Especial Abril 2009.indd - Secretaria de Estado de Cultura de Minas ...
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Um tempo<br />
espanhol<br />
Pablo <strong>de</strong>l Barco<br />
T<br />
empo espanhol, <strong>de</strong> Murilo Men<strong>de</strong>s, é um<br />
livro surpreen<strong>de</strong>nte pelo seu conteúdo e<br />
por seu caráter extraordinário. Apesar do<br />
título, até agora nunca havia sido traduzido para o<br />
castelhano – com exceção <strong>de</strong> alguns poemas – nem<br />
se <strong>de</strong>dicou especial atenção a ele na Espanha; apenas<br />
Dámaso Alonso e Ángel Crespo tiveram-no presente<br />
em algumas <strong>de</strong> suas análises.<br />
O livro foi escrito entre 1955 e 1958, como resultado<br />
<strong>de</strong> viagens do escritor à Espanha, e publicado em<br />
Lisboa em 1959. Supera claramente o simples relato<br />
poético <strong>de</strong> viagem, apresentando sua visão <strong>de</strong> figuras<br />
e lugares estratégicos da cultura espanhola. Das ruínas<br />
<strong>de</strong> Numancia à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guernica, traça os eixos<br />
<strong>de</strong> coragem e resistência dos espanhóis para com o<br />
invasor, estabelece códigos que precisam o espaço<br />
<strong>Secretaria</strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong><br />
Suplemento Literário <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais<br />
33<br />
geográfico, as proporções e a natureza <strong>de</strong> nossa arte<br />
em um prisma que, ao refletir luzes parciais, <strong>de</strong>snuda<br />
a alma e o sentimento espanhol. Essas linhas meridianas<br />
vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o autor anônimo do Cantar <strong>de</strong>l Mío<br />
Cid à agonia dos poetas Lorca e Miguel Hernán<strong>de</strong>z;<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os pintores antigos da Catalunha até Picasso e<br />
Miró, passando pela música <strong>de</strong> Tomas Luis <strong>de</strong> Victoria<br />
–compositor do Renascimento – e o flamenco mais<br />
arraigado. O livro não é só o resultado da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
alguns personagens e o espetáculo da paisagem pelo<br />
qual o poeta ficou impactado; seu afã, seu objetivo é<br />
capturar a essência e localizá-la em um contexto universal,<br />
com tudo o que isso <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong> sua sólida<br />
formação cultural.<br />
Murilo não se limitou a viajar por aquela Espanha<br />
dos anos 50; aquela na qual ele foi <strong>de</strong>clarado “persona<br />
non grata” por Franco, obcecado por uma só cultura.<br />
O poeta era homem tão abertamente antifascista<br />
a ponto <strong>de</strong> enviar a Hitler um telegrama contun<strong>de</strong>nte:<br />
“Em nome <strong>de</strong> Wolfgang Ama<strong>de</strong>us Mozart, protesto<br />
contra a ocupação Salzburg”. Também escreveu em<br />
jornais republicanos espanhóis e portugueses contra a<br />
ditadura salazarista. A publicação <strong>de</strong> Tempo espanhol<br />
teve como consequência a proibição da entrada e estadia<br />
do poeta na Espanha que, apesar disso, não renunciou<br />
a visitas clan<strong>de</strong>stinas: “Minha aversão ao regime<br />
franquista é menor que meu amor pela Espanha, por<br />
isso a visito sempre que posso.” Seu contato e amiza<strong>de</strong><br />
com escritores e artistas plásticos espanhóis foi<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para ele e isso está claro nas<br />
<strong>de</strong>dicatórias presentes em Tempo espanhol: a Jorge<br />
Guillén (“Monteserrate”), Luís Cernuda (“O sol <strong>de</strong><br />
Ilhescas”), Dámaso Alonso (“Toledo”), Blas <strong>de</strong> Otero<br />
(“Pueblo”), Vicente Aleixandre (“Sevilha”), Enric e<br />
Maria Tormo (“Barcelona”) e Rafael Alberti (“Jardins<br />
do Generalife”), para citar alguns. A maioria são<br />
poetas da generación <strong>de</strong>l 27, com os quais manteve<br />
excelentes relações pessoais e profissionais.<br />
Murilo fez da Espanha, nesse livro, um motivo<br />
universal, país que, segundo ele, explicava boa parte<br />
da história: “Não necessito ir mais além da Espanha/<br />
ao alcance da mão temos o homem, o mundo”, escreve<br />
em seu poema “Homenagem a Cervantes”. E não<br />
só plasmou esse interesse no livro que aqui se comenta;<br />
entre 1966 e 1969 escreveu a prosa Espaço Espanhol,<br />
também inédito em castelhano e que acentua e<br />
amplia temas <strong>de</strong> Tempo espanhol.