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Especial Abril 2009.indd - Secretaria de Estado de Cultura de Minas ...

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A<br />

V<br />

E<br />

N<br />

<strong>Secretaria</strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong><br />

Suplemento Literário <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais<br />

P Ó S T U M A S<br />

U<br />

R<br />

A<br />

S<br />

29<br />

O que tratarei <strong>de</strong> contar foi obra <strong>de</strong> um instante, como diria Dom Casmurro, a soma<br />

<strong>de</strong> escassos minutos. Acabavam <strong>de</strong> dar duas da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sexta-feira <strong>de</strong> março<br />

do ano bissexto <strong>de</strong> 1996, no Salão do Livro <strong>de</strong> Paris, lugar e hora pouco propícios<br />

a visões <strong>de</strong> fantasmagorias. Comecei parafraseando o tortuoso Dom Casmurro,<br />

mas agora gostaria <strong>de</strong> invocar outro personagem imortal do escritor Joaquim Maria<br />

Machado <strong>de</strong> Assis. Refiro-me a Brás Cubas, o criador do emplasto contra a melancolia<br />

e das memórias póstumas que levam seu nome e que, além do mais, morreu às<br />

duas horas da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sexta-feira. Para rematar ou relativizar todos esses pormenores<br />

temporais, gostaria <strong>de</strong> colocar entre parênteses, com epígrafe <strong>de</strong>slocada <strong>de</strong>stas<br />

digressões, a seguinte máxima extraída do capítulo 119 <strong>de</strong> Memórias Póstumas <strong>de</strong><br />

Brás Cubas: (“Matamos o tempo, o tempo nos enterra.”). Na fossa comum, me permitiria<br />

agregar.<br />

Mas não adio mais e volto ao que referia-me no início; volto àquele Salão do<br />

Livro <strong>de</strong> Paris, ao pavilhão central nomeado, hiperbolicamente, América, on<strong>de</strong> chamou<br />

minha atenção um cavalheiro, miúdo e frágil, vestido gravemente à antiga, <strong>de</strong><br />

terno escuro e <strong>de</strong> pince-nez, que também bisbilhotava <strong>de</strong> mesa em mesa, olhando<br />

livros norte-americanos, sem <strong>de</strong>ixar o Times que levava <strong>de</strong>baixo do braço. Sua cabeça<br />

tinha uma aura espectral, algo como um negativo fotográfico, com o cabelo e a<br />

Julián Ríos<br />

<strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis<br />

barba brancos e a rosto moreno. Ocorreu-me – posto que o convidado <strong>de</strong> honra do<br />

Salão eram os <strong>Estado</strong>s Unidos – que talvez esse cavalheiro tivesse saído <strong>de</strong> alguma<br />

obra <strong>de</strong> Henry James. Ou, <strong>de</strong>vido à sua cor <strong>de</strong> pele, da Cabana do Pai Tomás.<br />

Pareceu-me que o ancião torcia o nariz ao folhear um livro <strong>de</strong> capa extravagante.<br />

Logo começou a mover a cabeça, não sei se por <strong>de</strong>saprovação ou tomado por um<br />

mal estar. De repente, só se viu o fulgor <strong>de</strong> seus óculos ao tombar a cabeça para trás,<br />

lançando o livro pelos ares com um gritinho que mais parecia um assobio.<br />

Pensei havê-lo reconhecido momentos antes e exclamei “Maitre”, ou talvez Mestre,<br />

e ele, através <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “ventriloquismo cerebral” – segundo a expressiva<br />

fórmula <strong>de</strong> Brás Cubas – rematou, gaguejando ligeiramente: “Maistre, Xavier <strong>de</strong>.”<br />

Uma ilusão auditiva?<br />

Claro, Xavier <strong>de</strong> Maistre, o autor <strong>de</strong> Viagem à volta do meu quarto, era um dos<br />

mestres da forma livre, como Sterne, reconhecido por Brás Cubas no prólogo <strong>de</strong> suas<br />

memórias.

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