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Coleção O prazer da prosa<br />
Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo<br />
O Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo<br />
Organizador: Ivan Marques<br />
<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
Na história da arte e da literatura, os rótulos servem apenas <strong>de</strong> referência.<br />
Eles são por natureza imprecisos e insuficientes. No caso do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo, a<br />
etiqueta se mostra ainda mais precária. Se o Romantismo, o Realismo e o Simbolismo<br />
constituíram, <strong>de</strong> fato, movimentos estéticos, com li<strong>de</strong>ranças, manifestos e coerência<br />
<strong>de</strong> propósitos, o mesmo não se <strong>de</strong>u com a fase cultural brasileira que se esten<strong>de</strong> do<br />
princípio do século XX até a Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna. Por não ter ban<strong>de</strong>iras nem<br />
i<strong>de</strong>ário próprio, esse período acabou recebendo uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominações –<br />
impressionismo, penumbrismo, <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntismo –, além da classificação dada por<br />
Tristão <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>, que se tornou consagrada: Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo. Feita a posteriori, a<br />
própria escolha do termo já revela a perspectiva que lhe <strong>de</strong>u origem: o parâmetro da<br />
renovação estética e i<strong>de</strong>ológica promovida na década <strong>de</strong> 1920 pelos mo<strong>de</strong>rnistas.<br />
Na Europa, antes da catástrofe da Primeira Guerra Mundial, prosperava uma<br />
socieda<strong>de</strong> burguesa, amante do luxo e dos prazeres. No Brasil <strong>de</strong>sse começo <strong>de</strong><br />
século XX, também vivíamos, ao menos na capital fe<strong>de</strong>ral, uma pacífica belle<br />
époque. Com o triunfo da República e da mentalida<strong>de</strong> positivista, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou-se<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro um po<strong>de</strong>roso surto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. “O Rio civiliza-se” era o<br />
slogan alar<strong>de</strong>ado pelas autorida<strong>de</strong>s e pelos cronistas.<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
Em sintonia com o gosto da época, as páginas <strong>de</strong> praticamente todos os<br />
autores cobriram-se <strong>de</strong> farta ornamentação. É o que se nota não apenas nos<br />
romances e crônicas <strong>de</strong> escritores “refinados” como Coelho Neto e João do Rio, mas<br />
também nos textos i<strong>de</strong>ologicamente empenhados <strong>de</strong> Graça Aranha e Eucli<strong>de</strong>s da<br />
Cunha – autor da obra mais importante surgida no período, o clássico Os sertões. O<br />
mesmo impulso acometeu escritores regionalistas espalhados pelo Brasil.<br />
É comum ouvirmos críticas à literatura <strong>de</strong>ssa época, como se ela tivesse se<br />
limitado ao puro aca<strong>de</strong>micismo e à estagnação. Mas isso não é inteiramente<br />
verda<strong>de</strong>. Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo comprova que, ao contrário, o período foi<br />
extremamente vivo e dinâmico. A literatura regionalista representou uma tendência<br />
forte e, embora presa a valores do passado, prenunciou uma das linhas <strong>de</strong> força do<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo: a pesquisa das fontes culturais do país. No que se refere ao interesse<br />
pela realida<strong>de</strong> brasileira, o maior <strong>de</strong>staque é a ficção urbana do carioca Lima<br />
Barreto. Dessa voz dissonante e marginalizada, assim como da prosa concisa e<br />
poética do gaúcho João Simões Lopes Neto (curiosamente, nenhum dos dois<br />
pertenceu à Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras), é que saíram as obras mais<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes da época – mais mo<strong>de</strong>rnas do que as <strong>de</strong> muitos mo<strong>de</strong>rnistas.<br />
Os autores<br />
Os autores reunidos na coletânea são muito distintos uns dos outros. Por que<br />
então todos são consi<strong>de</strong>rados pré-mo<strong>de</strong>rnistas? Para respon<strong>de</strong>r a essa questão, vale<br />
a pena relembrar uma observação importante do crítico Alfredo Bosi. Segundo ele, o<br />
prefixo “pré” carrega dois sentidos. Além <strong>de</strong> indicar uma marca temporal<br />
(aplicando-se no caso a tudo que veio antes do Mo<strong>de</strong>rnismo), ele também expressa o<br />
caráter <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong> antecipação – diferente da mera anteriorida<strong>de</strong> – que algumas<br />
obras do período revelam em relação aos avanços vindouros.<br />
Coleção O prazer da prosa
<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
Comecemos então pelos autores do primeiro grupo – os que simplesmente<br />
atuaram antes do Mo<strong>de</strong>rnismo. O nome que se <strong>de</strong>staca é o <strong>de</strong> Coelho Neto (1864–<br />
1934), autor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio em sua época, com uma obra numerosa composta<br />
por mais <strong>de</strong> 130 títulos. Nele, os mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> 1922 i<strong>de</strong>ntificaram seu principal<br />
inimigo – a figura-símbolo do aca<strong>de</strong>micismo. Era <strong>de</strong> fato exagerada a paixão do<br />
escritor pelas palavras raras e pelo transbordamento retórico. Daí ter sido<br />
consi<strong>de</strong>rado um autêntico representante do “mal da eloquência balofa e<br />
roçagante”, para usar uma famosa expressão <strong>de</strong> Paulo Prado.<br />
Na mesma categoria <strong>de</strong>ve ser incluído João do Rio (1881–1921), outro<br />
célebre representante da escrita ornamental. Dele já se disse que teria sido um<br />
gran<strong>de</strong> jornalista, porém um escritor menor e até mesmo fútil. Mas aqui é difícil<br />
separar o jornalismo da literatura. Mesmo no conto, no romance e no teatro, João<br />
do Rio continua sendo o cronista interessado na cida<strong>de</strong> e no cotidiano. I<strong>de</strong>ntificado<br />
profundamente com o seu tempo, ele retratou com paixão o Rio da belle époque.<br />
Mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> revelar aspectos obscuros daquela cida<strong>de</strong> com fachada europeia,<br />
isto é, a miséria, a marginalida<strong>de</strong> e os vícios que, embora reprimidos, também faziam<br />
parte do “espetáculo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”.<br />
Como representante máximo do outro grupo – o dos antecipadores do<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo –, temos Lima Barreto (1881–1922), o primeiro gran<strong>de</strong> escritor mulato<br />
que surgiu no Brasil <strong>de</strong>pois da Abolição. Para além <strong>de</strong> um mero cronista da vida<br />
carioca nos tempos da República Velha, ele po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o primeiro dos<br />
escritores mo<strong>de</strong>rnos do país. Estava muito distante dos costumes literários da belle<br />
époque. Seu <strong>de</strong>sejo era “<strong>de</strong>scoelhonetizar” a literatura brasileira, livrando-a dos<br />
estrangeirismos, do excesso <strong>de</strong> brilho, do peso da gramática. Com seu estilo<br />
<strong>de</strong>spojado (visto em sua época como <strong>de</strong>sleixado), o autor <strong>de</strong> Triste fim <strong>de</strong> Policarpo<br />
Quaresma procurou imitar a fala das ruas, marcando sua posição em favor <strong>de</strong> uma<br />
arte mais brasileira.<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
Entre os regionalistas do período, tivemos exemplos tanto <strong>de</strong> ornamentação<br />
quanto <strong>de</strong> renovação. Os três representantes <strong>de</strong>ssa corrente incluídos na coletânea<br />
foram apontados por Lúcia Miguel Pereira como reinventores do regionalismo na<br />
virada do século XX (livrando-o do sentimentalismo ingênuo e do falso primitivismo<br />
tão comuns na velha literatura do gênero). No caso do mineiro Afonso Arinos<br />
(1868–1916), percebe-se ainda uma oscilação entre “pureza” e refinamento. Embora<br />
<strong>de</strong>sejasse uma arte autóctone, nos contos do livro Pelo sertão há um contraste entre<br />
a simplicida<strong>de</strong> do quadro primitivo e o preciosismo da linguagem (a forma clássica e<br />
muitas vezes parnasiana).<br />
Assim como Afonso Arinos, o goiano Hugo <strong>de</strong> Carvalho Ramos (1895–1921)<br />
também ficou famoso por um único volume <strong>de</strong> contos – Tropas e boiadas, <strong>de</strong> 1917. E<br />
também no seu caso a “volúpia do vocabulário” (a palavra difícil e rebuscada) quase<br />
pôs a per<strong>de</strong>r o frescor da observação e a própria autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas narrativas<br />
sertanejas. Felizmente, muito se salvou. O torneado das frases não elimina o po<strong>de</strong>r<br />
evocativo e a força do “sentimento local”, presentes em todas as páginas <strong>de</strong>sse<br />
jovem escritor empenhado em plantar os “alicerces da nossa literatura brasileira”. E<br />
Carvalho Ramos não se limitou à fotografia das belezas naturais, <strong>de</strong>sejando também<br />
fazer um estudo das relações humanas naquele mundo agrário e primitivo.<br />
Bastante singular é o caso do gaúcho João Simões Lopes Neto (1865–1916).<br />
Afastando-se da prosa ornamental do seu tempo, ele se tornou um dos maiores<br />
autores da época do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo. A sua obra antecipou não só a literatura<br />
mo<strong>de</strong>rnista, mas também o regionalismo radical e universal que apareceria décadas<br />
<strong>de</strong>pois com Guimarães Rosa. Nos contos <strong>de</strong> Simões Lopes, o excesso <strong>de</strong> literatura dos<br />
outros regionalistas <strong>de</strong> sua época dá lugar a uma forma literária simples, espontânea<br />
e, ao mesmo tempo, intensamente poética. O registro sem preconceitos da<br />
linguagem matuta é resultado da profunda simpatia que o escritor tinha pelas<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
fontes populares, a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na sombra <strong>de</strong> seu personagem-narrador, o<br />
vaqueiro Blau Nunes.<br />
Dessa i<strong>de</strong>ntificação é que surge não apenas a maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana e<br />
social <strong>de</strong> sua obra, mas a própria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua linguagem literária.<br />
Os contos<br />
Os contos do volume Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo são uma amostra<br />
representativa tanto das qualida<strong>de</strong>s quanto dos excessos <strong>de</strong> linguagem apresentados<br />
pela geração literária que atuou nas duas primeiras décadas do século XX.<br />
A oscilação “entre o documento e o ornamento”, que no juízo <strong>de</strong> Alfredo<br />
Bosi caracteriza a obra <strong>de</strong> Coelho Neto, aparece com niti<strong>de</strong>z no conto “Atração da<br />
terra” (pág. 49), publicado no livro Banzo, <strong>de</strong> 1913. A narrativa gira em torno <strong>de</strong><br />
dois temas recorrentes no escritor: o medo primitivo do sobrenatural e o sofrimento<br />
da morte, narrado com violência e exagero, minuciosamente. A menina Sara acredita<br />
ter <strong>de</strong>safiado os po<strong>de</strong>res divinos simplesmente por ter arremessado ao mar uma<br />
folha do calendário, “com o dia ainda vivo”. Tanto o pecado quanto o castigo<br />
interminável da criança parecem injustificados, assim como soa improvável a mistura<br />
<strong>de</strong> verbo exorbitante e rusticida<strong>de</strong> popular. Ainda assim, a história seduz por sua<br />
<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e vivacida<strong>de</strong>. Descontado o verniz da linguagem, resta ainda muito que<br />
admirar na escrita e na imaginação <strong>de</strong> Coelho Neto.<br />
O conto “Dentro da noite” (pág. 69) é uma trama sobre perversão, bem ao<br />
gosto <strong>de</strong> João do Rio. Entre seus personagens típicos, está não apenas o dândi<br />
refinado, com seus prazeres mundanos, mas também os neuróticos, sádicos,<br />
alcoólatras e viciados <strong>de</strong> toda espécie. Todavia, a perversão é enfocada com<br />
distanciamento, misturada a paradoxos e consi<strong>de</strong>rações filosóficas, como se o autor<br />
não pu<strong>de</strong>sse exprimi-la em estado bruto, sem refinamento ou censura. Por privilegiar<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
o ponto <strong>de</strong> vista da normalida<strong>de</strong> burguesa, o conto se enquadra ainda naquela<br />
concepção <strong>de</strong> literatura como “sorriso da socieda<strong>de</strong>”. Mas o apito insistente da<br />
locomotiva, rasgando o subúrbio, lembra que a cida<strong>de</strong> é feita <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos. A<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> inclui também “os mutilados da belle époque” (a expressão é <strong>de</strong><br />
Antonio Arnoni Prado) e vai além da burguesia esnobe que João do Rio tanto<br />
reverenciou em sua obra, ao mesmo tempo que lhe dava alfinetadas.<br />
Para Lima Barreto, o subúrbio é o “refúgio dos infelizes”. Seus livros contêm<br />
representantes <strong>de</strong> todos os grupos sociais, mas sobretudo das camadas populares.<br />
Nos personagens suburbanos, o escritor projeta amarguras pessoais, o que dá à sua<br />
literatura um forte caráter memorialístico. No romance Recordações do escrivão<br />
Isaías Caminha, ele retrata a si mesmo e revela seus conflitos em face dos<br />
preconceitos <strong>de</strong> cor e <strong>de</strong> classe. O mesmo sentimento <strong>de</strong> exílio aparece no conto “O<br />
filho da Gabriela” (pág. 83). Vivendo entre favores e humilhações, Horácio tem em<br />
comum com o autor a saú<strong>de</strong> frágil, a fantasia e a vaida<strong>de</strong>. Na escola, ele manifesta<br />
<strong>de</strong>sprezo pelo “espetáculo do saber”, criticado com numerosos adjetivos: grandioso,<br />
apoteótico, solene, carrancudo, feroz, autoritário. Contra as regras da gramática e<br />
da socieda<strong>de</strong>, volta-se o menino com sua febre — e o escritor com a “loucura” que o<br />
fez terminar a vida tragicamente, em hospícios.<br />
Nos contos <strong>de</strong> Afonso Arinos, a i<strong>de</strong>ntificação é com os sertanejos. Em Pelo<br />
sertão, a preposição que faz parte do título indica tanto a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma viagem<br />
“através <strong>de</strong>”, como a <strong>de</strong> um manifesto político “em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>”. O escritor não<br />
apenas viaja pelo sertão, mas também fala pelo sertanejo e, portanto, no lugar <strong>de</strong>le.<br />
Daí a intrusão da gramática culta no linguajar errado <strong>de</strong> personagens que se tornam,<br />
por esse motivo, artificiais. Excessivamente bondosos, valentes e fiéis, não<br />
conseguem ainda falar por si mesmos; limitam-se a reproduzir o discurso dos<br />
patrões, assumindo uma posição subalterna. Em “Joaquim Mironga” (pág. 11),<br />
Arinos não <strong>de</strong>monstra preocupação com os conflitos sociais. O que predomina é a<br />
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visão mítica do sertanejo como homem primitivo, inocente, dominado pelas forças<br />
da natureza e em contato com as fontes da poesia.<br />
O caso <strong>de</strong> Hugo Carvalho Ramos, que já foi chamado <strong>de</strong> “ficcionista áspero”,<br />
é um pouco diferente. Interessado nos problemas políticos e econômicos do país, o<br />
escritor fez questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar a dura realida<strong>de</strong> do sertanejo pobre, obrigado a<br />
submeter-se aos códigos particulares e à brutalida<strong>de</strong> dos latifundiários. “Mágoa <strong>de</strong><br />
vaqueiro” (pág. 29) é a triste história <strong>de</strong> um homem abandonado por sua filha, que<br />
foge com o namorado. O sertanejo velho e pobre se torna uma espécie <strong>de</strong> símbolo<br />
do próprio sertão miserável, abandonado pelas autorida<strong>de</strong>s, esquecido pelos<br />
intelectuais, atropelado cruelmente pela cida<strong>de</strong> na República comandada pelo i<strong>de</strong>al<br />
do progresso. Sua mágoa exprime a dor <strong>de</strong> um velho mundo.<br />
No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> o regionalismo constituiu uma verda<strong>de</strong>ira<br />
tradição, João Simões Lopes Neto também saiu em <strong>de</strong>manda do rincão perdido – a<br />
campanha – e do primitivo herói gaúcho. “O boi velho” (pág. 39) é um dos seus<br />
contos antológicos, um poema sobre o paraíso perdido das coisas simples. No início<br />
da narrativa, há uma perfeita união entre homens, animais e natureza. Mas as<br />
crianças, transformadas em adultos, se entregam à corrupção do dinheiro e do<br />
po<strong>de</strong>r. O boi velho existe para nos lembrar da inocência que per<strong>de</strong>mos – e da<br />
plenitu<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> ter. É o que ensina Simões Lopes por meio da sabedoria<br />
popular <strong>de</strong> Blau Nunes – utilizando uma linguagem reduzida ao essencial, cheia <strong>de</strong><br />
recursos poéticos, que impressiona pela espontaneida<strong>de</strong>.<br />
Sugestões <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
1. Na geração pré-mo<strong>de</strong>rnista, os escritores <strong>de</strong> vanguarda encontraram<br />
gran<strong>de</strong>s inimigos, mas também alguns dos precursores da renovação estética que<br />
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ocorreria a partir da década <strong>de</strong> 1920. É possível falar, então, em duas correntes<br />
atuando na literatura ficcional do período: uma mais conservadora e “passadista”,<br />
ligada ao refinamento do Parnasianismo, e a outra introduzindo, nos temas e na<br />
linguagem, prenúncios <strong>de</strong> libertação. Peça aos alunos que procurem nos contos do<br />
livro fragmentos que exemplifiquem as duas tendências – a “parnasiana” <strong>de</strong> Coelho<br />
Neto e a “mo<strong>de</strong>rna” <strong>de</strong> Lima Barreto. Contos <strong>de</strong> outros autores também po<strong>de</strong>m ser<br />
utilizados. Os alunos <strong>de</strong>vem procurar exemplos tanto <strong>de</strong> natureza estética quanto <strong>de</strong><br />
caráter i<strong>de</strong>ológico.<br />
2. É difícil compreen<strong>de</strong>r a literatura pré-mo<strong>de</strong>rnista sem conhecer melhor o<br />
significado da belle époque. Duas pesquisas po<strong>de</strong>m ser sugeridas aos alunos. A<br />
primeira sobre a época <strong>de</strong> luxo e prazeres vivida pela socieda<strong>de</strong> europeia<br />
(especialmente a francesa) nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A outra<br />
pesquisa seria focada na cida<strong>de</strong> que foi o centro da belle époque brasileira, isto é, o<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, que também viveu nesse período uma onda <strong>de</strong> refinamento e<br />
mo<strong>de</strong>rnização. Peça aos alunos que levantem informações sobre a socieda<strong>de</strong>, a<br />
cultura e o comportamento das pessoas nessa época.<br />
3. O estilo artístico dominante na época do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo era o art<br />
nouveau, cujos marcos históricos foram a construção da torre Eiffel e a exposição<br />
universal <strong>de</strong> Paris, em 1900. Proponha aos alunos um estudo sobre o art nouveau.<br />
Peça-lhes que procurem em livros <strong>de</strong> história da arte ilustrações <strong>de</strong> objetos artísticos<br />
e <strong>de</strong> construções arquitetônicas pertencentes ao período. Depois <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar suas<br />
principais características, os alunos <strong>de</strong>verão comparar esse estilo ornamental com as<br />
expressões rebuscadas dos textos <strong>de</strong> Coelho Neto, João do Rio e Afonso Arinos.<br />
4. Segundo Lima Barreto, era importante “<strong>de</strong>scoelhonetizar” a literatura<br />
praticada no Brasil no começo do século XX. Foi o que fizeram o autor <strong>de</strong> Triste Fim<br />
<strong>de</strong> Policarpo Quaresma e também os mo<strong>de</strong>rnistas como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Oswald<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Alcântara Machado. Uma ativida<strong>de</strong> criativa que po<strong>de</strong> ser<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
proposta aos alunos é o exercício <strong>de</strong> reescrever um fragmento do conto “Atração da<br />
terra”, <strong>de</strong> Coelho Neto. Eles <strong>de</strong>verão manter todas as informações, a sequência das<br />
frases e dos diálogos etc. A intervenção seria apenas no sentido <strong>de</strong> substituir o<br />
refinamento (os adjetivos, os vocábulos raros) por uma expressão mais simples e<br />
<strong>de</strong>spojada. O exercício dará aos alunos uma consciência maior do “falar difícil” e dos<br />
males da retórica bacharelesca que dominaram por muito tempo a cultura brasileira.<br />
5. O tratamento que João Simões Lopes Neto <strong>de</strong>u ao sertanejo é muito<br />
diferente do que existia na velha literatura regionalista, muito i<strong>de</strong>alizadora e ao<br />
mesmo tempo preconceituosa em relação ao homem da roça. Para marcar bem a<br />
distância entre o escritor culto e o personagem rústico, muitos autores chegavam a<br />
exagerar os erros, como se quisessem fazer uma caricatura dos analfabetos. Mostre<br />
aos alunos este fragmento do livro <strong>Ser</strong>tão, <strong>de</strong> Coelho Neto, que assim reproduz a<br />
fala sertaneja: “É, ocês pensa que’a genti não tem mais qui faze sinão anda atrás du<br />
chero, di saia, cumu cachorru nu rastu di cutia...”. Em seguida, peça que comparem<br />
essa forma <strong>de</strong> exprimir a linguagem dos “ignorantes” com a narrativa do vaqueiro<br />
Blau Nunes, contador <strong>de</strong> causos no qual se projeta o autor do conto “O boi velho”.<br />
Quais são as principais diferenças no plano da expressão verbal? O que isso revela no<br />
que diz respeito à i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> cada um dos autores?<br />
6. Não foram apenas os escritores mo<strong>de</strong>rnistas como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e<br />
Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> que se preocuparam com o Brasil. Entre os autores da geração<br />
pré-mo<strong>de</strong>rnista, havia também um intenso <strong>de</strong>bate em torno do nacionalismo. Após a<br />
euforia patriótica dos escritores românticos e o pessimismo dos realistas e<br />
naturalistas, novas visões a respeito do Brasil apareceram na virada do século XX.<br />
Peça aos alunos que pesquisem as interpretações <strong>de</strong> dois escritores importantes da<br />
época, que não fazem parte da nossa coletânea: Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, autor <strong>de</strong> Os<br />
sertões, e Monteiro Lobato, o criador do célebre personagem Jeca Tatu. O que eles<br />
pensavam do Brasil, especialmente do sertanejo e do caipira? Peça aos alunos que<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
discutam essas visões (concordam com elas?) e que as relacionem com os contos <strong>de</strong><br />
Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo.<br />
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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
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escolhidos (col. Nossos Clássicos). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 1959.<br />
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(col. Nossos clássicos). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 1957.<br />
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<strong>Roteiro</strong> elaborado por Ivan Marques, doutor em Literatura Brasileira e professor da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Coleção O prazer da prosa