_ 132 Cristal <strong>de</strong> Rocha e Pedras Preciosas Ceilão e Índia PARTE 2 SÃO ROQUE’S KUNSTKAMMER A <strong>de</strong>scoberta do caminho marítimo para a Índia em 1498, e a consequente conquista por <strong>parte</strong> dos portugueses <strong>de</strong> vários centros <strong>de</strong> comércio há muito estabelecidos no espaço do oceano Índico, veio alterar o panorama político e o domínio muçulmano neste último. Quase em simultâneo assiste-se também ao estabelecimento <strong>de</strong> dois novos po<strong>de</strong>res – o Império Safávida no Irão (1522-1722) e o Mogol (1526-1858) no norte do subcontinente indiano – que se vêm juntar ao Império otomano. Verificaramse, neste período, gran<strong>de</strong>s mudanças na organização política e económica dos vários territórios, tendo os portugueses passado a ocupar um papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque já que, colocados em importantes pontos estratégicos, dominavam uma vasta re<strong>de</strong> comercial que abrangia o Índico em toda a sua extensão. A ilha do Ceilão, on<strong>de</strong> a presença portuguesa se fez sentir a partir do ano 1506, reforçou o seu papel <strong>de</strong> importante porto <strong>de</strong> trocas comerciais. Geograficamente próximo do subcontinente indiano, servia <strong>de</strong> apoio às frotas marítimas mas, igualmente relevante, possuía enorme riqueza <strong>de</strong> matérias-primas, incluindo especiarias, ma<strong>de</strong>iras exóticas e pedras preciosas, que até então só chegavam ao Oci<strong>de</strong>nte por via terrestre e em reduzidas quantida<strong>de</strong>s. Por volta <strong>de</strong> 1518 o Ceilão era já um estabelecido empório nas rotas comerciais portuguesas do Oriente. Esta ilha do Índico esteve, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, associada a objectos e pedras preciosas, até mesmo na mitologia local. Conhecem-se importantes referências literárias à existência <strong>de</strong> gemas no Ceilão e à arte <strong>de</strong> as trabalhar, sendo que a mais recuada datará do séc. V a.C. – no Mahabharata texto épico hindu – on<strong>de</strong> são mencionadas jóias e objectos preciosos originários do Ceilão. Durante a presença portuguesa neste território, que durou até meados do séc. XVII, o Ceilão atravessou um período politicamente conturbado on<strong>de</strong> vários reinos disputavam o domínio <strong>de</strong> uma ilha relativamente pequena. Os portugueses viram-se envolvidos nesta <strong>de</strong>nsa teia <strong>de</strong> estratégias políticas e económicas, e acabaram por estabelecer várias alianças e acordos diplomáticos, nomeadamente com o reino <strong>de</strong> Kotte, tradicional rival do <strong>de</strong> Sitavaka. As relações entre Portugal e Kotte atingiram o seu apogeu por volta <strong>de</strong> 1540. No culminar da aliança, para testemunhar o seu apreço e garantir o apoio <strong>de</strong> Portugal na sua sucessão, o rei Bhuvaneka Bahu enviou, por volta <strong>de</strong> 1542, o embaixador Sri Radaraksa Pandita a Portugal, on<strong>de</strong> foi recebido na corte <strong>de</strong> D. João III. Por essa altura Lisboa começou a intensificar as suas relações com outros reinos cingaleses, acabando por aumentar as suas alianças políticas, vindo Kotte a per<strong>de</strong>r o estatuto <strong>de</strong> único aliado. A troca <strong>de</strong> embaixadas e presentes diplomáticos adquiriu um enorme protagonismo, num mundo <strong>de</strong> jogos políticos em que o luxo e o requinte ocupavam lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Quando Nuno Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> era feitor <strong>de</strong> Colombo, o rei <strong>de</strong> Kotte ofereceu setenta cofres do seu tesouro pessoal, <strong>de</strong> forma a garantir o apoio português na guerra contra Sitavaka. Foram muitas e magníficas as ofertas dos diferentes reinos cingaleses que, para além <strong>de</strong> muito apreciadas na corte portuguesa, suscitavam enorme curiosida<strong>de</strong> nas suas congéneres europeias. A consorte <strong>de</strong> D. João III, D. Catarina <strong>de</strong> Habsburgo, tem aqui um papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Extremamente interessada e informada sobre as novida<strong>de</strong>s provenientes da Ásia, coleccionou enorme número <strong>de</strong> artigos requintados e luxuosos, partilhando-os também com muitos dos seus familiares então repartidos por várias casas reinantes da Europa renascentista. As fortes relações diplomáticas que estabeleceu com o rei Bhuvaneka Bahu resultaram na entrada na sua colecção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> objectos cingaleses oferecidos por este mesmo monarca.