admitindo um<br />

terceiro elemento como mediador dialético. E só estes possuem olhos para penetrar<br />

nas esquinas secretas dos caminhos da arte.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo.<br />

Teoria da Comunicação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 61-62.)<br />

“Decodificação não quer dizer necessariamente coincidência ou acordo; quer dizer<br />

apenas a ultrapassagem da incompreensão. Porque o único que se lhe pede é que


esteja ancorada no porto seguro do entendimento.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo.<br />

Teoria da Comunicação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 25.)<br />

2007: “Postul(o) uma contribuição satisfatória para o entendimento atual do literário,<br />

uma contribuição entre duas grandes correntes críticas (a cientificista e a<br />

fenomenológica) em benefício da correta decodificação e interpretação do texto<br />

literário, para que a compreensão fique “ancorada no porto seguro do entendimento”<br />

[como a quer Eduardo Portella]. Ao reivindicar uma colaboração da Semiologia com a<br />

Hermenêutica, não quero (parodiando Eduardo Portella) repudiar o silêncio, que se<br />

encontra palpitante no interior da Obra Literária, e reverenciar a “loquacidade<br />

enganadora de um analismo que, em nome da objetividade, se mostra impermeável ao<br />

subjetivismo”. Ao contrário, proponho um labor crítico dialético, usando dos<br />

ensinamentos de ambas as correntes, para que esse silêncio seja rompido. Reivindico<br />

uma colaboração consciente entre as duas correntes (afirmo que esta colaboração, que<br />

muitos dizem existir nestes anos iniciais do Terceiro Milênio, não se efetua na prática<br />

em nossos dias), para que este “silêncio” se ouça acima dos estudos esquemáticos<br />

(estudos de origem estruturalista) e promova a compreensão dos sentidos corretos do<br />

texto literário.”* (Conferir: MACHADO, Neuza. “Reavaliando a atuação da Crítica<br />

Literária”, item 2.18 deste Manual)<br />

*(Nota de Neuza machado: Conferir: PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação<br />

Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 25.)<br />

2.6 - REAVALIANDO A ATUAÇÃO DA CRÍTICA LITERÁRIA (NEUZA MACHADO ∗ )<br />

Sem dúvida um pensamento que não se arme dialeticamente permanecerá inteiramente perdido<br />

diante de um fenômeno tão multidimensional como é o literário. Na chave da dicotomia, as<br />

categorias se opõem excluindo-se mutuamente. Somente os pensadores tricótomos pensam no<br />

eixo da contradição, admitindo um terceiro elemento como mediador dialético. E só estes<br />

possuem olhos para penetrar nas esquinas secretas dos caminhos da arte. 1<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Esta reflexão teórico-crítica tem por fim provar a possibilidade de uma<br />

colaboração da Semiologia de Segunda Geração (Estudos Analíticos da Literatura) com<br />

o desenvolvimento da Hermenêutica de um determinado texto (âmbito do<br />

Conhecimento).<br />

Não se trata de qualquer texto, como se verá, já que cada obra impõe o seu<br />

próprio método de análise e/ou interpretação. Mas, no tipo de texto que pretendo<br />

intermediar criticamente (A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, o qual<br />

fez parte de minha Dissertação de Mestrado, e, posteriormente, de minha Tese de<br />

Doutorado), a Semiologia de Segunda Geração (de Roland Barthes, Umberto Eco e<br />

Anazildo Vasconcelos da Silva), certamente, oferece um corpo teórico, para a análise, e<br />

colabora com a posterior interpretação hermenêutica, possibilitando uma interação<br />

paradigmática consciente, de acordo com as exigências críticas atuais, voltadas à<br />

interdisciplinaridade.<br />

Para que esta propedêutica não se desvirtualize (já que a direciono aos alunos de<br />

graduação em Letras), começarei resenhando o livro de Emerich Coreth, Questões<br />

Fundamentais de Hermenêutica 2 , sobre a história do problema hermenêutico. A seguir,<br />

desenvolverei alguns dos principais elementos metodológicos do movimento<br />

∗<br />

Neuza Machado é doutora em Ciência da Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras da<br />

<strong>Universidade</strong> Federal do Rio de Janeiro.<br />

1<br />

PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação Literária. R. J.: Tempo Brasileiro, 1970: .61-62.<br />

2<br />

CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: Ed. Da <strong>Universidade</strong> de São<br />

Paulo, 1973.


hermenêutico do século XIX e verei o relacionamento dialético entre Hermenêutica e<br />

Ciência, a partir de Richard Palmer 3 e Paul Ricoer 4 , discutindo as noções de<br />

compreensão, interpretação e o problema do método crítico. Ressalto que apoiar-meei<br />

nas conclusões do Professor Eduardo Portella (escritas na década de setenta, mas<br />

ainda atuais), para superar determinados impasses teóricos, já que colocarei a<br />

Semiologia de Segunda Geração (própria para análises <strong>literária</strong>s) como Ciência Auxiliar<br />

à compreensão dos sentidos. Para tal empresa, utilizarei também alguns postulados do<br />

semiólogo italiano Umberto Eco. Assim, nas páginas finais desta propedêutica,<br />

retomarei os ensinamentos de Ricoer e Eduardo Portella, esperando demonstrar então a<br />

possibilidade da Semiologia da Literatura realizar com a Hermenêutica um criador<br />

diálogo, uma contribuição criadora para o entendimento atual do fenômeno literário.<br />

Quero esclarecer ainda que, ao postular a possibilidade de uma colaboração entre<br />

Semiologia e Hermenêutica, não é minha intenção comparar o método de uma Ciência<br />

com o de outra. Ambos (os métodos) possuem, segundo o meu ponto de vista,<br />

qualidades próprias. A experiência de contemplação da obra tem de abranger os dados<br />

visíveis e não-visíveis. Esta experiência de contemplação da obra é um conhecimento<br />

(nomenclatura hermenêutica). Não há como separar forma e conteúdo. Direi ainda,<br />

apoiada em Gadamer: o essencial na experiência estética de uma obra não é o conteúdo<br />

nem a forma, mas a matéria significada, ou seja, um mundo com a sua própria dinâmica.<br />

Não pretendo comparar dois métodos científicos, mas admitir que um (o semiológico)<br />

pode colaborar com o outro (o hermenêutico).<br />

HERMENÊUTICA E SEMIOLOGIA: UM PROBLEMA DA CRÍTICA LITERÁRIA ATUAL<br />

Neste início de século XXI, observa-se um fenômeno significativo no que<br />

concerne à Crítica Literária (aliás, este fenômeno já é antigo no Brasil: seus primórdios<br />

se localizam nos anos oitenta): há um impasse de <strong>teoria</strong>s diversificadas, várias maneiras<br />

de se penetrar no universo do texto, e isto traz, para a Ciência da Interpretação, a<br />

dúvida, quanto a direção a ser seguida, na realização do trabalho crítico. Ressalte-se o<br />

fato de que todas as <strong>teoria</strong>s convivem nos meios acadêmicos brasileiros, senão em<br />

harmonia total, pelo menos se respeitando cordialmente, evitando, assim, as<br />

divergências que existiram nos anos setenta. Nos anos sessenta, não será demais<br />

lembrar, o Estruturalismo (no que se refere à literatura e seu entendimento, um ponto de<br />

vista analítico repressor) imperou nas <strong>Universidade</strong>s. Nos anos cinqüenta, os<br />

universitários que se dedicavam ao estudo da literatura estavam submetidos às diretrizes<br />

teóricas (também analíticas e repressoras) do New Criticism americano, divulgado aqui<br />

no Brasil, pelo Professor Afrânio Coutinho, com o nome de Nova Crítica.<br />

Por tais motivos, compreende-se que não há como escolher um partido teórico<br />

único no âmbito da Literatura-Arte se há atualmente a facilidade de se conhecer cada<br />

feição crítica e avaliar-lhe suas contribuições, em função do desvelamento e<br />

compreensão do texto. Restará ao crítico literário brasileiro hodierno, antes de fazer<br />

uma escolha consciente, observar as sugestões oferecidas pela própria obra, pelo próprio<br />

texto, relacionando razão e compreensão: A obra impõe a sua verdade e, portanto, o<br />

seu próprio método a ser utilizado. Não se pode dissociar a Crítica da Arte.<br />

Em conseqüência deste impasse, a maneira de como interpretar um texto literário<br />

tornou-se um problema nos meios acadêmicos. (Não estou referindo-me aos teóricos<br />

conceituados). O que se observa atualmente, entre os alunos de Letras, é a utilização<br />

3 PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.<br />

4 RICOER, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.


aleatória de todas as correntes críticas. Há um cruzamento de nomenclaturas que, ao<br />

invés de esclarecer a mensagem, torna-a ilegível.<br />

Reconheço que este problema se origina no fato de o aspirante à função de<br />

Crítico Literário não possuir um conhecimento de base, já que o mesmo desconhece os<br />

postulados fundamentais de cada corrente crítica.<br />

No que se refere à Hermenêutica, por exemplo, o problema torna-se mais grave,<br />

por esta ter sua origem nos primórdios da História religiosa do homem ocidental. Falase<br />

muito em Hermenêutica, mas não há, nos meios acadêmicos, um conhecimento<br />

correto em relação à mesma. Desconhecem-se seus questionamentos de origem, sua<br />

ligação com os Textos Sagrados, as divergências que a marcaram no decorrer de sua<br />

história a sua posterior incursão nos domínios da Filosofia e da Literatura.<br />

Por estas razões, farei uma breve retrospectiva da História da Hermenêutica,<br />

desde o seu advento, em que o que a preocupava era o problema da correta interpretação<br />

dos Textos Sagrados. Esta retrospectiva baseia-se em dados oferecidos por Emerich<br />

Coreth (op. cit.), e tem por objetivo inicial reconhecer a história do problema teológico<br />

e a sua ligação com as questões hodiernas da Hermenêutica, ou seja, a questão do<br />

conhecimento ao se contemplar as obras <strong>literária</strong>s não religiosas. A seguir, por esta<br />

mesma retrospectiva, buscarei um diferente olhar crítico, o qual irá proporcionar-me a<br />

defesa de meu objetivo central: provar a possibilidade de uma colaboração<br />

consciente da Semiologia da Literatura com o desenvolvimento da Hermenêutica<br />

de um determinado texto.<br />

UMA RETOMADA DA HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA<br />

Muito antes de se pensar na Hermenêutica como a concebemos hoje, ou seja,<br />

como Ciência da Interpretação e da Observação Crítica – ciência que questiona a correta<br />

interpretação dos textos literários –, já a questão era problematizada pelos intérpretes<br />

(os antigos “escribas”) das mensagens contidas no Antigo Testamento. Emerich Coreth,<br />

ao se referir aos escribas, situa-os como os primeiros exegetas que procuravam<br />

questionar a importância de uma correta interpretação dos Textos Sagrados. Observe-se<br />

que esses textos anunciavam o nascimento do Salvador, e os mesmos eram interpretados<br />

por sacerdotes rudes, os quais legaram à posteridade suas interpretações ambíguas.<br />

Com o advento do Novo Testamento, as ambigüidades se desfazem, pois quem as<br />

esclarece não é outro senão o próprio Filho de Deus, o Salvador esperado. Segundo<br />

Coreth, o Novo Testamento se coloca, desde as primeiras páginas, como o único<br />

intérprete autêntico das Mensagens Sagradas. Reavaliando as palavras de Coreth por<br />

uma diretriz interpretativa, isto se deve ao aval de Jesus Cristo, ao procurar elucidar,<br />

para as multidões que o acompanhavam, todas as ambigüidades do Antigo Testamento<br />

anteriormente questionadas, algumas que foram interpretadas incorretamente, de acordo<br />

com o que nos passa o Novo Testamento.<br />

Jesus Cristo posicionou-se como o fecho de um ciclo da História dos hebreus e a<br />

estrutura basilar de uma nova etapa da História da humanidade. Se graças à sua<br />

interpretação os Textos Sagrados ficaram devidamente esclarecidos, ou se o povo<br />

acatava os ensinamentos sem formular questões, quanto à profundidade do que era<br />

recebido – haja vista as parábolas simplificadas –, o mesmo não aconteceu<br />

posteriormente. Coreth alerta para toda uma problemática da compreensão, tanto do<br />

Antigo quanto do Novo Testamento, envolvendo os exegetas dos Textos Sagrados,<br />

desde o século II d. C. Menciona as divergências existentes entre os padres que seguiam<br />

as orientações da Escola de Antioquia, em contraponto com os postulados da Escola<br />

Alexandrina. Situa esse momento como marco de um futuro problema hermenêutico,


pois, se uma Escola procurava ressaltar o sentido histórico contido na Bíblia (Escola de<br />

Antioquia), a outra colocava em evidência a necessidade de se atingir o sentido<br />

espiritual que se evolava das páginas sagradas. Esses dois pontos de vista divergentes<br />

atestam o caráter polêmico da Bíblia (como repositório das mais diversas expressões<br />

<strong>literária</strong>s), sem, contudo, despojar-se de sua condição de reveladora da palavra de<br />

Deus. Atestam, inclusive, a dificuldade do intérprete de ater-se a uma interpretação<br />

consensual. Coreth informa ainda que Orígenes [um estudioso preocupado em unir a<br />

investigação histórico-filológica do texto a uma noção distinta dos vários sentidos que<br />

se podem destacar do mesmo] procurava ligar as duas correntes conscientemente,<br />

procurando desenvolver uma investigação cuidadosa. Prosseguindo em sua<br />

recapitulação histórica do problema teológico, ressalta, cuidadosamente, as divergências<br />

de opiniões entre São Jerônimo e Santo Ambrósio, bispo de Milão, e orientador de<br />

Santo Agostinho em sua redescoberta do Cristianismo.<br />

No que se refere a Santo Agostinho, é importante destacar seu caráter<br />

conciliador, ao procurar aliar as duas formas de interpretar a Bíblia. Isto se prende ao<br />

fato de que o mesmo vivenciou várias formas de vida contemplativa, antes de se<br />

converter definitivamente ao cristianismo. Conhecendo-se suas transformações<br />

existenciais e religiosas, não é difícil compreender o porquê dessa atitude conciliadora<br />

(também destacada por Coreth). De origem cristã, o futuro Bispo de Hipona<br />

desenvolveu sua inteligência dentro de conceitos filosóficos e científicos distantes dos<br />

ensinamentos religiosos de sua infância. Estudou retórica, leu os professores e poetas<br />

latinos, desenvolveu estudos referentes às Ciências Humanas (foi aluno de Varrão) e,<br />

posteriormente, aderiu-se à doutrina Maniqueísta, abandonando os postulados cristãos<br />

da revelação sobrenatural da palavra de Deus, em benefício de uma orientação religiosa<br />

fundamentada apenas no conhecimento racional. Não satisfeito com esta doutrina,<br />

torna-se discípulo de Ambrósio, Bispo de Milão. Por tais razões, mesmo abandonando<br />

os conceitos da razão pura e retornando às normas do Cristianismo, o ex-estudioso das<br />

<strong>teoria</strong>s de Varrão, ex-professor de gramática e retórica, ex-maniqueísta, jamais pode<br />

eliminar de sua vida o que foi aprendido e vivenciado. Restou-lhe uma atitude<br />

conciliadora: interpretar a Bíblia observando o elemento sobrenatural, sem abdicar do<br />

racional.<br />

O problema da compreensão dos Textos Sagrados continuou repercutindo nas<br />

etapas seguintes da Era Moderna: a reforma luterana em oposição à Igreja Romana,<br />

posteriormente a Contra-Reforma [numa tentativa de recuperar o anterior poder<br />

religioso, naquele momento em decadência], passando pelo pensamento Iluminista e sua<br />

visão racional da mensagem divina, até chegar a Hegel e outros pensadores.<br />

No século XIX, inaugura-se o movimento hermenêutico, propriamente dito. É<br />

nesse momento que vamos encontrar a palavra hermenêutica como sinônimo de<br />

investigação e compreensão do texto ainda religioso, visando a opor-se à pesquisa<br />

histórico-crítica, método que tem sua origem na obra polêmica de David Friedrich<br />

Strauss, A Vida de Jesus, e que procurava ressaltar, na Bíblia, a história do Antigo<br />

Oriente, preocupando-se em estudar os aspectos lingüísticos e culturais em detrimento<br />

do sentido sobrenatural contido nos Textos e revelador dos desígnios de Deus. O<br />

movimento hermenêutico opunha-se ao método histórico-crítico, mas, ao mesmo tempo,<br />

não desprezava a contribuição valiosa oferecida por essa forma de investigação crítica<br />

da Bíblia e, inclusive, destacava seu caráter esclarecedor. Não se tratava exatamente de<br />

uma oposição, mas de conciliação, postura que outros exegetas da Bíblia adotaram, no<br />

transcorrer da História Religiosa do Homem.


Observando a repercussão histórica do problema teológico, pelo ponto de vista<br />

crítico de Emerich Coreth, contido no livro já citado, pude encontrar o cerne de meu<br />

questionamento sobre o problema da Crítica atual, em outras palavras, a base para o<br />

meu próprio postulado que, a partir de agora, desenvolverei, ou seja, o problema atual<br />

dos vários paradigmas analítico-interpretativos que convivem, mescladamente, no<br />

âmbito da Ciência da Literatura. Trazendo à luz os problemas que afligiam os<br />

intérpretes da Bíblia no passado, Coreth procurou demonstrar a perenidade dos conflitos<br />

interpretativos, tanto na área das Ciências Exatas, quanto na das Ciências Humanas,<br />

inerentes à História da Humanidade. Diz ele, falando especificamente do problema<br />

hermenêutico:<br />

Em todo caso, põe-se aqui já o problema em toda a sua amplitude, evidenciando que a<br />

questão hermenêutica da atualidade não é, no fundo, nova, mas retoma um antigo<br />

problema, ainda que de um outro modo e sob novos pontos de vista. 5<br />

O que marca o movimento hermenêutico do século XIX não é seu caráter<br />

opositor e, ao mesmo tempo, conciliador, mas o fato de que, por intermédio dele, o<br />

posicionamento crítico, marcadamente religioso, desprende-se dos Textos Sagrados,<br />

alcançando os domínios da Filosofia e da Literatura. A Crítica passa a centralizar-se no<br />

problema da compreensão do texto como linguagem, questionamentos esses que<br />

levaram ao entendimento da essência do Homem e do Universo, e que estavam antes<br />

restritos ao âmbito dos estudos teológicos.<br />

Quanto à Literatura, nosso tema de reflexão crítica, a Hermenêutica passa a<br />

promover a compreensão dos textos, tornando-se conhecida como a <strong>teoria</strong> que permite<br />

compreender e, posteriormente, explicar o que foi compreendido. Compreensão não<br />

como faculdade de compreender, como se vê nos dicionários, mas como maneira de<br />

ser e relacionar-se com os seres e com o ser, no dizer de Ricoer. 6<br />

Sem deixar de pertencer aos domínios da investigação teológica (o que se<br />

conhece como Hermenêutica Específica), a Hermenêutica da Filosofia e da Literatura<br />

expande-se, e passa a centralizar na linguagem do texto (seja religioso, histórico ou<br />

literário) a sua busca de compreensão da essência do Homem e de sua atuação como<br />

ser-no-mundo, passando também a possibilitar ao investigador uma maior amplitude de<br />

visão, permitindo-lhe o alcance dos sentidos do texto investigado.<br />

No que se refere à interpretação <strong>literária</strong>, faz-se necessário, agora, um<br />

esclarecimento. Observe-se que compreender um texto não é suficiente, necessita-se de<br />

uma operação ou transação que possibilite esclarecer e decifrar o significado da obra.<br />

Necessita-se saber distinguir o que realmente quis-se anunciar; quais as mensagens<br />

contidas em um texto que se produz em uma linguagem pluri-ambígua. Impõe-se assim<br />

um método de abordagem transmutativo, uma atitude mediadora entre compreensão e<br />

explicação (posicionamento fundamental da Hermenêutica). A este método de<br />

abordagem dá-se o nome de interpretação. Como interpretar fundamenta-se em<br />

postulados científicos, alguma coisa diferente da compreensão como elemento do<br />

universo crítico-filosófico hermenêutico (fenomenológico), subentende-se que não há<br />

como fugir a um inter-relacionamento entre Hermenêutica e Ciência. Uma questão que<br />

foi observada nos anos setenta permanece ainda insolúvel neste início de terceiro<br />

milênio, incomodando a maior parte dos profissionais da Ciência da Literatura,<br />

simpatizantes do antigo método da análise <strong>literária</strong> estruturalista. No momento em que<br />

se propõe uma nova atitude didática, uma aproximação necessária entre o professor e<br />

seus alunos, não há mais como promover o distanciamento. Se o professor for realmente<br />

5 CORETH (1977), p. 6<br />

6 RICOER (1977), p. 17


um artífice de categoria, em sua disciplina de estudos literários, saberá como promover<br />

o entendimento e o diálogo receptivo.<br />

INTERCÂMBIO ENTRE CIÊNCIA E HERMENÊUTICA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO<br />

Quando se retoma o posicionamento de Richard E. Palmer 7 , apresentado nos<br />

anos oitenta, recusando-se a reconhecer no método científico uma atitude válida para o<br />

esclarecimento do texto, volta-se à questão, já assinalada pelos exegetas da Bíblia, de<br />

opor-se ou aderir-se a uma conciliação entre o sentido apreendido e a forma de<br />

esclarecer o que foi decifrado. Palmer desenvolve e reconhece a necessidade de se<br />

procurar um método, ou <strong>teoria</strong> que possibilite a decifração da marca humana contida<br />

na obra <strong>literária</strong>. Método e Teoria são palavras que fazem parte do universo teóricocrítico<br />

das Ciências Exatas; decifrar não é o mesmo que compreender, portanto, não<br />

se visualiza outra saída para a Crítica Literária atual: pressupõe-se um intercâmbio entre<br />

Ciência (análise) e Hermenêutica (conhecimento), em benefício da verdadeira<br />

compreensão do texto literário.<br />

Palmer diz:<br />

É certo que os métodos de “análise científica” podem e devem ser aplicados às obras,<br />

mas ao proceder deste modo estamos a tratar as obras como objetos silenciosos e<br />

naturais. Na medida que são objetos, são redutíveis a métodos científicos de<br />

interpretação; enquanto obras, apelam para modos de compreensão mais sutis e<br />

compreensíveis. 8<br />

Palmer não procura separar interpretação e compreensão, apenas não concorda<br />

que as obras sejam observadas como objetos silenciosos. É lógico que há, hoje, várias<br />

formas de interpretar e avaliar a mensagem do texto [um fenômeno da globalização],<br />

mas todas passam por pressupostos científicos, inclusive a interpretação que se faz,<br />

atualmente, por uns poucos iniciados, dentro do que se impõe como Crítica Receptiva.<br />

Como sabemos, esta diretriz crítica é exatamente a tal forma conciliadora, retirada de<br />

um pensamento tricótomo (relembrando aqui a epígrafe desta propedêutica, de autoria<br />

de Eduardo Portella), revestida com um título pomposo Estética da Recepção , mas<br />

que tem suas raízes na Hermenêutica e Dialética.<br />

A Hermenêutica, como a concebemos atualmente, também é Ciência, ou por<br />

outra, é um postulado científico, porquanto passa por uma averiguação que não se pode<br />

localizar no âmbito apenas da compreensão divinatória, se me reporto aos ensinamentos<br />

de Schleiermacher. Há de se acrescentar à intuição espontânea o esclarecimento da<br />

Verdade Científica. Nesta manifestação do intelecto está a faculdade de percepção do<br />

Homem atual. Sem se pleitear confundir compreensão com faculdade de compreender,<br />

faz-se necessário observar o Homem e o Mundo pós-modernos, e, conseqüentemente, a<br />

obra <strong>literária</strong>, que os problematiza dentro de sua realidade. Realidade esta, não será<br />

demais lembrar, que já se encontra mascarada por opiniões ou juízos conflituosos, que<br />

longe estão do padrão comunitário dos antigos dogmas religiosos. Sem se pretender<br />

confundir compreensão com faculdade de compreender, faz-se imprescindível observar<br />

o Homem como ser-no-mundo, como ser específico de um mundo que, ao longo do<br />

século XX, foi-se deteriorando, gradativamente, fragmentando-se, e encaminhando-se<br />

para um ponto que, segundo as reflexões de Baudrillard 9 , em seu livro América, será um<br />

ponto de fuga em direção ao Nada.<br />

No que se relacione ao texto literário, e de acordo com os postulados<br />

hermenêuticos, concebemo-lo como repositório da problemática social e psíquica que<br />

7 PALMER (1986), op. cit.<br />

8 Idem, p. 19<br />

9 BAUDRILLARD, Jean. América. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.


envolve o Homem e o Mundo. Para que haja uma interpretação consciente de um texto<br />

literário, há a necessidade de o intérprete estar preparado para captar a ambigüidade, a<br />

pluralidade de sentidos que uma obra da arte <strong>literária</strong> oferece. A obra <strong>literária</strong> é um<br />

enigma; é preciso decifrar esse enigma, trazer à luz os sentidos ocultos, os quais<br />

subjazem nas entrelinhas. Assim, para um reconhecimento crítico seguro, faz-se<br />

indispensável um conhecimento analítico que propicie, depois da análise evidentemente,<br />

a compreensão dessas camadas invisíveis. Por esta linha conciliadora (exigência deste<br />

momento pós-moderno), o intérprete se apropria do papel de leitor participativo,<br />

incorporando-se ao texto interpretado, pois, graças a uma prévia compreensão do que se<br />

passa no universo da linguagem <strong>literária</strong> (seja ela poética ou ficcional), passa a<br />

compreender a mensagem do outro. O texto se coloca como mediador entre a obra e o<br />

intérprete. Este só compreende e interpreta porque possui já uma compreensão anterior<br />

de sua própria atuação como ser-no-mundo, e, assim, está apto para compreender o que<br />

se encontra subentendido nas entrelinhas do enunciado criativo. Compreendendo,<br />

liberta-se; interpreta-se a extensão do ato de compreender. Compreendendo o texto, o<br />

intérprete dispõe-se a observar suas próprias preconcepções do mundo, e dele mesmo,<br />

que se acham inseridas em sua consciência transmutativa.<br />

O texto é também mediador entre compreensão e interpretação.<br />

Compreendendo-o e interpretando-o hermeneuticamente, interpreta-se a própria<br />

consciência, desvenda-se o próprio inconsciente. Compreendendo o outro, interpretando<br />

seus questionamentos, sua posição diante do Mundo e do enunciado, passa-se a<br />

compreender as próprias indagações e as indagações do Universo; permutam-se<br />

conhecimentos; exerce-se o ato (ou hábito) de questionar e/ou responder, ou mesmo de<br />

se buscar a resposta através da polissemia da palavra, promovedora de uma série de<br />

significações.<br />

Mas, se a compreensão do texto literário proporciona concebê-lo como<br />

repositório da problemática social e psíquica que envolve o Homem e o Mundo, é<br />

também lícito repetir que estou aqui a referir-me ao Homem e ao Mundo atuais. Estes já<br />

vivenciaram novas etapas de vida; novos conhecimentos se foram agregando aos do<br />

passado. Não é o caso de avaliar se tais conhecimentos foram benéficos ou não, o fato é<br />

que eles se materializaram, e é impossível pensar em desfazer-se deles.<br />

E eis que chego, agora, ao ponto central de meu postulado: Como conceber um<br />

método crítico satisfatório, se no universo da Crítica Literária atual há diversos<br />

encaminhamentos que propiciam o desvelamento do texto?<br />

É bom reafirmar que a questão não é nova. Desde o advento da Lingüística, e o<br />

posterior surgimento dos postulados científicos, penetrando o universo da obra <strong>literária</strong><br />

e tentando decodificá-la unicamente por meio da análise explícita, que o problema se<br />

faz presente nos domínios da Crítica.<br />

Se nos últimos decênios do século dezenove a compreensão hermenêutica, ao se<br />

desprender dos Textos Sagrados, possibilitou uma amplitude de visão, centralizada no<br />

texto profano e na sua ambigüidade, permitiu também, gradativamente, o<br />

desenvolvimento de diferentes abordagens, todas de caráter científico.<br />

A chamada Teoria do Conhecimento Literário passou a ceder a vez às análises<br />

científicas, ou seja, cedeu a vez às análises fechadas e auto-suficientes, e, quando já se<br />

pensava que a supremacia do posicionamento científico era um fato concreto e<br />

irreversível, ressurge a Hermenêutica (e ressurgirá sempre que houver necessidade de<br />

mudanças], dessa vez provando que [e eis nesta prova algo de científico), além do texto<br />

explícito (a linguagem escrita), há outras camadas da obra <strong>literária</strong> dignas de serem<br />

observadas e compreendidas.


Os antagonismos existentes entre as duas facções eram visíveis nos anos setenta,<br />

e é naquele momento que encontro, no que se relaciona especialmente à Crítica<br />

Literária, no Brasil, o professor Eduardo Portella, preocupado com o cientificismo<br />

crítico, que aqui se aportara nos anos cinqüenta e sessenta, e que se fechava em<br />

prepotentes modelos de como se interpretar os textos literários. Observe-se a sua<br />

posição defensiva, a respeito da questão a qual seria examinada no decorrer de sua<br />

teorização acentuadamente hermenêutica e que está registrada em seu livro<br />

Fundamentos da Investigação Literária.<br />

Recusamo-nos inicialmente a imaginar a crítica <strong>literária</strong> fechada em si mesma,<br />

entregue a uma estranha forma de autodevoramento. Criticar é rasgar novos horizontes<br />

de compreensão. Uma crítica enclausurada será fatalmente uma crítica cega,<br />

provinciana ou parasitária. O seu entendimento superlativo pressupõe a consciência de<br />

sua interdisciplinaridade. 10<br />

Penso também, resguardada por Eduardo Portella, que “criticar é rasgar novos<br />

horizontes de compreensão”; reconheço, como profissional de Letras, que não se pode<br />

prescindir, nos estudos literários, da contribuição da Crítica Hermenêutica, propulsora<br />

do alcance das camadas mais profundas da obra <strong>literária</strong> e diretriz consciente da<br />

compreensão de suas mensagens unívocas, que se encontram camufladas nas<br />

entrelinhas. Mas, assim como Eduardo Portella já observava, na década de setenta, a<br />

“progressiva pressão dos modelos científicos no âmbito do fazer ou do saber literário” 11 ,<br />

e se preocupava em desenvolver uma espécie de reciclagem terminológica, visando se<br />

posicionar hermeneuticamente, abolindo de suas teorizações qualquer contato<br />

epistemológico, assim, também, encontro-me agora, nesta propedêutica e em meu<br />

próprio campo de trabalho. Usando outras palavras, tenho consciência de que a questão<br />

permanece, aqui no Brasil (não estou a referir-me aos posicionamentos americanos e<br />

europeus), apesar da afirmação de uns poucos teóricos, os quais divulgam que a tensão<br />

entre as duas correntes inexiste. Para tal comprovação, bastará ao crítico tricótomo fazer<br />

uma avaliação do que ocorre, em termos de ensino da Literatura, nas diversas<br />

<strong>Universidade</strong>s do país.<br />

Atualmente, ao invés da “pressão”, o que existe são trilhas díspares, abertas a<br />

todos incondicionalmente, e que levam o analista desavisado e/ou o pseudo-intérprete<br />

da obra <strong>literária</strong> a desenvolver uma crítica aleatória, misturando os conceitos e as<br />

terminologias dos diversos tipos de crítica <strong>literária</strong>. É lícito lembrar que estes diversos<br />

paradigmas são importantes, mas deveriam ser teoricamente bem encaminhados.<br />

Ainda, apoiando-me no pensamento do professor Eduardo Portella, continuo<br />

repetindo a sua assertiva: “criticar é rasgar novos horizontes de compreensão”. Penso<br />

que todos esses encaminhamentos críticos são válidos, desde que se saiba situá-los<br />

corretamente. Penso no texto como mediador de compreensão e somente ele dirá qual a<br />

forma de desenvolvimento crítico a ser seguida. Cada texto impõe a própria Verdade, e<br />

não é lícito que o crítico se afaste desta Verdade compreendida.<br />

Se hoje, em nossos meios intelectuais, não há mais a “pressão dos modelos<br />

científicos no âmbito do fazer ou do saber literário”, como muitos afirmam, infere-se<br />

que estas linhas críticas díspares reverteram-se em um novo problema. Urge reordenar o<br />

desordenado por meio de uma conciliação crítica satisfatória. A Semiologia de Segunda<br />

Geração, proposta por Umberto Eco nos anos oitenta, continua válida, uma vez que,<br />

pressionada pelas exigências críticas da Fenomenologia, a mesma reconheceu a sua<br />

validade apenas para os estudos analíticos preliminares, lineares, aceitando as<br />

10 PORTELLA (1981), p. 22<br />

11 Ibidem


posteriores incursões do analista-intérprete nas camadas invisíveis da obra. Esta<br />

aceitação deveu-se unicamente aos plurissignificativos textos [de poesia e prosa] dos<br />

escritores do século XX, os quais naturalmente se obrigaram a interpretar criativamente<br />

a sua desordenada realidade. Assim, a Semiologia de Segunda Geração (anos oitenta),<br />

de Umberto Eco, de Roland Barthes e outros, reivindicando somente a decodificação do<br />

texto literário, por meio de esquemas objetivos, e certa ao aceitar que se desenvolva<br />

posteriormente qualquer tipo de interpretação, desde que se respeite seus postulados<br />

básicos, o que reconheço como postulados preliminares, limitados apenas ao texto,<br />

enquanto camada explícita da obra <strong>literária</strong>], aliada conciliadoramente à Hermenêutica,<br />

ou qualquer outra linha crítica sócio-fenomenológica, parece-me a solução ideal, pelo<br />

menos momentaneamente (não se deve perder de vista o fato de que a Crítica Literária<br />

deverá, forçosamente, adaptar-se aos valores estéticos das épocas vindouras). Presa ao<br />

meu momento histórico-estético (um momento de transição secular e milenar), penso<br />

em uma conciliação entre análise e interpretação. Mais precisamente, como base<br />

analítica, só vejo a Semiologia de Segunda Geração como colaboradora de uma<br />

interpretação extra-texto. Aos Estudos Semiológicos de Segunda Geração, conhecidos<br />

como Crítica Semiológica, não importam se a posterior interpretação (do que foi<br />

decodificado por meio de esquemas) é semi-hermenêutica (termo de minha autoria, pois<br />

a crítica autenticamente hermenêutica não se permite misturas), psicanalítica ou<br />

sociológica. Importam-lhes que a interpretação seja pertinente e não se distancie em<br />

demasia do universo pesquisado, distorcendo a mensagem explícita e/ou unívoca do<br />

texto literário. É bem verdade que a Semiologia, enquanto suporte analítico, não<br />

possibilita a compreensão do sentido que se oculta ali, ao desenvolver seus estudos<br />

esquemáticos, mas não impede que se observe a posteriori as outras camadas.<br />

Atualmente, os já renovados semiólogos da literatura têm consciência de que a<br />

linguagem do texto-arte é pluri-ambígua, permitindo diversos pontos de vista<br />

interpretativos. O problema se atém somente ao fato de que não há um consenso<br />

pertinente, que esclareça a desordenação crítica atual, observada no entrelaçamento<br />

aleatório das diversas e confusas nomenclaturas.<br />

A partir de agora, entro no núcleo temático deste empreendimento: superar o<br />

impasse teórico-crítico, no âmbito específico da Crítica Literária, entre análise<br />

(cientificismo) e interpretação (fenomenologia).<br />

A Semiologia de Segunda Geração, tal como a entendo e pratico, não é uma<br />

<strong>teoria</strong> reducionista, não reduz a obra <strong>literária</strong> a um mero objeto de análise sem vida. Há,<br />

realmente, aqueles semiólogos que assim procedem. Eu defendo, aqui, as idéias de<br />

Roland Barthes e Umberto Eco, provedoras de uma Semiologia (para o texto literário)<br />

aberta, uma Semiologia que seja, e não mais que isto, um ponto de partida para a<br />

posterior interpretação hermenêutica. Esta minha Semiologia agregada à interpretação<br />

fenomenológica do tipo praticada pelos semiólogos acima citados, visa a decodificar os<br />

signos e sinais contidos no texto, nas mensagens, nos relatos, mas passa adiante,<br />

ultrapassando o sistema de signos e chegando, mais precisamente com Barthes, quase ao<br />

nível do texto literário propriamente dito.<br />

Umberto Eco, um dos baluartes da “arte” de como desenvolver uma leitura<br />

semiológica do texto literário, na introdução de seu livro Leitura do Texto Literário 12 ,<br />

coloca em evidência a necessidade de uma cooperação interpretativa nos textos<br />

literário, não sem antes assinalar o fato de que esta cooperação interpretativa é,<br />

realmente, um problema a ser avaliado.<br />

12 ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa: Presença, 1983.


Como uma obra de arte poderia, por um lado, postular uma livre intervenção<br />

interpretativa por parte dos próprios destinatários e, por outro, exibir características<br />

estruturais que estimulam e ao mesmo tempo regulam a ordem das suas<br />

interpretações? 13<br />

Como exemplos de seu questionamento, Umberto Eco, referindo-se a um estudo<br />

de Jakobson, sobre “Les chates”, de Baudelaire, procura demonstrar, em benefício da<br />

compreensão, “a função ativa desempenhada pelo leitor na estratégia poética do<br />

soneto”. 14<br />

Quando publicou o seu livro Obra Aberta 15 Eco já fora criticado por Lévi-<br />

Strauss, que não concordava com a sua concepção de que a obra é aberta à interpretação<br />

do leitor. Para Lévi-Strauss, a obra é fechada, dotada de propriedades precisas que<br />

somente o posicionamento analítico justifique.<br />

Reportando-se à análise feita por Jakobson, Umberto Eco se defende e<br />

demonstra que o próprio Jakobson já previra a cooperação do leitor [talvez<br />

inconscientemente], ao desenvolver categorias, observadas através de um ponto de vista<br />

estruturalista, acerca das “funções da linguagem”. Tais categorias falavam de “emissor,<br />

destinatário e contexto” como “indispensáveis ao tratamento do problema da<br />

comunicação, mesmo da comunicação estética”. 16 Umberto Eco assinala, ainda, que um<br />

texto como “Les chats” reivindica a cooperação do leitor, assim como deseja também<br />

que este ensaie uma série de opções interpretativas, e defende a sua tese de que é<br />

possível uma abertura interpretativa do texto, mesmo sendo adepto dos postulados<br />

semiológicos.<br />

Postular a cooperação do leitor não significa contaminar a análise estrutural com<br />

elementos extratextuais. O leitor, como princípio ativo da interpretação, faz parte do<br />

quadro generativo do próprio texto.<br />

Se até mesmo os reenvios anafóricos postulam cooperação por parte do leitor, então<br />

nenhum texto escapa a esta regra. 17<br />

Se antes a intervenção interpretativa era vista com desdém pelas normas<br />

estruturalistas [portanto, exclusivamente científicas], e totalmente eliminada em<br />

proveito de um estudo objetivo e metodológico, agora a mesma passou a ser respeitada,<br />

mas, ainda há opositores, oriundos das antigas exigências estruturalistas, que se recusam<br />

a uma necessária reciclagem crítica. Então, se a questão permanece sublinearmente<br />

(interagindo nas diversas <strong>Universidade</strong>s do país), porque não buscar a conciliação, por<br />

meio de um renovado ponto de vista crítico, aceito por todos, e que seja devidamente<br />

registrado nos meios intelectuais. O semiólogo Umberto Eco, com seus<br />

questionamentos dos anos oitenta (quase à moda hermenêutica), permitiu uma abertura,<br />

permitiu-se conciliar pontos de vista divergentes em prol de uma consciente<br />

compreensão do texto.<br />

Procuro articular as semióticas textuais com a semântica dos termos, limitando o<br />

objeto do meu interesse aos processos de cooperação interpretativa. 18<br />

Logo, para Umberto Eco, o “sentido” dos significados é tão importante quanto o<br />

desenvolvimento de uma articulação semiológica com os textos literários. E, para ele,<br />

não é lícito “isolar estruturas formais”, ou seja, desenvolver “análise de aspectos<br />

significantes” sem acatar, de antemão, uma interpretação, um preenchimento dos<br />

13 Idem, p. 7<br />

14 Idem, p. 9<br />

15 Idem, p.8<br />

16 Ibidem<br />

17 ECO, op. cit., p. 9<br />

18 Idem, p. 11


espaços das entrelinhas (espaços estes que jamais poderão ser tachados de vazios,<br />

quando, ao contrário, são plenos de significações), os quais só poderão ser revelados por<br />

meio da colaboração do leitor.<br />

Percebe-se que Umberto Eco não é avesso a uma interpretação hermenêutica,<br />

mesmo que, por motivos óbvios, não assinale em seu trabalho esta provável<br />

concordância. A Ciência é um fato palpável em nossos dias. Prepotente ou não, ela fazse<br />

presente em nosso cotidiano e, como sempre se observou, não se eliminam da<br />

História do Homem os conhecimentos que foram revelados e que vão sendo<br />

sucessivamente manifestados.<br />

Assim, a Hermenêutica atual se vê em face de uma questão, qual seja a de usar<br />

uma metodologia, sem se submeter às imposições da Ciência. O problema foi detectado<br />

por Eduardo Portella, no início da década de setenta, passou pelos anos oitenta e<br />

noventa, e, segundo minhas observações acadêmicas, continua insolúvel, neste início de<br />

Terceiro Milênio.<br />

Como forma de revisão do impasse gerado nos anos setenta, recupero, aqui, o<br />

posicionamento de Eduardo Portella, delineando a sua concepção de expressão crítica, e<br />

defendendo uma disposição acentuadamente hermenêutica.<br />

O empreendimento metodológico que levamos a efeito, embora obediente a<br />

determinados padrões de rigor que são eminentemente científicos, em nenhum instante<br />

quis comprometer a natureza peculiar do fenômeno literário. 19<br />

Como se observa, não estou extrapassando limites ou colocando o termo dentro<br />

da jurisdição científica. Muito menos me coloco como adepta inconteste dos postulados<br />

da crítica de base científica, quando reconheço a priori a importância da Hermenêutica,<br />

para que se desenvolva uma compreensão autêntica do sentido do texto. Apenas admito<br />

uma cooperação semiológica, repito, de Segunda Geração, uma vez que, nestes meus<br />

anos de magistério, ainda não reconheci novos segmentos da Semiologia Literária (é<br />

bem possível que, no âmbito da Lingüística, tal fato tenha acontecido). Admito a<br />

cooperação semiológica porque, não se pode negar, a Semiologia, aquela que lida<br />

especificamente com a forma <strong>literária</strong>, permite que se observe o texto translucidamente,<br />

promovendo a correta compreensão da mensagem implícita nele.<br />

Repetirei mais uma vez: sou partidária de uma saudável conciliação entre<br />

ciência e fenomenologia. A ciência explica e a fenomenologia esclarece (a postulação<br />

de uma episteme, como base de estudos críticos, será sempre necessária ao estudioso da<br />

literatura). Como já observei antes, pela ótica de Paul Ricoer, ao adepto da<br />

Hermenêutica atual se coloca a alternativa entre compreender e explicar a mensagem e<br />

esta alternativa só se realiza por intermédio da interpretação. É ainda pelo ponto de vista<br />

de Ricoer que continuo a refletir esta questão tão antiga em nossos meios e, ao mesmo<br />

tempo, tão atual.<br />

Vejo a história recente da hermenêutica dominada por duas preocupações. A primeira<br />

tende a ampliar progressivamente a visada da hermenêutica, de tal modo que todas as<br />

hermenêuticas regionais sejam incluídas numa hermenêutica geral. Mas esse<br />

movimento de desregionalização não pode ser levado a bom termo sem que, ao mesmo<br />

tempo, as preocupações propriamente epistemológicas da hermenêutica, ou seja, seu<br />

esforço para constituir-se em saber de reputação científica, estejam subordinadas a<br />

preocupações ontológicas segundo as quais compreender deixa de aparecer como um<br />

simples modo de conhecer para tornar-se uma maneira de ser e de relacionar-se com<br />

os seres e com o ser. O movimento de desregionalização se faz acompanhar, pois, de<br />

19 PORTELLA (1970), op. cit., p. 22.


um movimento de radicalização, pelo qual a hermenêutica se torna, não somente geral,<br />

mas fundamental. 20<br />

Assim, num primeiro posicionamento, a Hermenêutica preocupa-se mais com a<br />

linguagem, mais especificamente, com a linguagem escrita. Isto acontece porque a<br />

linguagem escrita reflete uma característica peculiar da linguagem humana (a<br />

polissemia), quando se observa o significado das palavras fora de seu contexto<br />

expressivo. Por meio desta constatação, passa-se para um segundo posicionamento, no<br />

qual se exige sensibilidade e compreensão, porque, ainda segundo Ricoer,<br />

(...) o manejo dos contextos (...) põe em jogo uma atividade de discernimento que se<br />

exerce numa permuta concreta de mensagens entre os interlocutores, tendo por modelo<br />

o jogo da questão e da resposta. Esta atividade de discernimento é, propriamente, a<br />

interpretação: consiste em reconhecer qual a mensagem unívoca que o locutor<br />

construiu apoiado na base polissêmica do léxico comum. Produzir um discurso<br />

relativamente unívoco com palavras polissêmicas, identificar essa intenção de<br />

univocidade na recepção da mensagem, eis o primeiro e o mais elementar trabalho da<br />

interpretação. É no interior desse círculo bastante amplo de mensagens trocadas que a<br />

escrita demarca um domínio limitado, chamado por W. Dilthey (...) de expressões da<br />

vida fixadas na escrita. São elas que exigem um trabalho específico de interpretação,<br />

por razões (...) que se devem justamente à efetuação do discurso como texto. Digamos,<br />

provisoriamente, que, com a escrita, não se preenchem mais as condições da<br />

interpretação direta mediante o jogo da questão e da resposta, por conseguinte, através<br />

do diálogo. São necessárias, então, técnicas específicas para se elevar ao nível do<br />

discurso a cadeia dos sinais escritos e discernir a mensagem através das codificações<br />

superpostas, próprias à efetuação do discurso como texto. 21<br />

Ricoer já postulava, nos anos setenta, como se vê, uma Hermenêutica que se<br />

baseasse em pressupostos científicos. O termo discernir, por exemplo, distancia-se em<br />

muito dos postulados hermenêuticos anteriores, os quais pregavam apenas uma<br />

compreensão para uma posterior explicação, à moda dos exegetas da Bíblia. Discernir<br />

remete-me aos postulados semiológicos, os quais indicam a forma exata de como<br />

distinguir, diferenciar, separar, apartar, identificar, palavras-chave que conduzem à<br />

decodificação (termo também usado por Ricoer, nesta longa citação que destacamos<br />

acima), e que, de acordo com a nomenclatura semiológica, servem para destacar os<br />

referentes, os sememas, os semas, as isotopias núcleos que compõem o todo do<br />

texto ; palavras-chave que permitem discernir a verdadeira mensagem do texto-arte,<br />

evitando que se desenvolva uma crítica distanciada do seu sentido exato, e que poderá<br />

ser destacado na interpretação.<br />

Foi Schleiermacher o primeiro a se conscientizar da necessidade de uma<br />

reavaliação dos pressupostos hermenêuticos. Antes dele, as questões se localizavam nas<br />

duas formas, já assinaladas no início de minha considerações, de como se interpretar os<br />

Textos Sagrados, e numa análise filológica dos textos greco-romanos. Portanto, foi a<br />

partir de Schleiermacher que a “arte de compreender” desenvolveu-se até chegar ao<br />

ponto em que se encontra agora.<br />

É de meu particular interesse lembrar que a Semiologia desenvolve uma técnica<br />

objetiva, cerceando, num primeiro momento, por intermédio de estudos esquemáticos, a<br />

compreensão espontânea do intérprete, mas, repito, depois dos estudos semiológicos, o<br />

texto se ilumina, permitindo que se observe o seu próprio reverso. Depois da análise, o<br />

intérprete passa a observar o que se esconde nas entrelinhas do literário.<br />

20 RICOER (1977), op. cit., p. 18<br />

21 RICOER (1970), op. cit., p. 19


Retomo, agora, as reflexões de Eduardo Portella, para, novamente, concordar<br />

com a sua assertiva de que “criticar é rasgar novos horizontes”. Se não há como<br />

“pensar a literariedade sem ser em tensão (ou, direi por minha vez, em colaboração)<br />

com a cientificidade, porque não submetermo-nos a um encontro que se efetive para<br />

além da recusa passional ou da submissão ingênua: seja um diálogo criador”. 22<br />

Ainda em relação ao termo decodificação, de largo uso na crítica de base<br />

cientificista, Eduardo Portella esclarece:<br />

Decodificação não quer dizer necessariamente coincidência ou acordo; quer dizer<br />

apenas a ultrapassagem da incompreensão. Porque o único que se lhe pede é que esteja<br />

ancorada no porto seguro do entendimento. 23<br />

Não foi outra coisa o que propus aqui. Postulei uma contribuição satisfatória<br />

para o entendimento atual do literário, uma contribuição entre duas grandes correntes<br />

críticas (a cientificista e a fenomenológica) em benefício da correta decodificação do<br />

texto literário, para que a compreensão fique “ancorada no porto seguro do<br />

entendimento”. Ao reivindicar uma colaboração da Semiologia com a Hermenêutica,<br />

não quero (e, aqui, quero pedir licença para parodiar Eduardo Portella) repudiar o<br />

silêncio, que se encontra palpitante no interior da Obra Literária, e reverenciar a<br />

“loquacidade enganadora de um analismo que, em nome da objetividade, se mostra<br />

impermeável ao subjetivismo”. Ao contrário, proponho um labor crítico dialético,<br />

usando dos ensinamentos de ambas as correntes, para que esse silêncio seja rompido.<br />

Reivindico uma colaboração entre as duas correntes (afirmo que esta colaboração, que<br />

muitos dizem existir, não se efetua na prática, em nossos dias), para que este “silêncio”<br />

se ouça acima dos estudos esquemáticos (que, em absoluto, não são por mim rejeitados),<br />

ou seja, estudos de origem estruturalista (simplesmente, análise), e promova a<br />

compreensão dos sentidos corretos do texto literário (planos invisíveis).<br />

(Texto de Neuza Machado. Este texto pertence aos Apontamentos de Teoria<br />

Literária e Crítica Literária, um livro que está sendo elaborado pela autora e<br />

que será publicado em breve por sua editora particular, NMachado, editora da<br />

autora, registrada no ISBN – Rio de Janeiro)<br />

ATENÇÃO: A Crítica Literária, como explicação e decodificação<br />

(analismo) e/ou reflexão e interpretação (fenomenologia) de obra<br />

<strong>literária</strong>, deverá se posicionar em permanente transformação,<br />

seguindo as diretrizes impostas pelos próprios textos literários em<br />

evolução, ou seja, deverá se desenvolver de acordo com o momento<br />

histórico de tais textos (utilizando as técnicas analíticas e/ou estudos<br />

fenomenológicos do momento presente). Por este ponto de vista, não<br />

há como enquadrar uma obra pós-moderna, por exemplo, em<br />

instruções e modelos críticos já desatualizados, os quais não darão<br />

conta das referidas análises e/ou interpretações. O estudioso e/ou<br />

professor deverá estar sempre em permanente reciclagem intelectiva.<br />

22<br />

PORTELLA (1970), op. cit., p. 22.<br />

23<br />

Idem, p. 25.


UNIDADE III<br />

CRÍTICA LITERÁRIA: MODERNIDADE X PÓS-MODERNIDADE<br />

3.1 - MODERNIDADE<br />

“Na Modernidade a reificação humana transforma o humano em objeto social,<br />

na massa, imanente ao todo. As sociedades modernas são sociedades de massa e<br />

estamos nelas como água dentro da água, para usar a metáfora de Bataille. O<br />

capitalismo de massa é imanente ao todo. Se sair dessa imanência, morre.<br />

Na massa, a individuação não é nem coisa nem homem. Fica no meio do<br />

caminho que vai daquela para este. Pois as coisas estão no nível da terra, do planetário,<br />

sem um sentido dinâmico que lhes dê vida. As coisas mesmas, em si mesmas, são o<br />

não-sentido, se nós as imaginamos sem uma consciência que as pense, que transforme<br />

as coisas em objetos do pensamento. A coisa, como tal, não é ainda objeto (do sujeito),<br />

não é ainda objeto do conhecimento, pois o objeto passa a existir de um sujeito que o<br />

pensa. O vazio das coisas é o terror que se limita a ver o horizonte vazio e oco, espécie<br />

de lugar sem alma, lugar da morte, paisagem lunar.<br />

Na medida em que nós possamos ver no ser humano também uma coisa, seu<br />

absurdo não será menor do que o das pedras, mas ele não é sempre redutível à realidade<br />

inferior que atribuímos às coisas. Pois o problema que se avista na reificação é a<br />

incomunicabilidade, o absurdo de viver no mundo despovoado de sentido, de não<br />

participar da história, de não compreender o todo, de ignorar as causas das decisões dos<br />

acontecimentos. O moderno se encontra num limite. O afastamento da natureza, onde<br />

era exigido o exercício pleno dos sentidos, trouxe o artificialismo da vida tecnológica,<br />

uma espécie de inteligência sem alma. Nosso mundo é o mundo eletrônico dos<br />

microcomputadores, porta-vozes de uma felicidade sem alma, anestésica, onde tudo<br />

funciona sem nervo. A sociedade parece ter sido transformada em objeto da ciência,<br />

imanente ao todo.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.<br />

4.ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 135-136)<br />

3.2 - MODERNIDADE: IMANÊNCIA E IMEDIATISMO (≠ DE TRANSMANÊNCIA)<br />

“O mundo da Modernidade é o da imanência e do imediatismo, (...). A<br />

transcendência pertence a uma categoria humana anterior de consciência em relação às<br />

coisas. A vacuidade do olhar que vê o vídeo revela a imanência existencial não mais<br />

exercendo o seu poder de transcendência. A transcendência pertence a uma categoria<br />

humana anterior, de consciência em relação às coisas. A vacuidade do olhar que vê o<br />

vídeo revela a imanência existencial não mais exercendo o seu poder de transcendência.<br />

Objeto é o emprego que a tecnologia moderna faz das coisas tornadas úteis,<br />

práticas, aperfeiçoadas, interrompendo-se a continuidade harmoniosa e natural em que<br />

se encontravam.<br />

O olhar que vê o objeto não é o mesmo olhar que vê a coisa dada na natureza.<br />

Assim como o olhar que vê o vídeo não é igual ao olhar que olha a flor. Olhar a flor faz<br />

a redenção daquele olhar capaz de transcendência. O vídeo fez o olhar desaprender, o<br />

olhar não mais decodifica a flor. A flor agora vem pronta, como produto industrial, não<br />

é a flor da margem da estrada. O olhar já não pára na margem da estrada, para a<br />

contemplação da flor. Pois a contemplação pertence a um passado, algo remoto e<br />

histórico. A contemplação não é mais possível na técnica que tudo traduz, no fato<br />

matematizado. A técnica revela o esquecimento do olhar.


A técnica nos prepara para aceitar esta imanência, que submete o sujeito ao jugo<br />

do objeto. Ensina-o a ser “feliz”. Os habitantes do Estado científico se submetem sem<br />

protesto ao mundo dos objetos, sem experimentar um horror à reificação.” (Conferir:<br />

SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4.ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 136)<br />

3.3 - PÓS-MODERNIDADE<br />

“Nos manuscritos conhecidos como Grundisse, ou Fundamentos da crítica da<br />

economia política, viu Marx que, à medida que se desenvolve a grande indústria, a<br />

criação da riqueza dependeria menos do tempo de trabalho do que de poder dos fatores<br />

tecnológicos postos em ação durante esse tempo de trabalho, fatores esses que estão<br />

ligados ao nível geral da ciência e progresso tecnológico como aplicação tecnocientífica<br />

à produção industrial.<br />

Essa passagem das relações sociais de produção de uma situação de trabalho<br />

físico para um processo de trabalho intelectual que exige conhecimento específico do<br />

sistema de automação e informatização da sociedade não deve ter modificado<br />

completamente a base econômica da sociedade.<br />

Por base econômica se entende um conjunto dialético constituído pelas forças<br />

produtivas e pelas relações de produção. A força de trabalho foi aperfeiçoada pelo<br />

conhecimento tecnocientífico. E na posição das classes sociais dos países desenvolvidos<br />

se tem o novo “proletário” de colarinho branco, esse novo grupo social de produção em<br />

novas formas de repartição dos produtos que geraram a “sociedade globalizada”.<br />

Na chamada sociedade “pós-moderna” não parece ter havido mudança estrutural<br />

da base econômica. Essa sociedade pós-industrial continua capitalista. A apropriação<br />

privada dos meios de produção persiste hoje camuflada em capitalismo de Estado, ou de<br />

empresas de capital aberto. E o caráter social da produção ainda repousa na contradição<br />

entre capital e trabalho.<br />

Hoje, o capital pertence aos países desenvolvidos, enquanto o ônus do trabalho<br />

pertence aos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.<br />

Pós-modernidade é um nome genérico dado para formas culturais de um período<br />

que aparece desde os anos 1960. Abrange certas características como reflexão,ironia e<br />

um tipo de arte que mistura o popular e o erudito.<br />

Embora o termo tenha sido primeiro usado na arquitetura (Jencks), hoje descreve<br />

a literatura, artes visuais, música, dança, filme, teatro, filosofia, crítica, historiografia,<br />

teologia, e qualquer atividade de cultura em geral. É visto ora como uma continuação<br />

dos aspectos mais radicais da Modernidade; ora, ao contrário, como marcador de uma<br />

ruptura com ela.<br />

A Pós-modernidade uniu a lógica cultural do capitalismo tardio (Jameson); a<br />

condição geral de conhecimento em tempos de tecnologia da informação (Lyotard); a<br />

substituição de um foco da epistemologia modernista por uma ontologia (MacHale); e a<br />

substituição do simulacro pela realidade (Baudrillard).<br />

Por um lado, a literatura pós-moderna foi chamada de literatura de<br />

reabastecimento (Barth); por outro, de literatura de uma economia inflacionária<br />

(Newman).<br />

Em resumo, há pouco acordo nas razões de sua existência ou na avaliação de<br />

seus efeitos.<br />

Não obstante, um estudo das preocupações que se sobrepõem aos vários tipos de<br />

arte e discursos nos quais o termo é usado pode definir certos denominadores comuns<br />

que servem para compreendê-la.<br />

Ela envolve a combinação aparentemente paradoxal de autoconsciência e algum<br />

tipo de fundamento histórico, porém, ironizado. Por exemplo, o que foi chamado de


metaficção historiográfica (HUTCHEON, Poetics) é uma ficção preocupada com seu<br />

estado de ficção, de narrativa ou de linguagem, e também fundamenta alguma realidade<br />

histórica verificável.<br />

Os discursos pós-modernos instalam e subvertem convenções; e normalmente<br />

tratam essas contradições com ironia e paródia. Empregando formas e expectativas<br />

tradicionais e as destruindo ao mesmo tempo, os discursos Pós-modernos conseguem<br />

apontar as convenções como convenções, e isto inclui estruturas ideológicas como<br />

capitalismo,patriarcado, imperialismo e mesmo humanismo.<br />

O discurso Pós-moderno também desafia limites fixos entre os gêneros, entre<br />

tipos de arte, entre <strong>teoria</strong> e arte, entre arte erudita e cultura de massa.<br />

As interpretações e avaliações da Pós-Modernidade radicalmente discrepantes<br />

são em parte o resultado de sua incerteza política, inscrevendo-se, mas também<br />

subvertendo vários aspectos da cultura dominante. Essa dubiedade política estratégica é<br />

o denominador comum de muitos discursos pós-modernos e é também uma das razões<br />

para as diferenças de opinião sobre a validez e valor da pós-modernidade que<br />

problematiza temas como história, representação, subjetividade, ideologia e pobreza.<br />

(...).<br />

A objetividade racional pós-moderna afasta as imprecisas determinações do<br />

sujeito, objetivando o próprio sujeito. O indivíduo, criado pelas novas relações sociais,<br />

se torna objeto de controle, mas cujos desejos devem ser satisfeitos de alguma maneira e<br />

cujas necessidades novas devam ser satisfeitas no mercado. Mascara-se, com a<br />

decadência do bem-estar da classe média, um gigantesco aparato científico de<br />

dominação policial por meio do conhecimento dos mecanismos internos do desejo<br />

produzido, tornando o sujeito um objeto de um sistema de resultados.” (Conferir:<br />

SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 161-164)<br />

3.4 - TEMAS E VARIAÇÕES DA PÓS-MODERNIDADE<br />

“Num texto composto de séries descontínuas, John Cage (apud “Temas e<br />

variações”, publicado em Arte e palavra, do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ,<br />

1987) conseguiu resumir um ideário da condição pós-moderna, seus temas verbais e sua<br />

experiência de vida da seguinte forma:<br />

• Não-invenção: que se opõe ao finalismo progressista;<br />

• Renúncia ao controle: que se opõe ao controle do Estado social;<br />

• Afirmação da vida: ecologicamente;<br />

• Imitação da natureza: no seu modo simples de ser;<br />

• Multiplicidade: individualista;<br />

• Pluralidade dos centros;<br />

• Individualismo;<br />

• Terminais domésticos dos computadores;<br />

• Coexistência das dessemelhanças;<br />

• Nenhuma idéia de ordem;<br />

• Sensação de um processo contraditório e sem objetivo: que caracteriza a formação<br />

de qualquer nova realidade ainda em estágio anárquico;<br />

• Indeterminação;<br />

• Aventura: na vida e na cultura;<br />

• Passagem do medo para o amor;<br />

• Ser conduzido por pessoa (e não por idéias ou livro);<br />

• Fim da ideologia;


• Sensação de bem estar e segurança derivada do capitalismo de serviços;<br />

• Indeterminação do certo e errado ao mesmo tempo (o capitalismo de serviço cria<br />

ampla margem de segurança como os direitos humanos);<br />

• Capacidade de sair do zero (de iniciar e de ser);<br />

• Possibilidade de ajudar sem fazer nada (fim da violência como modo de agir; fim da<br />

idéia de luta de classes);<br />

• Tédio mais atenção (capacidade de ser sujeito o tempo todo, uma sensação de que a<br />

sociedade está organizada e o futuro garantido como seguro social, educação<br />

permanente, etc.);<br />

• Atividade em lugar de comunicação;<br />

• Comunicação em lugar de informação;<br />

• Informação para levar à ação;<br />

• Desmassificação do indivíduo;<br />

• Estar fora de moda (criar a própria moda individual);<br />

• Fim dos meios de comunicação como elementos formadores da opinião pública;<br />

• Entendimento pessoa a pessoa;<br />

• Valorização dos diálogos, das conversas, da consciência interpessoal;<br />

• Encontro para fazer algo junto;<br />

• Anonimato (fim da busca da fama)”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de<br />

Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 164-165. Observação: Os<br />

marcadores são de responsabilidade da conteudista deste Instrucional)<br />

3.5 - SOBRE A POESIA PÓS-MODERNA<br />

“Diz Cage:<br />

Poesia é não ter nada a dizer e dizer: não possuímos nada.<br />

Ele vê [Cage], porém, uma incerteza pairando no ar: a desconfiança na<br />

competência da educação como elemento de hominização; vê importância, agora, de<br />

estar perplexo; vê todos em direções diferentes numa anarquia mental; vê a valorização<br />

do budismo: a mente silenciosa”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria<br />

Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 165)<br />

3.6 - SOBRE AS SOCIEDADES CAPITALISTAS PÓS-MODERNAS<br />

“Nas sociedades capitalistas ricas aparece o desemprego como opção: a<br />

desistência de possuir (a capitulação): o objetivo é não ter objetivo”. (Conferir:<br />

SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 165)<br />

3.7 - PÓS-MODERNO / PÓS-MODERNISMO (NICOLAU SEVCENKO)<br />

RECAPITULAÇÃO (Este capítulo poderá ser encontrado também no Instrucional de<br />

Teoria da Literatura II, página 96)<br />

(In.: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (Org.). Pós-modernidade. 1.ed. Campinas:<br />

Unicamp, 1987. Pp. 43 - 55)<br />

Resumo:<br />

PÓS-MODERNO Supõe uma reflexão sobre o tempo (por exemplo: Era Medieval /<br />

Era Moderna / Era Pós-Moderna) // A que tempo se refere? – Não a um tempo<br />

homogêneo, linear, em que se possa estabelecer um recorte e fixar uma data decisiva,<br />

um ato inaugural, como se poderia esperar da visão simplista da história, na qual somos<br />

zelosamente educados. Não se pode definir um início preciso e, embora se prenuncie e<br />

se deseje uma superação, ela não é nunca o fim. (p.45)


ATITUDE PÓS-MODERNA Atitude nascida do espanto, do desencanto, da<br />

amargura aflitiva, que procura se reconstruir em seguida como alternativa parcial,<br />

desprendida do sonho de arrogância, de unidade e poder, de cujo naufrágio participou,<br />

mas decidiu salvar-se a tempo, levando consigo o que pode resgatar da esperança. (p.45)<br />

QUE NAUFRÁGIO? QUE CATÁSTROFE FOI ESSA?<br />

[O autor analisa a partir de Walter Benjamim: Naufrágio e catástrofe produzidos pelas<br />

“caldeiras insaciáveis da locomotiva do progresso.” (p.47)] (Cf.: Walter Benjamim)<br />

[Naufrágio e catástrofes provindos “da racionalidade, do maquinismo, da transformação<br />

da sociedade num gigantesco autômato auto-regulado, em que a arte, a técnica e a vida<br />

se fundiriam numa unidade revitalizadora. Uma utopia da igualdade perfeita, produzida<br />

pela razão, governada pela técnica e desfrutada pela arte.” (p.47)] (Ler Benjamim)<br />

[Os Artistas se identificaram no início com a militância surrealista, ou seja, “a plenitude<br />

da máquina em seu máximo desempenho. (...) Os próprios Artistas viam-se como um<br />

movimento, um núcleo de combate, uma vanguarda. Metáforas técnicas e militares que<br />

prenunciavam já a guerra tecnológica e o planejamento totalitário das sociedades.”<br />

(p.47)]<br />

“Quando Benjamim analisa o quadro de Paul Klee as ilusões já se haviam consumido. A<br />

técnica derivada da razão instrumental, apropriadora, planejadora, ao invés de libertar,<br />

submetera os homens ao império da máquina genocida, dotada de uma capacidade<br />

destrutiva sem precedentes. A herança de Prometeu, ele descobre afinal, é a águia que<br />

devora as vísceras de cada um e não a redenção da humanidade. Ele e Klee se sentiram<br />

traídos, mas muitos intelectuais e artistas envolvidos na vanguarda dispuseram-se de<br />

boa vontade a colaborar com os novos poderes, na Europa e nos Estados Unidos,<br />

sobretudo depois da guerra. Revelação final: a vanguarda em si não foi traída, ela<br />

mantinha no seu íntimo uma correspondência com as forças do progresso.” (p. 47, final,<br />

e p.48)<br />

[Análise do quadro de Klee “Angelus Novus” – pp.48-49)<br />

Por que chamá-lo de “Angelus Novus”?<br />

1 o ) “Os anjos são intemporais, não têm vontade própria, são governados pelo desígnio<br />

divino e por isso mesmo a natureza ou as forças do mundo celeste jamais atuam sobre<br />

eles. // Se a tempestade letal do progresso, que vem do paraíso, decorreu da vontade<br />

de Deus, esse anjo não mais obedece, mas resiste aos propósitos do Supremo.”<br />

2 o ) ANJO DA HISTÓRIA<br />

“anjo decaído e sua rebeldia o tornou impotente para auxiliar os vencidos, mortos e<br />

humilhados.”<br />

“não mais sintonizado com o poder”<br />

“ele próprio está condenado a ser um vencido e enxovalhado”<br />

“sua natureza de ser destinado à vida eterna o submete ao castigo de assistir<br />

paralisado à destruição do mundo e à degradação de si mesmo [ele cuja<br />

missão precípua é agir e salvar]”<br />

ANGELUS NOVUS (QUADRO DE PAUL KLEE) METÁFORA DE PÓS-MODERNIDADE<br />

“Não deve haver dúvida quanto ao sentido desta metáfora: o ANGELUS NOVUS<br />

representa a própria condição do artista e do intelectual depois que o sonho modernista<br />

perdeu a sua inocência. A expressão “novo” justifica-se assim pela mudança de


perspectiva criadores aturdidos. Eles já não voam na mesma direção e na mesma<br />

velocidade do vento do progresso. Já não gozam do privilégio de se fundirem com a<br />

fonte única de todo poder, de toda vontade e de toda justiça. Não estão mais voltados<br />

para o infinito radiante do futuro e sim para a tragédia impronunciável do passado. Não<br />

acreditam mais no absoluto, nem se deixam levar por suas falsas promessas. Estão sós,<br />

reduzidos aos limites estreitos de sua fraqueza, seu horror e sua fúria. Essa é a condição<br />

do novo que se manifesta após a modernidade. (p.50)<br />

A CONSUMAÇÃO DO PROJETO DA MODERNIDADE PELA RAZÃO PLANEJADORA<br />

“A consumação do projeto da modernidade pela razão planejadora não significou o seu<br />

ponto final, embora alguns intelectuais e artistas tenham iniciado a crítica das<br />

vanguardas, depois que serviram na encruzilhada entre o planejamento totalitário e o<br />

terrorismo genocida, a maior parte manteve-se fiel a uma prática artística que, após a<br />

guerra, recebeu a consagração de estilo oficial das galerias e de governos<br />

comprometidos com a reconstrução, o desenvolvimento e o progresso. Marx já disse<br />

que a história não se repete senão como farsa, ao que caberia acrescentar que a arte não<br />

retoma sua aura senão como fuga. O que antes era moderno, agora se tornou pastiche,<br />

simulação, impostura: um gesto repetitivo, anódino e frouxo.” (pp.50-51)<br />

Não há como querer datar com precisão o início do PÓS-MODERNO.<br />

Benjamim pode ter sugerido que esse marco é a Segunda Guerra.<br />

ESSE PENSAMENTO É QUESTIONÁVEL.<br />

Em Kafka também existe uma sugestão a respeito.<br />

ATITUDES DA RAZÃO PLANEJADORA (p.52)<br />

Atitude de rejeição da herança socrática da unidade, transcendência e supremacia<br />

dos princípios da razão, da verdade e do belo;<br />

Atitude de repúdio à redução de toda realidade e toda experiência à homogeneidade<br />

e coerência das representações metafísicas (o que é chamado de espírito moderno desde<br />

o Renascimento e o Iluminismo), podem ser encontradas em Mallarmé, Joyce e Borges.<br />

As vanguardas tiveram um papel decisivo na destruição de uma ditadura da<br />

representação realista, segundo os cânones autoritários das “belas artes”.<br />

As vanguardas abriram caminho para o questionamento da suposta autonomia da<br />

arte, expuseram e tematizaram os artifícios da composição e exigiram a liberdade<br />

radical da imaginação criadora.<br />

As vanguardas substituíram a tirania do “bom gosto” burguês pela da “utopia<br />

compulsória” da razão planejada e do maquinismo. (p.52)<br />

“O movimento modernista nunca foi homogêneo. Do Futurismo ao Dada medeiam as<br />

distâncias que vão de um discurso colado à arregimentação fascista à denúncia visceral<br />

de qualquer engajamento. Da mesma forma não há qualquer unidade dentre as<br />

experiências artísticas e filosóficas que têm sido postas sob a legenda do PÓS-<br />

MODERNISMO.” (P.53)<br />

PÓS-MODERNISMO Não há sequer acordo sobre o significado desse termo.<br />

Para os americanos: mera correspondência na área cultural do advento da tecnologia<br />

pós-industrial, baseada nos recursos da cibernética e informática.


Para alguns autores: crítica voltada à negação total das vanguardas, que exalta o<br />

período anterior ao modernismo e se inclina para um retorno às fontes da história e do<br />

passado.<br />

Outros ainda denunciam como uma mera pasteurização dos cacoetes das vanguardas,<br />

sem vitalidade e sem compromissos.<br />

Todas essas concepções são de fundo reacionário e esvaziam o sentido crítico<br />

profundo do movimento.<br />

Há autores que se autoproclamam pós-modernista. Há latências passíveis de<br />

discussão como os riscos do esteticismo hermético de Aldo Rossi, ou da fetichização do<br />

passado em Palladio, por exemplo, para só falarmos da arquitetura. Há o<br />

monumentalismo autoritário e a sedução comprometedora pela técnica de Philip<br />

Johnson e dos autores do edifício do Centro Pompidou. O pós-moderno sem dúvida traz<br />

ambigüidades – aliás é feito delas – e deve ser criticado e superado. É isso que ele<br />

propõe: a prudência como método, a ironia como crítica, o fragmento como base e o<br />

descontínuo como limite. (pp. 53-54)<br />

PÓS-MODERNO<br />

Anseio de uma justiça que possa ser sensível ao pequeno, ao incompleto, ao<br />

múltiplo, à condição de irredutível diferença que marca a materialidade de cada<br />

elemento da natureza, de cada ser humano, de cada comunidade, de cada circunstância,<br />

ao contrário do que nos ensinam a metafísica e o positivismo oficiais. A sensibilidade<br />

para a expressão inevitável do acaso, do contraditório, do aleatório. O espaço para o<br />

humor, o prazer, a contemplação, sem outra finalidade senão a satisfação que o homem<br />

neles experimenta. O aprendizado humilde da convivência difícil mas fundamental com<br />

o imponderável, o incompreensível, o inefável – depois de séculos de fé brutal de que<br />

tudo pode ser conhecido, conquistado, controlado. (p.54)<br />

3.8 - PÓS-MODERNO / PÓS-MODERNISMO (JAIR FERREIRA DOS SANTOS / TRECHOS)<br />

In.: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (org.). Pós-Modernidade. 1 a ed.<br />

Campinas: Unicamp, 1987. P. 59-69.<br />

RESUMO:<br />

Para a identificação da literatura Pós-Modernista (Século XX):<br />

Barth (escritor americano) verbos no passado; // Deus, ou qualquer outro grande<br />

referente tipo História, Natureza, Conhecimento são liquidados como abonadores da<br />

ordem ou de um sentido para o universo e a vida; e em seguida é anulado o realismo, a<br />

mais cara das convenções <strong>literária</strong>s, com sua fé de sapateiro numa realidade objetiva<br />

que seria singelamente captada na linguagem por um sujeito-narrador atento e forte, em<br />

franca afinidade com as coisas.<br />

PÓS-MODERNISMO<br />

Literatura bem-humorada, fantasiosa, sem “iluminações”, problematizando ao<br />

máximo a percepção da experiência e da própria literatura. (p.59)<br />

Entropia (desordem) e anti-realismo são os decalques, na literatura, do capitalismo<br />

pós-industrial, baseado na tecnociência e na informação, em ascensão nos Estados<br />

Unidos da América há duas décadas. Receptor de mensagens aleatórias, emitidas pela<br />

“mass media” e os sistemas informatizados, o indivíduo percebe o mundo e a História<br />

como um espetáculo entrópico (desordenado), fragmentário, sem totalidade e irracional,<br />

enquanto à sua volta a realidade se dissolve numa colagem de signos e simulacros cujos


eferentes são remotos ou se perderam. Nesse cosmos tendente ao caos, sem princípio<br />

unificador seja ele cristão ou newtoniano, o sujeito é, quando muito, um átomo<br />

estatístico surfando nas ondas do provável e do incongruente. (p.60)<br />

Anos 60: Nova sensibilidade, não linear, não livresca – quântica no seu feitio<br />

descontínuo – estava sendo modelada pela TV, a moda, a publicidade, o design, o rock.<br />

Era Pop e gregária, dionisíaca e contracultural, experimentadora e sem hierarquias,<br />

enfeixando o que seria a revanche pós-moderna dos sentidos contra a inteligência<br />

modernista. O consumo desbancava a Bíblia, McLhuan abalava Marx e Dylan<br />

silenciava Eliot. Aos escritores americanos do pós-guerra, como Barth, Pynchon, Heller,<br />

Vonnegut, Brautingan, só restava não se oporem a essa sensibilidade pelo<br />

intelectualismo, mas pesquisar um estilo ou anti-estilo para expor sua face apocalíptica,<br />

sua farsa terminal, engendrar uma antiforma para o absurdo sob o guarda-chuva nuclear,<br />

numa era de mutação cultural. (p.60)<br />

Década de 60 (nos EUA): O romance tradicional perdera a eficácia e a credibilidade.<br />

A nova complexidade cultural e social ultrapassava seus meios de espelhar a realidade.<br />

Anteriormente: Dos Passos, Hemingway, Faulkner tinham feito a glória trágica do<br />

indivíduo e do tempo esfacelados, tinham explorado os conflitos da consciência<br />

alienada a poderosas forças sociais. (...) Esses meios explorados por esses escritores<br />

agora pareciam canhestros ante um mundo informacionalmente hiperbólico. (p.61)<br />

1963: Thomas Pynchon incoerência grotesca mas talentosa (Romance V)<br />

ROMANCE V: Alguma coisa experimental e lúdica igual ao modernismo emergia<br />

irredutível, no entanto, ao modernismo, excluindo muitos dos seus dogmas. Vinha sem<br />

revelações epifânicas; descartava o privilégio do artista como guia para iluminar os<br />

porões da subjetividade; substituía a psicologia por uma sociologia meio alegórica meio<br />

delirante; trocava a originalidade formal pela reciclagem, em paródia, dos vários<br />

gêneros; desfazia ou recompunha o enredo sem aludir a uma mítica tomada como<br />

quintessência da realidade; criava enfim sem se pretender “cultura superior”. (p. 61-62)<br />

ROMANCE TRADICIONAL (MODERNO) X ROMANCE PÓS-MODERNO<br />

Argumento de Barth:<br />

(...) numa ambiência niilista, desencantada, o romance tradicional, calcado na ilusão<br />

verossímil, é um flatus vocis... A solução seria jogar esse impasse intelectual contra<br />

si mesmo. Isto é, o romance deve se tornar uma imitação deliberada do romance,<br />

dos gêneros literários ou de qualquer outro texto apto a injetar-lhe sobrevida. Era a<br />

hora da metaficção, literatura sobre literatura, texto que expõe sua fraude e renega<br />

o ilusionismo. (p.62)<br />

O BURLESCO (AUTODEVORAÇÃO CRIADORA)<br />

O burlesco (exagero cômico) vai ser o tom dominante da metaficção. Uma estética<br />

jocosa, fantasista, não-modernista, do absurdo passará por ele. Gênero menor, modo<br />

temático e estilo narrativo, o burlesco, em ação na literatura inglesa desde o século<br />

XVII, surrupiado ao francês Searson, é um dispositivo de paródia que faz rir pela<br />

incongruência entre o fundo e a forma (algo assim como transpor a Eneida com a<br />

linguagem virgiliana para o meio de uma família calabresa vivendo hoje no Brás). Para<br />

fazer rir, o burlesco convoca toda a baixaria: sexo, violência, drogas, loucura, perversão,<br />

escatologia, em outras palavras, a parte maldita com a qual o pós-modernismo, sem<br />

ilusões ante a sociedade tecnológica, desanca o projeto Iluminista em sua crença na<br />

emancipação do homem pelo conhecimento e progresso. Nessa mesma trilha, o


urlesco é ainda a ponte intertextual por onde os autores pós-modernos cruzam o<br />

fosso (bem modernista) entre arte culta e arte de massa: ficção científica, romance<br />

policial, conto de fadas, pornografia, western e quadrinhos são alegremente<br />

canibalizados pelos espíritos mais requintados. (p.62)<br />

METAFICÇÃO<br />

Não é apenas uma fisiologia do escabroso e do bizarro, nem os funerais de gêneros que<br />

se esgotaram. A metaficção é um contra-romance que imita o romance. Ela quer ser<br />

uma nova epistemologia <strong>literária</strong>, um desmascaramento das convenções ficcionais<br />

mantidas intactas pelo próprio modernismo, e por aí, criando mundos verbais<br />

alternativos, ser um ataque à atualidade, na qual, segundo Borges, é total a<br />

contaminação da realidade pelo sonho. (p.63)<br />

NARRATIVA PÓS-MODERNA (ESSA IDÉIA JÁ SE TORNOU CHAVÃO)<br />

Vitimada pela entropia (volta à desordem), caotiza espaço, tempo e enredo.<br />

Enredo: destruído por saturação (Ler Barth) // Acontecem mais coisas do que a<br />

memória pode reter ou seria necessário; ou simplesmente o descartar (ler Donald<br />

Barthelme).<br />

Não existe curva dramática na narrativa pós-moderna // A curva dramática<br />

inexiste e o fim não traz mensagem ética; é antes lugar para glosas. Exemplo: Em Lost<br />

in the Funhouse, Barth-Narrador propõe e rejeita vários finais.<br />

PERSONAGENS: Cômicos (a começar pelo nome) // São emblemas<br />

bidimensionais com rala psicologia, como se extraídos das histórias em quadrinhos; //<br />

São palhaços como nós do acaso (seus desastres não levam à compaixão mas ao riso,<br />

pois lembram, na sua inanidade, na sua estupidez, ou na sua frieza, os bonecos<br />

beckettianos, em que filósofos europeus têm lido o eclipse do sujeito.<br />

TÉCNICA NARRATIVA: Está voltada à incerteza, que na metaficção é endêmica<br />

(uma doença). O labirinto é também instável. Pessoas ou pronomes narrativos podem<br />

se permutar até no meio de uma frase e ficamos sem saber quem está narrando. //<br />

Perda da unidade de tom; // Carga de incerteza, que provoca resistência à leitura,<br />

representa a opacidade do mundo à interpretação, o que é obtido mediante a<br />

desestabilização de elementos antes intocados da gramática narrativa. // Constatação<br />

da narrativa pela narrativa [exemplo (início de um conto): “Percorro a ilha e eu a<br />

invento”]. Segue-se, em 55 fragmentos, uma desova, em abismo, de contos de fadas<br />

mortos pela narração, mal nascem na narrativa, centrados nos motivos da varinha e do<br />

beijo mágicos. (Ler The Magic Poker, de Robert Coover); // No conto “A frase”, de<br />

Donald Baethelme, o personagem é a própria frase que está sendo escrita sem ponto<br />

algum por oito páginas. (p.65)<br />

INTERTEXTUALIDADE<br />

Se a intertextualidade – sistemática, carnavalesca – é marca de nascença no pósmodernismo,<br />

Nabokov (escritor russo) é seu rebento mais radical. Seu fantástico Pale<br />

Fire (1962), cujo humor e inteligência metem no chinelo as Écritures, fatura Tel Quel,<br />

parodia ao mesmo tempo thriller de espionagem, estudo literário e análise filológica, até<br />

consumar-se em delirante máquina intertextual. Pois seu personagem é um poema de<br />

999 versos escrito por John Shade possivelmente a partir de conversas com seu vizinho<br />

Kimbote. Mas Kimbote, que tenta provar sua participação na criação do poema, é um<br />

homossexual lunático que se crê o exilado e perseguido rei de Zembla, e, com isso, a<br />

narrativa nos mantém até o fim flutuando, incertos, entre dois textos e vários níveis de<br />

realidade: o objetivo, o delirante, o ficcional. (p.66)


METAFICÇÃO AMERICANA (Plural nas suas vertentes)<br />

prosa especializada em poesia concreta<br />

romances<br />

pornografias<br />

formalismo ultrachic<br />

narrativa picaresca (ironias)<br />

Em comum: Recusam a dourar o bezerro da ciência e da tecnologia na América pósindustrial,<br />

e porque, esteticamente, ostentam inventividade e consistência à prova de<br />

qualquer crivo crítico. // Os autores de metaficção americana (alguns) pedem<br />

atenção especial.<br />

THOMAS PYNCHON (1937): “Entropia” (conto); V (romance); The Crying of Lot<br />

49 (romance – 1966);<br />

JOHN BARTH (1930): The Floating Opera; Chimera; Letters; Sabbatical; Giles<br />

Goat-Boy (Giles, o Menino-Bode, 1966, 810 páginas); Giles, o Menino-Bode, de John<br />

Barth: Alegoria = paródia da Bíblia; releitura de Édipo, com uma paráfrase em versos;<br />

farsa da guerra fria entre EUA x URSS; reciclagem burlesca do mito do herói errante<br />

(Wandering hero), chupado confessadamente ao livro The Hero With Thousand Faces,<br />

de Joseph Campbell. Seu alvo predileto, no entanto, é a ciência. Todos os cientistas são<br />

cretinos ou defeituosos, e, logo na terceira página, Max Spielman, pastor de Giles e<br />

Psicoproctologista matemático, desvenda o mistério do Universo medindo o ânus das<br />

cabras, com uma das quais é amasiado. A metáfora universitária esculacha não só a<br />

política como também o ensino americano, onde o passar (pass) ou esmerdear (flunk) é<br />

convertido em princípio absoluto. Os computadores, que são autoprogramáveis,<br />

simbolizam a troca da liberdade frente ao destino pela tecnologia, mas também<br />

permitem ao ecletismo pós-moderno de Barth a deglutição <strong>literária</strong> da ficção científica.<br />

Em seu pique à [à moda de] Rabelais, símbolos e metáforas a serviço da burla<br />

filosófica, Barth castiga numa só verdade: sendo ilusório o heroísmo, viver é passar da<br />

fantasia ao saber, da ingenuidade à consciência, mas inutilmente. Se estamos perdidos<br />

no mito, estiolamos no saber. Da ilusão perigosa à ciência triste, o percurso é pela<br />

desmistificação e o ridículo. Somos uma lucidez desencantada. Se não há fins ideais que<br />

norteiem os meios, o niilismo bate no coração do conhecimento.<br />

O americano, dizem, vai à Disneylândia para sentir que fora dali sua vida é real. O pósmodernismo<br />

está ancorado aqui: na insustentável leveza de não crer nem na realidade<br />

nem na ficção. Nesse desvão descrente passeiam os simulacros ofertados pelos mass<br />

media, os modelos computacionais, a tecnociência – nova ordem na qual a simulação do<br />

romance pela sua destruição ainda é subversiva, porque invoca clownescamente, se não<br />

verdades, ao menos possibilidades atravessadas pelo absurdo, o que é sempre<br />

inquietante. Não é outro o motivo da generosa acolhida que essa literatura teve entre os<br />

jovens.<br />

Na origem dessa virada estética sem dúvida está o fato de que, sem projeto histórico<br />

além do consumo, sem novos ideais em substituição aos valores tradicionais, a<br />

sociedade pós-industrial abandona o artista à deriva de um pacto patafísico com a<br />

entropia: se a desordem é o destino, vamos rir enquanto é tempo. Pois ele sabe que a<br />

arte, na visão pós-moderna, não passa de um “sublime excremento” e que chegou tarde<br />

demais. Sua voz é vazia, glacial, alusiva, inumana, retrô. O que afinal, para ainda dar o


que pensar, não é um privilégio pós-moderno. Como transcreve Barth num<br />

surpreendente ensaio publicado nos anos 70, The Literature of Replenishment, o escriba<br />

egípcio Khakheperresemb já se queixava 200 anos antes de Cristo: “Tivesse eu frases<br />

desconhecidas, palavras singulares numa língua jamais usada...” (pp. 70-71)<br />

3.9 - PÓS-MODERNO / NARRATIVAS<br />

ANOS 60 (MOMENTO DE TRANSIÇÃO PARA O PÓS-MODERNISMO NA LIT. BRASILEIRA)<br />

• Nova sensibilidade não linear, descontínua (modelada pela TV, a moda, a<br />

publicidade, o design, o rock);<br />

• Pop X gregária;<br />

• Dionisíaca X contracultural;<br />

• Experimentalista X sem hierarquias;<br />

• REVANCHE PÓS-MODERNA DOS SENTIDOS CONTRA A INTELIGÊNCIA<br />

MODERNISTA<br />

• A IDEOLOGIA AMERICANA DIRECIONANDO<br />

• CONSUMO E DESBANCANDO A BÍBLIA<br />

• McLhuan abalando Marx<br />

• Bob Dylan silenciando T. S. Eliot.<br />

3.10 - TENDÊNCIA LITERÁRIA<br />

• Sensibilidade (oposição ao intelectualismo);<br />

• Pesquisa de um estilo, ou anti-estilo, para expor a face apocalíptica da realidade;<br />

• Engendramento de uma anti-forma para o absurdo (localizado sob o teto nuclear);<br />

• Tendência <strong>literária</strong> inserida numa Era de mudanças culturais.<br />

ANTES DE 60 (MODERNISMO)<br />

• Exploração dos conflitos da consciência (alienada a poderosas forças sociais)<br />

DEPOIS DE 60 (PÓS-MODERNISMO)<br />

• EXPLORAÇÃO DE UM MUNDO INFORMACIONALMENTE HIPERBÓLICO;<br />

• ALGO MEIO PARECIDO COM A TENDÊNCIA MODERNISTA (EXPERIMENTAL E<br />

LÚDICA), MAS EXCLUÍNDO MUITO DOS SEUS DOGMAS.<br />

EXEMPLOS:<br />

• Excluindo as revelações epifânicas (Clarice Lispector e Guimarães Rosa <br />

epifânicos);<br />

• Descartando o privilégio do Artista como guia para “iluminar” os porões da<br />

subjetividade;<br />

• Substituindo a psicologia por uma sociologia meio alegórica, meio delirante;<br />

• Trocando a originalidade formal pela reciclagem, em paródia dos vários gêneros;<br />

• Desfazendo e recompondo o enredo, sem aludir a um arcabouço mítico (o mítico<br />

com quintessência da realidade);<br />

• Criação sem pretensão a uma “cultura superior”;<br />

• Testamento com alegorias onde o apocalipse é um thriller à moda dos quadrinhos.<br />

• Literatura-Paródia ou Literatura de Exaustão;<br />

• Homenagem aos autores de antes;<br />

• Sacralização desses autores (principalmente, de Jorge Luis Borges): notas de péde-página<br />

a textos imaginários;<br />

• Ambiência niilista, desencantada;<br />

• Embate intelectual: Literatura X literatura;


• Impasse intelectual (o intelectual-indivíduo contra o mundo intelectual<br />

circundante) // A narrativa ficcional imitando deliberadamente a narrativa<br />

ficcional, os gêneros literários ou qualquer outro texto apto a injetar-lhe<br />

sobrevida (METAFICÇÃO: literatura sobre literatura / texto que expõe sua<br />

própria fraude e renega o ilusionismo);<br />

PÓS-MODERNISMO:<br />

AUTODEVORAÇÃO CRIADORA (os instrumentos ainda estavam<br />

por inventar, ou reinventar, por isto, o indivíduo-narrador busca no exagero<br />

o tom dominante de sua metaficção) ESTÉTICA DO ABSURDO<br />

Características da Literatura Pós-Modernista:<br />

♦ Romance-Ensaio<br />

Detém-se na análise de fatores íntimos e reações psicológicas familiares;<br />

Situado na confluência do existencialismo e do realismo crítico, exprimindo com<br />

sutil e desencantada lucidez uma problemática do nosso tempo e situação;<br />

Expressão da vivência do tempo, das relações entre o passado e o presente;<br />

Escrita revolucionária. A caneta como arma, ou então, como um juíz implacável,<br />

questionando, indagando, apontando as falhas do Sistema. Só que este “juíz” não<br />

tem respostas para os seus questionamentos e indagações e não tem poder<br />

ideológico suficiente para consertar os “erros” que incomodam.<br />

♦ Escrita-Pesquisa<br />

Não há um projeto ficcional que a sustente;<br />

Narrador: não sabe o que vai escrever;<br />

Obra: é a ficção acontecendo; o mundo ficcional se movimentando e, ao mesmo<br />

tempo, sendo construído desordenadamente; Literatura-Viva;<br />

Tentativa de preenchimento discursivo (diferente da forma romanesca tradicional<br />

com princípio, meio e fim).<br />

MUNDO REAL (VITAL) X MUNDO FICCIONAL<br />

- Caótico e confuso - Caótico e confuso<br />

- Fragmentado - Fragmentado<br />

- Inautêntico - Inautêntico<br />

- Realidade vital absurda - Realidade ficcional absurda<br />

- Homem-objeto - Personagem-objeto<br />

Outras características:<br />

♦ Vida existencial e vida ficcional: várias dimensões que se interpenetram, cada<br />

uma possuindo leis próprias e particulares. Por exemplo: vida social, vida<br />

íntima, vida conjugal, vida religiosa, etc.<br />

♦ O romancista não aceita o tempo cronológico, linear, previsível, assim,<br />

observa-se a confusão espacial e temporal, produzida pelo monólogo interior<br />

ou diálogo entre vários “eus” ficcionais que, na verdade, representam uma<br />

outra forma de monólogo interior do próprio ficcionista.


3.11 - NARRATIVA PÓS-MODERNA/PÓS-MODERNISTA DE 1 a GERAÇÃO<br />

♦ REJEITA OS VALORES FICCIONAIS JÁ CONHECIDOS;<br />

♦ REGISTRA, POR MEIO DE UM TURBILHÃO DE PALAVRAS, A AVENTURA<br />

EXISTENCIAL DE UM HERÓI PROBLEMÁTICO, O PRÓPRIO NARRADOR,<br />

ALTER EGO DO ESCRITOR PÓS-MODERNO;<br />

♦ O HERÓI PROBLEMÁTICO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E INÍCIO<br />

DO SÉCULO XXI É O PRÓPRIO ESCRITOR (HERÓI PROBLEMÁTICO DE UMA<br />

NARRATIVA PROBLEMÁTICA).<br />

Rejeitando os valores já conhecidos da ficção linear, problematizando a realidade<br />

ficcional, o escritor do século XX e início do século XXI só tem duas saídas:<br />

1 o ) Como porta-voz da realidade vital, ele imagina também uma realidade<br />

objetiva (social ou psicológica). Sua proposta inicial: oferecer aos leitores seu<br />

testemunho pessoal de uma realidade que ele almeja decifrar. Ele está vivendo um<br />

momento de crise, não sabe como enfrentar o porvir, e a sua obra torna-se o meio<br />

de expressão desse desequilíbrio (ou seja, de como estar e permanecer no mundo).<br />

2 o ) A realidade é apenas um pretexto para o seu narrar. A forma (a palavra) é mais<br />

importante para a realização da narrativa. A forma que dará consistência à sua voz<br />

ininteligível, monocórdia, solitária, repleta de “rumores brancos” (ler: Rumor<br />

<strong>Branco</strong>, de Almeida Faria, 1962, ficcionista português). A forma abrangendo,<br />

atropeladamente, toda essa realidade. O escritor esvazia as imagens tradicionais,<br />

ficcionais, que dão consistência a essa realidade; contesta, desarticula, rejeita as<br />

técnicas discursivas já sacralizadas.<br />

3.12 - NARRATIVAS PÓS-MODERNAS/ PÓS-MODERNISTAS DE 1 a E 2 a GERAÇÕES<br />

Em busca da linguagem primordial. O homem primitivo (o primeiro de uma Nova<br />

Era) se apoderando da linguagem, afastado das regras idiomáticas que<br />

conduziram a humanidade até então.<br />

ESCRITOR PÓS-MODERNO/PÓS-MODERNISTA DE 2 a GERAÇÃO: É o<br />

Senhor Absoluto dessa linguagem e, já que não há regras a seguir, está livre para<br />

utilizá-la do jeito que quiser.<br />

3.13 - SOBRE O MARXISMO INDEPENDENTE DE GEORG LUKÁCS COMO AUXILIAR NOS<br />

ESTUDOS DE LITERATURA PELO PONTO DE VISTA DE TEOFILO URDANOZ<br />

URDANOZ, Teofilo. História de la Filosofia. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1985<br />

(Vol. VIII): 33-37.<br />

Georg Lukács iniciador da corrente de marxistas independentes que surgiram fora<br />

da Rússia Soviética. // Lukács alcançou especial notoriedade por seus vários desvios da<br />

ortodoxia marxista, durante sua longa vida. E também por sua grande fama e influência<br />

sobre a corrente neomarxista, graças a sua fecunda atividade <strong>literária</strong>, como crítico de<br />

arte e teórico da estética marxista. (op.cit.: 33)<br />

MARXISMO REVISIONISTA<br />

Lukács pensador marxista, inconformista e recalcitrante.<br />

abre caminho a uma série de marxistas independentes do mundo ocidental.<br />

não se satisfaz com o socialismo materialista, que impunha o abandono<br />

da cultura das ciências do espírito.<br />

“A longa e turbulenta vida de Lukács é um caso típico de pensador marxista<br />

inconformista e recalcitrante que posteriormente vai servir de exemplo e abrir o


caminho a uma série de marxistas independentes do mundo ocidental, recusando-se a<br />

ligar-se aos rígidos cânones dogmáticos do marxismo-leninismo.” (op. cit.: 34)<br />

“As interpretações pessoais da filosofia marxista desenvolvidas por Lukács<br />

renovam, a seu modo, os desvios esquerdista e direitista que foram dados nas discussões<br />

internas do marxismo russo. Sua obra, de 1923, História e Consciência de Classe, que<br />

revela uma profundeza especulativa superior à dos marxistas de então, representa o<br />

revisionismo de esquerda, semelhante ao professado na Rússia por Deborin, ainda que<br />

de signo mais radical. No prólogo posterior, de 1967, esclarece (explica) seu sentido,<br />

dizendo que o livro ‘significou o intento, provavelmente mais radical, de reatualizar o<br />

revolucionário de Marx, mediante uma renovação e continuação da dialética hegeliana e<br />

seu método. A empresa resultou porque, paralelamente, ou seja, naqueles mesmos anos<br />

se faziam cada vez mais intensas, na filosofia burguesa, as tendências à renovação de<br />

Hegel. (op. cit.: 37)<br />

3.14 - MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE: CARACTERÍSTICAS SÓCIO-CULTURAIS E FICCIONAIS<br />

(SÉCULO XX AO INÍCIO DO SÉCULO XXI)<br />

• Transformação do mundo: rompimento com as tradições seculares;<br />

• Descaso;<br />

• Corrupção;<br />

• Construção e Destruição;<br />

• Progresso técnico;<br />

• Industrialização avançada;<br />

• Ligação de longas distâncias;<br />

• Crescimento rápido;<br />

• Desenvolvimento acelerado;<br />

• Realce dos valores econômicos;<br />

• Novas tecnologias;<br />

• Desapego à religião;<br />

• Criação de novos conceitos religiosos;<br />

• Emancipação das áreas do saber;<br />

• Apropriação e reformulação dos saberes (religiosos e/ou filosóficos) de culturas<br />

antigas e/ou exóticas e transformação das mesmas em literatura direcionada à massa.<br />

3.15 - SOBRE A FICÇÃO PÓS-MODERNISTA (DE 2 a GERAÇÃO) DE ROGEL SAMUEL<br />

(NEUZA MACHADO<br />

“É evidente que, em relação às obras, as idéias permanecem sempre breves, e que nada pode<br />

substituir as primeiras. Um romance que não fosse mais do que o exemplo de gramática que<br />

ilustra uma regra ─ ainda que acompanhada de sua exceção ─ seria naturalmente inútil: bastaria<br />

o enunciado da regra. Exigindo para o escritor o direito à inteligência de sua criação, e insistindo<br />

sobre o interesse que a consciência de sua própria pesquisa representa para ele mesmo, sabemos<br />

que é sobretudo ao nível do estilo que esta pesquisa se realiza, e que no instante da decisão nada<br />

está claro. Assim, após ter indisposto os críticos ao falar da literatura com a qual sonha, o<br />

romancista se sente repentinamente desarmado quando esses mesmos críticos lhe pedem:<br />

“Explique-nos portanto por que você escreveu esse livro, o que significa, o que você pretendia<br />

fazer, com que intenção você empregou esta palavra, por que construiu esta frase desse modo?<br />

Diante de semelhantes perguntas, seria possível dizer que sua “inteligência” não lhe serve para<br />

mais nada. O que ele quis fazer foi apenas aquele livro mesmo. Isto não quer dizer que ele está<br />

sempre satisfeito com esse livro; mas a obra continua a ser, em todos os casos, a melhor e a<br />

única expressão possível de seu projeto. Se o escritor tivesse tido a faculdade de dar uma<br />

definição mais simples de seu projeto, ou de reduzir suas duzentas ou trezentas páginas a uma<br />

mensagem em linguagem clara, de explicar o funcionamento de seu projeto palavra por palavra,


em suma, de dar a razão de seu projeto, não teria sentido a necessidade de escrever o livro. Pois<br />

a função da arte não é nunca a de ilustrar uma verdade ─ ou mesmo uma interrogação ─<br />

antecipadamente conhecida, mas sim trazer para a luz do dia certas interrogações (...) que ainda<br />

não se conhecem nem a si mesmas.” (Conf.: ROBBE-GRILLET, Alain. Por um novo<br />

romance. Ensaios sobre uma literatura do olhar nos tempos da reificação.<br />

Tradução: T. C. Netto. São Paulo: Documento, 1969: 11)<br />

“Com estas palavras de Alain Robbe-Grillet, sobre o novo romance (não apenas<br />

francês), o fenômeno literário que marcou o globalizado e caótico século XX (o século<br />

que propiciou a difícil transição histórica da modernidade para a pós-modernidade),<br />

palavras estas escritas no final da década de cinqüenta, exprimo o meu empenho de<br />

dialogar reflexivamente com a obra de Rogel Samuel denominada O Amante das<br />

Amazonas i (publicada em segunda edição, em 2005, pela editora Itatiaia de Belo<br />

Horizonte). Recupero as asserções de Robbe-Grillet sobre o narrador do século XX<br />

(neste momento interativo da crítica <strong>literária</strong> no Brasil, e neste início de século XXI),<br />

porque medito sempre o enigma criador do ficcionista do todo do século passado,<br />

independente de sua localização de nascimento, e percebo que as “inovações”<br />

ficcionais, daquele momento, continuam hoje sob “renovadas” roupagens, e as questões<br />

teórico-críticas (que enlaçam o escritor ficcional), levantadas por Robbe-Grillet,<br />

continuam ainda a fazer parte da realidade sócio-intelectual do crítico literário<br />

brasileiro. Retomo o assunto, porque, nestes tempos pós-modernos, tempos<br />

globalizados, o escritor (seja de qualquer nacionalidade, poeta ou ficcionista ou<br />

dramaturgo ou outro direcionamento literário) se coloca na obrigação de explicar a sua<br />

criatividade à chamada imprensa cultural dominante. É matéria verdadeira que somente<br />

algumas questões visíveis são questionadas, porque, as invisíveis vão estar resguardadas<br />

no plano particular do autêntico texto-obra, a exigir que o leitor-especulador do<br />

momento histórico de sua publicação, ou de épocas futuras, as venha examinar. Sem o<br />

aval das explicações exigidas (uma vez que os textos ficcionais da pós-modernidade são<br />

de difícil entendimento), o escritor dos dias de hoje não se contempla reconhecido pela<br />

mass media como criador literário, perdendo por tal desvalimento a oportunidade de ser<br />

lido, o que, convenhamos, é o anseio normal de quem escreve.<br />

Esta propedêutica, objetivando espelhar a posição do crítico literário atual, se<br />

fez/faz-se necessária, porque a enxergo apontada em minha direção, uma vez que, para<br />

interagir com a diferenciada obra ficcional de R. Samuel, respeitante ao espaço<br />

geográfico do Amazonas ─ social e mítico ─, lugar pouco conhecido à minha própria<br />

percepção intelectiva, movi-me, inicialmente, em busca das estimáveis explicações do<br />

próprio escritor, acauteladas nas diversas entrevistas por ele permitidas aos jornalistasinternautas.<br />

Por intermédio das Entrevistas, Rogel Samuel ofereceu, aos leitores de seu<br />

romance, encaminhamentos seguros sobre a natureza de sua criatividade ficcional a qual<br />

reputo como autenticamente Pós-Moderna/Pós-Modernista de Segunda Geração.<br />

Autêntica, porque há no momento inautênticos autores que se fazem passar por<br />

ficcionistas pós-modernos, mas que são, em verdade, escritores-mercadores de uma<br />

literatura de massa sem nenhum crédito no âmbito da Arte Literária. Apenas foram<br />

conceituados pela mídia enganosa deste momento sócio-intelectual como bons<br />

escritores, para visarem ao lucro em detrimento da qualidade de um texto. O romance de<br />

Rogel Samuel, pelo exame teórico-interpretativo-reflexivo, ultrapassa tais exigências<br />

comerciais, pelo fato de ser uma narrativa de alto nível criativo e se inserir no que<br />

qualifico como peculiar obra pós-moderna.”


3.16 - LEITURA CRÍTICO-REFLEXIVA DE NEUZA MACHADO (SOBRE O AMANTE DAS<br />

AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL<br />

(Conferir: literaturarogelsamuel.blogspot.com.br)<br />

O início do capítulo quarto do nosso “O amante das amazonas” ou “PAXIÚBA”<br />

diz assim:<br />

“E chega que alguém diz: “Bons dias” (a voz como era?) - sim, que quem se<br />

introduz nesta estória e então fala é o enorme bugre caboclo Paxiúba, naquela época<br />

com cerca de dezenove anos, mas já bem dotado de grande, de nome, de alto, de um<br />

metro e noventa e dois de altura, ah, bem me lembro inteiro dele sim, a gente fica velho<br />

mas, antes de morrer, a memória a gente aviva, e nela vive, até o tampo do tempo nos<br />

apagar, gatão lustroso que passa sua língua, nada, no para, o esquecido, tal que logo<br />

desaparecemos que vai ser como se nem nunca tivéssemos existido, nem mesmo como<br />

personagem de ficção que é o que é. Mas o olho burro tudo vê, e registra ─ mosca da<br />

vida sobre a rosa de sangue e da conversa vã. Pois sim. Que diz-que Paxiúba era filho<br />

de um negro barbadiano da Madeira-Mamoré com uma índia Caxinauá que não conheci,<br />

e se tomou lendário e eterno ─ ele-mesmo se aproximando assim, remando silencioso e<br />

feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa, que ficava na<br />

margem esquerda do Igarapé do Inferno, submerso e distribuído pelo prestigioso vale.<br />

“Pois se aproximava somente para dizer: “Bons dias”, e assim se referia a uma<br />

certa e acocorada Zilda, esposa do Laurie Costa, lavadeira das roupas, agachada sobre a<br />

prancha lisa, lixiviada, de Itaúba, tabuão de sabão, ─ ela nem o tinha visto e pressentido<br />

em suas costas feito um jacaré inteiro estirado imenso ─ Paxiúba na montaria,<br />

espetáculo bom de ver, mas literário, mas enorme de belo, que já o conheci assim,<br />

escuro caboclo e tigre, grandão, desenvolto, olho de cobra, de bicho, poderosamente<br />

selvagem, no vivo, no ensolarado do olho amarelo, luminoso, feroz, sobre musculatura<br />

nobre de dar inveja às estátuas do Louvre, erguida cabeça sobre o pescoço grosso,<br />

sólido, de muito viva, e guerreira, assassina, arisca subjetividade ─ era assim que ele<br />

vinha, cínico, atravessador, a ninguém poupando ou aturando, nem a juiz, como se<br />

dissesse: “te conheço: sei quem és” ─ o certo da culpa, gesto indecente e ameaçador, de<br />

assustar policial ─ seu poder vinha do cheiro de camaru que arrancava da vítima fácil<br />

confissão antecipada, sim, enfraquecia e anestesiava a gente, nos dando um sono sob<br />

seu pulso, que se sabia dele em quem nunca se pôde confiar ─ impondo mole aquilo que<br />

o sustentava nos seus sangrentos desígnios e poderes, saberes e prazeres, o que<br />

encontrava no fundo de nós-mesmos, arrancados e submetidos à acessibilidade, ah, o<br />

bruto, mas fundamental, da impressão fugidia para a certeza, correta e culposa, que<br />

coage, que oprime, na lógica da nossa tenebrosa região infantil, a revelar-se, impelida, à<br />

força hipnótica, para fora, para novas submissões, e sorrisos, se infiltrando nas fendas<br />

do poder de onde imperava, ardiloso e interno, na interseção vazia e na interdição da<br />

resposta, na inversão das forças a ré, malandragem desmascarava única nobreza,<br />

qualquer dignidade sobrevivente: “Diga sua verdade” ─ era a linguagem da ordem de<br />

seus olhos no risco do seu sorriso sensual e perverso, sublinhado por esboço de pecado<br />

que nos fotografava, que nos dizia, no espelho avaliado das baixezas. Paxiúba era bom<br />

de não se encontrar de repente, na estrada deserta. Exigia prudência, medo e prática<br />

muda da obscura familiaridade com a ternura se via na transmissão de seu segredo. Em<br />

uma palavra: explícito. Quando se retirava, a gente se persignava. Porque se efetivava<br />

guerreiro de épocas irregulares, de tempo inverso, remotíssimos mecanismos ardilosos,<br />

das possibilidades do corpo, privilegiadas, sexuais, capazes de muito realizar,<br />

sedimentando o músculo vivo e assumido. Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada


e brutal, sombria, desconhecida, nociva. E a montaria, transpostos os espaços da<br />

vigilância, esbarrava nela, na prancha do cais onde Zilda lavava roupa branca e pura,<br />

iluminada, a espuma saindo e se indo assim de sabões e bolhas de vidro, se esparzindo<br />

na bordadura branca da superfície do rio espelhado de sol e na purificação religiosa da<br />

água.”<br />

A LEITURA DE NEUZA MACHADO (MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda<br />

da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel. Rio de Janeiro: N.<br />

Machado, 2008. 105p.) se inicia desse modo:<br />

“Manifestado à moda dos lendários heróis de misteriosas histórias de cerimônias<br />

e cultos diversos, Paxiúba é a encarnação mítico-ficcional de antigos guardiões<br />

extravitais (de qualquer arcabouço esotérico da humanidade; humanidade esta quase<br />

sempre conduzida por elementos das forças sobrenaturais), os quais povoaram, ao longo<br />

do tempo, a poderosa imaginação reduplicada, sintagmática, do mundo dos conceitos<br />

veneráveis. Paxiúba se configura como o símbolo das forças da natureza selvagem do<br />

Amazonas (no caso, o estrato mítico-substancial da sociedade indígena amazonense) e,<br />

acima de sua aparência exterior, a matéria épica se faz presente no relato ficcional,<br />

realçando o prestígio prosopopaico de sua natureza humana.<br />

“Se me encontro aqui como apreciadora de obra ficcional da pós-modernidade,<br />

envolta em minhas próprias teorizações analítico-fenomenológicas sobre um assunto no<br />

qual eu mesma me alterco constantemente, confirmo que em O Amante das Amazonas<br />

há um altíssimo grau de entropia no sistema de narração (ausência da ordem narrativa à<br />

moda tradicional). Para explicitar o seu personagem mítico-ficcional Paxiúba, o criador<br />

pós-modernista de Segunda Geração se vale dos enclaves narrativos, tão do gosto dos<br />

escritores pós-modernos/pós-modernistas da Primeira Geração. Entretanto, enquanto<br />

autor-criador de um novo direcionamento estético-ficcional, mais de acordo com a<br />

vivência do homem do século XXI, objetivou abandonar o estereótipo (lugar comum)<br />

do personagem reificado (inacreditável, fantasioso) da primeira fase, procurando<br />

descortiná-lo por meio de um olhar diferenciado (o ser mítico a se transformar em<br />

humano), circunscrito a insólitos acontecimentos dinamizados. (Preciso esclarecer que<br />

os escritores do final do século XX, dos anos 80 para cá, perceberam as qualidades<br />

intrínsecas das regras sócio-culturais do século XXI, e, por sua vez, como participante<br />

ativo daquele momento, o narrador rogeliano enxergou criativamente a mudança que já<br />

se avizinhava).<br />

“A entropia narrativa, no século XX, surgiu das pioneiras modalidades sócioculturais<br />

capitalistas, intermediárias de uma novíssima ciência, baseada em um conjunto<br />

de métodos científicos, de novas modalidades existenciais que visavam resolver os<br />

problemas do homem pós-moderno. Fundamentado-se em normas predominantemente<br />

científicas e em transmissões de notícias generalizadas oferecidas pelos meios de<br />

comunicação em evidência naquele momento (rádio, televisão e cinema), as mensagens<br />

saíam de uma realidade cotidiana, poderosa, mas que já chegavam descaracterizadas aos<br />

destinatários, propiciando espetáculos insólitos. Assim, a técnica discursiva da<br />

propaganda impôs suas diretrizes no universo ficcional da pós-modernidade, naquela<br />

Primeira Geração de escritores ficcionistas, obrigando-os a “criar” seus textos ─<br />

sintagmáticos ou paradigmáticos ─ pelo ponto de vista de uma realidade liquidificada,<br />

reduzida a diversas cópias (ou colcha-de-retalhos, ou patchwork quilt) de conceitos<br />

vitais diversificados e entrelaçados, conceitos esses vistos pelos críticos da literatura do


final do século XX como simulacros de uma realidade há muito despojada de suas<br />

características fundamentais.<br />

O bugre Paxiúba, que chega dizendo “Bons dias” à lavadeira Zilda (nesta<br />

segunda etapa da narrativa), não é um simples personagem reificado. Ele possui um<br />

nome que o dignifica. Em seus domínios míticos, ele é Pati’ ïwa que, em tupi, significa<br />

“palmeira dos igapós”, uma planta palmácea, das regiões amazonenses alagadas pela<br />

chuva (igapós), que mede cerca de dez a quinze metros de altura. A dimensão ficcional<br />

do Manixi (o Palácio e as terras que o cercam) pertence à matéria mítica. O bugre<br />

Paxiúba traduz a heroicidade dos lendários habitantes de um lugar de pura maravilha (e<br />

a palavra maravilha aqui não possui sentido telúrico). Aquele índio mestiço ─ filho de<br />

uma índia caxinauá e de um negro barbadiano ─ jamais poderá ser conceituado como<br />

um personagem sem nome, o que caracterizou as narrativas do Primeiro Momento Pós-<br />

Moderno/Pós-Modernista. Paxiúba não poderá ser avaliado como um personagem<br />

menor, sem qualidade <strong>literária</strong>, a se debater no Caos das chamadas narrativas insólitas,<br />

porque sua grandeza mítica se solidifica até ao final narrativo, mesmo quando o núcleo<br />

ficcional se traslada para a Cidade de Manaus.<br />

No máximo, se me predisponho a avaliá-lo somente pelo ponto de vista das<br />

regras estruturais da ficção (analise cientificista), uma vez que o próprio narrador<br />

concedeu-me esta incursão teórico-crítica, ao revelá-lo como “espetáculo bom de ver,<br />

mas literário”, ou seja, índio-bugre “enorme tetrápode”, aventuro-me a dizer que o<br />

caboclo Paxiúba se presentificou, na ficção rogeliana, por meio da narração simbólica,<br />

passada de geração a geração, como demonstrativo do valor das origens do homem<br />

amazonense. Assim, aqui, por intermédio da palavra do escritor, nomeando-o como<br />

“literário”, apresenta-se uma diferenciada força da matéria mítico-ficcional. Todos os<br />

adjetivos qualificativos, utilizados pelo ficcionista, impelem o leitor a concebê-lo como<br />

um ser extraordinário. E o extraordinário jamais significará a realidade vital<br />

sedimentada no racionalismo cientificista. A perfeição mítica, dos primeiros segmentos<br />

narrativos, o coloca em uma posição privilegiada: Paxiúba, o “poderosamente<br />

selvagem”, possui uma “musculatura nobre de dar inveja às secularmente conceituadas<br />

estátuas do Louvre, pois possui a cabeça erguida sobre o pescoço grosso, sólido, de<br />

muito, e guerreira, assassina, arisca subjetividade”. E quem confirma a grandeza de<br />

Paxiúba, sabe o por quê de tal afirmação. As estátuas do Museu do Louvre foram,<br />

muitas vezes, analisadas, ou mesmo interpretadas pelo escritor, um homem que nunca<br />

se recusou às aventuras das viagens internacionais, um conhecedor inconteste das<br />

reverenciadas obras dos grandes artistas de todos os tempos, obras estas destacadas nas<br />

famosas paredes e galerias do Museu francês.<br />

“A água doce é a verdadeira água mítica” ii , assim afirmou Gaston Bachelard.<br />

Paxiúba “se introduz na história e então fala” porque, para criar o espaço tridimensional<br />

do Manixi ─ sócio-mítico-ficcional ─, patrocinado pelo elemento água (garantindo-lhe<br />

perenidade), e para, posteriormente, lançá-lo no imaginário-em-aberto do leitor<br />

reflexivo, o narrador pós-modernista de Segunda Geração percebeu a necessidade de<br />

uma outra renovada e poderosa chave, para abrir-lhe a porta da dimensão mítica,<br />

sobrenatural, de uma terra desconhecida. Na primeira etapa da narrativa rogeliana, a<br />

chave resguardada pelos “parentes” possibilitou ao narrador-personagem Ribamar de<br />

Sousa a interação com os aspectos históricos visíveis daquela realidade diferenciada. O<br />

tio Genaro e o irmão Antônio, possuidores da primeira chave, conheciam somente as<br />

duas margens conceituais do Igarapé do Inferno e umas poucas trilhas terrestres do<br />

Manixi. Não eram natos do lugar, portanto, não poderiam propiciar ao narrador do


século XX um incomum reconhecimento das peculiaridades mítico-ficcionais, ainda não<br />

nomeadas, daquele fabuloso espaço sócio-substancial. Por conseguinte, urgia encontrar<br />

uma solução que o levasse a interagir com as aquáticas sinuosidades desconhecidas da<br />

narrativa, ou seja, intuir uma singular chave transcendental. E eis que Paxiúba se<br />

introduz na história, diferenciado dos “parentes”, revelando o poder de fala dos antigos<br />

narradores de tempos heróicos.<br />

“A voz como era?”, indaga o primeiro narrador, maravilhado com a sua nova<br />

direção ficcional. Paxiúba, o bruto, possui o poder da voz que representa o herói mítico.<br />

Assim, como uma divindade semi-humana, possui voz tonitruante. Somente os heróis<br />

mitificados possuem voz poderosa. Este “herói” é o possuidor da chave simbólica que<br />

fará o primeiro narrador, agora também mitificado, a percorrer com o próprio olhar<br />

diferenciado, a mão dinamizada e o imaginário fantasticamente iluminado, os limites<br />

mágicos do Manixi. “Ah, bem me lembro inteiro dele sim, a gente fica velho, mas, antes<br />

de morrer, a memória a gente aviva, e nela vive, até o tampo do tempo nos apagar”,<br />

revela o primeiro narrador. As lembranças fazem parte da memória, e na memória se<br />

concentra o poder mítico. A memória mítica só resguarda tempos heróicos e seres extrareais,<br />

mesmo assim, não se pode duvidar de sua verdade. A verdade mítica será sempre<br />

renovada, revestida por novas roupagens. Neste intervalo narrativo-ficcional, o narrador<br />

terá de passar pela iniciação do conhecimento primordial e sobrenatural. Páginas<br />

adiante, o segundo e verdadeiro narrador entrará ficcionalmente e vitoriosamente no<br />

“quarto escuro” do repouso fervilhante, para de lá sair renovado. Neste segundo<br />

momento ficcional, Paxiúba é o representante da chave mítica (chave mágica). A<br />

terceira chave, transcendental (oriunda do plano da consciência dinamizada), aquela que<br />

vigorou/vigora no imaginário-em-aberto do escritor Pós-Moderno/Pós-Modernista de<br />

Segunda Geração, desde o início da narrativa, só será percebida e interpretada pelos<br />

leitores-eleitos “incomodados” quando o segundo narrador se predispuser a aparecer no<br />

fluxo interativo do recontar renovado.<br />

No entanto, este narrador da pós-modernidade, narrador do escritor do final do<br />

século XX e princípio do século XXI, querendo ou não, pois se vê envolvido pelas<br />

diferenciadas normas ficcionais de seu momento social, terá de se valer da técnica do<br />

olhar simulador para apresentar o Manixi, o espaço sócio-ficcional de sua narrativa.<br />

Assim, o Palácio do Manixi e as terras que o rodeiam terão de aparecer em toda a sua<br />

grandiosidade e imponência, à moda dos simulacros televisivos e cinematográficos que<br />

imperaram (imperam) em sua atualidade. Por enquanto, a saída digna, irrepreensível,<br />

para que, posteriormente, o verdadeiro narrador possa desmistificar a sua própria<br />

realidade vital e a sua outra diferenciada realidade sócio-ficcional, é buscar nos<br />

domínios do mito uma diretriz qualificada que apresente, aos leitores do momento e aos<br />

leitores do futuro, a suntuosidade exigida pelo hodierno momento histórico das<br />

grandezas simuladas. O arcabouço mítico será sempre uma dimensão que em todo<br />

tempo satisfará tais requisitos. Paxiúba é o guardião da chave. O narrador terá de eleválo<br />

à categoria de herói mítico-ficcional. No entanto, como semi-humano, o seu aparecer<br />

glorioso, ao longo da segunda etapa da narrativa, não representará um simulacro. A<br />

verdade da ficção-arte do Pós-Moderno/Pós-Modernismo de Segunda Geração<br />

ultrapassa os limites da simulação do fingir depreciativo (simulacro), para, em seguida,<br />

alcançar a glória do fingir da literatura-arte (recriar). E convenhamos: são poucos os<br />

escritores eleitos para tal missão, neste tempo presente de incomuns calamidades.<br />

“Mas o olho burro tudo vê, e registra (...)”. O teórico da literatura de orientação<br />

fenomenológica, neste início de século e de milênio, não poderá desprestigiar as


expressões ficcionais que o “incomodam”. Por que “olho burro”? Será que este “olho<br />

burro” representa o olhar do primeiro narrador, um ser híbrido, resultante do<br />

cruzamento entre o telúrico e o espetaculoso, aquele representante dos narradores que<br />

vêem em demasia? Mas, a realidade ficcional do século XX e início do século XXI está<br />

ali a exigir-lhe (ao narrador da primeira fase ficcional) um cenário grandioso para<br />

apresentação do personagem mítico que se aproxima. Então, quem tem consciência<br />

desse “olho burro” é o segundo narrador, possivelmente, narrador de um terceiro<br />

narrador, o qual intui, por sua vez, uma possível quarta chave (imaterial), propiciadora<br />

de uma insólita condução para o quarto cogito, onde se percebe o Tempo Espiritual.<br />

(Esse terceiro narrador se encontra muito bem camuflado nas tramas ficcionais do<br />

romance, nesses primeiros capítulos da narrativa). Ou será que “olho burro” representa<br />

outra expressão já conhecida, ou seja, “dar com os burros n’água”, o que, em outras<br />

palavras, significaria a perda momentânea do poder narrativo singular, exclusivo da<br />

ficção paradigmática. O olho do escritor-artista paradigmático não “registra”, recria a<br />

realidade que o cerca. No entanto, continuo aqui a resistir às assertivas ficcionais<br />

rogelianas. Se me atenho à idéia de uma afirmação diferenciada, consciente da<br />

capacidade criativa do escritor, infiro que o “olhar” esclarecido, intelectual, do segundo<br />

narrador, acompanha por sua vez a perspectiva visual do primeiro narrador. O “olho<br />

burro tudo vê, e registra ele-mesmo” a aproximação de Paxiúba, “remando silencioso e<br />

feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa”, criativamente<br />

secundado pelo olhar talentoso do escritor ficcional da pós-modernidade. Os narradores<br />

sintagmáticos não possuem tal visão diferenciada. Assim, o “olho burro”, explícito na<br />

narrativa rogeliana, sublinearmente e paradoxalmente, se transforma em “olho<br />

inteligente”, se for avaliado pelo ponto de vista do crítico fenomenológico. Por meio de<br />

um narrar paradoxal, o incomum ficcionista de O Amante das Amazonas revelou (revela<br />

e revelará), aos “incomodados” leitores de seu romance, a indiscutível qualidade de sua<br />

ficção.<br />

O “olhar inteligente” do narrador, nesta segunda fase da criação ficcional, se<br />

sustentará pela ligação da forma de expressão da linguagem mítica com as inovações da<br />

linguagem ficcional da pós-modernidade. Assim, o nomear enigmático colabora com o<br />

narrado pós-moderno, oferecendo-lhe, nesta segunda etapa do romance, um princípio<br />

ficcional à moda do narrar mítico-lendário, mas, paradoxalmente, imbuído de<br />

expressões dialetais familiarizadas. “Pois sim. Que diz-que Paxiúba era filho de um<br />

negro barbadiano da Madeira-Mamoré com uma índia Caxinauá que não conheci, e se<br />

tornou lendário e eterno”. iii<br />

Na primeira fase, a busca de conhecimento histórico ofereceu-lhe também um<br />

princípio ficcional. Ribamar de Sousa começa a sua trajetória diferenciada, de Patos,<br />

Pernambuco (realidade histórica), ao Manixi Amazônico (realidade ficcional),<br />

assinalando a data do início de suas peripécias existenciais em busca do extraordinário:<br />

“madrugada do Natal de 1897” iv . O princípio assinalado denuncia a caminhada do<br />

homem do século XX: aquele que não pode mais se estabelecer em seu meio<br />

comunitário, pois, adulto, sujeito a uma vida de mendicância, terá “de começar a correr,<br />

prisioneiro das colocações, e a seguir estrada com tigelinha de flandres” v . Este<br />

princípio, á moda tradicional, nesta ficção anticonvencional, só se tornou possível, em<br />

plena pós-modernidade entrópica, graças ao auxílio da História. As chamadas narrativas<br />

de estruturas inovadoras da pós-modernidade, principalmente as da Primeira Fase, não<br />

se atêm ao tempo vital (tempo linear, do relógio), são narrativas de acontecimento,


visualizando apenas o presente e não preocupadas com um clímax que as leve a um<br />

fecho à moda tradicional.<br />

No entanto, se atento para os enclaves que superexcedem no todo deste romance<br />

em especial, recupero uma terceira fase, autenticamente reveladora das imposições<br />

respeitantes às inovadoras formas estruturais de narrar da pós-modernidade. No capítulo<br />

sete, o arcabouço mítico desaparece para oferecer o espaço ao narrador da fase final do<br />

século XX. O próprio título do capítulo já é por si uma revelação peculiar: “SETE:<br />

DESAPARECE”. Quem desaparece? Do desaparecido, falarei depois. Por ora, a palavra<br />

desaparece se projeta como um referente (um sinal) de finalização da narrativa mítica e<br />

de nova mudança narrativa: do mítico para o plano da ficção-arte (a anterior sinalizou a<br />

caminhada do histórico para o mítico). No capítulo seguinte (capítulo Oito), há um<br />

“ponto” indefinido direcionando a mudança de estilo narrativo, revelando a decadência<br />

da realidade sócio-substancial amazonense, apresentada inicialmente pela maneira de<br />

narrar grandiosa da linguagem histórico-lendária.<br />

Contudo, ainda não me desenredei de Paxiúba. O arcabouço mítico-ficcional<br />

diferenciado exige-me novas reflexões sobre este poderoso personagem. Ele, neste<br />

momento em que o reflito, está vindo ao encontro de Zilda, a “esposa do Laurie Costa,”<br />

(...) “lavadeira pessoal do Palácio, das roupas brancas, exceto as lavadas em Lisboa” vi .<br />

Ele está vindo também ao encontro de minhas reflexões teórico-críticas. Vejo-me em<br />

expectativa: assim como a outra energética Zilda, a da mitologia germânica, a<br />

poderosíssima guerreira da vitória, a guerreira de ferro, terei de vencê-lo teoricamente e<br />

reflexivamente ─ pela razão, pelo conhecimento, pela ponderação inovadora ─, terei de<br />

vencer suas guardas míticas e seus desafios existenciais. Não posso deixar-me seduzir<br />

teluricamente pelo seu fabuloso porte, descomunal, colocando-me em perigo diante das<br />

já insuficientes e, ainda, exigidas análises significativas (dogmáticas), as quais estão<br />

aqui a digladiarem-se com as minhas inferências fenomenológico-interpretativas.<br />

Paxiúba surge no desenrolar ficcional pós-moderno como personagem “cínico,<br />

atravessador”, anunciando que, mesmo possuidor de uma aura mítica (que, pelo ponto<br />

de vista épico, deveria ser de autêntica pureza), ele não será concebido como tal. Seu<br />

papel é o de “atravessador”, de intermediário entre as três dimensões da efetiva ficção<br />

criativamente alterada: a sócio-substancial, a mítico-substancial e a ficcional-arte.<br />

Desde o seu surgimento até ao final da escrita rogeliana, ele atuará com desenvoltura<br />

nestes três planos da criação <strong>literária</strong>. Seu poder será atuante. Pari passu com o primeiro<br />

personagem-narrador, a sua importância se revelará sempre ativada.<br />

“Seu poder vinha do cheiro de camaru”. Em volta da Alta Palmeira dos Igapós<br />

(Paxiúba), com seus três caules indivisos (o social, o mítico e o ficcional) e sua mítica<br />

coroa de flores (o cocar), manifesta-se a interferência do cheiro do camaru, uma<br />

pequena árvore de flores aromáticas, de fruto indeiscente (que não se abre<br />

espontaneamente ao atingir a maturação). O cheiro agradável, afrodisíaco, verbenáceo,<br />

impregna criativamente todos os capítulos referentes a Paxiúba. Ao longo da leitura, o<br />

cheiro vai anestesiando inclusive o leitor. Eis o poder indiscutível do herói ficcional. Eis<br />

o poder indiscutível desta narrativa especialmente. Seu personagem não é apenas um<br />

simples simulacro, como os personagens representantes das ficções para<strong>literária</strong>s (os<br />

representantes dos textos de novela televisiva e cinema, ou mesmo das novelas<br />

para<strong>literária</strong>s ─ lineares, sintagmáticas ─, produzidas para a massa). Paxiúba terá vida<br />

ficcional permanente, enquanto o romance existir e houver leitores-eleitos. A Ficção-<br />

Arte não se materializa apenas para o entretenimento do leitor. A Ficção-Arte exige do<br />

ficcionista (incluindo posteriormente o leitor) a plena-atenção, como recomenda com


encômio a filosofia budista (normas filosófico-religiosas que, não por acaso,<br />

administram a vida espiritual do escritor aqui destacado).<br />

Paxiúba, o bruto, o fundamental, o da impressão fugidia para a certeza, correta e<br />

culposa, aproxima-se do porto do Laurie Costa, porque o semi-humano (o semideus)<br />

interessou-se por uma mortal, uma comum lavadeira do Palácio Manixi. Ele terá de<br />

tomá-la sexualmente do Laurie Costa, o marido, para, assim, transitar livremente na<br />

dimensão humana. (Assim se comportou Júpiter, ao se relacionar com Alcmena, esposa<br />

de Anfitrião; assim se comportaram os Anjos do único Deus dos Hebreus, nos<br />

Evangelhos Apócrifos, ao se relacionarem com as “filhas dos homens”). Entretanto, é o<br />

cheiro do camaru (camará, cambará) que vigora “na interseção vazia” entre o dito e o<br />

não-dito desta obra ficcional incomum. Paxiúba, graças ao perfume do camaru,<br />

ultrapassa as regras do narrar mítico, “fundamental”, para vigorar na “lógica da<br />

tenebrosa região infantil”, energeticamente ficcional, de quem escreve. Ele se revela<br />

não apenas pelo poder do mito, mas por meio da “força hipnótica (do pensar<br />

efervescente, do repouso ativado), para fora, para novas submissões”. Ele é o somatório<br />

de todos os indígenas, bugres e caboclos que povoaram o arcabouço mítico-infantil do<br />

ficcionista nascido ali, naquelas paragens, a manifestarem-se, exigindo dele que, mesmo<br />

saindo de seu lugar de origem, não poderá deixar de revelar as suas impressões<br />

primeiras, as suas particularidades e as particularidades de seus contemporâneos.<br />

O discurso mítico é a oratória da “ordem”, é a explanação (oral ou escrita) de<br />

fatos e seres grandiosos (humanos ou não), estruturalmente inseparáveis da tradição de<br />

um povo. Paxiúba possui a chave da verdade mítica de quem escreve, mas, quem terá de<br />

manuseá-la é o primeiro narrador (narrador do segundo), enquanto personagem<br />

principal das ocorrências narradas. Paxiúba possui o poder de mando, assim como os<br />

grandes guerreiros e personalidades notáveis do passado. E os legendários heróis do<br />

passado mítico (passado que se perde nas fendas do tempo, anterior aos severos dogmas<br />

do cristianismo) não conheceram a natureza íntima da bondade. A “ordem” dos olhos e<br />

o “sorriso sensual perverso” caracterizam a face reduplicada do personagem Paxiúba. O<br />

ser mítico é selvagem, primitivo. Possui o que Max Weber classificou como “poder do<br />

ontem eterno” ou “poder do carismático-guerreiro”. A “ordem” dos olhos é para que o<br />

narrador diga somente verdades (apreciáveis ou não), mesmo que o narrar mítico da<br />

pós-modernidade seja a edificação intelectual de uma narrativa em prosa, idealizada. A<br />

Floresta Amazônica, revista ficcionalmente pelo escritor nascido ali, em suas<br />

imediações, concentra a essência do mito de antigas eras, mas, aqui, insolitamente<br />

revestido pela roupagem do arcabouço mítico-lendário dos índios daquela localidade. A<br />

pureza mítica poderá ser classificada como a integridade vivencial do ser primitivo,<br />

aquele que não foi maculado por exigências ideológicas (sociais ou religiosas). O ser<br />

primitivo não conheceu (não conhece) o ônus do pecado cristão. Paxiúba não é cristão.<br />

É um ser original. Então, quem reconhece o “sorriso sensual e perverso, sublinhado por<br />

esboço de pecado” a fotografá-lo, é o narrador. A “ordem” mítica dos olhos de Paxiúba<br />

possui a pureza do primitivismo heróico. O bugre não sabe o que seja pecado, e não<br />

creio extratexto que Frei Lothar (um outro personagem importante) o tenha catequizado.<br />

Quem se percebe avaliando o “sorriso sensual e perverso” de Paxiúba é o narrador.<br />

Quem avalia o olhar do “pecado” o fotografando é o narrador, aquele que,<br />

historicamente, conhece os dogmas do cristianismo, no que tange a relacionamentos<br />

sexuais. As “baixezas” do olhar de Paxiúba saíram do “espelho” simbólico-ficcional<br />

duplicado e “sublimado” de quem narra, não da pureza primitiva do mito.


Paxiúba “se efetivara guerreiro de épocas irregulares, de tempo inverso”<br />

(invertido), possuidor dos “remotíssimos mecanismos ardilosos, das possibilidades do<br />

corpo”, ou seja, “remotíssimos mecanismos ardilosos” da urgência sexual. O guerreiro<br />

de épocas contrárias às regras (de civilidade), nesta dimensão da narrativa ficcional<br />

rogeliana, é a personificação do ser mitológico. Este ser em especial (o Paxiúba)<br />

conhece as normas e os preconceitos sexuais do ser civilizado, por isto é “capaz de<br />

muito realizar sexualmente, pois sabe sedimentar (endurecer), a partir de seu apetite<br />

carnal fabuloso, “o músculo vivo e assumido”. Seu poder é o da força bruta. Se há algo<br />

que deseja, ele o toma. Por isto, “era bom de não se encontrar de repente, na estrada<br />

deserta”. Por isto, a exigência da cautela, da precaução. Por isto Zilda, a esposa do<br />

Laurie Costa, “uma certa e acocorada lavadeira das roupas (roupas do Palácio),<br />

agachada sobre a prancha lisa do tabuão de sabão” vii , se assusta com o “regular da<br />

urgência daquele olhar” viii .<br />

“Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida,<br />

nociva”. ix Por que o narrador visualiza “Paxiúba (como) emblema da Amazônia<br />

amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”? Paxiúba é o símbolo do guerreiro<br />

mítico, gerado por seres excepcionais: a índia caxinauá e o negro barbadiano. O pai de<br />

Paxiúba, para o projeto mítico-ficcional em questão, teria de ter uma ascendência<br />

diferenciada, notável. Paxiúba teria de ser oriundo da fusão do lendário indígena com o<br />

fantástico do imaginário africano. Há poucos negros no Estado do Amazonas. O “pai”<br />

teria de se constituir diferente dos outros pais das miscigenações usuais da realidade dos<br />

costumes amazonenses. O caboclo, originário da mistura entre o índio e o branco, não<br />

possui o porte, o vigor deste personagem. Paxiúba é o “emblema”, o símbolo dos<br />

poucos “bugres”, representantes da raça forte que por ali transita. Para a “Amazônia<br />

amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”, o autor reserva os símbolos<br />

depreciativos. “Amazônia amontoada”: todos os estratos sociais (brasileiros e<br />

universais) que para ali vão, em busca de riqueza fácil. “Amazônia brutal”: espaço<br />

geográfico onde se digladiam, em prol do rendimento pecuniário, seres grosseiros e<br />

violentos, já maculados pelas regras insanas do capitalismo selvagem. “Amazônia<br />

sombria”: receptáculo de seres tristes, lúgubres, despóticos, capazes de quaisquer ações<br />

de conseqüências desagradáveis para alcançarem seus intentos progressistas.<br />

“Amazônia desconhecida”: espaço geográfico ignorado politicamente (pelo menos,<br />

durante a ocasião do desenvolvimento do projeto ficcional), “terra de ninguém” onde se<br />

faz presente a lei do preferencialmente forte, social e miticamente apresentada.<br />

“Amazônia nociva”: Amazônia em que todos estes danos, apresentados pelo narrador,<br />

ameaçam destruir a hegemonia da nação brasileira. Paxiúba é o “emblema” (símbolo)<br />

porque, por intermédio de sua face sócio-substancial, duplicada pela ficção, o narrador o<br />

coloca como “pistoleiro do rei”, o capanga profissional, o assecla do poderoso dono do<br />

Manixi. E, para ser o “emblema” do Amazonas e sustentar a honraria, o candidato ao<br />

cargo e ao título teria (terá) de ostentar (mesmo que não fosse / que não seja imortal) a<br />

poderosa face do mito.<br />

“Paxiúba, pistoleiro do rei”. A partir desta assertiva, inicia-se a transformação<br />

dimensional do personagem. O semi-humano Paxiúba foi apresentado aos leitores,<br />

anteriormente, à moda dos lendários heróis mitificados, mas, como assecla do poderoso<br />

dono do Manixi, vigorará, daqui para frente, como personagem da dimensão sóciosubstancial.<br />

A proposta ficcional do escritor amazonense não lhe concedeu o direito de<br />

gloriosamente retornar à (retomar a) dimensão mítica, uma vez que Paxiúba não é herói<br />

de narrativa épica. Mesmo assim, até aqui, os adjetivos abonadores caracterizam o herói


lendário, e os adjetivos que não combinam com a aura do mito saem da perspectiva<br />

diferenciada do escritor da segunda fase do pós-modernismo brasileiro de Segunda<br />

Geração. Neste interregno mítico-ficcional, Paxiúba caracteriza o “soldado”, o assecla,<br />

o jagunço, o matador profissional, o lugar-tenente dos antigos e poderosos donos-deterra<br />

do Brasil, regidos há bem pouco tempo por normas políticas imperiais.<br />

“E naqueles mesmos dias ocorreram grandes fatos em outros lugares e horas,<br />

históricos e decisivos para a sucessão desta ficção e que relatarei no momento oportuno,<br />

mais que para tanto ainda tenho de revelar surpresas de muitos outros ocorridos” x . O<br />

desenrolar narrativo de “grandes fatos (...) históricos e decisivos” e as “surpresas de<br />

muitos outros ocorridos” ficcionais, daqui para frente, serão relatadas pelo segundo e<br />

principal narrador, estrategicamente fortalecido pelo incomum imaginário-em-aberto do<br />

escritor.<br />

Nos capítulos da terceira fase da ficção rogeliana (do capítulo oito em diante), os<br />

quais, pelo meu ponto de vista, explicitam com maior vigor o já mencionado<br />

imaginário-em-aberto supraverdadeiro, Paxiúba reaparecerá como personagem<br />

simplesmente ficcional. Em uma narrativa autenticamente ficcional (fenômeno da Era<br />

Moderna) o poder mítico se fragiliza. Se, como exemplo, recupero, aqui, o Quixote de<br />

Miguel de Cervantes, a minha explicação se produzirá sem custo teórico. A partir da Era<br />

Moderna, a postura ideológica do herói característico de um passado épico não mais se<br />

adequava às novíssimas exigências sócio-culturais que estavam a comandar aquela<br />

realidade. Por isto, a nomenclatura diversificada para significar o personagem central de<br />

Cervantes: herói da triste figura. Por esta razão, a renovada necessidade de<br />

descaracterizar o mito de Paxiúba (e finalizá-lo), no desenrolar narrativo ficcional<br />

rogeliano (a supremacia pura / mítica / significativa do personagem, mesmo nas<br />

urgências sexuais). A partir do capítulo dez, Paxiúba desenvolverá mais os atributos<br />

animalescos instintivos do homem da realidade sócio-substancial, a violência dos<br />

sentidos, excesso dos propósitos, o inconsciente imperando sobre a razão, em<br />

detrimento dos genuínos e transparentes arroubos sexuais que caracterizaram, no<br />

segundo segmento narrativo, a sua personalidade mítica. A decadência do Manixi (a<br />

sócio-substancial somada ao mítico-substancial) proporcionou o esboroamento da<br />

fantástica força do personagem (a redução da importância mítica do bugre em pequenos<br />

fragmentos ficcionais, o lento desmoronar de sua imponência, levando-o para um estado<br />

de velhice e morte, de acordo com as normas vitais). Por exemplo, por ocasião da<br />

agonia do Manixi (op. cit.: 102), ainda no auge de sua força sexual, Paxiúba se<br />

aproxima perigosamente de Maria Caxinauá, dominando-a sexualmente. As “mãos<br />

enormes” e os “braços do ser monstruoso” que a agarraram, já não refletiam a posse<br />

sexual do ser puramente mítico. Quem agarra Maria Caxinauá é o “mulo” Paxiúba, “a<br />

besta selvagem” já maculada por instintos da energia telúrica, originária da matéria<br />

primordial.<br />

O personagem lendário desta narrativa, o Paxiúba, nos últimos capítulos, passa a<br />

interagir (pela ótica interativa do narrador principal) com as induções visíveis e<br />

invisíveis do capitalismo desenfreado (benéficas ou maléficas), intrínsecas no plano<br />

sócio-substancial relativo à decadência do aparato capitalista do Manixi (o Manixi<br />

mítico permaneceu/permanece intacto, pois o narrador principal, por intermédio de seu<br />

narrador-auxiliar, na página 103, afirma que “a floresta vencera”). Posteriormente,<br />

envolvido por tais induções, disseminadas na maneira de pensar dos personagens<br />

relacionados com o aparato empresarial amazonense, Paxiúba começa a perder a sua<br />

aura guerreira ─ o brilho mítico, explícito, que o dignificava ─, terminando sua


existência de uma forma diferente do narrar fabuloso, ou seja, pela forma exigida pelo<br />

vital, acionada pelo dinamismo cíclico da ficção.<br />

É bem verdade que a dimensão ficcional do Manixi, o lugar onde o poder mítico<br />

de Paxiúba se fez/se faz visível, já estava maculado por valores capitalistas, desde o<br />

início da trajetória ficcional do primeiro narrador Ribamar de Sousa (e isto será<br />

decodificado nos próximos capítulos desta minha apreciação fenomenológica),<br />

entretanto, nas duas primeiras fases do romance, o espaço de concepção da obra se<br />

projetou por meio da fusão do sócio-substancial com o mítico-substancial (o que os<br />

teóricos da literatura em prosa denominam como realismo-mágico). Na primeira etapa,<br />

reinou o narrador Ribamar, como representante da dimensão sócio-substancial. Na<br />

segunda etapa, o (verdadeiro) narrador, criativamente, cedeu o privilégio ao bugre<br />

Paxiúba, pois se percebeu motivado a reclamar a aura lendária do gigantesco<br />

personagem, para iluminar e revigorar o seu desenrolar narrativo. Eis aqui a razão<br />

(fenomenológica) da imponência do personagem. No entanto, a aura de Paxiúba não<br />

permanecerá visível nos capítulos subseqüentes da terceira fase ficcional (e final). E a<br />

nova face de Paxiúba começa/começará a aparecer a partir da decadência exterior do<br />

Manixi, sustentada e assinalada por ocasião de seu encontro voluptuoso com a<br />

Caxinauá.<br />

No capítulo intitulado DEZESSETE: A RUA DAS FLORES, o bugre Paxiúba<br />

reaparece como homem “original” (ser primitivo), ao aproximar-se de Conchita Del<br />

Carmen, “uma mulher gorda, muito gorda e muito sexy”, “a dona da Rua das Flores”,<br />

“o mais belo jardim humano” da prostituição bem-educada da cidade de Manaus, uma<br />

Transvaal incrustada nos domínios do Mito Indígena e recriada pela arte ficcional<br />

rogeliana (de uma forma nunca vista em outros escritores da pós-modernidade).<br />

Paxiúba se “afigurou” xi como homem ─ primitivo ─ diante de Conchita Del<br />

Carmen. Transitando dentro dos limites poderosos de um complexo populacional<br />

urbano, calcogênico, repleto de emanações terrestres, Paxiúba perde a aura lendária,<br />

aquela aparência miticamente iluminada que o caracterizou, quando de sua atuação<br />

como ser extraordinário, o “emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria,<br />

desconhecida, nociva”.<br />

“Meio envergonhado, como convinha tratar a uma senhora-dama, ele veio<br />

dizendo uns “bons dias...”. Aquele que, “meio envergonhado”, se aproxima dizendo uns<br />

“bons dias” à senhora-dama Conchita Del Carmen, não é o mesmo Paxiúba que<br />

“assustou” a lavadeira Zilda com a urgência de sua mítica necessidade sexual.<br />

Nesta seqüência da narrativa rogeliana, Paxiúba perde a sua primazia heróica,<br />

pois penetrou no Olimpo telúrico da prostituição do recinto de Transvaal, e quem se<br />

coloca em evidência agora é o narrador da fase final do século XX, oferecendo aos<br />

leitores de seu romance a possibilidade de alcançarem o reverso da medalha da<br />

narrativa em prosa que caracteriza a escritura <strong>literária</strong> da era pós-moderna. A partir do<br />

capítulo oito, a sensibilidade criativa, já distinguida desde as primeiras linhas do<br />

romance, alcança um reanimado pódio ficcional. Nesta seqüência, já não há lugar para<br />

as ações engrandecidas de Paxiúba, ou mesmo dos outros personagens (brancos ou<br />

índios) situados nas fronteiras do Manixi. Em princípio, o ficcionista se mobilizou em<br />

função de uma vigorosa retomada dos valores histórico-sociais do Estado do Amazonas,<br />

espaço geográfico brasileiro de onde se originaram os créditos culturais que<br />

sedimentaram sua caminhada vivencial. O narrador rogeliano, no início da narrativa,


etoma ficcionalmente o grandioso passado histórico do Amazonas (em sentido positivo<br />

e negativo), para reagir paradoxalmente contra as injustiças, sócio-políticas, que aos<br />

poucos propiciaram a decadência do lugar. O descendente de um povo mitificado, o<br />

amante (cultural, intelectual) das lendárias guerreiras amazonenses, o admirador<br />

inconteste da grandiosidade histórica do lugar, percebe que há mistérios a serem<br />

revelados. Esses mistérios, ao contrário das regras oficiais da narrativa ficcional, terão<br />

de ser engendrados ficcionalmente por sua sensibilidade ímpar, e esta sensibilidade de<br />

ficcionista incomum não se enquadra (não se encaixilhará jamais) em padrões préestabelecidos.<br />

Depois da grandiosa extensão territorial do Manixi, inédita e<br />

diferenciada, (com o seu “magnífico, supremo, inominável, majestoso” xii Palácio),<br />

surgem “ratos” na cidade de Manaus. Os “ratos” se manifestam depois da decadência e<br />

“morte do Manixi” xiii , ativados pelo terceiro cogito do escritor-testemunha do<br />

crepúsculo da era da borracha, surpreendido agora pela necessidade de contemplar para<br />

a posteridade, mesmo que seja por intermédio de fragmentos narrativos, as frestas dessa<br />

decadência (contrária às regras e aos bons costumes das puras e antigas sociedades<br />

mitificadas, reverenciadas pelas gerações posteriores).<br />

Revela-se, nos capítulos finais de O Amante das Amazonas, a autêntica<br />

documentação (pelo ponto de vista ficcional) do que não se pode avaliar, porque a<br />

presente história sócio-cultural do ficcionista pós-moderno ainda não se completou.<br />

Urge fazer justiça aos seus naturais (ao seu povo, que sentiu na própria pele os estragos<br />

da decadência); urge encontrar um justiceiro que aceite a co-participação em seus atos<br />

de autoridade judicial. Urge eliminar o mito do grandioso em proveito do pequeno, do<br />

incompreensível, das migalhas de pão que caem da mesa dos antigos poderosos, agora,<br />

decadentes.<br />

Gaston Bachelard, em A Terra e os Devaneios do Repouso xiv , cita Tristan Tzara:<br />

“Aumentadas no sonho da infância, vejo de muito perto as migalhas secas de pão e a<br />

poeira entre as fibras de madeira dura ao sol”. A Manaus da ficção rogeliana saiu do<br />

arcabouço vivencial infanto-juvenil. O narrador principal foi testemunha dos últimos<br />

estilhaços do esplendor da borracha, do que restou da grandeza capitalista. Foi<br />

testemunha da decadência. Foi ele que viu, por intermédio de sua sensibilidade provinda<br />

naturalmente da infância, os “ratos”, como “um traço cinematográfico, contínuo”, se<br />

infiltrando “entre as frestas da construção carcomida” xv de sua anterior realidade sócioexistencial.<br />

Assim, percebe-se a urgência em causar a morte do mito (autoritário,<br />

exemplar), adotando ficcionalmente o descontínuo existencial do momento, em prol de<br />

uma futura nova ordem fundamental (pós-moderna). Por este ângulo interpretativo,<br />

Paxiúba terá de morrer, “afigurado” como homem primitivo (Paxiúba, o Mulo). Alguém<br />

terá de apertar o gatilho e eliminar o mito, transmutado em ser primitivo, da face do<br />

Amazonas. Para tanto, o narrador delega esse poder a um outro personagem, o Benito<br />

Botelho. “Benito atirou no meio do tórax, matando-o. Benito o matou, sim. O morto era<br />

Paxiúba, o Mulo.” xvi<br />

Pela ótica da crítica <strong>literária</strong> cientificista-estruturalista, cerceadora, terá de existir<br />

uma razão para a morte do bugre. Por enquanto, fica a pergunta à moda<br />

fenomenológica: Qual foi o motivo (real ou ficcional) que levou o personagem Benito<br />

Botelho a matar Paxiúba? Sobre este assunto, indagarei no capítulo a ele reservado.”<br />

In: NEUZA MACHADO. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das<br />

Amazonas de Rogel Samuel. Rio de Janeiro: NMACHADO, 2008. (No prelo - ISBN<br />

978-85-904306-5-0)


BIBLIOGRAFIA:<br />

1. ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />

1973.<br />

2. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de<br />

Carvalho. Rio de Janeiro: Euro-América, 1969.<br />

3. ARISTÓTELES. Obras Completas. Tradução de Francisco de P. Samaranch.<br />

Madrid: Aguilar, 1973.<br />

4. AUERBACH, Erich. Mímesis. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.<br />

5. BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. Tradução de Antônio Arnoni Prado. São<br />

Paulo: Perspectiva: 1976.<br />

6. BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos. Tradução de Antônio de Padua<br />

Danesi. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.<br />

7. BACHELARD, Gaston. A Chama de Uma Vela. Tradução de Glória de Carvalho<br />

Lins. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.<br />

8. BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração. Tradução de Marcelo Coelho. São<br />

Paulo: Ática, 1988.<br />

9. BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. Tradução de Antônio de Padua<br />

Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988.<br />

10. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Tradução de Antônio de Padua<br />

Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989.<br />

11. BACHELARD, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Tradução de Maria Izabel Braga.<br />

Lisboa: Litoral, 1989.<br />

12. BACHELARD, Gaston. A terra e os Devaneios da Vontade. Tradução de Paulo<br />

Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />

13. BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneios do Repouso. Tradução de Paulo<br />

Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990.<br />

14. BACHELARD, Gaston. Étude sur la Siloë de Gaston Roupnel. France: Editions<br />

Gouthier, 1932.<br />

15. BACHELARD, Gaston. Fragmentos de Uma Poética do Fogo. Tradução de Norma<br />

Telles. São Paulo: Brasiliense, 1990.<br />

16. BACHELARD, Gaston. O Ar e os Sonhos. Tradução de Antônio de Padua Danesi.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1990.<br />

17. BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Tradução de José Américo Motta<br />

Pessanha e outros. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1991.<br />

18. BARTHES, Roland (Org.). Literatura e Semiologia. Tradução de Célia Neves<br />

Dourado. Petrópolis: Vozes, 1972.<br />

19. BARTHES, Roland. O Grau Zero da Escritura. 2. ed. Tradução de Heloysa de<br />

Lima Dantas, Anne Arnichand e Álvaro Loorencini. São Paulo: Cultrix, 1974.<br />

20. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. Tradução de Maria Margarida Barahona.<br />

São Paulo: Edições 70, 1983.<br />

21. BELSEY, Catherine. A Prática Crítica. Tradução de Ana Isabel Sobral da Silva<br />

Carvalho. São Paulo: Edições 70, 1972.<br />

22. BENJAMIM, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução de Sérgio Paulo<br />

Rouanet. São Paulo: Brasiliense, /s.d./.<br />

23. BENJAMIM, Walter. “O Narrador”. In.: OS PENSADORES: Textos Escolhidos.<br />

Tradução de José Lino Grünnewald e outros. São Paulo: Abril Cultural, 1980.<br />

24. BENVENISTE, Émile. O Homem na Linguagem. Tradução de Izabel Maria Lucas<br />

Pascoal. Lisboa: Veja, /s.d/.


25. BERMAN, Martin. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1986.<br />

26. BOFF, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1982.<br />

27. BONET, Carmelo M. As Fontes da Criação Literária. Tradução de Luiz Aparecido<br />

Caruso, São Paulo: Mestre Jou, 1970.<br />

28. BONET, Carmelo M. A Técnica Literária e Seus Problemas. Tradução de Miguel<br />

Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970.<br />

29. BONET, Carmelo M. Crítica Literária. Tradução de Luiz Aparecido Caruso. São<br />

Paulo: Mestre Jou, 1970.<br />

30. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix,<br />

1970.<br />

31. BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1994.<br />

32. CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Lisboa: Livros do Brasil, /s.d./.<br />

33. CÂNDIDO, Antonio (Org.). A Personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva,<br />

1976.<br />

34. CÂNDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1964. 2 Volumes.<br />

35. CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Melhoramentos, 1983.<br />

36. CASTAGNINO, Raul H. Análise Literária. Tradução de Luiz Aparecido Caruso.<br />

São Paulo: Mestre Jou, 1968.<br />

37. CASTAGNINO, Raul H. O que é Literatura? Tradução de Luiz Aparecido Caruso.<br />

São Paulo: Mestre Jou, 1969.<br />

38. CASTAGNINO, Raul H. Tempo e Expressão Literária. Tradução de Luiz<br />

Aparecido Caruzo. São Paulo: Mestre Jou, 1970.<br />

39. CASTRO, Heliane. Ideologia da Obra Literária. Rio de Janeiro: Presença, 1983.<br />

40. CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste. São Paulo: Brasiliense, 1959.<br />

41. CASTRO, Josué de. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Gráfica “O Cruzeiro,<br />

1948.<br />

42. COELHO, Nelly Novais. Literatura e Linguagem. 4.ed. São Paulo: Quíron, 1986.<br />

43. CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: Editora<br />

Pedagógica Universitária, 1973.<br />

44. CORTAZAR, Júlio. Valise de Cronópio. Tradução de Davi Arrigucci Jr. & João<br />

Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1974.<br />

45. CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma Introdução. Tradução de Sandra<br />

Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999.<br />

46. DAICHES, David. Posições da Crítica em Face da Literatura. Tradução de<br />

Thomaz Newlands Neto. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1967.<br />

47. DEFINA, Gilberto. Teoria e Prática de Análise Literária. São Paulo: Pioneira,<br />

1975.<br />

48. DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença. Tradução de Maria Beatriz<br />

Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 1971.<br />

49. DUFRENNE, Mikel. O Poético. Tradução de Luiz Arthur Nunes e Reasylvia Kroeff<br />

de Souza. Porto Alegre: Globo, 1969.<br />

50. ECO, Umberto. A Escritura Ausente. Tradução de Pérola de Carvalho. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1987.<br />

51. ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Tradução de Mário Brito. Lisboa:<br />

Presença, 1979.<br />

52. ECO, Umberto. Obra Aberta. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1976.


53. ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. Tradução de Sônia Cristina Tamer. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />

54. ELIOT, Thomas Stearns (Org.). Ensaios de Doutrina Crítica. Lisboa: Guimarães,<br />

1962.<br />

55. ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de<br />

Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.<br />

56. FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

1980.<br />

57. FERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América<br />

Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.<br />

58. FERNANDES, José. O Existencialismo na Ficção Brasileira. Goiânia: UFG, 1986.<br />

59. FOUCAULT. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.<br />

60. FREITAG, Bárbara. A Teoria Crítica Ontem e Hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986.<br />

61. FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937.<br />

62. FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. Tradução de Péricles Eugênio da Silva<br />

Ramos. São Paulo: Perspectiva, 1973.<br />

63. FRYE, Northrop. Caminho Crítico. Tradução Antônio Arnoni Prado. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1973.<br />

64. FURTADO, Celso. Os Ares do Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.<br />

65. GALVÃO, Walnice Nogueira. As Formas do Falso. São Paulo: Perspectiva, 1972.<br />

66. GARAUDY, Roger. A Grande Virada do Socialismo. Tradução de José Paulo<br />

Netto e Gilvan P. Ribeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.<br />

67. GARAUDY, Roger. Para um Diálogo das Civilizações. Tradução de Manuel J.<br />

Palmerim e Manuel J. de Mira Palmerim. Lisboa: Dom Quixote, 1977.<br />

68. GENETTE, Gérard. Discurso da Narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins.<br />

Lisboa, Veja, /s.d./.<br />

69. GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Tradução de<br />

Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1985.<br />

70. GOLDMANN, Lucien. A Sociologia do Romance. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e<br />

Terra, 1976.<br />

71. GREIMAS, A. J. (Org.). Ensaios de Semiótica Poética. Tradução de Heloysa de<br />

Lima Dantas. São Paulo: Cultrix/USP, 1975.<br />

72. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética. 2.ed. Tradução de Ricardo Mazo.<br />

Barcelona: Península, 1973.<br />

73. HEIDEGGER, Martin. Arte y Poesias. México: Fondo de Cultura Econômica, 1978.<br />

74. HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1967.<br />

75. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 11.ed. Rio de Janeiro: José<br />

Olympio, 1977.<br />

76. HOLENSTEIN, Elmar. Jakobson: O Estruturalismo Fenomenológico. Tradução<br />

de Antônio Gonçalves. Lisboa: Veja, /s.d./.<br />

77. HUISMAN, Denis. A Estética. 2. ed. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Difusão<br />

Européia do Livro, 1961.<br />

78. IMBERT, Enrique Anderson. Métodos de Crítica Literária. Tradução de Maria M.<br />

Madeira de Aguiar e Silva. Coimbra: Almedina, 1971.<br />

79. INGARDEN, Roman. A Obra de Arte Literária. 3. ed. Tradução de Albin E. Beau,<br />

Maria da Conceição Puga & João Barrenta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,<br />

1965.<br />

80. JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e Sociedade de Consumo. CEBRAP,<br />

Junho/1985, p. 16-26.


81. JAUSS, Hans Robert (Org.). A Literatura e o Leitor. Tradução de Luiz Costa Lima.<br />

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.<br />

82. JOSEF, Bella. A Máscara e o Enigma. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.<br />

83. KANT, Immanuel. Textos Selecionados. 2.ed. Tradução de Tânia Maria Bernkopf,<br />

Paulo Quintela e Rubens R. Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1984, 2 Vol.<br />

84. KAYSER, Wolfgang. Análise e Interpretação da Obra Literária. Tradução de<br />

Paulo Quintela. Coimbra: Armênio Amado, 1970.<br />

85. KOTHE, Flávio René. A Alegoria. São Paulo: Ática: 1986.<br />

86. KOTHE, Flávio René. O Herói. São Paulo: Ática, 1985.<br />

87. LEÃO, A. Carneiro. Fundamentos de Sociologia. 11. ed. São Paulo:<br />

Melhoramentos, 1956.<br />

88. LEFEBVE, Maurice-Jean. Estrutura do Discurso da Poesia e da Narrativa.<br />

Tradução de José Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1980.<br />

89. LEITE, Dante Moreira. Psicologia e Literatura. 2. ed. São Paulo: Nacional/USP,<br />

1967.<br />

90. LESKY, Albin. A Tragédia Grega. São Paulo: Perspectiva, 1971.<br />

91. LIMA, Luiz Costa. Dispersa Demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.<br />

92. LIMA, Luiz Costa. Mímesis e Modernidade. Rio de Janeiro: Graal, 1980.<br />

93. LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da Literatura Em Suas Fontes. 2.ed. Rio de<br />

Janeiro: Francisco Alves, 1983.<br />

94. LOBO, Luiza (Org.). Globalização e Literatura. Discursos Transculturais. Rio de<br />

Janeiro: Relume Dumará, 1999.<br />

95. LUKÁCS, Georg. Introdução a uma Estética Marxista. Tradução de Carlos<br />

Nilson Coutinho & Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.<br />

96. LUKÁCS, Georg. Sociologia. Tradução de José Paulo Netto & Carlos Nelson<br />

Coutinho. São Paulo: Ática, 1981.<br />

97. LUKÁCS, Georg. Sociologia de la Literatura. 3. ed. Tradução de Michael Faber-<br />

Kaiser. Barcelona: Península, 1973.<br />

98. LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance. Tradução de Alfredo Margarido. Lisboa:<br />

Presença, 1962.<br />

99. LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa.<br />

2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.<br />

100. MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente. Rio de Janeiro:<br />

NMACHADO, 2008. (No prelo)<br />

101. MAQUIAVEL. O Príncipe. Tradução de Mário Celestino da Silva. Rio de Janeiro:<br />

Vecchi, 1943.<br />

102. MENDILOW, A. A. O Tempo e o Romance. Porto Alegre: Globo, 1972.<br />

103. MERQUIOR, José Guilherme. A Astúcia da Mímese. Rio de Janeiro: José<br />

Olympio, 1972.<br />

104. MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e<br />

Benjamim. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969.<br />

105. MERQUIOR, José Guilherme. Formalismo e Tradição Moderna: O Problema da<br />

Arte na Crise da Cultura. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974.<br />

106. MOISÉS, Massaud. Guia Prático de Análise Literária. São Paulo: Cultrix, 1972.<br />

107. NETTO, Modesto Carone. Metáfora e Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1974.<br />

108. NIETZCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Nova Crítica-Matra,<br />

1970.<br />

109. PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.<br />

110. PAZ, Octávio. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972.


111. PLATÃO. A República. Tradução de Sampaio Marinho. Lisboa: Euro-América,<br />

1975.<br />

112. PLATÃO. Diálogo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Pará: UFP, 1980, 2 Vol.<br />

113. PLATÃO. Obras Completas. 4.ed. Tradução de Maria Araújo, Francisco Yague e<br />

outros. Madrid, Aguilar, 1979.<br />

114. PORTELLA, Eduardo. Confluências: manifestações da consciência<br />

comunicativa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.<br />

115. PORTELLA, Eduardo. Democracia Transitiva. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />

1983.<br />

116. PORTELLA, Eduardo. Fundamento da Investigação Literária. 3. ed. Rio de<br />

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.<br />

117. PORTELLA, Eduardo. Literatura e Realidade Nacional. 3. ed. Rio de Janeiro:<br />

Tempo Brasileiro, 1975.<br />

118. PORTELLA, Eduardo. O Intelectual e o Poder. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />

1983.<br />

119. PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação Literária. 3. ed. Rio de Janeiro:<br />

Tempo Brasileiro, 1976.<br />

120. PORTELLA, Eduardo (Org.). Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />

1976.<br />

121. PRADO JUNIOR, Caio. Dialética do Conhecimento. São Paulo: Brasiliense, 1952,<br />

2 Volumes.<br />

122. RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da Obra Literária. Rio de Janeiro:<br />

Forense, 1969.<br />

123. RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves,<br />

1977.<br />

124. ROBBE-GRILLET, Alain. Por Um Novo Romance. Ensaios sobre uma literatura<br />

do olhar nos tempos da reificação. Tradução: T. C. Netto. São Paulo: Documento,<br />

1969.<br />

125. ROSENFELD, Anatol. Estrutura e Problemas da Obra Literária. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1976.<br />

126. ROSENFELD, Anatol. Texto-Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969.<br />

127. ROSSUM-GUYON, HAMON & SALLENAVE. Categorias da Narrativa. Lisboa:<br />

Vega, /s.d./.<br />

128. SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. 13. ed. Petrópolis: Vozes,<br />

2000.<br />

129. SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. 3. ed. Petrópolis: Vozes,<br />

2006.<br />

130. SARTRE, Jean-Paul. A Imaginação. 4.ed. Tradução de Luiz Roberto Salinas<br />

Fontes. São Paulo: Difel, 1973.<br />

131. SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Formação Épica da Literatura Brasileira. Rio<br />

de Janeiro: Elo, 1987.<br />

132. SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização Literária do Discurso. Rio de<br />

Janeiro: Elo, 1984.<br />

133. SOURIAU, Etienne. Chaves da Estética. Tradução de Cesariana Abdala Belém.<br />

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.<br />

134. STAIGER, Emil. Conceitos Fundamentais da Poética. Rio de Janeiro: Tempo<br />

Brasileiro, 1969.<br />

135. TELES, Gilberto Mendonça. A Retórica do Silêncio. 2.ed. Rio de Janeiro: José<br />

Olympio, 1989..


136. TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. 8.ed.<br />

Petrópolis: Vozes, 1985.<br />

137. TODOROV, Tzvetan. As Estruturas da Narrativa. Tradução de Leyla Perrone<br />

Moisés. São Paulo: Perspectiva, 1979.<br />

138. TODOROV, Tzvetan (Org.). Linguagem e Motivação: Uma Perspectiva<br />

Semiológica. Tradução de Maria da Glória Bordini, Tânia Franco Carvalhal,<br />

Regina Zilberman e Luiz Arthur Nunes. Porto Alegre: Globo, 1977.<br />

139. TODOROV, Tzvetan. Os Gêneros do Discurso. Tradução de Elisa Angotti<br />

Kossovitch. São Paulo: Martins Fontes, 1980.<br />

140. TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. Tradução de João Távora. 14.ed. Rio de<br />

Janeiro: Record, 1980.<br />

141. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.<br />

142. WELLEK, René. Conceitos de Crítica. Tradução de Oscar Mendes. São Paulo:<br />

Cultrix, 1963.<br />

143. WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria da Literatura. 4.ed. Lisboa: Europa-<br />

América, 1983.<br />

144. YLLERA, Alicia. Estilística, Poética e Semiótica Literária. Tradução de Evelina<br />

Verdelho. Coimbra, Almedina, 1979.<br />

145. ZERAFFA, Michel. Romance e Sociedade. Lisboa: Estúdios Cor, 1974.<br />

ii<br />

BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 1. ed. de 1989. São Paulo: Martins Fontes, 1998: 158.<br />

iii<br />

Ibidem.<br />

iv<br />

Idem: 9.<br />

v<br />

Idem: 14.<br />

vi<br />

Idem: 37- 41.<br />

vii<br />

Idem: 37-38.<br />

viii<br />

Idem: 39.<br />

ix<br />

Ibidem.<br />

x<br />

Idem: 46 - 47.<br />

xi<br />

Ibidem.<br />

xii<br />

SAMUEL, Rogel, 2005: 151.<br />

xiii<br />

Idem: 90.<br />

xiv<br />

TZARA, Tristan. L’antitête. Lê nain dans soncornet, p. 44. In.: BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneios do Repouso. 1. ed. brasileira. Tradução: Paulo Neves da<br />

Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990: 15.<br />

xv SAMUEL, Rogel, 2005: 89.<br />

xvi Idem: 138.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!