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Roteiro de trabalho - Início - Ser

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Coleção O prazer da prosa<br />

Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo<br />

O Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo<br />

Organizador: Ivan Marques<br />

<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

Na história da arte e da literatura, os rótulos servem apenas <strong>de</strong> referência.<br />

Eles são por natureza imprecisos e insuficientes. No caso do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo, a<br />

etiqueta se mostra ainda mais precária. Se o Romantismo, o Realismo e o Simbolismo<br />

constituíram, <strong>de</strong> fato, movimentos estéticos, com li<strong>de</strong>ranças, manifestos e coerência<br />

<strong>de</strong> propósitos, o mesmo não se <strong>de</strong>u com a fase cultural brasileira que se esten<strong>de</strong> do<br />

princípio do século XX até a Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna. Por não ter ban<strong>de</strong>iras nem<br />

i<strong>de</strong>ário próprio, esse período acabou recebendo uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominações –<br />

impressionismo, penumbrismo, <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntismo –, além da classificação dada por<br />

Tristão <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>, que se tornou consagrada: Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo. Feita a posteriori, a<br />

própria escolha do termo já revela a perspectiva que lhe <strong>de</strong>u origem: o parâmetro da<br />

renovação estética e i<strong>de</strong>ológica promovida na década <strong>de</strong> 1920 pelos mo<strong>de</strong>rnistas.<br />

Na Europa, antes da catástrofe da Primeira Guerra Mundial, prosperava uma<br />

socieda<strong>de</strong> burguesa, amante do luxo e dos prazeres. No Brasil <strong>de</strong>sse começo <strong>de</strong><br />

século XX, também vivíamos, ao menos na capital fe<strong>de</strong>ral, uma pacífica belle<br />

époque. Com o triunfo da República e da mentalida<strong>de</strong> positivista, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou-se<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro um po<strong>de</strong>roso surto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. “O Rio civiliza-se” era o<br />

slogan alar<strong>de</strong>ado pelas autorida<strong>de</strong>s e pelos cronistas.<br />

Coleção O prazer da prosa


<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

Em sintonia com o gosto da época, as páginas <strong>de</strong> praticamente todos os<br />

autores cobriram-se <strong>de</strong> farta ornamentação. É o que se nota não apenas nos<br />

romances e crônicas <strong>de</strong> escritores “refinados” como Coelho Neto e João do Rio, mas<br />

também nos textos i<strong>de</strong>ologicamente empenhados <strong>de</strong> Graça Aranha e Eucli<strong>de</strong>s da<br />

Cunha – autor da obra mais importante surgida no período, o clássico Os sertões. O<br />

mesmo impulso acometeu escritores regionalistas espalhados pelo Brasil.<br />

É comum ouvirmos críticas à literatura <strong>de</strong>ssa época, como se ela tivesse se<br />

limitado ao puro aca<strong>de</strong>micismo e à estagnação. Mas isso não é inteiramente<br />

verda<strong>de</strong>. Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo comprova que, ao contrário, o período foi<br />

extremamente vivo e dinâmico. A literatura regionalista representou uma tendência<br />

forte e, embora presa a valores do passado, prenunciou uma das linhas <strong>de</strong> força do<br />

Mo<strong>de</strong>rnismo: a pesquisa das fontes culturais do país. No que se refere ao interesse<br />

pela realida<strong>de</strong> brasileira, o maior <strong>de</strong>staque é a ficção urbana do carioca Lima<br />

Barreto. Dessa voz dissonante e marginalizada, assim como da prosa concisa e<br />

poética do gaúcho João Simões Lopes Neto (curiosamente, nenhum dos dois<br />

pertenceu à Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras), é que saíram as obras mais<br />

surpreen<strong>de</strong>ntes da época – mais mo<strong>de</strong>rnas do que as <strong>de</strong> muitos mo<strong>de</strong>rnistas.<br />

Os autores<br />

Os autores reunidos na coletânea são muito distintos uns dos outros. Por que<br />

então todos são consi<strong>de</strong>rados pré-mo<strong>de</strong>rnistas? Para respon<strong>de</strong>r a essa questão, vale<br />

a pena relembrar uma observação importante do crítico Alfredo Bosi. Segundo ele, o<br />

prefixo “pré” carrega dois sentidos. Além <strong>de</strong> indicar uma marca temporal<br />

(aplicando-se no caso a tudo que veio antes do Mo<strong>de</strong>rnismo), ele também expressa o<br />

caráter <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong> antecipação – diferente da mera anteriorida<strong>de</strong> – que algumas<br />

obras do período revelam em relação aos avanços vindouros.<br />

Coleção O prazer da prosa


<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

Comecemos então pelos autores do primeiro grupo – os que simplesmente<br />

atuaram antes do Mo<strong>de</strong>rnismo. O nome que se <strong>de</strong>staca é o <strong>de</strong> Coelho Neto (1864–<br />

1934), autor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio em sua época, com uma obra numerosa composta<br />

por mais <strong>de</strong> 130 títulos. Nele, os mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> 1922 i<strong>de</strong>ntificaram seu principal<br />

inimigo – a figura-símbolo do aca<strong>de</strong>micismo. Era <strong>de</strong> fato exagerada a paixão do<br />

escritor pelas palavras raras e pelo transbordamento retórico. Daí ter sido<br />

consi<strong>de</strong>rado um autêntico representante do “mal da eloquência balofa e<br />

roçagante”, para usar uma famosa expressão <strong>de</strong> Paulo Prado.<br />

Na mesma categoria <strong>de</strong>ve ser incluído João do Rio (1881–1921), outro<br />

célebre representante da escrita ornamental. Dele já se disse que teria sido um<br />

gran<strong>de</strong> jornalista, porém um escritor menor e até mesmo fútil. Mas aqui é difícil<br />

separar o jornalismo da literatura. Mesmo no conto, no romance e no teatro, João<br />

do Rio continua sendo o cronista interessado na cida<strong>de</strong> e no cotidiano. I<strong>de</strong>ntificado<br />

profundamente com o seu tempo, ele retratou com paixão o Rio da belle époque.<br />

Mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> revelar aspectos obscuros daquela cida<strong>de</strong> com fachada europeia,<br />

isto é, a miséria, a marginalida<strong>de</strong> e os vícios que, embora reprimidos, também faziam<br />

parte do “espetáculo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”.<br />

Como representante máximo do outro grupo – o dos antecipadores do<br />

Mo<strong>de</strong>rnismo –, temos Lima Barreto (1881–1922), o primeiro gran<strong>de</strong> escritor mulato<br />

que surgiu no Brasil <strong>de</strong>pois da Abolição. Para além <strong>de</strong> um mero cronista da vida<br />

carioca nos tempos da República Velha, ele po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o primeiro dos<br />

escritores mo<strong>de</strong>rnos do país. Estava muito distante dos costumes literários da belle<br />

époque. Seu <strong>de</strong>sejo era “<strong>de</strong>scoelhonetizar” a literatura brasileira, livrando-a dos<br />

estrangeirismos, do excesso <strong>de</strong> brilho, do peso da gramática. Com seu estilo<br />

<strong>de</strong>spojado (visto em sua época como <strong>de</strong>sleixado), o autor <strong>de</strong> Triste fim <strong>de</strong> Policarpo<br />

Quaresma procurou imitar a fala das ruas, marcando sua posição em favor <strong>de</strong> uma<br />

arte mais brasileira.<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

Entre os regionalistas do período, tivemos exemplos tanto <strong>de</strong> ornamentação<br />

quanto <strong>de</strong> renovação. Os três representantes <strong>de</strong>ssa corrente incluídos na coletânea<br />

foram apontados por Lúcia Miguel Pereira como reinventores do regionalismo na<br />

virada do século XX (livrando-o do sentimentalismo ingênuo e do falso primitivismo<br />

tão comuns na velha literatura do gênero). No caso do mineiro Afonso Arinos<br />

(1868–1916), percebe-se ainda uma oscilação entre “pureza” e refinamento. Embora<br />

<strong>de</strong>sejasse uma arte autóctone, nos contos do livro Pelo sertão há um contraste entre<br />

a simplicida<strong>de</strong> do quadro primitivo e o preciosismo da linguagem (a forma clássica e<br />

muitas vezes parnasiana).<br />

Assim como Afonso Arinos, o goiano Hugo <strong>de</strong> Carvalho Ramos (1895–1921)<br />

também ficou famoso por um único volume <strong>de</strong> contos – Tropas e boiadas, <strong>de</strong> 1917. E<br />

também no seu caso a “volúpia do vocabulário” (a palavra difícil e rebuscada) quase<br />

pôs a per<strong>de</strong>r o frescor da observação e a própria autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas narrativas<br />

sertanejas. Felizmente, muito se salvou. O torneado das frases não elimina o po<strong>de</strong>r<br />

evocativo e a força do “sentimento local”, presentes em todas as páginas <strong>de</strong>sse<br />

jovem escritor empenhado em plantar os “alicerces da nossa literatura brasileira”. E<br />

Carvalho Ramos não se limitou à fotografia das belezas naturais, <strong>de</strong>sejando também<br />

fazer um estudo das relações humanas naquele mundo agrário e primitivo.<br />

Bastante singular é o caso do gaúcho João Simões Lopes Neto (1865–1916).<br />

Afastando-se da prosa ornamental do seu tempo, ele se tornou um dos maiores<br />

autores da época do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo. A sua obra antecipou não só a literatura<br />

mo<strong>de</strong>rnista, mas também o regionalismo radical e universal que apareceria décadas<br />

<strong>de</strong>pois com Guimarães Rosa. Nos contos <strong>de</strong> Simões Lopes, o excesso <strong>de</strong> literatura dos<br />

outros regionalistas <strong>de</strong> sua época dá lugar a uma forma literária simples, espontânea<br />

e, ao mesmo tempo, intensamente poética. O registro sem preconceitos da<br />

linguagem matuta é resultado da profunda simpatia que o escritor tinha pelas<br />

Coleção O prazer da prosa


<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

fontes populares, a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na sombra <strong>de</strong> seu personagem-narrador, o<br />

vaqueiro Blau Nunes.<br />

Dessa i<strong>de</strong>ntificação é que surge não apenas a maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> humana e<br />

social <strong>de</strong> sua obra, mas a própria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua linguagem literária.<br />

Os contos<br />

Os contos do volume Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo são uma amostra<br />

representativa tanto das qualida<strong>de</strong>s quanto dos excessos <strong>de</strong> linguagem apresentados<br />

pela geração literária que atuou nas duas primeiras décadas do século XX.<br />

A oscilação “entre o documento e o ornamento”, que no juízo <strong>de</strong> Alfredo<br />

Bosi caracteriza a obra <strong>de</strong> Coelho Neto, aparece com niti<strong>de</strong>z no conto “Atração da<br />

terra” (pág. 49), publicado no livro Banzo, <strong>de</strong> 1913. A narrativa gira em torno <strong>de</strong><br />

dois temas recorrentes no escritor: o medo primitivo do sobrenatural e o sofrimento<br />

da morte, narrado com violência e exagero, minuciosamente. A menina Sara acredita<br />

ter <strong>de</strong>safiado os po<strong>de</strong>res divinos simplesmente por ter arremessado ao mar uma<br />

folha do calendário, “com o dia ainda vivo”. Tanto o pecado quanto o castigo<br />

interminável da criança parecem injustificados, assim como soa improvável a mistura<br />

<strong>de</strong> verbo exorbitante e rusticida<strong>de</strong> popular. Ainda assim, a história seduz por sua<br />

<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e vivacida<strong>de</strong>. Descontado o verniz da linguagem, resta ainda muito que<br />

admirar na escrita e na imaginação <strong>de</strong> Coelho Neto.<br />

O conto “Dentro da noite” (pág. 69) é uma trama sobre perversão, bem ao<br />

gosto <strong>de</strong> João do Rio. Entre seus personagens típicos, está não apenas o dândi<br />

refinado, com seus prazeres mundanos, mas também os neuróticos, sádicos,<br />

alcoólatras e viciados <strong>de</strong> toda espécie. Todavia, a perversão é enfocada com<br />

distanciamento, misturada a paradoxos e consi<strong>de</strong>rações filosóficas, como se o autor<br />

não pu<strong>de</strong>sse exprimi-la em estado bruto, sem refinamento ou censura. Por privilegiar<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

o ponto <strong>de</strong> vista da normalida<strong>de</strong> burguesa, o conto se enquadra ainda naquela<br />

concepção <strong>de</strong> literatura como “sorriso da socieda<strong>de</strong>”. Mas o apito insistente da<br />

locomotiva, rasgando o subúrbio, lembra que a cida<strong>de</strong> é feita <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos. A<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> inclui também “os mutilados da belle époque” (a expressão é <strong>de</strong><br />

Antonio Arnoni Prado) e vai além da burguesia esnobe que João do Rio tanto<br />

reverenciou em sua obra, ao mesmo tempo que lhe dava alfinetadas.<br />

Para Lima Barreto, o subúrbio é o “refúgio dos infelizes”. Seus livros contêm<br />

representantes <strong>de</strong> todos os grupos sociais, mas sobretudo das camadas populares.<br />

Nos personagens suburbanos, o escritor projeta amarguras pessoais, o que dá à sua<br />

literatura um forte caráter memorialístico. No romance Recordações do escrivão<br />

Isaías Caminha, ele retrata a si mesmo e revela seus conflitos em face dos<br />

preconceitos <strong>de</strong> cor e <strong>de</strong> classe. O mesmo sentimento <strong>de</strong> exílio aparece no conto “O<br />

filho da Gabriela” (pág. 83). Vivendo entre favores e humilhações, Horácio tem em<br />

comum com o autor a saú<strong>de</strong> frágil, a fantasia e a vaida<strong>de</strong>. Na escola, ele manifesta<br />

<strong>de</strong>sprezo pelo “espetáculo do saber”, criticado com numerosos adjetivos: grandioso,<br />

apoteótico, solene, carrancudo, feroz, autoritário. Contra as regras da gramática e<br />

da socieda<strong>de</strong>, volta-se o menino com sua febre — e o escritor com a “loucura” que o<br />

fez terminar a vida tragicamente, em hospícios.<br />

Nos contos <strong>de</strong> Afonso Arinos, a i<strong>de</strong>ntificação é com os sertanejos. Em Pelo<br />

sertão, a preposição que faz parte do título indica tanto a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma viagem<br />

“através <strong>de</strong>”, como a <strong>de</strong> um manifesto político “em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>”. O escritor não<br />

apenas viaja pelo sertão, mas também fala pelo sertanejo e, portanto, no lugar <strong>de</strong>le.<br />

Daí a intrusão da gramática culta no linguajar errado <strong>de</strong> personagens que se tornam,<br />

por esse motivo, artificiais. Excessivamente bondosos, valentes e fiéis, não<br />

conseguem ainda falar por si mesmos; limitam-se a reproduzir o discurso dos<br />

patrões, assumindo uma posição subalterna. Em “Joaquim Mironga” (pág. 11),<br />

Arinos não <strong>de</strong>monstra preocupação com os conflitos sociais. O que predomina é a<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

visão mítica do sertanejo como homem primitivo, inocente, dominado pelas forças<br />

da natureza e em contato com as fontes da poesia.<br />

O caso <strong>de</strong> Hugo Carvalho Ramos, que já foi chamado <strong>de</strong> “ficcionista áspero”,<br />

é um pouco diferente. Interessado nos problemas políticos e econômicos do país, o<br />

escritor fez questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar a dura realida<strong>de</strong> do sertanejo pobre, obrigado a<br />

submeter-se aos códigos particulares e à brutalida<strong>de</strong> dos latifundiários. “Mágoa <strong>de</strong><br />

vaqueiro” (pág. 29) é a triste história <strong>de</strong> um homem abandonado por sua filha, que<br />

foge com o namorado. O sertanejo velho e pobre se torna uma espécie <strong>de</strong> símbolo<br />

do próprio sertão miserável, abandonado pelas autorida<strong>de</strong>s, esquecido pelos<br />

intelectuais, atropelado cruelmente pela cida<strong>de</strong> na República comandada pelo i<strong>de</strong>al<br />

do progresso. Sua mágoa exprime a dor <strong>de</strong> um velho mundo.<br />

No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> o regionalismo constituiu uma verda<strong>de</strong>ira<br />

tradição, João Simões Lopes Neto também saiu em <strong>de</strong>manda do rincão perdido – a<br />

campanha – e do primitivo herói gaúcho. “O boi velho” (pág. 39) é um dos seus<br />

contos antológicos, um poema sobre o paraíso perdido das coisas simples. No início<br />

da narrativa, há uma perfeita união entre homens, animais e natureza. Mas as<br />

crianças, transformadas em adultos, se entregam à corrupção do dinheiro e do<br />

po<strong>de</strong>r. O boi velho existe para nos lembrar da inocência que per<strong>de</strong>mos – e da<br />

plenitu<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> ter. É o que ensina Simões Lopes por meio da sabedoria<br />

popular <strong>de</strong> Blau Nunes – utilizando uma linguagem reduzida ao essencial, cheia <strong>de</strong><br />

recursos poéticos, que impressiona pela espontaneida<strong>de</strong>.<br />

Sugestões <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

1. Na geração pré-mo<strong>de</strong>rnista, os escritores <strong>de</strong> vanguarda encontraram<br />

gran<strong>de</strong>s inimigos, mas também alguns dos precursores da renovação estética que<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

ocorreria a partir da década <strong>de</strong> 1920. É possível falar, então, em duas correntes<br />

atuando na literatura ficcional do período: uma mais conservadora e “passadista”,<br />

ligada ao refinamento do Parnasianismo, e a outra introduzindo, nos temas e na<br />

linguagem, prenúncios <strong>de</strong> libertação. Peça aos alunos que procurem nos contos do<br />

livro fragmentos que exemplifiquem as duas tendências – a “parnasiana” <strong>de</strong> Coelho<br />

Neto e a “mo<strong>de</strong>rna” <strong>de</strong> Lima Barreto. Contos <strong>de</strong> outros autores também po<strong>de</strong>m ser<br />

utilizados. Os alunos <strong>de</strong>vem procurar exemplos tanto <strong>de</strong> natureza estética quanto <strong>de</strong><br />

caráter i<strong>de</strong>ológico.<br />

2. É difícil compreen<strong>de</strong>r a literatura pré-mo<strong>de</strong>rnista sem conhecer melhor o<br />

significado da belle époque. Duas pesquisas po<strong>de</strong>m ser sugeridas aos alunos. A<br />

primeira sobre a época <strong>de</strong> luxo e prazeres vivida pela socieda<strong>de</strong> europeia<br />

(especialmente a francesa) nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A outra<br />

pesquisa seria focada na cida<strong>de</strong> que foi o centro da belle époque brasileira, isto é, o<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, que também viveu nesse período uma onda <strong>de</strong> refinamento e<br />

mo<strong>de</strong>rnização. Peça aos alunos que levantem informações sobre a socieda<strong>de</strong>, a<br />

cultura e o comportamento das pessoas nessa época.<br />

3. O estilo artístico dominante na época do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo era o art<br />

nouveau, cujos marcos históricos foram a construção da torre Eiffel e a exposição<br />

universal <strong>de</strong> Paris, em 1900. Proponha aos alunos um estudo sobre o art nouveau.<br />

Peça-lhes que procurem em livros <strong>de</strong> história da arte ilustrações <strong>de</strong> objetos artísticos<br />

e <strong>de</strong> construções arquitetônicas pertencentes ao período. Depois <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar suas<br />

principais características, os alunos <strong>de</strong>verão comparar esse estilo ornamental com as<br />

expressões rebuscadas dos textos <strong>de</strong> Coelho Neto, João do Rio e Afonso Arinos.<br />

4. Segundo Lima Barreto, era importante “<strong>de</strong>scoelhonetizar” a literatura<br />

praticada no Brasil no começo do século XX. Foi o que fizeram o autor <strong>de</strong> Triste Fim<br />

<strong>de</strong> Policarpo Quaresma e também os mo<strong>de</strong>rnistas como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Oswald<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Alcântara Machado. Uma ativida<strong>de</strong> criativa que po<strong>de</strong> ser<br />

Coleção O prazer da prosa


<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

proposta aos alunos é o exercício <strong>de</strong> reescrever um fragmento do conto “Atração da<br />

terra”, <strong>de</strong> Coelho Neto. Eles <strong>de</strong>verão manter todas as informações, a sequência das<br />

frases e dos diálogos etc. A intervenção seria apenas no sentido <strong>de</strong> substituir o<br />

refinamento (os adjetivos, os vocábulos raros) por uma expressão mais simples e<br />

<strong>de</strong>spojada. O exercício dará aos alunos uma consciência maior do “falar difícil” e dos<br />

males da retórica bacharelesca que dominaram por muito tempo a cultura brasileira.<br />

5. O tratamento que João Simões Lopes Neto <strong>de</strong>u ao sertanejo é muito<br />

diferente do que existia na velha literatura regionalista, muito i<strong>de</strong>alizadora e ao<br />

mesmo tempo preconceituosa em relação ao homem da roça. Para marcar bem a<br />

distância entre o escritor culto e o personagem rústico, muitos autores chegavam a<br />

exagerar os erros, como se quisessem fazer uma caricatura dos analfabetos. Mostre<br />

aos alunos este fragmento do livro <strong>Ser</strong>tão, <strong>de</strong> Coelho Neto, que assim reproduz a<br />

fala sertaneja: “É, ocês pensa que’a genti não tem mais qui faze sinão anda atrás du<br />

chero, di saia, cumu cachorru nu rastu di cutia...”. Em seguida, peça que comparem<br />

essa forma <strong>de</strong> exprimir a linguagem dos “ignorantes” com a narrativa do vaqueiro<br />

Blau Nunes, contador <strong>de</strong> causos no qual se projeta o autor do conto “O boi velho”.<br />

Quais são as principais diferenças no plano da expressão verbal? O que isso revela no<br />

que diz respeito à i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> cada um dos autores?<br />

6. Não foram apenas os escritores mo<strong>de</strong>rnistas como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e<br />

Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> que se preocuparam com o Brasil. Entre os autores da geração<br />

pré-mo<strong>de</strong>rnista, havia também um intenso <strong>de</strong>bate em torno do nacionalismo. Após a<br />

euforia patriótica dos escritores românticos e o pessimismo dos realistas e<br />

naturalistas, novas visões a respeito do Brasil apareceram na virada do século XX.<br />

Peça aos alunos que pesquisem as interpretações <strong>de</strong> dois escritores importantes da<br />

época, que não fazem parte da nossa coletânea: Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, autor <strong>de</strong> Os<br />

sertões, e Monteiro Lobato, o criador do célebre personagem Jeca Tatu. O que eles<br />

pensavam do Brasil, especialmente do sertanejo e do caipira? Peça aos alunos que<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

discutam essas visões (concordam com elas?) e que as relacionem com os contos <strong>de</strong><br />

Histórias do Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo.<br />

Referências bibliográficas<br />

BOSI, Alfredo. O Pré-Mo<strong>de</strong>rnismo. São Paulo: Cultrix, 1969.<br />

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escritos. São Paulo: Duas Cida<strong>de</strong>s, 1977.<br />

DOMINGUES, Chirley e Alves, Marcelo. A cida<strong>de</strong> escrita: literatura, jornalismo e<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em João do Rio. Itajaí: Universida<strong>de</strong> do Vale do Itajaí, 2005.<br />

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textos <strong>de</strong> Augusto Meyer, Aurélio Buarque <strong>de</strong> Hollanda e Carlos Reverbel). Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Globo, 1961.<br />

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ficção mineira <strong>de</strong> Bernardo Guimarães aos primeiros mo<strong>de</strong>rnistas. Belo Horizonte:<br />

Conselho Estadual <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong> Minas Gerais, 1982.<br />

PAES, José Paulo. “O art nouveau na literatura brasileira”. In: Gregos & baianos. São<br />

Paulo: Brasiliense, 1985.<br />

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<strong>Roteiro</strong> <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />

PEREIRA, Lúcia Miguel. Prosa <strong>de</strong> ficção. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp,<br />

1988.<br />

PRADO, Antonio Arnoni. “Mutilados da belle-époque”: notas sobre as reportagens <strong>de</strong><br />

João do Rio”. In: Schwarz, Roberto (org.). Os pobres na literatura brasileira. São<br />

Paulo: Brasiliense, 1983.<br />

ROSENFELD, Anatol. “A obra romanesca <strong>de</strong> Lima Barreto”. In: Letras e leituras. São<br />

Paulo: Perspectiva, 1994.<br />

SOUSA, Afonso Félix <strong>de</strong>. “Apresentação”. In: Ramos, Hugo <strong>de</strong> Carvalho. Trechos<br />

escolhidos (col. Nossos Clássicos). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 1959.<br />

VELLINHO, Moysés. “Apresentação”. In: Lopes Neto, João Simões. Contos e lendas<br />

(col. Nossos clássicos). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 1957.<br />

VICENTINI, Albertina. A narrativa <strong>de</strong> Hugo <strong>de</strong> Carvalho Ramos. São Paulo: Perspectiva,<br />

1986.<br />

<strong>Roteiro</strong> elaborado por Ivan Marques, doutor em Literatura Brasileira e professor da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

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