UM PROMETEU CARNAVALIZADO: IRONIA E ... - Unesp
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Observamos, aí, o primeiro traço de carnavalização. O homem, destronado do martírio<br />
original, contido no Mito de Prometeu, é entronizado no papel de provedor de comida a sua<br />
esposa que, outrora, era a águia. Essa inversão de papéis e transcontextualização do Mito de<br />
Prometeu em uma situação conjugal carrega uma simbologia e um riso sério muito fortes.<br />
Entretanto, antes de desmembrarmos essa simbologia e o cômico-sério, retomemos o<br />
conceito de carnavalização proposto em Bakhtin, mas comentado por Norma Discini,<br />
Fica registrada a carnavalização como movimento de desestabilização, subversão e ruptura<br />
em relação ao “mundo oficial”, seja este pensado como antagônico ao grotesco criado pela<br />
cultura popular da Idade Média e Renascimento, seja este pensado como modo de<br />
presença que aspira à transparência e à representação da realidade como sentido<br />
acabado, uno e estável, o que é incompatível com a polifonia. (DISCINI In: BRAIT, 2006, p.<br />
84)<br />
Apesar de não se tratar do gênero romance, “O prazer enfim partilhado”, um miniconto<br />
em um livro de prosas escritas “a pouca tinta”, traz esse rompimento e subversão de um “mundo<br />
oficial”, como pudemos observar nas considerações de Discini. Ao antropomorfizar a águia que<br />
devorava o fígado de Prometeu, em razão do castigo dado por Zeus pelo roubo do fogo olímpico,<br />
Colasanti entroniza a mulher como representante do fastidioso destino do “repaginado”<br />
Prometeu – o de fornecer seu próprio corpo, seu fígado, à mulher, em sinal de pacto conjugal<br />
cristão (o de prover todas as necessidades do cônjuge), mesmo aquele não levando nada em<br />
troca.<br />
A respeito disso, Bakhtin explica como se dá o funcionamento desse processo de<br />
coroação-destronamento,<br />
A coroação-destronamento é um ritual ambivalente biunívoco, que expressa a<br />
inevitabilidade e, simultaneamente, a criatividade da mudança-renovação, a alegre<br />
relatividade de qualquer regime ou ordem social, de qualquer poder e qualquer posição<br />
(hierárquica). Na coroação já está contida a idéia do futuro destronamento; ela é<br />
ambivalente desde o começo. Coroa-se o antípoda do verdadeiro rei – o escravo ou o<br />
bobo, como que inaugurando-se e consagrando-se o mundo carnavalesco às avessas. Na<br />
cerimônia de coroação, todos os momentos do próprio ritual, os símbolos do poder que se<br />
entregam ao coroado e a roupa que ele veste tornam-se ambivalentes, adquirem o matiz de<br />
uma alegre relatividade, tornam-se quase acessórios (mas acessórios rituais); o valor<br />
simbólico desses elementos se torna biplanar (como símbolos reais do poder, ou seja, no<br />
mundo extracarnavalesco, eles são monoplanares, absolutos, pesados e monoliticamente<br />
sérios). Por entre a coroação já transparece desde o início o destronamento. E assim são<br />
todos os símbolos carnavalescos: estes sempre incorporam a perspectiva de negação<br />
(morte) ou o contrário. O nascimento é prenhe de morte, a morte, de um novo nascimento.<br />
(BAKHTIN, 2005, p. 124-125, grifos nossos)<br />
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